Perdição

Um conto erótico de Casal Tatuíra
Categoria: Heterossexual
Contém 1909 palavras
Data: 13/07/2025 18:06:35

Chovia lá fora. Uma chuva miúda, quase cúmplice, que não molhava apenas os telhados, mas também as almas mais ressecadas pela rotina. Dentro da casa modesta, Paulo sentia o suor escorrer pelas costas, embora o dia estivesse frio. A sala era pobre, mas arrumada — obra de Lúcia, sua mulher, cuja ausência naquele instante parecia um convite tácito dos céus ou do inferno. Cris entrou sem bater. Como se tivesse direito de sangue sobre aquele espaço. Usava um vestido solto, justo onde devia estar folgado e folgado onde ninguém repararia. Parou no meio da sala e olhou ao redor com aquele ar de quem está em casa — ou invadindo uma. Os olhos dela brilhavam. Não de inocência, isso nunca. Brilhavam por dentro, como lamparinas acesas dentro de um templo proibido.

— Você tem bom gosto — disse, pausada. — Ou será que foi sua mulher? Paulo forçou um sorriso. Tentou disfarçar. Mas a voz saiu fraca:

— Ela ajuda... mas quem escolheu os móveis fui eu.

Cris sentou-se na ponta do sofá, cruzando as pernas com a lentidão cruel de quem sabe o peso que carrega cada movimento seu. Era uma mulher feita para ser olhada, desejada, amaldiçoada. E ela sabia disso. Sabia tanto que já não fingia mais ignorar.

— Que interessante — murmurou, inclinando-se levemente pra frente. — Você escolhe muita coisa, não é? Até quem pode olhar pra mim.

Paulo engoliu em seco. O coração batia tão alto que ele tinha medo de que ela ouvisse. Foi quase um ato de defesa erguer a voz: — O que você quer dizer com isso? Ela não respondeu logo. Deixou o silêncio crescer entre eles, pesado, quase tangível. Depois, baixinho, como quem revela um segredo que não deveria ter sido guardado:

— Eu sei que você me espia. Sei que fica na janela quando eu volto do mercado. Que observa minha sombra passar pela cerca. Você não é o primeiro homem a fazer isso... mas é o único que faz com cara de pecado.

A respiração dele ficou curta. Raiva? Medo? Desejo? Tudo junto, talvez. Paulo levantou-se abruptamente, como se o assento estivesse pegando fogo.

— Você é casada, Cris.

Ela riu. Um riso baixo, quase triste. Quase piedoso.

— E daí? O marido dorme bêbado todas as noites. E você... você acorda duro todas as manhãs.

Com medo de si mesmo. Paulo caminhou até a janela, de costas para ela. Olhava para fora, mas não via nada. Só tentava fugir do que estava ali, dentro, pulsando nas veias.

— Eu sou um homem decente — disse, quase como uma oração.

Cris levantou-se devagar. Veio por trás. Chegou perto. Tão perto que ele podia sentir o calor do corpo dela, o perfume doce e antigo, como lembrança de algo que nunca viveu, mas sempre desejou.

— É... e os decentes são sempre os mais perigosos — sussurrou. — Porque carregam o demônio dentro e fingem que ele não existe.

O silêncio voltou. Mais grosso ainda. A chuva lá fora aumentou. Paulo fechou os olhos. Cris pôs a mão em seu ombro. Fria. Quente. Mortal.

— Você veio aqui pra isso? Pra me provocar? — perguntou ele, a voz tremendo.

— Veio quem chamou — respondeu Cris. — E se estou aqui... é porque você queria. Precisava. Talvez até precise mais do que eu.

Ele não virou. Não falou. Ficaram assim, estáticos, como duas figuras de um altar maldito. O mundo girava lá fora. Ali, tudo parara. O tempo. A razão. A moral. E então, ela disse, quase sem voz: — A gente podia ser feliz... ou pelo menos infeliz juntos.

Paulo continuava de costas para ela, os dedos crispados na beirada da janela, como se o vidro frio pudesse acalmá-lo. A respiração estava pesada, quase ofegante, embora ele tentasse disfarçar até de si mesmo o que sentia. O mundo parecia ter parado ali, entre duas batidas do coração. E então, ouviu.

O vestido caindo ao chão.

Não foi um ruído forte. Foi suave, quase reverente, como se o tecido tivesse vergonha de abandonar o corpo que cobria. Paulo não se virou. Não ousou. Tinha medo. Medo de olhar. Medo de não conseguir parar. Medo de gostar demais.

Ela apareceu diante dele como uma visão. Ou seria uma alucinação?

Cris usava apenas uma lingerie de renda branca, tão fina que mal escondia o que deveria encobrir. Era como se estivesse nua, mas envolta numa promessa. Os seios firmes, aréolas morenas e bicos eretos, como se também soubessem da gravidade do momento. A cintura ainda mais marcada, como se a própria natureza tivesse feito questão de esculpi-la assim, propositadamente cruel. As pernas, longas e torneadas, terminavam num véu de renda que simulava a inocência — e a escarnecia.

Era uma figura de altar invertido. Uma santa das coisas proibidas. Uma deusa que exigia sacrifício em carne viva.

Paulo sentiu o corpo todo reagir com uma intensidade quase dolorosa. A tensão subiu como uma maré violenta, apertando seu peito, sua garganta, suas partes mais baixas. O sangue fugiu do cérebro e foi parar num lugar onde a razão não tem vez. Ele queria dizer algo. Qualquer coisa. Uma palavra de recusa, talvez. Uma oração. Mas não saiu nada.

— Olha pra mim — disse Cris, baixo, quase maternal.

Ele obedeceu. Como um homem que caminha para o pelotão de fuzilamento, mas sorri ao ver a corda.

— Você nunca viu uma mulher assim de verdade, viu? — perguntou ela, dando um passo para frente. — Só nas suas noites sozinho. Nos seus sonhos que você apaga com água fria.

Paulo não respondeu. Não podia. Estava sendo julgado por Deus e pelo diabo ao mesmo tempo. Sentia-se nu diante daquela quase nudez. Ela aproximou-se mais. O cheiro dela era quase pecaminoso: doce, quente, antigo.

— Anda — sussurrou, segurando a mão dele com firmeza. — Toca. É real. Não é sonho. Não é pecado. É só desejo.

Ela guiou a mão de Paulo até sua cintura. A pele era quente, sedosa, pulsante. Ele tremia. Um homem decente, dizia ele. Um homem de família. E agora, ali estava: as mãos em algo que não lhe pertencia. E que, por isso mesmo, lhe pertencia inteiro.

Cris sorriu. Um sorriso largo, quase vitorioso. Sabia que ele já havia caído. Só faltava aceitar.

— Anda, Paulo... — repetiu. — Pecar dói menos do que fingir que não quer.

Ela ainda sorria quando ele a agarrou.

Foi rápido. Brutal. Como se toda a contenção dos anos anteriores tivesse estourado num único gesto. As mãos dele não eram mais as de um homem decente. Eram as de alguém que já havia imaginado aquele momento tantas vezes que agora precisava apressar-se para não acordar antes de terminar.

Cris sentiu o corpo ser puxado contra o peito rijo de Paulo — e surpreendeu-se. Não com medo. Com prazer. Aquele prazer raro, quase animal, de quem encontra no outro algo que nunca esperava: verdade.

Ele não falou. Não pediu. Não implorou. Beijou-a com a fúria de quem estava cansado de rezar em vão. A língua invadiu sua boca como uma lança santa. Os dedos apertaram suas costas, seus braços, seu pescoço fino. Era quase sufocante. Quase violento. Mas Cris não resistiu. Pelo contrário.

— Ah... — gemeu ela, sem ar, entre beijos. — Então era isso... Tudo isso aí...

Era mesmo. Por baixo da magreza sacristã, por trás da timidez fingida, escondia-se um homem feito de desejo puro, bruto, incontrolável. Um homem que não queria apenas possuí-la — queria aniquilá-la. Transformá-la em nada. Em tudo.

Paulo a empurrou até a parede, guiando-a com força, como se soubesse exatamente onde colocá-la. Cris sentiu as costas baterem na parede fria, e sentiu também — e principalmente — a dureza dele pressionando sua coxa, quase rasgando o tecido da calça.

Ela riu. Baixinho. Um riso de vitória. De reconhecimento.

— Ninguém acredita em você, não é? Te chamam de fraco... de corno... de sacristão... — murmurou, ofegante, enquanto ele descia os lábios pelo seu pescoço, mordendo, lambendo, marcando. — Mas eu sei... Eu sinto... Você pode me partir ao meio...

Ele parou um segundo. Olhou nos olhos dela. E disse, com voz grave, quase ameaçadora:

— É porque eu vou.

Não foi uma promessa. Foi uma sentença.

Naquela sala úmida de chuva e desejo, Paulo não era mais o vizinho discreto, o homem de família, o marido dócil. Era um homem inteiro. Um homem real. E Cris, com todo o seu poder, com toda a sua sedução, soube, ali, que finalmente encontrara alguém à sua altura.

Ou talvez... acima.

A roupa saiu como folhas secas ao vento. Rápidas, inúteis. Paulo arrancou o que havia sobrado entre ele e Cris com uma violência que não era ódio, nem mesmo luxúria — era necessidade. Era destino. E destino, quando bate à porta, não pede licença. Entra.

Ela estava nua diante dele agora. De pé, contra a parede, os olhos brilhando como os de uma fera presa que, no fundo, quer ser dominada. O corpo moreno tremia levemente, mas não de medo. De antecipação. De expectativa. Ela sabia que aquele seria um encontro para além da carne. Seria marca. Seria cicatriz.

Paulo também estava nu. A magreza sacristã não escondia mais nada. Por baixo dela, revelava-se o instrumento de sua verdadeira fé. Um tarugo grosso, pesado, ereto como uma lança de guerra. Pulsava. Tinha vida própria. E Cris, que já vira muitos, sentiu o coração apertar.

— Anda... — sussurrou ela. — Me parte. Me faz em pedaços.

Ele não respondeu. Não precisava. Empurrou-a contra a parede, guiou-se até a entrada daquela gruta úmida, quente, pulsante — e enterrou-se nela com um só golpe.

Cris gemeu. Alto. Como quem acorda do sono de anos. Foi como se o mundo tivesse parado por um instante, e depois recomeçado, ainda mais rápido. Paulo sentiu o calor envolvendo-o inteiro, como uma boca gulosa que não quer soltar. Era tão apertado, tão molhado, tão quente, que ele quase perdeu o controle ali mesmo.

Ficaram assim por um segundo que pareceu eterno. Unidos. Inimigos e cúmplices. Corpos colados, almas à distância. E então começou.

Os movimentos. Primeiro lentos. Quase reverentes. Depois brutais. Cada estocada parecia capaz de derrubar paredes. Paulo a segurava pelos quadris, batendo nela com força, como se cada golpe fosse uma confissão, cada gemido um pecado novo. Cris jogava a cabeça pra trás, mordia o lábio, arranhava a parede. Sentia-se rasgar por dentro. E adorava.

O suor escorria. O calor dos corpos se misturava ao frio da sala. Chuva lá fora, tempestade aqui dentro. E do encontro entre eles, entre o quente e o frio, o seco e o úmido, subia um vapor invisível, quase palpável — como se o ar estivesse pegando fogo com eles.

— Você é minha... você é minha... — repetia Paulo, como um mantra louco, enquanto empurrava com força cada vez maior.

— Sou sim... sou tudo seu... — respondia Cris, ofegante, quase chorando de prazer. — Toma. Toma tudo. Até eu acabar.

Era como se estivessem fodendo não apenas com o corpo, mas com a alma. Com o passado. Com as máscaras. Com o nome de Deus e o sorriso do demônio. Cada movimento era uma revolta. Cada gozo, um crime.

Quando veio, foi violento. Simultâneo. Uma explosão. Paulo enterrou-se nela até o fundo e parou, como se estivesse pregando uma cruz — ou sendo pregado nela. Cris gritou. Um grito abafado, quase sagrado. O prazer era tanto que chegava a doer. Que virava dor. Virava culpa. Virava amor. Ou quase.

Caiu a cabeça no ombro dele. Ofegante. Molhada. Acabada. Paulo, ainda duro, ainda enterrado, respirava pesado. O peito arfava como se tivesse corrido léguas. Mas nenhum dos dois falou.

Porque sabiam.

Sabiam que aquilo não era só sexo. Aquilo era muito pior.

Aquilo tinha nome.

E nome próprio.

Chamava-se perdição .

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 0 estrelas.
Incentive Casal Tatuíra a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários