Depois daquele domingo super agitado, minha semana começou bem tranquila. Na segunda-feira, passei o dia todo ao lado da Fernanda e juro que só não fiquei grudada nela porque ela não podia nem ser abraçada com mais força. Mas a enchi de beijos, carinho e muito dengo. Era muito bom estar bem com ela de novo.
Infelizmente, na terça-feira, algo tirou um pouco a nossa paz. Um detetive da polícia civil nos procurou, informando que precisava urgentemente do nosso depoimento; só faltava o nosso para ter todos os relatos do caso. Eu disse que estava tranquila em ir até a delegacia, mas para Fernanda ainda era complicado, já que não era aconselhável colocá-la em um carro. O detetive disse que por isso estava ali, iria gravar nosso depoimento e depois um escrivão passaria para o papel.
Concordei, pois facilitava para mim. Pedi que ele se sentasse e fui ao quarto avisar Fernanda. Ao falar com ela sobre o detetive, ela pediu algo que eu ainda não tinha pensado: que deixássemos Ingrid fora da história. Não havia necessidade de falar sobre o motivo da briga, apenas que discutimos por ciúmes e a discussão virou uma briga, resultando em nossa separação, o que a levou a sair da boate. Eu concordei, diria que discutimos por ciúmes, sem entrar em detalhes.
Voltamos à sala e perguntei ao detetive se havia algum problema em ouvirmos o depoimento uma da outra. Ele disse que não, pois meu depoimento nem era tão relevante, já que, pelo que ele já sabia, eu praticamente não estava no momento do crime. Ele mencionou que podíamos pedir a presença de um advogado, mas achava que não era necessário, já que a polícia sabia praticamente tudo pelos depoimentos das outras pessoas, inclusive o do Hugo que confessou. O detetive disse que Hugo provavelmente foi aconselhado pelo advogado a confessar tudo, já que a polícia tinha todas as provas para condená-lo, com a confissão ele poderia ter a pena reduzida. Eu também achei que não era necessário chamar nosso advogado e Fernanda concordou.
Ele explicou como faria e que faria algumas perguntas, se necessário. Avisou a Fernanda que, se precisasse parar em algum momento, era só fazer um sinal. Ela achou que não seria necessário, mas agradeceu.
Nossos depoimentos foram rápidos, mas mesmo assim demoraram quase duas horas. Quando terminamos, o detetive se despediu, mas antes que ele saísse, Fernanda perguntou se ele poderia nos passar alguma informação sobre as garotas que salvaram sua vida. O detetive disse que, infelizmente, não poderia, mas que nosso advogado teria informações que precisávamos saber sobre elas. Nós o agradecemos e ele se foi.
Fernanda queria muito conhecer as garotas e eu também. Assim que o detive saiu, eu liguei para o advogado e pedi as informações que ele tinha sobre as duas. Ele disse que mandaria tudo pelo WhatsApp assim que a ligação terminasse, e foi isso que ele fez. Ele enviou os nomes, endereços e números de telefone das garotas, mas pediu que não contássemos a ninguém, pois só passou porque sabia o motivo e as garotas comentaram na delegacia que queriam muito encontrar Fernanda algum dia.
Com tudo em mãos, a primeira coisa que fizemos foi procurar as redes sociais das duas. Com os nomes completos, não foi difícil encontrá-las. Como tinham muitas fotos delas juntas e elas se seguiam, tínhamos certeza de que eram as heroínas que salvaram Fernanda da morte. Resolvemos não entrar em contato com elas, pelo menos antes do julgamento de Hugo. Fernanda ficou um pouco chateada, mas eu não queria dar nenhum motivo para que Hugo não ficasse atrás das grades, e não queria que uma foto nossa com as garotas antes do julgamento causasse suspeitas. Podia ser paranoia minha, mas realmente não queria correr risco algum.
A vida seguiu e Fernanda começou a fazer fisioterapia em casa. Ela também fez duas sessões com sua psicóloga, que se dispôs a ir ao nosso apartamento. Isso me aliviou bastante, pois, mesmo que Fernanda não tivesse apresentado nenhum trauma, ouvir isso da psicóloga foi um alívio. O estrago era apenas físico; a parte mental dela estava saudável. Fernanda já estava bem entediada de não fazer nada, então, após 40 dias, convenceu a mim e ao meu pai a deixá-la trabalhar de casa. No fim, foi bom, pois ela se ocupou com o trabalho e estava mais feliz por se sentir útil de novo.
O tempo foi passando, os pontos da cirurgia já não existiam mais, mas infelizmente ficaria uma pequena cicatriz no corpo do meu amor. As dores quase não existiam mais e, após 92 dias, o médico retirou todos os remédios; meu amor já estava quase novinha em folha. No entanto, ainda precisava tomar alguns cuidados até a recuperação completa. Já havíamos retomado nossas atividades sexuais, embora com cautela.
Ingrid já era uma presença constante em nossas vidas, principalmente na minha, e acabamos nos tornando ótimas amigas. Ela e Fernanda, aos poucos, foram se aproximando. Demorou um pouco, mas surgiram algumas conversas, brincadeiras e até sorrisos espontâneos entre elas. O que ajudou muito foram as saídas de casais. Depois da mensagem de Fernanda, Ingrid começou a reparar mais em Joyce e percebeu o que Fernanda notou em alguns minutos no nosso apartamento. Ingrid, depois disso, começou a ver Joyce com outros olhos e gostou do que viu. Como Joyce parecia ter medo de perder a amizade dela e nunca se declarava, Ingrid tomou a iniciativa e confessou que estava interessada nela. Depois disso, a amizade rapidamente se transformou em namoro. É lindo ver as duas tão felizes uma com a outra.
O final de ano chegou rápido e mesmo sendo complicado para mim por causa da boate, ainda consegui aproveitar um pouco das festas na casa da minha sogra e na casa do meu irmão, onde a família toda se reunia, incluindo minha mãe. Segui o exemplo de Fernanda e resolvi parar de carregar mágoas antigas. Fui até ela, conversamos e no final trocamos um belo abraço. Depois disso voltamos a nos falar, mas infelizmente vejo que ela ainda não aceita muito bem meu noivado; no entanto, respeita. O mais importante é que ela trata Fernanda com respeito e ducação.
Eu queria viajar com Fernanda durante as suas férias em Janeiro, mas infelizmente não deu certo. Em Março, começou o julgamento de Hugo. Na segunda audiência, conhecemos as garotas pessoalmente: Mickaela e Laís. Conversamos pouco, mas ver Fernanda finalmente abraçar as duas para agradecê-las pessoalmente pelo que fizeram, foi algo lindo de se ver. Prometemos nos encontrar assim que possível, e elas pegaram nossos números para manter contato. Achei as duas muito legais e divertidas, típicas de garotas de 18 anos.
Conseguimos também uma cópia do processo com nosso advogado. Fernanda leu tudo e depois veio me contar o que descobriu. Hugo nunca saiu de Campinas; ficou escondido na casa de um amigo e sobreviveu com o dinheiro do carro que vendeu logo após fugir. Ele estava vigiando a boate naquela noite porque tinha quase certeza que estaríamos lá, e a segurança não seria tão reforçada. O intuito dele, a princípio, era machucar nós duas, mas não matar. Quando viu Fernanda sair sozinha para uma rua escura, pensou que poderia usá-la para conseguir o que queria. Ele queria matá-la e me fazer sofrer, como eu fiz com ele. Seria a vingança perfeita.
Graças a Deus, isso não deu certo. Não consigo imaginar minha vida sem a Fernanda.
A sentença de Hugo saiu no final de Maio: 18 anos de prisão. A pena foi alta por causa dos agravantes: motivo torpe, feminicídio e premeditação. Sinceramente, achei muito pouco, mas ele ainda tinha outro processo por lesão corporal grave para responder, o que provavelmente adicionaria mais três anos à sua pena. Infelizmente, no Brasil, raramente se cumpre pena toda em regime fechado, ainda mais um réu confesso como ele. Mas, no mínimo, Hugo perderia mais de 10 anos de sua vida em uma cela. Não fiquei completamente satisfeita, mas, um mês depois de sua prisão, recebemos a notícia de sua morte. Até pensei que meu pai pudesse estar envolvido, mas ele me jurou que não fez nada. O que soubemos através do nosso advogado foi que ele se envolveu em uma briga com outros detentos e foi encontrado morto na cama com uma caneta fincada no ouvido.
Senti-me culpada por ficar feliz pela morte de alguém, mas, sinceramente, foi o que senti. Eu estava aliviada por Hugo ter sumido para sempre da nossa vida. Ele poderia sair algum dia e, claro, não se esqueceria de nós duas. Poderia tentar se vingar e, mesmo que não tentasse, eu nunca teria paz com ele solto. No fim, sua agressividade o levou à morte.
Com a morte de Hugo, nossos problemas praticamente acabaram. Ingrid agora era uma boa amiga, eu e minha mãe estávamos nos dando bem novamente, Fernanda estava totalmente recuperada há alguns meses e agora sem mais processos para eu me preocupar. Decidi então falar com Fernanda sobre nosso casamento; comecei a pensar mais nisso depois da conversa dela com Ingrid em nosso apartamento. Lembro perfeitamente de Ingrid dizer que achou que Fernanda estaria casada, já que era um sonho dela. Eu queria muito realizar esse sonho, e claro, tinha meus próprios sonhos também. Um deles era ser mãe, e achei melhor oficializar nossa união antes de começarmos a planejar isso.
Conversei muito com Fernanda sobre isso e prometi que tomaríamos todas as decisões juntas; não quebraria essa promessa, especialmente em algo tão importante para nós duas. Ela ficou muito feliz com meu desejo de me casar logo, mas quando se tratava de planejar ter um filho, não pensávamos exatamente igual. Fernanda não era contra ter filhos, apenas achava que precisaríamos nos estabilizar melhor. Ela disse que provavelmente se tornaria consultora sênior em breve, o que lhe daria um salário melhor para dividir comigo as despesas, que aumentariam consideravelmente se decidíssemos ter um filho. Além disso, havia a boate; ela não se via grávida, e eu precisava cuidar da boate.
Seus argumentos eram válidos e não forcei a barra. Falei que iríamos conversando sobre o assunto e que era melhor focarmos no nosso casamento. Ela concordou, então começamos a planejar tudo. Eu queria algo grande e Fernanda, algo simples, então chegamos a um acordo: nada de grandeza, mas também não algo muito simples. Sempre nos entendíamos e cada uma cedia um pouco quando havia algum conflito. Nenhuma de nós queria transformar o planejamento do casamento em uma briga que pudesse nos separar. No fim as coisas fluíram bem.
Nossos planos acabaram sendo divididos com outras pessoas interessadas em ajudar de alguma forma, nem que fosse dando palpites. Marina e Ingrid pareciam as mais entusiasmadas, mas Joyce, Mickaela e Laís também participaram ativamente do nosso planejamento. Quando nos reuníamos, era uma festa no apartamento; era muito divertido aquele monte de mulheres fazendo bagunça, rindo e provocando umas às outras.
Mickaela e Laís logo se tornaram mais do que as salvadoras de Fernanda após nosso primeiro encontro. As garotas eram muito legais e Fernanda tinha um carinho enorme por elas, não apenas por gratidão, mas porque realmente gostava delas como pessoas. Eu também gostei muito delas e até consegui um trabalho para Laís na boate. Nossas histórias de vida eram um pouco parecidas, o que criou uma ligação forte entre nós. Éramos quase que tutoras das duas, apesar de não serem mais crianças; estavam apenas começando a vida adulta e tanto eu quanto Fernanda já tínhamos experiência suficiente para dar bons conselhos.
Marcamos o casamento para o final de julho e começamos a colocar todas as ideias em prática para que tudo corresse como planejado. Não houve correria, pois tanto eu quanto Fernanda planejamos tudo com antecedência. As meninas nos ajudaram com todos os detalhes e até dividimos tarefas. No início do mês, já estava tudo pronto, só faltava preparar a festa, que Diego e Camila, que tinham engatado um namoro firme alguns meses atrás, se ofereceram para cuidar.
O grande dia chegou e eu estava preparada para finalmente casar com o amor da minha vida. Mas às vezes nos enganamos com algumas coisas. Quando vi Fernanda com seu vestido de noiva, percebi que não estava nada preparada. Ela estava simplesmente linda, e quando sorriu, não consegui conter a emoção; lágrimas escorreram pelo meu rosto. Se existia um limite para sentir felicidade, eu com certeza o havia superado naquele momento.
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper