A sexta-feira se arrastava com a lentidão sádica de uma tortura, mas o ponteiro finalmente alcançou o seis, e o som eletrônico do ponto biométrico foi minha alforria. O caminho do trabalho para casa foi um borrão automático, um roteiro de semáforos e rostos anônimos que meu cérebro já nem se dava ao trabalho de processar. O elevador, o rápido e quase inaudível "boa noite" para Dona Elvira do 402, a chave girando na fechadura. Lar.
Meu apartamento é meu santuário. Um refúgio de setenta metros quadrados onde o silêncio não é ausência de som, mas uma presença palpável, uma entidade que eu cultivo com esmero. Tudo aqui tem seu lugar, sua ordem. É o meu contraponto ao caos do mundo lá fora. Como sempre, minha primeira ação foi caminhar até a pequena sacada, que acumula a função de lavanderia, para cuidar das minhas plantas. Elas são a única forma de vida que eu permito agitar meu cotidiano, com seu crescimento lento e silencioso.
Enquanto o borrifador soltava uma névoa fina sobre as folhas longas e pendentes da minha samambaia-americana, algo quebrou a harmonia do verde. Um ponto de cor dissonante. Um tecido azul-marinho, amassado, estava pousado sobre uma das frondes mais baixas, como um pássaro exótico e improvável que tivesse escolhido justamente ali para morrer. Era uma cueca. Boxer, de algodão, o elástico grosso e cinza com uma marca que não consegui identificar de imediato.
Meu olhar subiu, um instinto primitivo. O andar de cima. O apartamento 1104. O andar dele. Maykon.
O ar sumiu dos meus pulmões e meu coração deu um solavanco dolorido contra as costelas. Um, dois, três pulos descompassados que ecoaram nos meus ouvidos. Nossas interações eram um balé contido, quase cronometrado, de encontros fortuitos no hall ou dentro da caixa metálica do elevador. Um aceno de cabeça. Um "sobe ou desce?" gutural, vindo daquela voz grave que parecia vibrar no meu esterno. Ele, sempre uma montanha de presença. Alto, ombros largos que mal cabiam no terno de trabalho, a barba escura e cheia sempre impecavelmente aparada, mas com um ar de rebeldia. E o cheiro. Um perfume amadeirado, caro, que se misturava a algo mais fundamental, mais... dele. Um sorriso de canto de boca que ele me lançava às vezes e que tinha o poder de me desmontar por inteiro, de me fazer sentir a pele queimar.
E eu? Perto dele, eu me sentia um rascunho. Pequeno, magro, quase translúcido. A personificação da delicadeza, como uma amiga uma vez descreveu, o tipo que inspira um senso de proteção. Perto de Maykon, essa sensação era amplificada ao extremo. Eu me sentia frágil, exposto, um livro aberto que ele poderia ler se apenas se desse ao trabalho de olhar por mais de três segundos.
A curiosidade, uma serpente insidiosa, estrangulou a razão. Meu corpo se moveu antes que a mente pudesse protestar. Espiei para os lados, para o corredor vazio do meu próprio andar, para dentro do meu apartamento silencioso, uma paranoia súbita me tomando. Como se câmeras ocultas pudessem testemunhar meu ato. Com os dedos trêmulos, hesitantes, belisquei o tecido. Estava levemente úmido, talvez do sereno da noite anterior ou da minha própria rega recente. O algodão era macio, de boa qualidade.
Com o coração na garganta, levei a peça ao nariz. Uma primeira inalação, curta, temerosa. O cheiro de amaciante de roupas era evidente, um perfume limpo e genérico. Mas havia mais, muito mais, escondido sob essa camada de civilidade. Respirei de novo, mais fundo dessa vez, fechando os olhos, entregando-me ao ato.
E então o mundo se desfez.
Aquele cheiro. O odor inconfundível de homem. Não um odor sujo, de desleixo, mas a assinatura química de um corpo vivo e pulsante. O aroma de suor de um dia inteiro de trabalho, talvez de um treino pesado na academia do prédio — eu já o tinha visto lá, levantando pesos que pareciam impossíveis, os músculos do braço se contraindo sob a pele tatuada. E por baixo de tudo, uma camada quase imperceptível, mas que meu cérebro identificou com um choque elétrico: um almíscar íntimo, masculino, a fragrância de pré-gozo seco que denunciava o uso recente, a marca de uma excitação solitária ou compartilhada. Era o cheiro dele. Um cheiro que eu só podia fantasiar nos nossos breves segundos de proximidade forçada no elevador, um cheiro que agora estava aqui, real, nas minhas mãos, invadindo minhas narinas, minha mente.
Fiquei ali, parado na sacada, o borrifador esquecido no chão, segurando aquele pedaço de tecido como se fosse um artefato sagrado e profano. A respiração suspensa, o sangue começando a correr mais rápido, mais grosso, aquecendo minha pele e se acumulando, pesado, baixo no meu ventre. Aquele pedaço de algodão azul era um convite, uma porta entreaberta para um mundo que eu só observava à distância.
Sem pensar, recuei para dentro do apartamento, fechando a porta de vidro da sacada e, num impulso, trancando a porta da frente. O silêncio do meu santuário agora parecia diferente. Tenso. Carregado de uma expectativa elétrica. Caminhei até meu quarto, sentindo o tecido ainda contra meus dedos, uma extensão da pele dele. Meu quarto é como o resto do apartamento: tons neutros, organizado, quase monástico. A cama, com seu edredom cinza-claro perfeitamente esticado, parecia imaculada.
Coloquei a cueca sobre o edredom. O azul-marinho contra o cinza era uma mancha de vida, uma declaração de desordem. Eu a encarei, a mente a mil. O que eu estava fazendo? Isso era loucura. Invasão de privacidade. Fetichismo barato. Eu deveria jogá-la fora. Ou lavá-la e deixá-la anonimamente na portaria, na seção de achados e perdidos. Sim, era isso. A coisa certa a fazer.
Mas eu não me movi. Meus olhos traçaram o contorno da peça. O corte boxer que abraçaria coxas grossas e peludas, o volume que se formaria na parte da frente, a forma como o elástico repousaria baixo em seus quadris. Eu podia ver, com uma clareza alucinatória, Maykon vestindo-a. Ele em seu apartamento, um andar acima do meu, talvez andando de um lado para o outro só com ela, a luz da janela esculpindo os músculos de seu peito e abdômen, uma penugem escura descendo em linha reta até se adensar sob o elástico da cueca.
Minha respiração ficou superficial, quase um ofego. O pulso no baixo ventre se transformou numa dor surda, uma necessidade que me fez curvar levemente. Levei a cueca ao rosto novamente, pressionando o tecido contra meu nariz e minha boca, inalando profundamente, sem reservas. Desta vez, o cheiro era avassalador. O amaciante, o suor, o almíscar... era Maykon. Era a essência crua e não filtrada de sua masculinidade. Um cheiro que falava de força, de calor, de um corpo grande e imponente que poderia me envolver, me proteger, me dominar.
Minha mão, agindo por vontade própria, desceu e cobriu a ereção que forçava o tecido da minha calça. O toque da minha própria mão pareceu estranho, insuficiente. Eu precisava de mais.
Deitei-me na cama, de costas, a cueca ainda pressionada contra meu rosto. O cheiro me embriagava, anulava meus pensamentos racionais, minha vergonha. Só havia o desejo, puro e selvagem. Com a mão livre, abri o zíper da minha calça, liberando meu membro já duro e úmido. Meus dedos o envolveram, e um gemido baixo escapou da minha garganta, abafado pelo tecido azul.
O tecido dele.
Fechei os olhos com força, e a fantasia tomou conta. Não era mais a minha mão em mim. Eram as mãos dele. Grandes, calejadas dos pesos da academia, os pelos escuros roçando na minha pele lisa. Eu podia senti-las no meu peito, na minha cintura, segurando meus quadris com uma força que me deixava imóvel, entregue. Sua voz grave sussurrando no meu ouvido, não palavras doces, mas ordens roucas. O peso do seu corpo sobre o meu, o calor irradiando, o cheiro de sua pele me envolvendo por completo. A barba roçando meu pescoço, arranhando levemente, enviando arrepios por toda a minha espinha.
Meu ritmo se acelerou. Minha respiração era um caos, um ciclo quebrado de inspirações trêmulas e expirações ofegantes. O cheiro da cueca se misturava ao meu próprio cheiro de excitação, criando uma química profana e irresistível. Eu podia sentir o volume dele pressionado contra minhas nádegas, a promessa de uma invasão que me aterrorizava e me excitava em igual medida. O protetor se transformando no predador. O urso imponente revelando sua natureza animal. E eu, pequeno, rendido, querendo ser a presa.
A sensação cresceu, uma onda de calor que subiu das solas dos meus pés, apertando cada músculo do meu corpo. Minha pélvis se erguia involuntariamente, buscando um atrito que não estava lá. Eu estava no limite, a mente em branco, preenchida apenas pela imagem de Maykon, pelo cheiro dele, pela sensação avassaladora de ser completamente possuído por ele.
O mundo se contraiu num ponto de prazer ofuscante. Meu corpo se arqueou, um grito estrangulado morrendo contra o algodão em minha boca. O espasmo me sacudiu com violência, uma, duas, três vezes, e o sêmen quente jorrou, sujando minha barriga e, para meu horror e secreta satisfação, manchando o tecido azul que eu ainda segurava com uma força desesperada.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. O eco do meu prazer ainda vibrava no ar, acusador. Eu estava ali, ofegante, suado, deitado na minha cama imaculada, agora profanada pelo meu ato. E em minhas mãos, o objeto do meu desejo, agora marcado por mim.
Sentei-me devagar, o corpo ainda tremendo. O meu cheiro, agora se sobrepunha ao dele na cueca. Eu havia contaminado o artefato. A vergonha desceu sobre mim como um véu gelado, mas por baixo dela, uma brasa de posse ardia.
Olhei para a mancha úmida no tecido. Uma prova do meu crime. Um segredo compartilhado, mesmo que só eu soubesse dele.
Levantei-me, fui até o banheiro e coloquei a cueca na pia. Abri a torneira e a água fria começou a lavar o tecido. Sabão neutro. Esfreguei com cuidado, quase com reverência, até que qualquer vestígio do meu gozo e, inevitavelmente, do cheiro original dele, se fosse pelo ralo. Eu estava apagando as provas. Limpando minha consciência.
Depois de enxaguar bem, torci o tecido com delicadeza e o pendurei no pequeno varal de parede dentro do box. Limpa. Anônima de novo. Mas não para mim.
Voltei para o quarto. O cheiro dele havia se dissipado, substituído pelo odor asséptico do sabão. O silêncio voltou a ser apenas silêncio. Mas algo dentro de mim havia mudado para sempre. A ordem do meu santuário havia sido quebrada por um pedaço de algodão azul-marinho. E agora, em meu poder, eu tinha um objeto limpo, estéril, mas a memória do seu cheiro, da sua essência, estava gravada a fogo na minha mente. A questão não era mais o que eu faria com a cueca dele.
A questão era o que eu faria na próxima vez que o encontrasse no elevador.
Tentei seguir com a noite. O ritual de sempre. Pedi comida japonesa pelo aplicativo. Coloquei uma série qualquer na televisão, uma daquelas com enredos tão previsíveis que servem mais como ruído de fundo do que como entretenimento. Mas era inútil. Minha mente era um disco arranhado, voltando incessantemente para o mesmo ponto: o tecido azul, o cheiro, a textura.
Eu via, de olhos abertos, a imagem dele vestindo-a. O volume proeminente roçando o algodão macio a cada passo. O calor do seu corpo, da sua virilha, impregnando as fibras. O cheiro que eu inalei, que eu provei, que eu contaminei. Cada pensamento era uma pequena brasa atiçando o fogo baixo que ele havia acendido em mim. O controle que eu tanto prezava sobre meu mundo, sobre mim mesmo, estava se desfazendo em fumaça.
Eram umas sete e meia, talvez um pouco mais, quando uma batida firme na porta me arrancou do transe. Três toques. Sólidos. Autoritários. Não era a batida hesitante do entregador. Eu não estava esperando ninguém.
Gelei.
O silêncio do apartamento, antes meu aliado, agora parecia conspirar contra mim, amplificando o som do meu coração desgovernado. Levantei-me do sofá, as pernas moles, e caminhei até a porta como um condenado caminha para a forca. Olhei pelo olho mágico e meu estômago despencou, uma queda livre no vazio do meu abdômen.
Era ele. Maykon.
Sua imagem, distorcida e ampliada pela pequena lente convexa, parecia ainda maior, mais imponente. Um gigante preenchendo todo o meu campo de visão. Ele vestia uma camiseta preta simples, de um algodão que parecia fino demais para conter a massa de músculos por baixo. Os ombros largos, o peito robusto, os braços grossos e tatuados. Uma bermuda de moletom cinza, folgada, mas que não conseguia esconder o poder de suas coxas. Ele estava parado ali, paciente, as mãos nos bolsos, a cabeça levemente inclinada.
Respirei fundo, uma, duas vezes, tentando forçar o ar para dentro dos pulmões que pareciam ter encolhido. Tentei compor uma expressão neutra, de vizinho casual. Girei a chave e abri a porta, apenas uma fresta a princípio, antes de abri-la por completo.
"Boa noite, Johnny," ele disse. A voz. Aquele barítono grave que eu só ouvia no elevador, agora aqui, no limiar do meu santuário, parecia vibrar não só no meu peito, mas em todo o piso do apartamento.
"Maykon. Boa noite. Aconteceu alguma coisa?" Minha voz saiu como um fiapo patético, um sussurro agudo que me encheu de vergonha.
Ele sorriu de canto. Aquele sorriso. Mas agora não era distante, visto de relance. Estava a menos de um metro de mim, e eu podia ver os pequenos vincos que se formavam ao redor de seus olhos. Olhos castanhos, escuros, que percorreram meu rosto sem pressa, como se estivessem me catalogando, me lendo. Senti-me nu sob aquele olhar.
"Na verdade, sim," ele continuou, o sorriso se alargando um milímetro. "Acho que deixei cair uma coisa na sua sacada... uma peça de roupa. Azul."
O sangue todo do meu corpo pareceu subir para o meu rosto de uma só vez. Um calor insuportável, uma queimadura que começava no pescoço e se espalhava pelas orelhas, pela testa. Eu sabia, com a certeza absoluta do desastre, que estava vermelho como um pimentão. As palavras morreram na minha garganta. Fiquei ali, parado, boquiaberto, apenas o encarando, o coração martelando contra as costelas num ritmo tão frenético que eu tinha certeza de que ele podia ouvir.
Ele viu. Ele viu tudo. Viu meu pânico, minha culpa, meu desejo exposto. E o sorriso dele se alargou, perdendo qualquer traço de casualidade. Tornou-se malicioso, conhecedor. Predatório.
Ele se inclinou um pouco para a frente, invadindo meu espaço pessoal, forçando-me a recuar um passo para dentro do meu próprio apartamento. Ele baixou a voz para um sussurro conspiratório, íntimo, que fez os pelos da minha nuca se arrepiarem.
"Não precisa ficar com vergonha," ele disse, o tom rouco, quase um rosnado. "A minha pergunta é outra."
A pausa. O silêncio que ele deixou pairar no ar foi uma tortura calculada. Um segundoEle me observava, se deleitando com meu desmoronamento.
"O cheiro... estava bom?"
O mundo parou de girar. O ar ficou denso, pesado, impossível de respirar. Meu cérebro desligou. Não havia resposta possível para aquilo. Nenhuma mentira seria convincente, nenhuma verdade seria dizível. Apenas engoli em seco, o som alto e obsceno no silêncio tenso. Ele me viu desmoronar por completo. Viu a verdade nua e crua nos meus olhos arregalados.
Ele sorriu, satisfeito com o que viu. Endireitou o corpo, retomando sua postura, mas o jogo já estava ganho. Ele era o caçador, e eu, a presa que acabara de cair na armadilha.
"Olha," ele continuou, a voz voltando ao tom normal, mas agora carregada de uma nova autoridade. "Se quiser sentir o cheiro direto na fonte, sem intermediários..." Ele me olhou de cima a baixo, um olhar que me despiu e avaliou cada centímetro do meu corpo trêmulo. "...aparece lá em casa às 20h. Apartamento 1104."
Ele piscou um olho para mim. Um gesto rápido, cúmplice, devastador.
"Vou estar te esperando."
E então, ele se virou e foi embora. Sem mais uma palavra. Deixou-me ali, parado no meio da minha sala, a porta ainda aberta, a luz do corredor invadindo meu espaço. Fiquei ali, paralisado, a respiração ofegante, tentando processar o que acabara de acontecer. A fantasia havia se tornado real. O convite havia sido feito. E eu tinha uma decisão impossível a ser tomada.
Fechei a porta devagar, o clique da fechadura soando como o início de uma contagem regressiva. Olhei para o relógio na parede da cozinha. 19:42. Eu tinha dezoito minutos.
Dezoito minutos para decidir se eu permaneceria no meu santuário seguro e ordenado, ou se subiria um andar para me entregar ao caos que eu tanto desejava e temia.
Meu corpo tremia. Fui ao banheiro e peguei a cueca novamente. Agora limpa, cheirando a sabão. Inútil. Ele estava me oferecendo a fonte. O cheiro real. O corpo real.
A pergunta dele ecoava na minha cabeça. "O cheiro... estava bom?"
Olhei para o relógio de novo. 19:51.
Eai, sera que Johnny sucumbirá a tentação? Leia completo em: https://privacy.com.br/@Regard