Capítulo 4 – Inversão Sutil
Dois meses haviam se passado desde o short e a legging. Aquele pedaço mínimo de jeans e o tecido preto continuavam dobrados com perfeição na gaveta, como uma lembrança viva de um momento que Nayra não sabia explicar. Ela ainda não as vestia com frequência, mas Jeffi percebia os sinais. Discretos, quase invisíveis — o jeito como ela olhava pro espelho ao se trocar, o tempo a mais se arrumando, a hesitação ao escolher roupas. Como se estivesse, inconscientemente, prestando mais atenção a si mesma.
Nayra não mudara suas vestimentas. Continuava com suas saias longas, blusas fechadas, postura composta. Mas havia um detalhe que só alguém muito atento perceberia: o olhar. Um leve brilho novo nos olhos verdes, uma curiosidade tímida que não se encaixava mais tão bem com a rigidez do recato.
Jeffi sentia que o tempo da passividade havia acabado. Não agir seria o mesmo que deixar a semente morrer antes de germinar. Mas ele também sabia que agir mal podia estragar tudo. Era preciso mais do que paciência — era preciso arte.
Então planejou.
Uma tarde qualquer, após deixar Isa na escola e voltar pra casa, Nayra encontrou uma pequena caixa sobre a cama. Em cima, um bilhete escrito à mão:
"Pra mulher mais linda da casa. Só porque sim. – Jeffi."
Ela abriu a caixa. Dentro, três peças de lingerie. Delicadas, finas, com recortes ousados e sensuais, mas longe de serem vulgares. Tons de vinho e preto, detalhes em renda. Modelos asa delta, que valorizavam as curvas sem escancarar. Sensualidade sofisticada.
Nayra arqueou uma sobrancelha, riu sozinha e balançou a cabeça como se Jeffi fosse um adolescente tarado. Mas não havia raiva, nem indignação. Ela segurou uma das peças pelas alças finas e a suspendeu no ar, observando-a contra a luz que entrava pela janela.
“Isso é coisa de mulher atirada…”, murmurou, como se tivesse alguém ali com ela pra ouvir. Mas ao invés de largar a peça ou jogá-la de volta na caixa, passou o dedo pela renda como quem acaricia algo frágil e bonito.
E foi nesse instante que algo dentro dela tremeu.
Havia aprendido a vida inteira que esse tipo de roupa era errada. Que uma mulher direita não usava essas coisas, muito menos gostava delas. E, no entanto, ali estava ela, encantada. Aquilo era… bonito. Exagerado, talvez, mas bonito. Como se o tecido tivesse uma alma própria, como se prometesse à mulher que o vestisse uma versão mais livre de si mesma.
Essa percepção a confunde. Nayra sente uma pontada de culpa, como se só o fato de achar bonito já fosse um pecado. Mas guarda as peças com delicadeza numa gaveta separada, como quem não quer se desfazer de um segredo. Não contou nada a Jeffi. Nem precisou. Ele viu pela ausência de reações extremas que havia acertado.
Ele sabia ler Nayra como ninguém.
Nas semanas seguintes, Jeffi mudou de tom. Sem dizer uma palavra sobre as lingeries, começou a agir. Transformar-se. E Nayra notou.
Sem que ela pedisse, ele passou a fazer mais do que o básico em casa. Lavava a louça, organizava brinquedos, preparava o café da manhã enquanto ela ainda espreguiçava na cama. Passou a dizer com mais frequência que ela merecia descanso, que ela cuidava demais de tudo e que agora era hora de alguém cuidar dela também.
No início, ela reagiu com estranheza.
— Tá tudo bem contigo? — perguntou num desses cafés da manhã.
— Tudo ótimo. Só tô querendo ver você descansando mais.
E antes que ela pudesse argumentar que isso era "papel dela", ele emendou:
— Ah, e contratei uma diarista. Quatro vezes por semana. Vai ajudar aqui em casa.
— O quê? Jeffi… você sabe que eu gosto de cuidar das coisas.
— E vai continuar cuidando — respondeu, calmo. — Só não precisa mais fazer tudo sozinha. Você tem se desdobrado por anos. Eu que tô atrasado nisso.
Ela não gostou de cara. Sentiu como se estivessem roubando dela uma parte importante da sua identidade. Mas Jeffi não forçou. Deixou que o tempo falasse.
A diarista chegou, educada, eficiente. Nayra ficou rondando nos primeiros dias, observando, corrigindo, tentando resistir. Mas aos poucos, a praticidade falou mais alto. O tempo que antes gastava limpando banheiro ou esfregando chão virou tempo pra Isa, pra ler, pra simplesmente… não fazer nada.
E foi aí que Nayra percebeu algo novo: ela também podia ser cuidada.
Ao mesmo tempo, Jeffi assumiu parte maior na criação de Isa. Levar e buscar na escola, brincar mais com ela, dar banho, ajudar nas tarefas. Nayra, acostumada a resolver tudo, se viu estranhamente livre. No começo, desconfiou. Parecia bom demais. Mas Jeffi nunca exigia nada em troca. Nenhuma cobrança, nenhuma chantagem emocional. Só gentileza.
E assim, entre um gesto e outro, ele foi tirando dela a ideia antiga de que homem manda, provê, comanda. Não com discursos, mas com ações. Nayra começou a vê-lo como algo novo. Não menos homem, mas mais parceiro. E essa inversão foi sutil, porém poderosa.
Jeffi sabia o que estava fazendo.
Com Nayra menos sobrecarregada, mais tempo livre se abriu — e ele sabia: o ócio não era perigoso. Era fértil. Era onde o desejo começava a encontrar espaço pra respirar.
Além das atitudes, vieram os mimos. Presentes simples. Flores sem data. Chocolates, livros, um perfume. E os elogios, sempre no tom certo. “Você tá linda assim, sabia?” ou “Como é que esse cabelo teu brilha desse jeito, hein?”. Não era bajulação. Era construção. Tijolo por tijolo, erguendo uma nova Nayra — a Nayra que ele via, mas que ela ainda não conhecia.
Foi também nessa fase que Jeffi plantou outra semente:
— Por que você parou de dirigir?
— Ah, sei lá… tudo é tão perto aqui. A gente vai a pé pra quase tudo. E depois que Isa nasceu, fui perdendo o costume.
— Mas e se um dia quiser sair sozinha, fazer algo só teu, sem depender de mim ou de Uber?
— Não sei, acho que desaprendi… Fico meio insegura agora.
Jeffi sorriu, misterioso.
Dois dias depois, Nayra acordou com o som de buzina vindo da garagem. Espiou pela janela e viu um carro novinho, compacto, discreto, mas moderno. Com um laço vermelho em cima. Arregalou os olhos.
Desceu de pijama e cara de quem não sabia se brigava ou chorava.
— Jeffi, você tá maluco?
— É teu. Achei que você merecia. Um incentivo pra voltar a dirigir... pra ir onde quiser, na hora que quiser.
Ela ficou parada, sem reação. Segurou o choro, segurou o riso. Passou a mão no capô como se tocasse algo sagrado.
— Eu nem sei se ainda sei dirigir…
— Aprende de novo. Eu te ajudo. Ou faz aula. O que importa é que agora tá nas tuas mãos.
Ele jogou a chave pra ela, que pegou no susto.
— E outra coisa — disse, se aproximando com aquele ar cafajeste domesticado — mulher ao volante é uma das coisas mais sexy que existe.
Nayra riu, balançou a cabeça, mas ficou olhando pro carro com aquele mesmo olhar que tinha lançado pras lingeries: o de quem, no fundo, gostou. Muito.
Naquela noite, o silêncio entre eles parecia mais carregado que o normal. Não era desconforto — era tensão. Da boa.
Deitados na cama, Nayra virou de lado e Jeffi colou por trás. As mãos dele foram se ajeitando devagar na cintura dela, subindo pela barriga como quem caminha sem pressa num campo desconhecido. Ela não disse nada. Só respirou fundo. Quando os dedos dele encontraram o elástico da calcinha, ela hesitou.
— Jeffi… — sussurrou, meio como aviso, meio como dúvida.
— Shhh… — ele respondeu baixo, com a boca perto da orelha. — Só relaxa. Deixa eu cuidar de você hoje.
Ela não respondeu. Nem recusou. E isso, naquele momento, era um sim. Um sim frágil, quase tímido, mas ainda assim um sim.
Os dedos dele entraram por baixo do tecido e começaram a explorá-la com uma calma quase indecente. Ele não foi direto. Circulava, provocava, recuava. Estimulava mais a mente do que o corpo. Como se dissesse: “Eu tô aqui, e você pode sentir prazer… sem culpa.”
Nayra tentou conter os suspiros, mas o corpo dela tinha sua própria língua. Foi se arqueando, se rendendo. As pernas tremiam levemente, o quadril respondia. Não havia palavras, só a respiração dela acelerando enquanto Jeffi descobria ritmos e reações.
Quando o orgasmo veio, não foi uma explosão. Foi um sismo. Silencioso, interno, como se algo dentro dela tivesse sido quebrado — ou libertado. Ela se encolheu contra o peito dele, ofegante, olhos fechados.
E Jeffi só a abraçou mais forte, beijando o ombro dela com carinho. Não comemorou. Não se gabou. Como se dissesse: “Isso não foi sobre mim. Foi sobre você.”
Ainda naquela noite, enquanto escovava os dentes, Nayra olhou o próprio reflexo com atenção. Não procurava defeitos, como costumava fazer. Procurava… algo. Não sabia o quê. Talvez o que Jeffi dizia ver.
No fundo, ela sabia que algo dentro dela havia mudado. Ainda que não soubesse nomear. Ainda que a culpa, vez ou outra, soprasse no ouvido frases da infância: “Isso é feio”, “Isso é pecado”, “Isso não é de mulher de respeito.”
Mas havia um detalhe: essas frases já não pareciam verdades absolutas. Pareciam só… ecos.
Jeffi, por sua vez, a observava com a paciência de um jardineiro. Sabia que cada gesto estava irrigando um solo antigo, duro, mas fértil. Sabia que a flor que ele queria ver desabrochar não podia ser forçada com pressa. O que ele desejava de Nayra não era uma fantasia vazia, era a liberdade plena. Que ela olhasse no espelho e dissesse: “Eu sou uma mulher sexy. E tudo bem.”
Não queria só vê-la com outro homem. Queria vê-la desejando isso. Por ela. Não por ele.
Mas isso ainda era sonho distante. E Jeffi não sonhava alto à toa. Sonhava aos poucos, com os pés no chão e os olhos no horizonte.
O short e a legging foram o primeiro passo.
As lingeries, o segundo.
A diarista, o terceiro
O carro, o quarto.
O resto… viria. Porque agora Nayra estava começando a ver. Ainda com receio, ainda com amarras — mas vendo.
E uma vez que alguém começa a enxergar a si mesmo com novos olhos… não tem mais como desver.