Capítulo 14 – Reconstruções
Sete meses se passaram desde a noite em que Nayra transou com outro homem pela primeira vez. O impacto daquilo não foi explosivo, foi sísmico. Silencioso, profundo, cheio de réplicas internas. Ela desabou por dentro e, pouco a pouco, teve que se remontar.
Jeffi esteve lá o tempo todo. Presente, carinhoso, prestativo. Foi paciente nos dias em que Nayra chorava sem explicação. Foi suporte quando ela entrava em silêncios profundos e parecia não conseguir sair sozinha. Cuidou da filha, da casa, dela. E não cobrou nada. Nenhuma promessa, nenhum próximo passo.
Ele sabia que se pressionasse, perderia tudo. Aquilo era um jogo de xadrez emocional, e ela tinha acabado de dar um xeque em si mesma.
Nayra passou semanas mergulhada no próprio labirinto. Culpava-se e, ao mesmo tempo, tentava entender por que não conseguia se arrepender de fato. Não era como se o que tivesse feito fosse certo — não era. Mas também não parecia mais tão simples como "certo" e "errado". A verdade é que ela viveu algo que, por mais caótico que fosse, despertou partes dela que estavam mortas havia anos.
A terapia ajudou. O tempo também. Mas o que mais ajudou foi o modo como Jeffi lidou com tudo. Ele não jogou o passado na cara dela, não a tratou como uma mulher corrompida. Ao contrário: a tratou como alguém que teve um colapso e merecia se reconstruir em paz. Isso, pra Nayra, virou sinônimo de amor verdadeiro.
Nos dias seguintes ao ocorrido, ela até tentou retornar ao trabalho. Mas a cada vez que cruzava a porta da clínica, era como se o peito apertasse. Começou a ter crises de ansiedade — suores frios, taquicardia, vontade de sair correndo sem olhar pra trás. O ambiente que antes era rotina virou gatilho.
Foi aí que Nayra decidiu se afastar. Pediu uma licença médica, iniciou a terapia com mais frequência e, aos poucos, foi entendendo o que havia dentro dela que tinha desmoronado. Não foi a traição em si. Foi o quanto ela se desconectou de si mesma ao longo dos anos. O quanto vinha se anulando, se moralizando, se reduzindo.
Quando, dois meses depois, ela voltou a trabalhar na clínica onde tudo havia começado, Jeffi não impôs nenhuma condição. Apenas disse:
— Faz o que for melhor pra você.
Nayra se sentiu forte o bastante pra encarar aquilo. Estava determinada a corrigir seus próprios passos. Sabia que aquilo não podia se repetir. E quando o inevitável aconteceu — o Doutor Léo tentando se reaproximar — ela finalmente soube o que fazer.
Foi numa tarde morna de quarta-feira. Nayra estava no consultório organizando a agenda quando ele apareceu na porta. Usava aquele sorriso cínico de sempre.
— Está tudo bem, Nayra? — perguntou. — A gente nunca mais conversou...
Ela olhou pra ele. Por um segundo, lembrou do quarto de hotel. Do cheiro, do calor, da culpa. E então respondeu:
— O que aconteceu entre a gente... não deveria ter acontecido. Eu errei comigo e com o meu marido.
Ele tentou manter o ar de sedutor confiante.
— Achei que tinha sido bom. Você parecia... entregue.
Nayra segurou firme a raiva e a vergonha.
— Foi um erro. E eu já paguei o suficiente por ele.
O Dr. Léo não insistiu. Apenas se despediu com aquele olhar de quem não aceita levar não de volta. Mas ela não sentiu dúvida. Nem medo. Nem vergonha. Sentiu alívio.
Naquela mesma noite, ao chegar em casa, Nayra contou tudo a Jeffi.
Não teve suspense. Nem drama. Só um silêncio maduro entre dois adultos.
— Ele tentou de novo — disse ela, enquanto preparavam o jantar juntos.
— E o que você fez? — Jeffi perguntou, sem emoção.
— Disse que não. Disse que foi um erro. E foi mesmo.
Jeffi não esboçou um sorriso vitorioso. Apenas assentiu, como quem respeita uma decisão importante.
— Obrigado por me contar — ele respondeu. — Isso... isso é tudo pra mim.
Mas dentro de Jeffi, havia um reflexo fugaz. Ele disfarçou, mas a leve frustração ainda lhe apertava o peito. Não estava decepcionado com Nayra, mas com a própria situação. O Dr. Léo não havia sido uma ameaça real. Era mais uma oportunidade que se dissipava, uma chance que ele deixava escapar. Uma chance de ver a esposa no limite de sua libertação.
Mas, ao invés disso, Nayra estava... tomando controle. Como sempre.
Silêncio de novo. Porém, esse silêncio era diferente: uma marca de algo que, por enquanto, era apenas uma pequena frustração sutil. Uma marca de uma trama mais complexa que estava prestes a se revelar.
Com o tempo, Nayra voltou a ser ela mesma — ou melhor, uma nova versão de si. Mais serena, mais confiante. Passou a cuidar de si como nunca antes. Voltou a frequentar o salão com regularidade. Comprou roupas novas. Nada exagerado, mas com mais ousadia.
— Tá virando blogueira agora? — Jeffi brincava.
Ela ria. Estava leve. E ele alimentava isso com elogios, atenção, e uma paciência quase cirúrgica. Sabia que esse novo ciclo exigia mais cuidado do que o anterior. Nayra estava mais autêntica, mas ainda frágil em certos pontos.
No sexo, as coisas voltaram com força. Mas diferente de antes, agora Nayra parecia mais... dona de si. Não havia mais aquela passividade de mulher que "faz porque o marido quer". Ela se movia com desejo. Com intenção. Com prazer.
E Jeffi notava tudo. O jeito como ela se olhava no espelho. Como se demorava mais escolhendo lingerie. Como começava a responder aos elogios dos outros homens com um sorriso breve, mas sem culpa.
Ela não flertava. Mas também não fugia mais como antes.
— Você tá diferente — ele comentou, certa noite, deitado ao lado dela.
— Tô me sentindo mais... mulher. — Ela respondeu. — Por incrível que pareça, depois de tudo... eu tô me sentindo mais eu.
Jeffi a beijou no ombro, contendo o próprio orgulho.
— Eu sempre soube que você tinha isso aí dentro.
Ela sorriu.
— Pena que precisei quebrar tudo pra descobrir.
Silêncio. Mas não o silêncio desconfortável de antes. Era aquele tipo de silêncio cúmplice, cheio de significado.
Jeffi sabia que o momento de propor algo novo ainda não tinha chegado. Mas o caminho estava limpo. Nayra confiava nele como nunca. Acreditava ter sido perdoada por um homem extraordinário.
E isso, mais do que tudo, dava a ela liberdade para ser sincera.
Certa tarde, ao voltar do trabalho, Nayra contou rindo:
— Teve um paciente novo hoje que ficou me olhando de um jeito meio descarado. Achei até engraçado.
Jeffi fingiu ciúmes:
— Preciso dar uma passada lá na clínica, então. Fazer marcação de território.
Ela riu alto.
— Bobo.
Mas depois ficou séria:
— Antigamente eu não te contaria isso. Ia achar errado. Mas agora... não sei. Acho que me sinto melhor te falando.
Ele a abraçou:
— Prefiro mil vezes assim. De verdade.
Esse novo jogo — dela contar, ele ouvir, os dois sorrirem — tornou-se parte da rotina. Um jogo onde Nayra se sentia livre pra ser desejada. E onde Jeffi se alimentava em silêncio da fantasia que estava, pouco a pouco, se realizando.
Mas ela não sabia disso. Pra ela, Jeffi era o marido que a perdoou. Que a ajudou a se reconstruir. O homem que a aceitou mesmo depois do pior.
Ela não fazia ideia de que estava vivendo um roteiro meticulosamente planejado. Que cada gesto de carinho, cada perdão, cada palavra dita, tinha um propósito.
E é aí que mora o ponto mais irônico de toda essa história:
Nayra achava que estava no controle agora.
Achava que era dona da própria história.
Achava que tinha reconquistado a confiança do marido e que, a partir dali, eles viveriam em plena igualdade.
Mal sabia ela que a verdade ainda estava por vir.
E quando ela viesse, não seria apenas o passado que seria reescrito.
Seria ela mesma.
Mas isso… ainda era futuro.
No presente, Nayra e Jeffi estavam em outra frequência. Um casal que havia se quebrado, se montado de novo, e agora brincava de planejar o próximo passo como quem ensaia um teatro secreto só deles.
Entre uma transa e outra, Jeffi soltava provocações com um meio sorriso:
— E se um dia... você topar outro “erro”? Mas dessa vez, combinado, do nosso jeito?
Nayra revirava os olhos com fingida reprovação:
— Você é louco.
Mas não dizia “não”.
Brincavam com isso no sexo. Fantasiavam. Inventavam cenários. Às vezes Nayra perguntava rindo:
— Tá, mas e se fosse um bombeiro? Um daqueles bem gostosos de filme americano?
Jeffi ria e entrava na onda:
— Só se eu puder assistir da janela.
Essas trocas, meio brincadeira, meio verdade, viraram parte da intimidade dos dois. Um código privado.
Eles ainda não sabiam até onde iriam com aquilo. Mas já estavam longe demais pra voltar.
E por enquanto... estavam felizes. Reaprendendo a amar, a confiar, e a desejar — tudo do zero.
Como num conto de fadas reescrito por mãos adultas, sujas de realidade, mas com espaço pra magia.