DESCERE - QUATRO ELEMENTOS - CAPÍTULO 1: FICAR PERTO

Um conto erótico de Escritor Sincero
Categoria: Gay
Contém 3553 palavras
Data: 15/08/2025 00:48:23

Em latim, discere significa "aprender". Um verbo da primeira conjugação que carrega, com sua simplicidade, o peso de um propósito. No Brasil, ele batiza um dos institutos de ensino mais antigos e seletos do país: o Instituto Discere. Fundado há mais de um século, se tornou reduto exclusivo da elite. Filhos de políticos, magnatas, artistas e CEOs disputam vagas com o mesmo fervor com que seus pais disputam poder e influência. Em São Paulo, apenas os sobrenomes mais comentados entre colunas sociais têm passagem para seus corredores de mármore branco.

Mas a nossa história ainda está longe dos corredores do Instituto.

Nos altos da Vila Conceição, bairro nobre da capital paulista, uma cobertura se ergue sobre os demais edifícios como se pairasse acima da cidade. Com três andares, piscina infinita de borda azul-cobalto e painéis de vidro que capturam a skyline paulistana em todos os tons do entardecer, o apartamento é quase um monumento à fortuna da família Almeida Cardoso. Móveis de designers italianos dividem espaço com obras de arte contemporânea, arranjos de flores frescas e uma equipe discreta de empregados que surge antes mesmo que alguém peça.

Ali, entre espreguiçadeiras de linho claro e o som suave da água filtrada escorrendo pelo jardim vertical, Valentim Almeida Cardoso se recostava sob o sol do fim de tarde.

Aos 17 anos, ele tinha aquela beleza despreocupada de quem nunca se esforçou para chamar atenção, mas sempre consegue. Com 1,80 de altura, Valentim tem um corpo atlético, moldado por anos jogando futsal e participando das competições esportivas da escola. A pele bronzeada pelo sol de verão contrastava com os olhos castanhos claros, que brilham com humor, mesmo quando ele tenta parecer sério.

O cabelo era castanho escuro, liso e bagunçado, como se ele nunca tivesse tempo — ou paciência — para pentear direito. Um destaque de Valentim? As covinhas nas bochechas que apareciam sempre que sorria, o que acontecia com frequência. Seu charme estava no jeito leve, quase despreocupado de existir, mas com uma energia elétrica que enchia o ambiente — e confundia até quem achava que já sabia quem era.

Criado sob uma educação tradicional e cercado de expectativas, Valentim sempre acreditou que precisava conquistar, agradar e vencer. Nunca aprendera a perder, tampouco a sentir em profundidade. Isso o deixava meio distraído diante da própria vida, como se ela passasse um pouco ao lado. E ele, sem perceber, ia indo com ela.

Naquela tarde de sábado, aproveitava os últimos suspiros das férias com sua namorada, Karla Barros de Souza. Morena de cabelos encaracolados, sorriso largo e uma postura de quem sabe que todos a observam quando entra em um lugar. Popular no Instituto Discere, carismática até mesmo com quem não ia com a cara dela, Karla era filha de um dos banqueiros mais influentes do país. Para Victor Almeida Cardoso, pai de Valentim e proprietário do Grupo Cardoso — uma rede de lojas de departamento com filiais espalhadas pelo Brasil —, o namoro do filho era mais do que conveniente: era estratégico.

Apesar do império construído por gerações, Victor ainda queria crescer mais e conquistar novos mercados. Estar próximo da família Barros de Souza era, no mínimo, útil. E Victor não fazia questão de esconder sua satisfação com a relação.

— Vocês formam um casal perfeito — Disse ele mais de uma vez, servindo taças de espumante para os dois enquanto fingia interesse nas conversas adolescentes.

Mas Valentim, mesmo que nunca admitisse, sentia que algo lhe escapava entre os dedos. Não que não gostasse de Karla — era divertido estar com ela, ela o fazia rir, o entendia com um olhar. Mas, no fundo, não havia conexão. Era tudo leve, bonito, mas... superficial. Como a própria vida que levava.

— Aposto que vou estar mais bronzeada que você até segunda. — Comentou Karla, mergulhando de costas na piscina.

Valentim riu, se jogando atrás dela, sem se importar em respingar a almofada importada sobre a espreguiçadeira. Era isso que ele sabia fazer: rir, competir, tentar viver como se tudo estivesse bem.

— É o meu último ano no colégio. Depois disso, é... — Valentim encenou uma mão invisível apertando seu pescoço, língua de fora, olhos revirados, fingindo estar sendo enforcado.

Karla riu, molhada e luminosa sob o sol poente. Subiu os degraus da piscina com a naturalidade de quem está acostumada a ser observada, e sentou ao lado do namorado, se enrolando em uma toalha felpuda branca, oferecida por um dos empregados.

— Vai se tornar o almofadinha que tanto sonhou. — Argumentou, provocativa, encostando a cabeça no ombro dele. — Vou sentir sua falta. Aquela escola não vai ser a mesma sem você.

Valentim virou o rosto em direção a ela, os cabelos pingando sobre a toalha no colo de Karla.

— Você poderia pular um ano, que tal? Ia ser mais fácil pra nós e...

— E perder a chance de surrar o terceiro ano? — Ela ergueu uma sobrancelha, como se fosse um crime sequer considerar essa hipótese.

A menção à competição trouxe um brilho aos olhos de Valentim.

Na Escola Discere, o ano não começava com apostilas ou simulados, mas com a Gincana dos Quatro Elementos — um verdadeiro ritual. Dividida em cinco grandes etapas e entremeada por eventos esportivos como futsal, corrida, natação e até dança, a gincana era o coração do calendário escolar. Cada turma disputava em uma competição inspiradas nos quatro elementos — fogo, água, ar e terra — ao longo dos trimestres, não só troféus, mas prestígio, orgulho e uma chance de gravar seus nomes na história do colégio.

A Gincana dos Quatro Elementos era levada a sério. Muito a sério. Os alunos treinavam durante as férias, montavam estratégias como se fossem líderes militares e criavam alianças e sabotagens dignas de novelas. Ali, nem mesmo o sobrenome importava. Só contava quem vencia.

— Você está louca! — Disse Valentim, se erguendo com um salto da borda da piscina. — Esse ano, eu, Valentim Almeida Cardoso, vou levar o terceiro ano à glória. Afinal, qual sala está há dois anos invicta?

— A tua. — Respondeu Karla, revirando os olhos e pegando um copo de suco servido sobre a bandeja de prata. — Sem graça.

Valentim riu e voltou a se sentar, dessa vez puxando a toalha de Karla para secar os próprios cabelos. Aquilo — a gincana, os gritos da torcida, as medalhas na estante, a explosão de adrenalina depois de um desafio vencido — era o único território em que sentia que era bom por si mesmo. Sem o sobrenome, sem o império do pai, sem o olhar estratégico de Victor analisando cada movimento como se tudo fosse um jogo de xadrez corporativo.

A única coisa que era só dele.

Depois da piscina, vieram os banhos separados, roupas trocadas com a despreocupação de quem tem o dia inteiro para não fazer nada e empregados cuidando de tudo. O céu agora era um quadro roxo e alaranjado, e a cobertura parecia ainda mais bonita sob as luzes acesas suavemente pela automação do apartamento.

Valentim e Karla seguiram para o quarto dele — o maior da casa, depois da suíte principal. Moderno, decorado com um toque masculino sofisticado: prateleiras com troféus esportivos, uma luminária de design orgânico, roupas jogadas com desleixo cuidadosamente calculado. A cama, de casal, com lençóis egípcios e travesseiros de pena, parecia flutuar no centro do cômodo.

No meio da conversa, os beijos começaram. Primeiro tímidos, depois mais intensos, como sempre acontecia. As mãos de Valentim foram para a cintura de Karla com familiaridade, os corpos já sabiam o caminho um do outro. A luz do abajur deixava a pele dela ainda mais dourada, e o jeito como ela o puxava pela nuca o excitava. Tudo era certo. Tudo era bonito. Tudo... já estava programado.

Os movimentos se tornaram mais íntimos, e logo estavam deitados, enlaçados, se despindo entre beijos. Ela sussurrava coisas doces no ouvido dele, e ele respondia como devia. Karla era linda, seu corpo era desejável, e Valentim se sentia confortável naquele enredo. Mas, mesmo ali, mesmo no auge da excitação, uma pequena pergunta ecoava dentro dele — silenciosa, inconveniente:

É só isso?

Ele sempre gostou de mulheres. Sempre se sentiu atraído. Mas havia um vazio que nem o toque mais quente preenchia. Era como se seguisse um roteiro bem escrito, com falas decoradas e cenas previsíveis, mas sem jamais entender o real sentido da peça.

Karla se aconchegou ao seu lado depois, deitada de bruços, brincando com os dedos dele. Ele fingia estar relaxado, olhava para o teto, o coração ainda acelerado — não de paixão, mas de inquietação.

Do lado de fora, a cidade parecia descansar sob as estrelas. E, no fundo de Valentim, algo começava a despertar. Algo que nem ele sabia nomear.

Mas logo descobriria.

***

Era difícil acreditar que aquele prédio cinza e branco, de linhas modernas e arquitetura quase futurista, fosse uma escola. De cima, o Instituto Discere parecia mais um centro empresarial de alto padrão, um hospital internacional ou talvez a sede de alguma multinacional de tecnologia. Mas não. Era ali, naquela estrutura monumental encravada entre os bairros mais caros de São Paulo, que a elite brasileira deixava seus filhos — não apenas para aprender, mas para herdar o mundo.

O campus do Discere ocupava um quarteirão inteiro. Na entrada, um portão de segurança blindado exigia mais do que apenas nome e sobrenome: para acessar o interior da escola, era preciso passar por três barreiras tecnológicas. Um cadastro biométrico rigoroso, reconhecimento facial e, por fim, a assinatura de um termo de confidencialidade. A regra era clara e inflexível: o que acontece no Instituto Discere, fica no Instituto Discere.

Para Noah, a sensação era estranha. Vinha de escolas tradicionais, mas aquilo ultrapassava qualquer padrão. Era como entrar num shopping de luxo com a rigidez de uma base militar. Do lado de fora, agentes de segurança circulavam discretamente, alguns com rádios comunicadores e postura treinada. No entorno, câmeras de vigilância com inteligência artificial captavam todos os movimentos.

Passada a entrada, o campus se abria em uma sequência de espaços impressionantes: um imenso jardim de paisagismo impecável, com árvores centenárias, bancos de madeira entalhada e trilhas de pedra limpa levavam os alunos entre os diferentes blocos. À esquerda, o campo poliesportivo, onde equipes já treinavam para os torneios internos. No topo do prédio principal, uma quadra suspensa de futebol e basquete funcionava como vitrine para a vitalidade dos alunos — naquele momento, alguns praticavam lances com a energia típica do início do ano letivo.

Noah passou pela secretaria ainda se sentindo como um estranho. As paredes internas eram claras, o piso de mármore polido, as paredes envidraçadas deixavam a luz natural atravessar os corredores. Mas o que o surpreendeu de verdade foi o andar térreo: lojas de grife, cafés gourmet, uma papelaria automatizada e até um pequeno estúdio de fotografia para renovar documentos escolares. Tudo pensado para "facilitar" a vida dos estudantes.

Ele sentiu como se estivesse dentro de um shopping, e não de uma escola.

A funcionária que o atendeu usava um crachá eletrônico e um terno mais elegante do que o de muitos executivos. Sorria sem sorrir, o guiando pelas etapas burocráticas como quem trata de um novo cliente.

— Seu reconhecimento facial foi vinculado ao sistema. Agora o senhor pode acessar os ambientes livres. Qualquer dúvida, seu mentor designado estará à disposição. — Explicou ela, antes de lhe entregar uma pulseira eletrônica de identificação.

No celular, uma notificação brilhou: "Bem-vindo ao Instituto Discere, Noah S. Trajano. Sua sala é a 2 A — Bloco 1, terceiro andar. Siga o corredor azul e utilize o elevador lateral."

Ele respirou fundo, ajustando a alça da mochila e encarando o prédio como quem se prepara para atravessar um território hostil. Nada ali era casual. Tudo era planejado, desde a fonte das mensagens no aplicativo da escola até o perfume discreto que se espalhava nos corredores.

Noah não era de se importar com roupas. Ou pelo menos, não costumava ser. Em Brasília, usava o uniforme do colégio como todo mundo — calça bege, camiseta polo azul, e pronto. Mas ali, no Instituto Discere, tudo era diferente. Até o uniforme parecia carregado de regras não ditas.

Eram quatro modelos oficiais. O de verão, com camisa leve e bermuda social; o de inverno, com blazer grosso, cachecol opcional e calça de lã; o de educação física, que mais parecia um conjunto da delegação olímpica brasileira; e o de eventos especiais, que foi o que Noah teve que vestir logo em seu primeiro dia.

Um terno completo.

O espelho do quarto quase não o reconheceu naquela manhã. Camisa branca impecável, gravata cinza-prata perfeitamente ajustada, e o paletó de corte preciso, reformado para carregar discretamente a identidade que, no Discere, poderia ser ignorada por muitos, mas jamais negada. Costurada por dentro, quase invisível, havia uma pequena faixa com as cores da bandeira LGBTQIAPN+. Um gesto de resistência silenciosa.

Era um detalhe só seu. Um lembrete de quem era, mesmo em meio a um mar de convenções. Um escudo invisível, bordado com orgulho.

As calças estavam levemente ajustadas na barra, sinal de que haviam passado por uma costureira antes do início das aulas. Os sapatos de couro preto, discretamente brilhantes, também não eram apenas calçados — eram uma escolha. Tudo em Noah parecia cuidadosamente escolhido, não para se exibir, mas para afirmar. Estou aqui. Do meu jeito.

A mochila era preta, minimalista, adornada com dois pequenos adesivos: "Expressar é existir" e "Livre para ser."

Nos corredores frios e amplos da escola, os alunos circulavam como se estivessem acostumados ao luxo. Muitos usavam os uniformes de maneira relaxada, como se não se importassem. Alguns trocavam tênis pelos sapatos, deixavam a gravata no bolso, dobravam as mangas para parecerem despojados sem sair do padrão.

— Quem é o novato? — Ouviu alguém comentar, quando passou por um grupo que ria junto no corredor.

— Parece saído de uma campanha de moda do Discere. — Disse outro, meio em tom de brincadeira, meio em tom de admiração.

Mas Noah não respondeu. Manteve o queixo erguido, a postura reta e o passo firme.

Por fora, era só mais um aluno andando entre centenas. Mas por dentro, cada escolha — da gravata à costura oculta — era uma afirmação.

Naquela escola onde tudo era aparência, Noah fazia da sua aparência uma bandeira.

***

Valentim atravessava o pátio do instituto com o passo tranquilo de quem sabia exatamente onde queria chegar — e que não precisava correr pra isso. O uniforme, sempre no padrão, carregava um certo charme despreocupado. A camisa branca estava bem vestida, como exigido, mas os dois primeiros botões ficavam sempre abertos, revelando uma correntinha fina, quase imperceptível, que brilhava quando a luz do sol encontrava o metal. As mangas dobradas até o antebraço davam ares de verão eterno, e o paletó azul-marinho, quando não estava pendurado no ombro como um acessório esquecido, permanecia jogado no fundo da mochila, convivendo com cadernos amassados e uma chuteira meio molhada.

Os tênis brancos, oficialmente parte da farda esportiva, jamais viam o branco puro: estavam sempre manchados de terra, grama ou pó de giz. A calça, apesar de formal, ficava com o cós mais baixo do que devia. Era comum ver Valentim puxando o cinto, como quem só lembrava da própria cintura quando sentia a calça escorregar. Mas nada disso tirava o charme. Pelo contrário, cada pequeno desleixo parecia cuidadosamente encaixado em sua estética — meio rebelde, meio distraída, totalmente cativante.

— Oi, amor. — Cumprimentou o rapaz ao se aproximar de Karla, selando seus lábios com um beijo rápido.

— Oi, príncipe. — Respondeu Karla, sorrindo com os olhos antes mesmo dos lábios.

— Caprichou hoje. — Comentou ele, a girando levemente pela mão, como quem apresenta uma obra de arte.

Karla girou de leve, fazendo a saia plissada se movimentar com graça. Estava dentro das regras da escola, claro — sempre estava. Mas sua forma de usar o uniforme era quase um protesto silencioso contra a rigidez. A saia ia até o limite permitido pelo regulamento, mas ela dobrava discretamente o cós por dentro, ajustando-a à sua cintura de modo que parecesse feita sob medida. A blusa, aparentemente comum, exibia pequenos botões coloridos — nada chamativo o bastante para incomodar a coordenação, mas visível o bastante para quem soubesse olhar.

Os sapatos, de verniz preto, refletiam a luz como espelhos. O cabelo encaracolados, preso com uma tiara azul que combinava com a gravata opcional da farda, era milimetricamente arrumado. Nada em Karla era por acaso.

— Ficou sabendo da novidade? — Perguntou ela, enquanto caminhavam lado a lado pelo corredor principal.

— Não, me conta. — Respondeu Valentim, distraído, ainda ajeitando o cinto.

— Parece que o filho de um político vai estudar conosco. Alto escalão. Nacional. — Ela ergueu as sobrancelhas como quem narra um evento cósmico.

— Nem fala isso pro meu pai. Capaz dele querer que eu vire melhor amigo do garoto. — Valentim riu, fazendo Karla soltar uma risada curta e elegante, quase ensaiada.

Eles se aproximaram dos elevadores. O som da escola já ganhava os tons da manhã: passos apressados, vozes abafadas, o barulho dos rodízios das mochilas no piso encerado. E foi ali, ao olhar em direção ao painel do elevador, que Valentim o viu.

Noah.

Encostado à parede, os olhos mergulhados na tela do celular, alheio ao movimento ao redor. A postura era firme, os ombros largos envoltos pelo paletó reformado — uma ousadia em forma de uniforme. Valentim reparou, mesmo à distância, que a costura interna do blazer deixava aparecer uma faixa colorida, discreta, mas inconfundível: o arco-íris da bandeira LGBTQIAPN+. Um gesto sutil e forte.

O coração de Valentim deu um tropeço dentro do peito. Apertou o lado esquerdo do corpo, tentando disfarçar a inquietação. Por um instante, tudo pareceu mais lento — como se a escola, os corredores, Karla ao seu lado, os avisos no alto-falante — tudo tivesse sido pausado por um controle invisível.

— ...porque ter um aluno com vivência política é importante, entende? Pode representar os colegas, puxar pautas relevantes... — Karla continuava falando, sem perceber o silêncio repentino de Valentim.

Mas ele não respondeu. O mundo havia parado ali, entre um passo e outro, entre o primeiro olhar e o segundo em que Noah levantou os olhos e, por um breve momento, seus olhares se encontraram.

Por um segundo, Valentim esqueceu de como se respirava. Seu corpo continuava ali, ao lado de Karla, que tagarelava sobre representação política estudantil, mas sua mente havia sido arremessada na direção do elevador. Noah estava ali, parado com a postura impecável, os dedos deslizando no celular enquanto tentava decifrar as instruções do mapa interno do Instituto Discere.

Um leve reflexo da luz da manhã tocava o cabelo de Noah, que caía perfeitamente sobre a testa. Tudo nele parecia ter sido esculpido com precisão: a lapela do paletó bem passada, a mochila elegante, o olhar sério por trás de cílios longos. Valentim sentiu o coração bater no peito como uma bola de basquete quicando forte na quadra — uma sensação que não tinha nome, mas que ele reconhecia na pele.

— Valentim? — Karla cutucou seu braço. — Terra chamando Valentim.

Ele piscou, como se acordasse.

— Quê? Foi mal. Você falou...?

— Que talvez seja bom pro Grêmio. Vai que ele é engajado. — Ela riu. — Mas você não escutou uma palavra, né?

Valentim disfarçou com um sorriso torto, aquele mesmo que usava quando esquecia de fazer um dever ou chegava atrasado.

— Só tava distraído. Quem é o garoto? — Apontando discretamente para Noah.

— Aquele ali, no terno. — Ela apontou com o queixo. — Acho que é o novato. Me disseram que veio transferido direto de uma escola de diplomatas ou coisa assim.

Valentim nunca foi do tipo que romantizava demais as coisas. Já tinha gostado de outras mulheres antes, já tinha beijado, se envolvido... Mas aquilo que sentiu ao ver Noah — aquela batida forte no peito, o frio repentino na barriga, o leve torpor no pensamento — aquilo não se parecia com nada que ele conseguisse classificar com facilidade.

Quando se afastou de Karla por um instante, usando a desculpa de que ia ao bebedouro, encostou na parede fria do corredor e levou a mão ao peito. Sentia o coração batendo como se tivesse acabado de correr uma maratona. Mas ele não estava cansado. Estava... alerta. Como se alguma parte dele tivesse despertado de um sono longo e silencioso.

"O que é isso?", pensou, franzindo a testa. "Não é normal eu reagir assim só porque vi alguém. E um cara? Um garoto novo? Que nem falei ainda?"

Tentou rir de si mesmo, mas o riso não veio. Em vez disso, ficou parado, encarando o chão de granito claro enquanto revia a imagem de Noah na cabeça. A postura dele, a seriedade no olhar, o jeito como segurava o celular, tão concentrado. A costura colorida no paletó. Aquela escolha sutil, mas tão cheia de significado.

Era isso? O que o tinha desarmado era a coragem? O jeito diferente? Ou era apenas... ele?

"E se for só curiosidade? Interesse por algo novo?" Mas seu coração negava. Não era apenas sobre novidade. Era sobre presença. Sobre algo que pulsou, mesmo à distância.

Valentim nunca teve medo de gostar. Mas ali, naquele instante, percebeu que o medo não era de gostar — era de entender que estava começando a gostar de um jeito diferente. De um jeito que não tinha vivido ainda. E que isso não o afastava da própria verdade — pelo contrário, parecia aproximá-lo dela.

"Seja o que for isso, eu preciso entender. Preciso descobrir o que esse garoto fez comigo com um olhar só."

E então, pela primeira vez naquela manhã, Valentim sentiu algo que não sentia havia muito tempo: vontade de ficar mais perto. De alguém. De Noah.

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Comentários

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Nossa, que saudade de um conto assim por aqui. Já quero todos os capítulos hoje em minha tela do celular. Parabéns!

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