⚠️ AVISO DE CONTEÚDO SENSÍVEL ⚠️
Esta é uma obra de ficção que aborda temas sensíveis e potencialmente desencadeadores, como abuso sexual, violência familiar e traumas psicológicos. Embora a história seja inteiramente fictícia, os temas tratados podem causar gatilhos emocionais em leitores mais sensíveis.
👉 Se você passou ou passa por situações parecidas, saiba que você não está sozinho(a). Procure apoio. No Brasil, o Disque 100 é um canal gratuito e sigiloso para denúncias de violência, abuso e violações de direitos humanos.
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O autor não compactua, apoia ou romantiza qualquer tipo de abuso ou violência retratados na história. Pelo contrário, condena veementemente essas práticas e acredita na importância de dar visibilidade a temas difíceis como forma de conscientização e prevenção.
Se cuide. Leia com responsabilidade.
Capitulo 27 - Brinquedo sexual
...
Gabriel
O sol bateu nos meus olhos, despertando-me de um sonho estranho — um dos que me perseguiam desde os nove anos. Nele, eu corria por uma estrada deserta ladeada por uma floresta densa, tentando fugir de algo que não podia ver. Tudo parecia silencioso até que uma risada macabra ecoava por entre as árvores, vindo de todas as direções. De repente, a noite caía e a lua cheia brilhava no céu. Uma neblina espessa tomava a estrada, e o riso se tornava mais alto, mais sufocante. Eu corria, desesperado, tropeçava numa pedra, e sentia mãos enormes me segurando... Era aí que sempre acordava. Nunca via o rosto da criatura, e geralmente isso era um alívio. Mas naquele dia, eu preferia ter enfrentado o monstro do sonho do que aquilo que vi ao despertar.
Os braços fortes e peludos dele me envolviam, me mantendo preso ao seu corpo. Suas pernas enroscadas às minhas pareciam me impedir de escapar. O relógio marcava quase oito da manhã.
– Jair? – chamei, cutucando sua barriga levemente saliente. – Ela já vai chegar.
Ele apenas resmungou, me puxou com mais força e beijou meu pescoço. Contive o arrepio de repulsa. Levantou-se logo em seguida e foi direto ao banheiro. Eu fiquei ali, sentado na beira da cama, me encarando no espelho do guarda-roupas. Tentei conter a vontade de chorar. Eu odiava o que tinha acontecido na noite anterior. Me sentia tão envergonhado que, por instantes, só pensava em sumir.
Passei os dedos sobre uma marca roxa no meu pescoço e respirei fundo. O chuveiro ligado e o canto de Jair ao fundo me lembravam de onde eu estava. Vesti minha roupa apressadamente, deixei o quarto e atravessei o corredor, onde as paredes eram cobertas de fotos de uma família que para mim era... uma ilusão. A tal "família feliz" parecia um teatro constante.
No banheiro, me encarei novamente no espelho. Meus olhos estavam fundos, cansados. Enchi as mãos com água fria e lavei o rosto, na esperança de apagar as lembranças da noite. Fios de cabelo molhado grudavam na testa, como se também se recusassem a seguir em frente. Eu não queria ter ido até lá. De verdade. Mas ela insistiu, e então colocou ele no telefone.
– Você vai vir na minha festa, mano? – a voz doce de Pedrinho, meu irmão mais novo, me fez sorrir entre lágrimas. – A mamãe disse que vai ter cama elástica!
– Vou sim, Pedrinho – respondi, mesmo sabendo o preço que teria que pagar por isso. Só para ver aquele sorriso no rosto dele, eu suportava tudo.
– Estava te procurando – ouvi uma voz atrás de mim.
Gustavo entrou no banheiro e trancou a porta. Vestia apenas uma samba-canção azul, e seus cabelos castanhos estavam bagunçados.
– Você não estava na cama essa noite – comentou, se aproximando lentamente.
– Precisava respirar um pouco – respondi, ainda olhando meu reflexo no espelho.
Ele parou ao meu lado com um sorriso enviesado, aproximando-se demais.
– Tava pensando em você… – sussurrou, com um olhar que me fez enrijecer.
– Eu não quero – murmurei com os olhos marejados.
O que aconteceu em seguida foi um reflexo da violência e da manipulação que me cercavam havia anos. Não queria reviver aquilo. Era algo que me deixava sem ar, sem voz. Me deixava pequeno. Ele se impôs mais uma vez, e eu, como sempre, me encolhi.
Quando tudo terminou, fui até a pia e lavei o rosto. Não chorava mais. Já não havia lágrimas. Apenas o vazio.
– Você precisa ser mais forte, Gabriel – ele disse antes de sair do banheiro, me deixando sozinho e mergulhado em silêncio.
Fiquei ali mais alguns minutos. Entrei no chuveiro com a esperança tola de que a água quente pudesse lavar tudo aquilo de mim — os toques, os olhares, a dor. Mas havia marcas que não se apagavam. Estavam dentro de mim. Profundas. Silenciosas. Como cicatrizes que ninguém via.–
“Estava com saudades”, minha mãe disse quando entrei em casa, cerca de uma hora depois de sair do banho. “Você quase não vem mais.”
“Estou estudando muito, mãe.”
Tentei sorrir, mas era um gesto sem força, daqueles que a gente treina no espelho pra ninguém perguntar o que realmente está acontecendo.
Ela me olhou com atenção por um momento, mas optou por não dizer nada. Apenas passou a mão carinhosamente no meu cabelo ainda úmido, como fazia quando eu era pequeno. Então nos sentamos para o café com Pedrinho, como se fôssemos uma família normal.
Mas aquilo... era só encenação.
O homem com quem eu tinha acordado naquela manhã era Jair, meu padrasto. Casado com minha mãe. Pai de Pedrinho. E há muito tempo já tinha cruzado todos os limites.
A primeira vez foi quando eu tinha n0ve anos. Eu estava sozinho em casa, assistindo desenho, e ele entrou na sala com um sorriso que até então eu nunca tinha visto. Foi ali que tudo começou. Não vou dizer o que houve. Só digo que depois daquele dia, minha infância acabou.
Eu não contei. Não por covardia. Mas porque ele me fez acreditar que era eu quem tinha culpa. Que, se eu falasse, ninguém acreditaria. Que ele poderia fazer pior. Pior comigo. Pior com minha mãe. Pior com Pedrinho.
E é por Pedrinho que eu continuo respirando.
Ele é meu irmão mais novo. Um garoto cheio de vida e inocência. Um raio de sol nesse lugar sufocante. Eu suportaria qualquer coisa para proteger ele. E foi esse o “acordo” silencioso que Jair impôs: minha boca fechada em troca da segurança de quem eu mais amo.
Não que eu tenha aceitado calado. Houve um momento em que tentei me defender, armei-me de coragem e o encarei com uma faca tremendo nas mãos. Disse que se ele ousasse cruzar a linha novamente, eu não hesitaria.
Mas Jair só sorriu. Um sorriso frio.
E me jogou de volta no medo com algumas palavras.
Ele sabia como me prender.
E quando pensei que nada mais pudesse piorar... veio Gustavo.
Meu irmão mais velho. O cara que todos achavam ser um exemplo. Inteligente, educado, carismático.
Por fora, era o orgulho da família.
Por dentro... era só mais alguém usando máscaras.
Naquela noite, quando senti alguém se aproximando da minha cama, achei que fosse Jair. Mas não era. A voz era diferente. E quando percebi quem era, já era tarde demais.
Não consigo descrever. Nem quero. Só digo que foi como se tudo dentro de mim tivesse apagado. Como se uma parte minha tivesse desistido de lutar.
No dia seguinte, Gustavo agia normalmente. Como se nada tivesse acontecido. Como se ainda fôssemos irmãos de verdade.
Desde então, vivo fingindo. Sorrindo quando dá. Sobrevivendo quando posso.
E protegendo Pedrinho com tudo o que me resta.
Porque, no fundo, ainda sou o mesmo garoto de n0ve anos tentando entender por que o mundo pode ser tão cruel com quem só queria ser amado.
Nunca contei a ninguém o que aconteceu. Por muito tempo, vivi com medo — medo do que ele poderia fazer comigo, com minha mãe, ou com meu irmão. Por trás da fachada de bom filho, Gustavo escondia algo sombrio. Ele e Jair foram os motivos pelos quais eu quis tanto estudar longe. Minha mãe não tinha condições de pagar um colégio interno, mas depois de muita pesquisa descobri o programa de bolsas de estudos que o Colégio Imperial oferecia para alunos de escolas públicas. Me inscrevi e estudei feito um louco. Quando vi meu nome entre os bolsistas com 100% de desconto, não consegui conter o choro. Finalmente eu estaria longe deles.
A escola era excelente, mas o que realmente me motivava era a distância. Quase não voltava para casa, mas às vezes Jair me ligava durante a semana. Sempre com a mesma ameaça velada: “Ou você volta, ou eu dou um jeito de visitar o Pedrinho.” Esse era o único motivo de eu voltar ao menos duas vezes por mês.
Quanto ao grupo dos góticos… a verdade é que eu nunca me senti um deles. Mas, ao contrário de outros alunos da escola — que em sua maioria eram filhinhos de papai arrogantes e nem me dirigiam a palavra — eles me aceitaram. Roberta foi a primeira. Eu tinha ido me esconder na cabana do zelador para chorar, e ela chegou mais cedo para uma reunião do grupo. Foi gentil, sem fazer perguntas. E pela primeira vez, senti que talvez eu não estivesse tão sozinho, mesmo que ainda não pertencesse de fato àquele lugar.
Apesar disso, sigo me sentindo deslocado. Converso com Roberta, Lorenzo e Irina, mas sei que sou “o garoto com algum problema”. Não faço por mal, mas às vezes provoco os outros. Talvez como um tipo de defesa — se eu os afastar primeiro, eles não vão se aproximar o suficiente para verem o que há de errado comigo.
Mas algo diferente aconteceu com Bernardo ontem à noite, quando nos despedimos. Ele estava se maquiando comigo e eu vi nos olhos dele o que reconheço em mim toda manhã no espelho: o olhar de quem só quer ser aceito.
...
Bernardo e Everton se despediram e subiram para os quartos do andar de cima. Observei Bernardo subir os degraus, arrastando os pés, e pude sentir sua tristeza, provavelmente pelo reencontro com o ex-namorado poucos minutos antes. Não sei bem por quê, mas não queria que ele se sentisse assim.
– Bernardo? – chamei antes que ele pudesse continuar subindo – Posso falar com você um segundo?
Lorenzo acenou para nós e foi para o quarto que dividia com um nerd fissurado em Homem-Aranha.
– Perdão pelo que disse mais cedo... sobre você ser especialista em relacionamentos falidos. Às vezes falo coisas idiotas sem pensar. Não devia ter tocado nesse assunto.
– Talvez não – ele respondeu, olhando direto nos meus olhos. Era como se ele enxergasse algo em mim que nem eu sabia que existia – Mas pode ficar tranquilo. Eu vou sobreviver.
– Sei que vai. É que... tem tanta coisa acontecendo na minha vida. E ainda tem o meu padrasto... – me calei ao perceber que tinha falado demais.
– Sem problemas, Gabriel – ele disse com suavidade – Mas se você precisar conversar com alguém que não vai ser babaca, eu estou aqui. Podemos nos ajudar.
– Queria acreditar que posso ser ajudado – murmurei.
Ele tentou tocar meu braço, e, instintivamente, me afastei. Foi só então que percebi que estava apertando meu próprio braço com força, como sempre fazia sem perceber. Soltei a pressão e forcei um sorriso.
– É hora de dormir – falei, tentando parecer tranquilo – Amanhã tem aula.
– Ok – ele disse num tom preocupado – Boa noite.
– Boa noite – respondi, entrando no quarto.
...
O que deu em mim? Eu não sou o tipo de cara que pede desculpa por ter sido babaca com alguém. Mas tinha algo em Bernardo. Algo que fazia com que eu quisesse vê-lo bem. Era estranho. Quase inquietante. Seus olhos verdes despertavam um sentimento que eu ainda não sabia nomear. De repente, me vi importando com ele de uma forma que nunca tinha acontecido com mais ninguém.
Talvez... talvez eu estivesse começando a me apaixonar por Bernardo.
...
Achei que meu novo estilo gótico fosse assustar meu pai quando ele chegou para me buscar naquela manhã de sábado. A verdade é que nem eu me sentia totalmente à vontade com aquelas roupas escuras e a maquiagem carregada. Decidi manter apenas as unhas pintadas. Ele não comentou nada, mas reparei que percebeu logo de cara. Nos cumprimentamos com um abraço silencioso e coloquei minha mochila no carro.
Chegamos em casa no fim da manhã e, para nossa surpresa, tínhamos visita. Meu tio Jorge estava sentado no sofá com um copo de uísque na mão. Ao seu lado, como uma sombra, estava Gregório. Meus olhos encontraram os dele, e ele me lançou um sorriso provocador que me revirou o estômago.
— Achei que só chegaria mais tarde — meu pai comentou, indo cumprimentar o irmão.
— Tenho um procedimento cirúrgico no fim da tarde, então tive que adiantar a visita — disse meu tio, com aquela voz grave e autoritária — E não queria adiar. Quero resolver logo a papelada do seguro.
— Melhor assim — respondeu meu pai, num tom neutro.
— Olha só como esse garoto cresceu! — disse meu tio bagunçando meu cabelo com uma falsa empolgação, que logo se desfez ao ver minhas unhas pintadas — Tira esse esmalte, rapaz! Isso não é coisa de homem.
— Deixa o garoto, Jorge — meu pai interveio, com firmeza — O Bernardo tem o direito de ser quem ele é. Os tempos são outros.
Meu tio ergueu as mãos, num gesto cínico de rendição.
— Seu filho, suas regras. Mas saiba que essas coisas têm jeito. Olha só o Gregório, por exemplo.
Ele se referia ao fato de já ter descoberto que Gregório era gay — algo que soube por um amigo que o viu beijando outro rapaz numa praia. Desde então, tentava a todo custo "corrigir" o filho, como se fosse uma falha. Gregório, por outro lado, parecia apenas se divertir com aquilo tudo, como se jogasse um jogo doentio com o próprio pai.
Meu pai desviou o assunto, comentando sobre o problema no seguro do carro. Aproveitei para ir até a cozinha beber um pouco de água. O simples fato de estar perto do meu tio já era desconfortável... perto de Gregório, então, era insuportável.
— Ainda tô esperando você me ligar — ouvi sua voz às minhas costas.
— Eu disse que não queria mais contato com você — respondi, com o estômago embrulhado pela lembrança da última vez que estivemos a sós — Quero distância.
Gregório se aproximou, bloqueando minha saída. Fiquei encurralado entre ele e a bancada de mármore.
— Vai fingir que não sente falta? — sussurrou, com um sorriso torto — Da nossa última vez? Do jeito que a gente... se encaixava?
Ele tentou tocar meu rosto, e depois segurou meu braço com força. O medo tomou conta de mim como um reflexo condicionado.
— Me solta! — empurrei com força, sem pensar duas vezes.
Ele recuou um passo, ainda com aquele olhar debochado.
— Para com isso, Be. Eu sei que você ainda quer — provocou.
Foi quando perdi o controle. Acertei um soco em seu rosto. Gregório cambaleou, surpreso, e se apoiou na mesa para não cair. Saí da cozinha o mais rápido que pude e fui direto à sala.
— Fala pro seu filho que se ele encostar em mim de novo, não vai ser só um soco que ele vai levar — disparei, a voz firme, firme como nunca antes.
— O quê? — perguntou meu tio, claramente surpreso.
— Isso mesmo. Seu queridinho tentou me agarrar à força de novo. O mesmo filho que você diz que “consertou”.
— Gregório nunca faria isso! — ele disse, indignado.
— Claro que não, né? — retruquei, sentindo a raiva queimar por dentro — Ele é perfeito!
— Bernardo, se acalma — meu pai interveio, com o tom baixo.
Gregório apareceu logo depois, massageando o rosto.
— Eu só vou me acalmar quando ele sair daqui — afirmei, subindo as escadas sem olhar para trás.
...
Continua...