7 de Fevereiro (Sexta-Feira)
— Alô — minha voz sai quase como um sussurro, o quarto está escuro e não faço ideia de que horas são.
— Ciço meu filho, onde você está? — Meu pai está quase gritando do outro lado.
— Em casa, que horas são?
— São quase dez Cicero — porra estou atrasado — você deveria está aqui desde as sete meu filho!
— Desculpa pai, já estou indo — acabei bebendo demais ontem e cheguei em casa pela manhã.
— Agora não adianta mais, já desmarquei meu compromisso, já que não posso contar com você! — Meu velho está extremamente puto comigo e nem posso reclamar, ultimamente tenho dado muita mancada com ele.
— Eu chego ai em um instante pai, sério, o senhor ainda pode ir encontrar com a Pam.
— Você quem sabe Cicinho, mas não preciso mais não — meu pai é muito cabeça dura e desde que larguei a faculdade ele tem ficado muito decepcionado comigo e faz questão de passar isso na minha cara todas as vezes.
Depois de um banho estou quase novo, visto a primeira roupa limpa que encontro — preciso levar minhas roupas para lavar na casa da Pam — coloco meu café na minha caneca térmica e saio, o Kadett 94 vinho em ótimo estado me espera na vaga da garagem, essa foi mais uma das minhas péssimas decisões segundo o papai, trocar a moto por esse carro, mas estava precisando de grana e não estou nem um pouco arrependido.
O café o cheiro de gasolina que tem dentro do meu carro me despertam por completo, quando chego no restaurante já estou pronto para outra — bem hoje já é sexta então essa outra já vai ser depois daqui — meu pai está fumaçando de ódio sentado em uma mesa do salão, estamos quase na hora do almoço e o restaurante costuma lotar bastante. Ele havia me pedido para abrir hoje porque tinha uma série de coisas para resolver com a Pam.
— Bom dia pai.
— Boa tarde você quis dizer né!
— Não é nem meio dia seu Cicero, estou aqui o senhor já pode ir — desde criança costumo ajudar meu pai no restaurante, é uma das poucas coisas que sei fazer até dormindo.
— Quando você falou que ia largar a faculdade eu pensei que você iria fazer outra coisa, mas não né, a não ser que seu plano seja ganhar a vida enchendo a cara com aqueles vagabundos que você chama de amigo.
— Não estou bebendo com seu dinheiro pai — não consigo ficar calado e sei que só piora quando respondo, mas é mais forte do que eu.
— Gastei tanto dinheiro com escola e agora não serviu de nada, o Daniel se formou e está no mestrado e você ai parado no tempo, quando você vai criar juízo meu filho — odeio quando ele começa com o sermão — seu avô não vai viver para sempre, uma hora essa fonte vai secar e quero ver do que você vai viver Cicinho.
— A menos que o senhor venda o restaurante ainda vou ter um sustento pai, agora por favor vai resolver suas coisas, eu cuido do almoço.
— Falar com você é mesmo que falar com as paredes, não sei onde foi que eu errei com você Cicinho — meu pai nunca ligou para mim, odeio quando ele começa com esse discurso de pai, sendo que fui mais educado pela Claudia do que por ele, que nunca estava em casa.
Por fim ele precisa mesmo resolver suas coisas então mesmo relutante e com birra vai encontrar com a Pam e me deixa tomando de conta das coisas, assim que me livro dele me sirvo com uma dose de tequila — agora sim estou pronto para o trabalho — meu pai pode reclamar o que for, mas ele sabe que eu cuido do restaurante tão bem quanto ele, só atrasei um pouco e ele já usa isso para brigar comigo, ainda bem que eu saí de casa, não ia aguentar as reclamações dele se eu tivesse morando com ele ainda.
— Fala filhote! — meu humor melhora cento e dez por cento quando vejo o número do Rick na tela do meu celular.
— Pensei que você ainda estaria dormindo depois de beber feito um doido ontem — ele e meu pai resolveram pegar mesmo no meu pé hoje.
— Nem começa Rick quer mandar na minha vida primeiro deixa o Chico e me assume e segundo volta para cá seu puto — ele está quase casado com o Chico e eu amo eles, são o casal mais foda do mundo.
— É mais fácil o Chico me deixar para ficar contigo, mas diz aí você já brigou com seu pai denovo?
— Sim, você sabe como ele é, já veio com o papo da faculdade de novo e agora deu para dizer que quando meu avô morrer eu não vou ter como me sustentar.
— Você precisa arrumar um emprego ou voltar a estudar, já tivemos essa conversa com você, mais de uma vez.
— Eu vou fazer o curso de Ciencia da Computação, já fiz a matricula ele deve começar no inico do mês que vem — vou começar esse curso porque foi a unica coisa que me interessou e também porque o Rick e o Raylan ficaram no meu pé me ligando todo dia até eu fazer a porra da matricula.
— Muito bem, sim te liguei para confirmar, eu vou pro aniversário do Raylan — vai ser no próximo domingo, mas vamos comemorar no sábado, não neste no próximo, no caso.
— Massa, o Chico vem?
— Não, ele vai está em São Paulo para uma conferência de donos de bar, depois que o Point de Natal saiu naquela revista que te falei ele tá sendo convidado para palestrar em todo canto, bom que é um grana extra.
— Cê vai ficar lá em casa então?
— Sim, o apartamento do Raylan mau cabe ele o Guigo — o pai do Guigo faleceu há uns dois meses, eles ficaram arrasados, mas estão se apoiando pra caralho, foi o próprio Guigo quem deu a ideia de fazer o aniversário do Raylan, só a gente mesmo, para eles saírem um pouco do apartamento.
— Certo, cê vem de carro?
— Não, meu pai está sem carro, daí tá usando o meu por enquanto que não concerta o dele, não sei ainda se na próxima semana ele já vai ter me devolvido, mas de qualquer forma tô pensando em ir de ônibus mesmo.
Rick foi para Natal para tentar se reconciliar com o pai e por lá ficou, ainda mais que o Chico foi com ele, já fui lá algumas, adoro os dois muito, eles moram de frente para praia e o bar do Chico fica na esquina da casa deles, meu amigo trabalha como instrutor em uma academia e a noite ajuda o “namorido” dele no bar. Fico feliz de ver que meus amigos tomaram rumo na vida, mesmo que eu esteja em mar aberto.
Quando eu decidi largar a faculdade já foi no último período, só comecei a ver que não era para mim, Dan ficou muito decepcionado comigo e tivemos nossa segunda briga feia, ele queria muito que eu terminasse pelo menos, mas não consegui, não fazia mais tanto sentido para mim, então meus amigos se formaram — menos o Rick que ainda está cursando o último período da faculdade de educação física, não sei como ele consegue conciliar tudo, mas tem dado certo — e eu fui ficando parado, Raylan passou em um concurso de professor em Fortaleza mesmo o que foi muito foda para ele, já o Guigo enveredou de vez para area da programação, em partes ele tem me motivado muito a fazer um curso também, dei uma olhada e vi que a grade do curso é interessante, vou fazer em uma faculdade particular mesmo, posso pagar e me pareceu mais conviniente.
Dan de todos foi quem mais se deu bem depois da faculdade, ele é o cara mais inteligente que conheço, quando terminou o curso ele passou no mestrado com facilidade e recebeu uma chance de ser orientado por um cara pica na itália, um amigo nosso — o Téo — já estava morando lá então facilitou muito as coisas, nem pensei duas vezes, vendi minha moto e paguei todo o processo para ele ir, com o que sobrou comprei o Kadett.
— Tá me avisa quando você tiver vindo que eu te busco.
— Certo, preciso ir, meu aluno acabou de chegar e vê se não bebe hoje tá, ontem já foi um milagre você ter chegado em casa.
— Sim senhor, seu Ricardo!
— Se cuida seu Cicero.
Meu pai volta pro restaurante quase no final da tarde, mas já esperava que ele fosse demorar por isso nem marquei nada, ele não sabe que vou fazer esse curso, não contei para ele e nem para Pam, só a Claudia sabe, não quero que ele fique me enchendo o saco com isso, eles vão querer pagar as mensalidades e isso vai me dar muita dor de cabeça, conheço os dois, prefiro ficar quieto e continuar levando nome de vagabundo mesmo, melhor. Por hora só quero aproveitar minhas duas últimas semanas de folga só isso.
Quando minhas aulas começarem prometi para mim mesmo e pra todos os envolvidos que vou me esforçar de verdade e terminar esse curso antes do tempo, uma das coisas que me fez escolher esse curso nessa instituição especificar é que posso cursar mais matérias por semestre e tem algumas onlines que posso pegar muitas de uma vez, não é como se eu andasse muito ocupado, vou ter bastante tempo para pegar o máximo de disciplinas que for possível, nas minhas contas consigo terminar esse curso em um tempo legal. Quem sabe assim eu deixe de me sentir tão para trás.
Aproveito para jantar logo no restaurante mesmo, estou sem vontade de cozinhar só para mim e ando evitando comprar comida fora, é muito gasto e agora com a faculdade vou precisar economizar, o Dan recebe bolsa, mas não é muito, então todo mês tenho ajudado ele com as despeza por lá também. Foi uma novela até ele aceitar minha ajuda, até hoje escuto o choro dele por causa da moto que eu vendi. Tô para conhecer duas pessoas mais teimosas do que ele e meu pai.
Aproveitando que meu pai está no restaurante agora e a essa hora a Pam já deve ter ganhado o mundo com suas amigas, passo na casa deles antes de voltar para minha. Claudia está na cozinha terminando de limpá-la. Ela abre um sorriso grande quando me vê e retribuo. Acabei de jantar, mesmo assim me obrigo a comer um pedaço de bolo que ela preparou, amo a comida dela, ela é a melhor cozinheira do mundo.
— Vou fazer umas marmitas para você levar e comer essa semana, mas traga minhas vasilhas depois.
— Sim senhora, qualquer coisa você pode pegar lá — eu amo quando Claudia vai me visitar porque ele sempre dá uma geral no meu apartamento, eu posso tentar limpar minha casa, mas nunca fica do mesmo jeito depois que ela limpa.
— Como você está, seus pais estavam chateados com você.
— Eles sempre estão chateados comigo por algum motivo, é a forma deles dizerem que se importam — nem ligo mais sinceramente.
— Pensei que a relação de vocês estivesse melhorando — essa mulher só tem amor no peito, talvez por isso seja difícil de acreditar que com meus pais amor não é um sentimento muito presente sempre na nossa relação.
— Eles amam o Dan e querem que eu seja igual a ele — as comparações nunca acabam.
— Eles te amam Cicinho.
— Aí é você quem está dizendo, agora eu vou deitar um pouquinho e você me acorda com a máquina parar de bater minhas roupas por favor?
— Claro meu amor, descanse que eu lhe chamo — eu amo a Cláudia.
Meu quarto aqui continua quase igual, bem levei minha cama para casa nova, mas meu pai comprou uma nova para deixar aqui, eles têm uma confiança muito forte de que essa história de morar sozinho não vai para frente, mesmo depois de mais de dois anos morando sozinho eles ainda não colocam fé em mim, incrível!
Pego no sono com facilidade, nunca tive problemas para dormir, na real meu problema é mais para acordar, adoro dormir e faço isso com muito talento e sempre que consigo. Sou acordado do meu sono profundo pela Claudia às oito da noite, dormi duas horas e meia, agora estou pronto para curtir na festa que me chamaram, a galera do racha vai jogar hoje e depois do jogo vamos beber em uma bar que tem no society.
— Aqui meu amor — ela tirou minha roupa da máquina e já até dobrou.
— Não precisava ter dobrado Claudia, eu ia tirar — digo agradecido a ela, eu ia mesmo tirar, mas detesto dobrar roupa, é muito saco fazer tarefas de casa, vai ver por isso que meus pais não sabem como estou aguentando morar só todo esse tempo.
— Não me dá trabalho nenhum cuidar de você Cicinho.
— Eu te amo, você sabe né?
— Sei sim, também te amo Cicinho, eu já vou indo, só fiquei um pouco mais para dobrar sua roupa e te deixar descansar.
— Você é a maior Claudia, deixa eu te deixar em casa, é o mínimo que eu posso fazer, vamos.
Levo ela para casa, depois passo no meu apartamento para tomar um banho e trocar de roupa, visto uma bermuda preta de jogar bola, uma camisa do Vozão e minha chuteira, coloco uma muda de roupa na mochila, vai que depois do jogo a galera resolve sair para beber em outro lugar, estou sempre preparado para tudo. Confiro no grupo se a galera já começou a colar, como moro perto de onde jogamos não tenho tanta pressa assim para chegar lá. Umas das vantagens de estar perto é que posso beber o quanto quiser que depois não tenho muita dificuldade de chegar em casa, muitas vezes vou até a pé.
Mas lembro de uma vez que fiquei tão chapado de cachaça que na hora de voltar para casa eu pedi um carro de aplicativo, como meu endereço casa já fica salvo nos favoritos só selecionei a fiz o pedido da corrida, o motorista ficou meio puto porque de carro não chega nem a ser cinco minutos do society aqui para o apartamento, meus amigos riem de mim até hoje por causa dessa história. Não tenho culpa que me coloca freio na bebedeira era o Dan, mas sem ele aqui acabei voltando a beber como antigamente.
O jogo não é o mesmo sem o Rick aqui, os caras são muito perna de pau, me dá uma raiva, acho que passamos mais tempo nos xingando do que fazendo jogadas — mas futebol é assim mesmo, provocação com os colegas e dar o sangue como se fosse copa do mundo. Quando o jogo acaba sendo com meus amigos para tomarmos uma gelada, até então o plano era não beber, mas tive um dia estressante então aceito quando me oferecem o primeiro copo.
Hoje veio uns carinhos novos e um deles está puxando assunto comigo desde cedo, seu nome e Nicolas, ele é moreno, mais baixo que eu e tem um corpo magro, porém malhado, é um carinha bonito e bem gostosinho até, ele tem me dado umas secadas desde a hora do jogo e agora sentou do meu lado.
— Você joga muito bem Ciço — ele já me chama pelo apelido, não é um problema, já que todo mundo me chama assim.
— Quando o Rick jogava com a gente era pior, ninguém pegava aquele maldido na carreira — um dos meus amigos começa a lembrar dos feitos do nosso amigo em campo.
— Massa, gostei de jogar com vocês, acho que vou vir mais vezes para cá — Nicolas me encara quando diz isso.
Conversa vai conversa vem os caras decidem ir para outro bar, mas hoje estou é um daqueles dias milagrosos ontem às poucas cervejas que bebi já me bastaram — é justo já que nem sei como cheguei em casa ontem — me despeço dos caras e o Nicolas aproveita para me pedir uma carona, ele trabalha amanhã de manhã cedo e não pode ir curtir com os cara. Ele mora razoavelmente perto então não vai ser tanto trabalho assim deixá-lo em casa, no carro vamos conversando sobre o jogo e sobre a vida, ele trabalha como gerente de banco, Nicolas tem quase quarenta, mas aparenta ser bem mais jovem, por ser baixinho isso ajuda a manter a imagem de novinho dele, mesmo parecendo um novinho ele é bem responsável, veio de carro de aplicativo pois sabia que iria beber e não queria dirigir bêbado.
— Eu tinha uma moto e acho que pilotei ela mais bêbado do que sóbrio — sorriu ao lembrar das minhas imprudentes aventuras.
— Você é um cara que curte uma aventura — ele diz com o tom um pouco mais insinuante.
— Eu curto um pouco de perigo, mas bem menos hoje em dia, fui criando juizo com a idade que nem dia meu pai.
— Ah mais algumas aventuras valem a pena serem vividas — Nicolas coloca a mão na minha coxa e com isso confirma me suspeita de que estava dando em cima de mim desde o bar, gentilmente tirou sua mão da minha coxa.
— Foi mal, me desculpem, os caras me falaram que você é bi e que curte ficar com homens — ele começa a se explicar todo sem jeito.
— Não mano, eu sou bi sim, só que não rola não — digo ainda tentando ser gentil.
— Não faço seu tipo?
— Meu tipo é um tanto diferente de ti, é mais assim — desbloqueio meu celular mostrando uma foto minha com o Dan que tiramos na praia antes dele viajar, estamos sentado um do lado do outro e estou com a cabeça apoiada em seu ombro.
— Desculpa eu — agora ele está com mais vergonha ainda.
— Pois é eu namoro macho, mas fica tranquilo, você não sabia, não tem problema.
— Foi mau, ele é um cara de sorte.
— Eu é que sou, ele está estudando na Itália e a gente está a distância.
— E você não tem medo dele ficar com um europeu por lá — agora o Nicolas está sendo um pouco inconveniente, mas vou relevar.
— Não o Daniel, ele é o cara mais correto que conheço, confio nele cegamente assim como ele confia em mim, então é como te falei não vai rolar — dessa vez digo de uma forma mais séria.
Voltei para casa, tomei banho e vesti uma roupa mais folgada, tudo com pressa, no horário certo meu telefone toca e eu atendo.
— Bom dia amor? — Meu relógio marca uma da manhã, mas o dele já é de manhã.
— Bom dia vida, você não acredita no dia de cão que eu tive hoje, ah antes que eu esqueça a Claudia mandou um beijo.