✧ Guardiões da Corrupção ✧
(Lucas)
Finalmente, chegamos. A base da fortaleza era uma visão ainda mais grotesca de perto, uma ferida purulenta na própria paisagem. A pedra negra e oleosa parecia pulsar com uma luz doentia, um brilho fraco e esverdeado que emanava das profundezas da rocha. Runas escuras, gravadas com uma precisão profana, brilhavam com energia maligna ao longo das muralhas imponentes, contorcendo-se como vermes sob a pele. O ar era pesado e fétido, com o cheiro de metal frio, ozônio de magia corrompida e algo mais antigo… o odor de decadência e desespero. E lá, guardando os portões maciços de ferro e osso, estavam eles. Cinco deles.
Não eram soldados comuns, nem mesmo mercenários endurecidos pela batalha. Eram aberrações, monumentos de carne e metal dedicados a uma causa sombria. Cada um tinha quase dois metros de altura, envolto em uma armadura de placas negras que parecia ter crescido em vez de ter sido forjada. As juntas eram fundidas com tendões e cartilagens, e a superfície do metal era irregular, quase orgânica. Elmos com fendas cruéis escondiam seus rostos, mas o ar ao redor deles tremeluzia com pura malícia, uma aura de ódio palpável que fazia os pelos da nuca se arrepiarem.
Eles estavam em uma formação solta, mas deliberada, um pentágono de morte projetado para cobrir todas as abordagens. Dois carregavam enormes machados de duas mãos, as lâminas manchadas com algo escuro e seco que só podia ser sangue velho. Dois outros seguravam espadas longas e escudos em forma de torre, grandes o suficiente para esconder um homem, cada um gravado com o olho vigilante e sem pálpebras de Malakor. O quinto, posicionado no centro e ligeiramente atrás, era inconfundivelmente o líder. Ele não carregava arma, mas suas mãos com garras, livres de manoplas, crepitavam com relâmpagos púrpuras que dançavam entre seus dedos. Um feiticeiro de batalha, a âncora e o canhão de sua pequena unidade.
A adrenalina inundou meu sistema, uma onda fria e eletrizante que afiou cada um dos meus sentidos. O medo era um eco distante, uma nota baixa abafada pela cacofonia da urgência do momento. O que quer que estivesse acontecendo dentro daquela fortaleza, precisava ser interrompido. Toquei o ombro de Tiago, um gesto rápido e firme. Nossos olhos se encontraram por um único e longo segundo, e um universo de compreensão passou entre nós — anos de batalhas lado a lado, de perdas e vitórias, tudo comunicado em um instante. Eu apontei com o queixo para o grupo. “Dois para você, três para mim”. “O feiticeiro é a prioridade”.
Ele assentiu, seus olhos fixos e determinados, seus punhos cerrados ao lado do corpo. Ele já estava começando a extrair poder do solo; eu podia sentir a leve vibração sob as solas das minhas botas, como o batimento cardíaco profundo e lento de um gigante adormecido. Eu respirei fundo uma vez, segurei o ar em meus pulmões, sentindo o veneno no ambiente, e depois soltei lentamente, esvaziando minha mente de tudo, exceto da dança que estava por vir. E então, eu explodi.
Ativei as Botas Relâmpago. O mundo se transformou em um borrão de cores silenciadas. Para mim, o tempo pareceu desacelerar, esticando-se como mel. O som foi o primeiro a mudar, tornando-se um zumbido grave e distante. Os cinco guardiões mal haviam começado a se virar em minha direção, seus movimentos pesados e letárgicos, quando eu já estava entre eles. Meu alvo era o feiticeiro. Ignorei os outros, uma confiança absoluta em Tiago cobrindo minhas costas.
Minhas adagas gêmeas, “Silêncio” e “Grito”, estavam em minhas mãos, um prolongamento frio e mortal da minha vontade. O ar zumbia ao meu redor enquanto eu me movia, deslocando-o com minha velocidade sobrenatural. O feiticeiro ergueu as mãos, relâmpagos púrpuras se arqueando de seus dedos com um estalo furioso. Eu me inclinei para o lado, a descarga de energia passando zunindo pela minha orelha, tão perto que senti o calor em minha pele. O cheiro de ozônio e magia queimada encheu o ar. Eu estava perto demais para ele usar feitiços de área de efeito; seu poder era sua ruína.
Eu me lancei para a frente, girando baixo, um movimento fluido sob seu guarda. “Silêncio”, a lâmina da minha mão direita, cortou a parte de trás de seu joelho, rompendo tendões e aço com um som repugnante de metal rasgando e osso se partindo. Ele urrou, um som gutural e metálico que foi abruptamente interrompido. Ele cambaleou, seu equilíbrio destruído. Nesse momento de vulnerabilidade, “Grito” subiu em um arco rápido e preciso, a ponta da adaga encontrando a fenda ocular de seu elmo. Houve um estalo úmido, um som doentio de aço perfurando carne e cérebro, e o crepitar da magia morreu instantaneamente. Um a menos.
Eu me virei, o corpo do feiticeiro ainda caindo, no momento em que um dos portadores de machado desferia um golpe descendente que teria me partido ao meio. A cabeça maciça da arma desceu com um rugido, deslocando o ar. Rolei para trás, sentindo o vento da lâmina em meu rosto. O machado atingiu o chão onde eu estivera, arrancando lascas de pedra e faíscas que iluminaram a cena por um instante. Enquanto ele lutava para levantar a arma pesada, sua força bruta tornando-o lento, eu avancei. Minhas adagas se moveram como um relâmpago, não contra sua armadura, mas contra suas fraquezas. As lâminas cortaram as tiras de couro que prendiam suas placas de braço. Ele largou o machado com um grito de dor e raiva, e eu aproveitei a abertura, cravando “Silêncio” em sua garganta, silenciando seu grito para sempre.
O segundo portador de machado estava agora sobre mim, seu golpe vindo em um arco horizontal e amplo, projetado para me ceifar pela cintura. Eu não conseguiria desviar a tempo. Foi quando o chão tremeu violentamente.
(Tiago)
Eu assisti Lucas se tornar um borrão, uma linha azulada de intenção mortal traçada no campo de batalha. Era sempre inspirador, quase hipnótico. A forma como ele se movia, uma união perfeita de graça e letalidade, era uma arte. Uma tempestade de aço e velocidade. Mas minha arte era diferente. Era mais lenta, mais pesada, mais fundamental.
Enquanto Lucas se lançava em direção ao feiticeiro, eu ancorei meus pés no chão, sentindo a textura da terra corrompida sob minhas botas. Fechei os olhos por um momento e mergulhei minha consciência para baixo, através da sujeira e do cascalho, para a rocha sólida e antiga que formava a espinha dorsal do mundo. Senti sua força, sua paciência de eras, e senti sua raiva adormecida, um ressentimento profundo pela profanação de Malakor que se espalhava como um câncer em sua superfície. Naquele momento, eu não era apenas um mago; eu me tornei um canal para essa raiva.
“Venham”, eu murmurei, minha voz um trovão baixo que parecia vibrar do próprio solo.
Os dois guardiões com escudos, vendo seu líder cair com uma velocidade chocante e Lucas engajar o primeiro guerreiro do machado, voltaram sua atenção para mim. Eles avançaram, seus passos pesados e sincronizados fazendo o chão tremer. Eles levantaram seus escudos, formando uma parede impenetrável de metal negro, e avançaram, suas espadas longas prontas para perfurar através de qualquer brecha. Eles me viam como um alvo fácil, um mago gordo e lento, bom apenas para ser abatido enquanto seu parceiro veloz era sobrecarregado. Eles estavam fundamentalmente errados.
Levantei minha mão direita, com a palma voltada para o chão, os dedos abertos.
“Erga-se!”, eu ordenei, e a própria terra obedeceu com um gemido profundo.
Uma parede de pedra afiada, com mais de três metros de altura e coberta de pontas irregulares, irrompeu do chão bem na frente dos dois soldados que avançavam. Eles se chocaram contra ela com um baque surdo de metal contra rocha, o som ecoando pelo pátio. O impacto os fez cambalear para trás, sua carga inquebrável interrompida, sua formação perfeitamente quebrada. Antes que pudessem se recuperar ou pensar em contornar o obstáculo, bati meu pé com força no chão. A terra sob os pés deles se partiu. Uma fissura se abriu, não larga, mas profunda o suficiente. Um deles perdeu o equilíbrio e caiu de lado, seu pesado escudo tornando impossível se levantar rapidamente. O outro rugiu em frustração e tentou me contornar pela esquerda, sua espada longa cortando o ar em um assobio mortal. Ceguei-o com o pó da terra e bloqueei seu golpe com um muro de pedra.
Eu não me movi do meu lugar. Em vez disso, levantei minha mão esquerda. Do meu lado, uma enorme laje de pedra se arrancou do chão com um som de sucção, pairando no ar por um momento, vibrando com poder contido. Com um gesto, eu a lancei. Ela voou, não com a velocidade de uma flecha, mas com o ímpeto implacável de uma montanha em movimento, em direção ao soldado do machado que estava prestes a atingir Lucas. A pedra o atingiu no meio do peito com a força de um aríete. Houve um som horrível e doentio de ossos se quebrando e metal se contorcendo sob uma pressão impossível. O guardião foi arremessado para trás vários metros, caindo em uma pilha disforme e imóvel. Agora, apenas dois restavam. O que estava desajeitadamente tentando se levantar e aquele que ainda estava cego atrás da parede de pedra que eu havia criado.
O chão tremeu de novo, mas desta vez não fui eu. Era um terceiro guerreiro do machado. Ele havia se teletransportado com magia negra e estava vindo em minha direção, seu rosto contorcido de ódio. Ele levantou a adaga para um golpe fatal. Eu estava exposto. Lucas estava ocupado com os dois soldados com escudos, uma dança de aparos e esquivas. Por um momento, um frio gelado de pânico ameaçou me dominar. Mas então eu olhei para Lucas, que se virou para mim por uma fração de segundo, seus olhos gritando uma mensagem clara: “Confie em mim!”.
E eu confiei. Eu me concentrei no guerreiro que vinha em minha direção. Eu não ergui uma parede. Não abri uma fissura. Em vez disso, eu pisei com força e comandei a terra diretamente sob ele. O chão não se abriu. Ele se liquefez. A rocha e o solo sob seus pés se transformaram em areia movediça, um poço de lama e pedra sugadora. Ele gritou de surpresa e raiva enquanto afundava até os joelhos, sua investida interrompida, seu balanço completamente descontrolado. E foi nesse exato momento que Lucas, tendo despachado o último soldado com um movimento rápido e brutal, apareceu ao seu lado como um fantasma. Duas adagas brilharam sob a luz doentia. E então o último guardião pereceu em silêncio.
Ficamos parados, ofegantes, no meio dos cadáveres. O silêncio que se seguiu era mais pesado do que o barulho da batalha. A primeira prova havia passado. Mas os portões de ferro e osso ainda estavam diante de nós, fechados e ameaçadores, e o verdadeiro horror, podíamos sentir, ainda estava por vir.
Continua…