Ainda estava processando algumas informações que havia ouvido no meio daquela conversa. Sai de lá com muito mais dúvidas do que respostas, e tudo que eu queria saber, era como Aoi se meteu nessa furada, e principalmente como aquele homem asqueroso parecia conhece-la.
Quando os dois levantaram daquela mesa, meu corpo inteiro gelou. Eu queria ouvir mais, juntar cada pedaço de informação, mas as pernas se mexeram antes da cabeça decidir. Saí correndo da sombra onde estava, o coração batendo no pescoço. Não queria que me vissem ali, muito menos que notassem a minha presença, ou eu não poderia passar desapercebido com o que eu estava planejando á seguir.
Foi quando ouvi uma voz conhecida me chamando.
— Ei cara, entra ai.
O motorista do táxi. Ele estava encostado no carro, cigarro na boca, olhando pra mim com uma expressão que misturava preocupação e impaciência.
— Cara, achei que você ia se perder por aí. — Ele jogou o cigarro no chão e pisou em cima. — Não consegui ir embora. Você parecia... sei lá, transtornado.
— Transtornado é pouco, viu? Estou vivendo um inferno hoje.
Apenas entrei de volta no táxi, como se aquele carro fosse o último pedaço de chão seguro em Osaka. Sentei, fechei a porta com força, e encostei a cabeça no vidro. A respiração vinha curta, o peito ardendo.
O motorista ligou o carro, mas não saiu de imediato.
— Quer ir pra casa? Ou tem outro lugar em mente?
Minha boca abriu sozinha.
— Não quero voltar pra casa. Não agora.
Ele me encarou pelo retrovisor, os olhos semicerrados.
— Então pra onde? Pode falar, essa corrida é na faixa.
Olhei pro chão do carro, os sapatos cheios de poeira, as notas amassadas que tinha jogado antes ainda largadas no banco da frente. Eu não fazia ideia. O mundo inteiro parecia não fazer sentido. Então soltei, quase implorando:
— Qualquer lugar... só que eu possa usar um telefone.
Ele coçou a cabeça, meio desconfiado, mas acabou tirando o próprio celular do bolso da jaqueta e estendeu pra trás.
— Se é assim, então usa meu telefone. Liga para quem precisar.
Peguei o aparelho com as mãos tremendo. Era como se ele pesasse dez quilos. Encostei na testa por alguns segundos, respirando fundo. Quem eu podia ligar? Quem, de verdade, podia ouvir tudo isso sem me julgar, sem tentar me prender numa gaiola de consolo barato? Só havia uma pessoa.
Disquei o número quase no automático. Cada toque na linha parecia um tambor dentro da minha cabeça. Até que a voz dele apareceu do outro lado.
— Alô? Quem é?
Era o Kenta. Meu irmão.
A garganta fechou. O silêncio durou alguns segundos até ele insistir.
— Alô? Quem é?
— Sou eu... Kouta.
Do outro lado, ouvi ele prender a respiração.
— Kouta! Sua namoradinha que nunca liga pra mim me ligou mais de 10 vezes desesperada te procurando. Onde você está?
Fechei os olhos. A voz dele era um alívio, Kenta sempre era meu porto seguro, minha família.
— Eu tô... tô em Osaka ainda. Num táxi. Eu não consegui... eu não consegui ficar em casa.
Ele suspirou fundo.
— O que aconteceu? Você tá bem?
Ri, mas era aquele riso amargo que sai quando não tem graça nenhuma.
— Tá ai uma coisa que eu não sei responder.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos. Depois falou baixo.
— Você brigou com a Aoi, não foi?
Meu peito apertou.
— Você já sabe?
— Não sei de nada. Mas sei que só uma briga com ela te faria não querer voltar pra sua casa. Escuta, eu estou... Meio ocupado no momento, mas vou te passar o endereço de onde estou hospedado. Por sorte estou na cidade.
— Eu não sei a quem recorrer, Kenta. Eu preciso de sua ajuda pra uma coisa.
— Que coisa?
Engoli seco. Olhei pro motorista, que fingia não ouvir nada, concentrado na rua. E então desabei.
— Kenta, a Aoi fez uma coisa terrível, e não sei se foi obrigada, ou não. Mas eu não estou conseguindo lidar com isso, eu estou com o peito doendo, e só querendo matar o desgraçado que usou ela daquela forma...
A voz falhava, mas não parei. Eu precisava vomitar aquilo. Precisava que alguém ouvisse, porque sozinho ia me engolir inteiro. Eu também falei sobre minha tentativa de tirar a vida, e também o que fiz em casa.
Do outro lado da linha, silêncio. Só a respiração pesada do Kenta. Até que ele respondeu.
— Ototo.
(Irmão mais novo)
— Oi? — Perguntei.
— Eu nunca te vi falar desse jeito. Se acalme, vai pra minha casa. Conversamos por lá, está bem?
— Eu não devia estar vivo, Kenta. Se eu tivesse morrido naquele hospital, nada disso teria acontecido. Ela não teria se... se rebaixado daquele jeito.
— Não fala merda. — A voz dele subiu, dura. — Não é culpa sua. Nunca foi. Eu não sei o que ta pegando, mas você tem que ficar feliz por ter uma nova chance, por você, por mim e pela Aoi.
— Pela AOI? — minha voz saiu num grito abafado. O motorista olhou de relance pelo retrovisor. — A mulher que se sujou se vendendo pra um bando gente sem vergonha e fez as maiores atrocidades com o pretexto de que iria salvar a minha vida?
Do outro lado, ouvi um barulho. Forte. Um disparo que parecia ter cruzado o vento. Kenta então retomou o assunto. — Kouta.
As lágrimas escorreram sem controle.
— O que foi?
— Eu acabei de tirar a vida de uma pessoa. Uma pessoa que merecia morrer. O nome dele é Hayako Fujima, ele é um molestador de adolescentes. Ele matou uma menina que tinha sonhos, e a família me pagou pra dar cabo nele, pois a justiça o soltou.
— E o que isso tem a ver?
Ele respirou fundo.
— VOCÊ ACHA QUE EU FICO FELIZ EM FAZER ESSE TIPO DE COISA?
O grito dele me fez ficar em choque. Logo, meu irmão continuou.
— Nossa mãe morreu quando você nasceu. Quando você nasceu eu já tinha um pouco mais de idade, nós fomos criados pelo nosso pai até eu quase atingir a idade adulta, quando ele acabou falecendo junto por não aguentar ficar sem a nossa mãe. Você era novo nessa época, eu tinha apenas você como família. Nós éramos pobres, você sabe que eu já roubei para nos sustentar, e você sabe muito bem que a pessoa que nos adotou, só o fez pra me transformar no que sou hoje, e você, só está livre para ser o que quiser, porque eu impus essa condição a ele.
— Kenta... — Eu dizia, relembrando bem a nossa infância, o quanto ela foi difícil. Eu lembrava vagamente do nosso pai, mas eu lembrava muito bem do meu irmão cuidando todos os dias de mim julgo sem dor ou pai que eu nunca tive de fato. Eu me lembro quando fomos adotados, nós nunca recebemos nenhum carinha daquele homem, mas, meu irmão sempre foi aquele elo que sempre me ensinou amar , ele e Aoi sempre foram os dois maiores pilares que eu tinha na vida.
— Eu fiz tudo por amor a você. Você merece um futuro diferente do meu. Eu não sei o que Aoi fez, mas ela o fez somente por amor a você, porque te perder seria como perder uma parte dela.
Olhei pela janela, enquanto uma lágrima caia do meu rosto. O taxista olhava pelo retrovisor.
— Está tudo bem ai, amigo?
Eu assenti com a cabeça. Kenta continuou:
— Não sei se posso conviver com isso.
— Estou indo para meu apartamento. Vou te mandar o endereço. Onde você está agora?
— Eu não sei. — Respondi.
O motorista me olhou e falou baixo.
— Estamos perto da estação de Namba.
Repeti pra Kenta. Ele suspirou do outro lado.
— Estão perto então. Vem direto pra cá. Mas me promete uma coisa.
— O quê?
— Promete que não vai tentar mais nada. Nem atravessar rua sem olhar, nem quebrar nada, nem se machucar. Só espera por mim.
Fechei os olhos, a testa encostada no vidro gelado. A promessa pesava mais do que eu podia carregar, mas respondi mesmo assim.
— Eu prometo.
O silêncio tomou conta por alguns segundos. Eu sabia que ele não acreditava totalmente, mas pelo menos isso me segurava por enquanto.
Kenta então falou mais baixo, quase num sussurro.
— Aguenta firme, irmão. Nós vamos dar um jeito depois.
A ligação caiu logo depois. Eu devolvi o celular pro motorista, agradeci quase sem voz. Ele apenas assentiu e seguiu dirigindo devagar, como se entendesse que cada minuto a mais no banco de trás era um minuto a menos de colapso.
E ali fiquei, olhando as luzes de Osaka passarem rápido do lado de fora, tentando acreditar naquelas últimas palavras do Kenta. Tentando acreditar que eu ainda não estava totalmente perdido.
Seguíamos ali para a casa de Kenta, passando pelas ruas e avenidas da fria cidade de Osaka, observando a noite chegar, e com ela, pessoas andando para sua volta para casa, e outras para aproveitarem a noite.
Eu fiquei ali parado, enquanto o motorista seguia com seu destino. Ele me encarou por alguns segundos pelo retrovisor, meio surpreso, mas não insistiu. Ao invés disso, apenas assentiu e dirigiu em silêncio por um tempo. Depois, como se tivesse decidido quebrar o peso que carregava o ar, começou a puxar assunto.
— Você é um bom rapaz, eu consigo sentir isso.
— Eu não sei se sou mesmo. Não sei nem se eu deveria estar aqui. — Completei.
— Sabe… você me lembra a minha filha. Ela tem mais ou menos a sua idade. Sempre sonhando, sempre perdida em pensamentos.
Não respondi de imediato, mas acabei olhando de canto de olho para ele.
— E o que faz achar que eu estou perdido em sonhos e pensamentos?
— Você está. Você está perdido agora, mas sei que é uma pessoa sonhadora. — Ele respondeu.
— Ah é mesmo? — Perguntei.
— É. E sabe qual é o maior sonho dela?
Balancei a cabeça em negativo.
— Ser mangaká. Desenhar e escrever histórias. Viver disso.
Engoli seco. Era como se as palavras dele tivessem me acertado em cheio. Depois de alguns segundos de silêncio, murmurei.
— Esse também é o meu maior sonho.
Ele arqueou as sobrancelhas, quase sorrindo, surpreso de verdade.
— Que coincidência então. Você desenha?
Assenti.
— Sim. Sempre desenhei. Sempre quis colocar no papel o que sinto, as histórias que crio. Mas… — parei por um instante, olhando de novo pela janela, a voz quase falhando. — Mas agora eu nem sei mais se isso ainda importa.
O motorista soltou um riso baixo, mas não foi de deboche. Foi um riso leve, como quem tenta animar.
— Importa, sim. Mais do que você imagina. Sonhos são os que nos movem a seguir em frente.
— Não sei. Minha vida tá uma bagunça. Eu não sei mais se consigo acreditar em nada.
— Olha, amigo. Eu não sei o que tá acontecendo com você. Mas sei de uma coisa. Você me lembra muito ela. E se tem uma coisa que eu aprendi com a minha filha, é que quem tem esse brilho dentro de si nunca perde completamente. Pode estar apagado, pode estar soterrado de dor, mas não morre.
Fiquei em silêncio, digerindo aquelas palavras. Por um momento, senti uma pontada de esperança, mas logo o peso voltou.
— Espero que você esteja certo.
— Eu tô. E vou te dizer mais. — Ele ajeitou o volante, desviando por uma avenida larga, enquanto as luzes dos postes entravam em sequência pelo vidro. — Você pode até não acreditar agora, mas você vai dar a volta por cima. Vai encontrar força.
Olhei fixo para a nuca dele, como se quisesse acreditar. E, de repente, ele emendou.
— Tenho certeza que um dia ela e você vão conseguir alcançar o sonho de vocês. Não desista, rapaz.
Suspirei, encostando a cabeça no vidro frio.
— Talvez.
— Sobre seu problema... — Ele disse.
— O que tem? — perguntei.
— Tenho certeza que a moça não fez por mal. Pois senão, não teria tido a defesa até mesmo do seu irmão.
— Hum...
O carro seguiu em silêncio até parar diante de um prédio grande, com uma fachada bem iluminada, parecia ser um prédio de alto padrão em Osaka, que hospedava pessoas de porte alta.
— É aqui?
— Sim.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos antes de falar.
— Espero te ver melhor da próxima vez.
Assenti devagar.
— Obrigado.
Saí do carro e fiquei parado por um instante, observando as portas de vidro do prédio. Respirei fundo e entrei. O hall era luxuoso, cheio de detalhes, e parecia tão distante da vida real que quase me senti intruso. Subi até o terceiro andar, onde Kenta estava hospedado.
Quando toquei a campainha, não foi meu irmão que abriu a porta. Foi Sayaka. A enfermeira que cuidava de mim no hospital. E, pra meu choque, eu peguei ela praticamente pelada. Os seios estavam expostos, e ela vestia uma calcinha fio dental vermelha. Eu me amedrontei com a cena, pois nunca a vi daquela forma.
— Kouta?! — Ela arregalou os olhos, claramente surpresa. — Você… você tá andando?
Gaguejei, confuso.
— O que… o que você tá fazendo aqui?
Ela hesitou, olhou pro lado e disse, com um sorriso sem graça.
— Ah, eu vim esperar o Kenta-kun chegar. Estou com saudades!
Franzi o cenho, completamente perdido.
— Você não devia estar aqui. — Apontando para uma aliança que estava sobre a mesinha da sala. — Isso… isso não tá certo.
Ela corou, desviando os olhos.
— Existem amores e amores, Kouta-chan. E, querendo ou não… eu amo o seu irmão.
Aquelas palavras me deixaram ainda mais confuso. Antes que eu pudesse responder, ela correu para o quarto, pegou suas roupas e começou a se trocar apressada. Logo depois, a porta se abriu novamente e Kenta entrou. Ele carregava um ar cansado, mas firme, como sempre. Ao me ver, deu um leve sorriso.
— Kouta. Você conseguiu vir.
Sayaka, já vestida, ajeitou o cabelo e se aproximou dele.
— Eu já vou indo. Acho que terá companhia por hoje, né?
— Sim. Me procura amanhã. — Kenta disse.
— Claro. Eu me livro de qualquer compromisso por você.
Eles trocaram um beijo lascivo, onde ela avançou até Kenta e assim o beijou com vontade. Sua língua se esfregava com a dele, enquanto ele fez escorregar sua mão até a bunda dela, onde deu um tapa. Ela então sorriu ao finalizar o beijo de ambos e se foi.
Kenta entrou sem dar importância ao constrangimento que pairava no ar, foi direto até a geladeira, pegou um copo de leite e bebeu um gole. Depois me ofereceu.
— Quer?
Balancei a cabeça.
— Não.
Ele bebeu mais um gole, colocou o copo sobre a pia e se virou para mim. Seu olhar ficou sério.
— Então me conta, o que ta pegando.
Quando as palavras saíram, parecia que eu deixava um peso enorme cair no chão e, ao mesmo tempo, me despedaçava por dentro. Eu falei tudo de uma vez, como quem despeja veneno, porque precisava tirar aquilo do peito. Contei que, desde que saí do hospital, vinha reparando coisas estranhas na Aoi; que a “história do empréstimo” não batia; que o banco disse, por telefone, que nenhum empréstimo estava registrado; que havia encontrado e-mails com um link e, em um ataque de curiosidade e desespero, cliquei; que os vídeos mostravam ela fazendo coisas que eu nunca imaginaria, como fazer sexo não apenas com o Kuro, mas também com o tal do produtor. Sobre as coisas que eles fizeram, os lugares, as situações, as reações e falas dela.
Contei que assisti vídeo depois de vídeo até a dor virar algo físico no peito e que, por um segundo torto, eu desejei não existir mais. Contei também sobre o episódio do quase atropelamento, do meu fugir do local, do Kuro com o produtor na casa de dango, e do visto que aquilo tudo me deu: que metade do meu mundo era mentira.
Kenta não falou nada enquanto eu falava. Ele só me observava. Fiquei imaginando aquelas pupilas duras dele — sempre calçadas numa arrogância qualquer, sempre com um instinto que eu não tinha. Não era julgamento; era análise. Quando terminei de vomitar cada coisa, eu senti que minha garganta parecia um deserto. Ele finalmente falou, baixo, devagar, como quem prepara o terreno antes do golpe.
— Eu entendi, eu agora entendi tudo.
— Preciso de sua ajuda. — Eu dizia.
— O que você quer que eu faça?
A pergunta foi simples, direta, e me acertou como um tapa. Eu pensei, então soltei o que me pulsava na veia: precisava de uma arma. Ia atrás do Kuro, ia atrás desse produtor asqueroso. Posso até lembrar exatamente como disse, com a voz tremendo: que queria justiça, que matar essas duas porcas era justiça. Eu precisava que eles pagassem.
Kenta me olhou como se eu tivesse mudado de idioma. Depois, o silêncio foi longo. Aquele silêncio que só irmãos entendem porque ali dentro carregava um monte de memórias antigas e responsabilidade. Ele falou e a voz não tinha tremor ao contrário da minha.
— Não vou te dar arma nenhuma, irmão. Você não é um assassino.
— Você também não foi um dia, e acabou sendo!
— Você acha que isso vai resolver alguma coisa?
Eu respondi sem pensar. — Vai. Vai ser justiça. Eles merecem.
Kenta:
— E o que você vai fazer quando sair da cadeia? Vai ficar pra sempre com a sensação de que fez justiça? Ou vai ter levado todo o resto junto contigo? Pense, Kouta. Vai desperdiçar o que a Aoi fez por sua causa?
Eu, cego, respondi:
— Aoi é uma prostituta agora. Ela se vendeu.
E a palavra saiu como um grito que eu sentia que queimava minha boca. Não era só raiva, era vergonha kafkiana, era humilhação pública que eu lavai em lágrimas. Kenta ergueu a mão e me deu um soco. Um soco limpo na cara. Doeu, foi físico, real. Ele não fez por raiva — fez por obrigação, como quem ensina um cão a não morder.
— Cala a boca — ele disse, frio. — Não é assim que a gente fala da pessoa que te ama.
Eu me enchi de fúria. — Por que você está defendendo ela? — gritei. — Por que você acha que eu devo aceitar isso que ela fez?
Ele não viu palavra. Só explicou, com calma, como se eu fosse uma criança que precisava entender uma verdade cruel: às vezes, quando estamos sem saída, a gente faz coisas que depois nos destroem de vergonha, porém naquele momento só existe uma motivação: salvar quem ama. Ele não pediu que eu desculpasse; pediu que eu entendesse. Disse que minha ideia de justiça era burrice. Já tinha visto pessoas que viraram heróis de si mesmas matando, e no final viraram prisioneiros de um palácio de gelo.
— Eu não tô defendendo ninguém — ele falou — Eu tô sendo prático. Você quer sangue. Eu sei que você quer. Mas sangue não vai te devolver o que te fizeram tirar. Vai te perder de vez.
Eu disse que antes ele havia me oferecido ajuda, e ela recusara. Eu disse que, naquele momento, eu podia ter aceitado a ajuda, e que talvez não tivesse sido preciso aquilo tudo. Kenta fechou os olhos, respirou e me contou que ele tinha chegado tarde na história. Que estava fora do Japão trabalhando, e quando soube do que acontecera comigo, veio correndo. E que, de fato, ele se oferecera pra ajudar, mas chegara tarde: Aoi já tinha quitado o hospital. Ela tomou uma decisão e arcou com as consequências.
— Por que ela não te contou logo de cara do acidente?
— Mas ela contou. — Ele disse. — Ela passou por cima da raiva que tinha de mim, e me contou, mas eu estava incomunicavel na época por questões que não valem a pena agora.
— Ela podia ter ao menos aceitado sua ajuda...
— Eu acredito que ela jamais aceitaria. Não depois do que eu ajudei a fazer. Ela nunca me perdoou. Você sabe muito bem o que aconteceu, não sabe?
Aquela ideia me furou. — Eu não sei de nada — eu disse.
— Então ela escolheu não te contar.
— Contar o que, Kenta?
— Quando estiver junto com ela, ela vai te falar. Mas, eu não fiz... Por mal.
Eu, cego, voltei à carga: não podia deixar eles impunes, por quem eles eram e pelo que eles talvez fizessem com outras pessoas.
— Não posso deixar eles a solta e sorrindo como se fossem vitoriosos. Eu ouvi coisas absurdas deles.
Kenta olhou para mim por alguns segundos, e quando falou a voz era diferente — pesada daquelas promessas que mostram que alguém já pensou em muito antes.
— Eu tenho uma ideia do que podemos fazer — ele disse. — Mas não envolve matar ninguém. Porque você não é assim.
Eu estacionei na frase, meio em choque. — Como assim? — perguntei.
Ele encostou, olhou fixo, como quem medita.
— Kouta, eu conheço aquele seu amigo. Eu estava tentando me lembrar de onde, mas eu sei muito bem o que ele faz e frequenta. Eu tenho uma ideia de como ferrar com ele. Já o tal produtor, eu não faço a menor ideia de quem possa ser, e também não sei o que podemos fazer com ele.
À noite se estendeu e continuamos a conversar, e daquela conversa, Ideias começaram a surgir, assim como começou a surgir perspectivas e oportunidades sobre o que poderia ser feito. Eu, que estava completamente sem nenhuma perspectiva de esperança, comecei a mergulhar em muitas ideias que me eram propostas. A noite chegou e eu acabei pegando num sono, e fomos dormirAoi empurrou a porta do quarto devagar, como se já esperasse encontrar algo errado. Seus olhos se arregalaram ao se deparar com o caos: a cadeira caída no chão, o notebook em pedaços espalhados pelo carpete. Cada tecla, cada parte quebrada parecia ecoar a fúria que tinha tomado conta de Kouta antes de sair.
Atrás dela, Akemi apoiou o ombro no batente da porta, cruzando os braços. Observou em silêncio por alguns segundos, até soltar uma frase seca:
— Ele surtou mesmo hein? Olha isso.
— Mas... O que foi que aconteceu aqui?
Aoi soltou um suspiro trêmulo e levou a mão ao peito, tentando controlar a respiração. O coração acelerado a sufocava ainda mais. Caminhou alguns passos para dentro do quarto, os pés pisando nas peças quebradas que estalavam sob o peso.
— Onde você está, Kouta-kun…? — murmurou, quase num sussurro, enquanto pegava o celular que carregava na mão.
Com dedos vacilantes, ela discou o número dele novamente. Apertou o aparelho contra o ouvido, torcendo por uma resposta, mas tudo que ouviu foi a voz automática da caixa de recados. Aoi fechou os olhos, os ombros desabando.
Akemi, ainda de braços cruzados, estreitou o olhar.
— Você faz ideia do que aconteceu? — perguntou, a voz carregada de um tom entre desconfiança e reprovação.
Aoi virou o rosto, os lábios entreabertos, mas nenhuma resposta veio de imediato. Apenas balançou a cabeça, perdida.
— Nem eu sei porque ele teve esse tipo de reação… — disse, mas a insegurança na voz a denunciava.
Akemi ergueu a sobrancelha, com um sorriso sarcástico no canto da boca.
— Com certeza ele finalmente descobriu o que você andou aprontando esse tempo todo que ele tava em coma e viu a mulher que você é.
Nesse instante, Aoi congelou. O corpo inteiro ficou rígido, como se o ar tivesse sumido do quarto. Lentamente, ela se virou para encarar Akemi, os olhos arregalados e cheios de medo.
— Hein? D-Do que você está falando? — a voz dela saiu falha, quase infantil.
Akemi descruzou um dos braços e gesticulou no ar, num gesto displicente.
— Você sabe muito bem do que eu tô falando. Dos "vídeos" que você fazia.
— Como… como você sabe disso? — Aoi perguntou, a voz embargada, segurando o celular contra o peito como se fosse um escudo. — Quem te contou?
Akemi não respondeu de imediato. Permaneceu apenas encarando, como se estivesse saboreando a angústia da amiga. Depois, soltou uma risada curta, sem humor.
— Bom, então você confirma pelo menos, enfim. Não importa como eu sei, o que importa é que você não pensou nos sentimentos do Kouta-kun. Foi egoísta, como sempre é.
As palavras caíram como facadas. Aoi apertou os olhos, lágrimas brotando nos cantos. Ainda assim, respirou fundo e respondeu com firmeza, mesmo entre soluços.
— Eu sei que fui egoísta! Você não precisa me dizer isso, e sinceramente, eu não me importo com seus julgamentos, você pode me falar o que quiser, pois eu não admito que fique tentando me julgar, a única pessoa que pode fazer isso... É o meu Kouta-kun.
Akemi deu de ombros, mas a voz veio fria.
— Pela reação dele, parece que ele já te julgou, não é?
Foi o suficiente. As pernas de Aoi perderam a força, e ela se ajoelhou no chão, levando as mãos ao rosto. O choro veio intenso, pesado, abafado entre os dedos.
— Eu tentei… — a voz dela saiu sufocada. — Eu tentei de todas as formas. Busquei empréstimo no banco, implorei ajuda pro meu antigo patrão… eu tentei tudo…
As palavras vinham entre soluços, um desabafo que parecia carregado há muito tempo.
— Eu não me orgulho do que escolhi, mas também não poderia viver em paz sabendo que o amor da minha vida estaria morto. Eu teria até aceitado a ajuda daquela pessoa… mas o Kuro apareceu primeiro, oferecendo uma forma de conseguir dinheiro… e eu aceitei. Eu tava desesperada… a gente já tava até perdendo a casa, eu tinha sido demitida… — Aoi chorava, curvada, o corpo inteiro tremendo.
O sarcasmo de Akemi desapareceu. Ela observou em silêncio, até soltar um longo suspiro. Então, deu alguns passos para perto, se ajoelhou ao lado de Aoi, e pousou a mão suavemente em seu ombro.
— Ei… — disse, num tom muito mais doce. — Me desculpa, eu não quis... Ah, que droga! Calma, ta? Vai ficar tudo bem.
Aoi ergueu os olhos vermelhos e marejados, surpresa com a mudança de atitude.
— Eu… eu só queria salvar o Kouta-kun…
Akemi apertou de leve o ombro dela, num gesto de apoio.
— Eu sei, Aoi. Eu sei. Eu entendo o seu sofrimento, entendo o seu desespero. E espero, de verdade, que o Kouta-kun entenda também.
Aoi fechou os olhos novamente e se deixou chorar mais um pouco, mas agora com a cabeça encostada no ombro de Akemi. O silêncio que se instalou não era de julgamento, mas de solidariedade.
Akemi se levantou e ajeitou a bolsa no ombro e encarou Aoi por um instante. Aoi ainda tinha os olhos vermelhos do choro, mas já respirava com um pouco mais de calma.
— Eu preciso ir — disse Akemi, num tom mais brando. — Semana que vem tenho uma viagem marcada e… preciso organizar algumas coisas.
— Claro, eu te acompanho...
Aoi a acompanhou até a porta. Por um instante, as duas apenas se encararam, como se houvesse muito mais a dizer, mas nenhuma encontrava as palavras certas. No fim, Aoi abriu um sorriso cansado, forçado, e sussurrou:
— Obrigada por ouvir…
Akemi assentiu, tocou de leve a mão dela e respondeu:
— Vai ficar tudo bem, Aoi. De algum jeito, vai.
Elas se despediram, e Akemi seguiu seu caminho até a estação de metrô. O sol já tinha se escondido atrás dos prédios de Osaka, tingindo o céu de um azul escuro, cheio de estrelas. O vento frio da noite soprava contra seu rosto, e os passos dela ecoavam pelas ruas relativamente silenciosas.
Mas sua mente estava longe.
— Onde será que você tá agora, Kouta-kun…? — pensou, com os olhos fixos no chão. A imagem dele, sozinho, transtornado, a deixava inquieta.
Foi nesse momento que sentiu um braço pesado envolver sua cintura e uma mão áspera tapar sua boca. O corpo dela enrijeceu no mesmo instante.
— Shhh… — uma voz rouca, enjoativa, sussurrou em seu ouvido.
Assustada, ela tentou se soltar, virando o rosto, e finalmente conseguiu escapar da mão que abafava sua voz. Ao se virar, viu a figura que mais detestava na vida.
Um homem baixo, gordo, de óculos pequenos que escorregavam pelo nariz oleoso. O produtor dos vídeos de Aoi. O sorriso dele era tão nojento quanto sua presença.
— Há quanto tempo, hein, Akemi-Chan? — disse ele, aproximando-se demais, com um brilho malicioso nos olhos.
Akemi arregalou os olhos, o corpo inteiro em alerta.
— Me larga! — disse com firmeza, mas a voz saiu trêmula.
— Ohhh, você está mais brava agora que voltou dos Estados Unidos. Se esqueceu quando era obediente?
— O... O que você quer comigo? — Akemi dizia para ele, enquanto o homem a apertava mais. Seu pau, que fazia um volume na calça, passava pela veste dela, esfregando, enquanto ela tentou escapar.
— Você voltou depois de tanto tempo e nem veio visitar o seu velho amigo...
Ele riu, aquela risada abafada, como um porco satisfeito. Então, sem dar chance, empurrou-a para dentro de um beco estreito e úmido. Antes que ela reagisse, pressionou os lábios contra os dela. Akemi tentou resistir, empurrando o peito dele, mas a força repulsiva e inesperada a desestabilizou, e fez com que ele a beijasse. Os lábios deles se uniam, com as línguas se enroscando. A jovem tentou protestar, mas acabou agarrando o homem e colando seu corpo ao dele. Logo ele separa os lábios e um fio de saliva se forma.
Ela virou o rosto, respirando ofegante, e ele passou a língua pelo pescoço dela.
— Eu tava com saudades de toda essa marra — murmurou.
Akemi cerrou os dentes, o olhar fulminante.
— Eu não sinto saudade nenhuma de você.
Ele inclinou a cabeça, os olhos semicerrados por trás das lentes.
— E aquele tempo nos Estados Unidos, hein? Será que você usou tudo o que aprendeu?
Ela tentou se soltar de novo, o coração batendo descompassado.
— Se você não me deixar ir, eu vou gritar até alguém aparecer!
O produtor soltou um suspiro pesado, quase teatral, enquanto pressionava seu corpo ao dela.
— Não fique tão afobada, Akemi-chan. Afinal de contas, é só pra matar as saudades, já que eu tenho alguém atualmente para ocupar o seu lugar.
O estômago de Akemi revirou. Ela não precisou ouvir o nome para saber de quem ele estava falando.
— De-Deixa a Aoi em paz! — a voz dela saiu alta, firme, carregada de raiva.
Ele inclinou a cabeça, divertido.
— Huhuhuhu! Agora quer que eu deixe ela em paz? Você devia era ficar feliz. Afinal, eu tô tirando ela do caminho do seu querido Kouta-kun. Pense bem, Akemi-chan… não era isso que você queria? Assim você ficaria livre, só você e ele.
A cor sumiu do rosto dela.
— O quê…? — sussurrou, quase sem ar.
O homem se aproximou mais, o hálito quente e repugnante batendo contra sua pele.
— Foi você quem falou dela pra mim, lembra? Você que fez eu ficar interessado…
As palavras dele atravessaram Akemi como facadas. Ela fechou os olhos com força, lágrimas ameaçando escapar.
— Eu… eu me arrependo disso todos os dias.
O sorriso dele se alargou.
— Arrepender não muda nada. Ela já está em minhas mãos e sabe que se não continuar, a vida do namoradinho de vocês dessa vez vai acabar.
— Dessa vez?
E então, sem esperar resposta, agarrou o braço dela e a puxou com brutalidade para fora do beco.
— Vamos. Tenho um lugar melhor.
Akemi lutava para se soltar, mas a força dele e a forma como a arrastava em direção às ruas laterais a deixavam sem opção. Cada passo aumentava a sensação de que estava sendo levada para um destino escuro, perigoso, e que, dessa vez, talvez não tivesse como escapar.
Mais tarde, estirada na cama, está Akemi, com as roupas rasgadas, enquanto o homem asqueroso estava ali sugando seu seio. A expressão de Akemi agora era outra, antes mostrando um desespero, agora tinha a mesma expressão que ela sempre demonstrou quando era fodida por ele daquela forma.
Suas pernas ali abertas, enquanto seus olhos se afundavam em meio ao desejo e desespero, totalmente domada e dependente, enquanto o homem está ali chupando sua bucetinha.
— Pa... PARE com isso...
— Hum? Você estava até agora a pouco falando que quer o meu pau.
O homem em seguida voltou a chupa-la, enquanto se deliciava com sua bucetinha. Sua boca estava ali, se deliciando com a bucetinha de Akemi, que se molhava entre seus lábios, enquanto ela puxava os lençóis da cama.
Logo em seguida estava de quatro, tendo o pau do homem a violando, onde ele socava com violência, enquanto puxava seus cabelos. Ela choramingava, pedia por mais, mas ao mesmo tempo, pedia para parar.
— Você se lembra, não é, Akemi-chan? Quando você foi minha pela primeira vez, quando eu tirei sua virgindade!
— Pa... Pare... — Akemi pedia, mas estava rendida. Os olhos fundo, vazios, agora davam lugar apenas ao seu corpo, que se movimentava junto com o do diretor.
— Eu quero gravar com as duas, já pensou que delícia seria? Hahahaha— Disse, de forma sádica, com a voz carregada de malícia, enquanto Akemi nada falava. A sessão de sexo e manipulação psicológica seguiu, até que ele mergulhou Akemi num prazer e uma inundação de sua porra.
Ofegante, ela está ali, deitada na cama, com as lágrimas caindo nos olhos, enquanto ele ajeitava sua calça, depois de matar a saudade dela.
— Muito bem, Akemi-chan. Tirei a sorte de vê-la, depois de tanto tempo. Agora, tenho uma coisa que você pode fazer por mim.
Akemi o encarou ali, com os olhos lacrimejando, sem forças, mas pronta para fazer o que aquele homem mandasse.