O Escolhido de Eldoria ☆ Capítulo 21

Um conto erótico de Tiago e Lucas
Categoria: Homossexual
Contém 1747 palavras
Data: 03/09/2025 07:48:00

✧ Garras no Pântano ✧

(Tiago)

O universo inteiro se contraíra àquele par de olhos azuis. Olhos que antes me analisavam com a frieza calculista de um mestre de armas, agora estavam arregalados, afundando num pavor silencioso que espelhava o lodo que o devorava. A boca, que horas antes me beijara com uma fúria selvagem, uma mistura de punição e desejo, estava agora crispada numa linha fina, uma barragem frágil contra o pânico que ameaçava transbordar. Ali estava ele, o predador supremo, o arquiteto da minha dor, enjaulado pela terra indiferente.

Todo o treinamento infernal, cada músculo rasgado, cada gota de suor e sangue, cada humilhação engolida a seco… tudo parecia ter sido uma longa e tortuosa peregrinação até este exato instante. O poder de decidir seu destino, o cetro de sua vida ou morte, repousava em minhas mãos. A adaga, antes uma simples ferramenta de defesa, agora pesava em minha palma com a gravidade de uma coroa. Mas antes que a vingança ou a misericórdia pudessem formular um plano em minha mente, antes que meu corpo desse um único passo em sua direção, um grasnido rasgou o ar pesado do pântano. Não foi o som de um pássaro, mas o de uma navalha sendo arrastada contra os céus, e me gelou até a alma.

(Lucas)

O pânico era um veneno glacial, infiltrando-se em minhas veias mais rápido que a lama traiçoeira subia por meu peito. A impotência era um manto sufocante, uma sensação que eu não experimentava desde a frágil insignificância da infância, e que eu odiava com cada fibra do meu ser. Meus músculos, treinados para dominar, se debatiam inutilmente contra um inimigo sem rosto e sem forma. E então, eu ouvi. O som inconfundível, ancestral, de um predador do ápice do pântano.

Das sombras retorcidas da copa das árvores, onde a luz do sol morria antes de tocar o chão, uma figura despencou. Um grifo, uma monstruosidade nascida de pesadelos, suas penas da cor de bronze manchado pela chuva ácida e olhos como opalas derretidas, fixos na presa mais fácil, na anomalia de carne quente em seu território. Em Tiago. Uma fúria impotente, branca e incandescente, irrompeu em meu peito, queimando mais forte que o medo gélido da morte. Eu o trouxera para este inferno verdejante. Eu o tornara vulnerável com meu jogo doentio de quebra e reconstrução. E agora, meu único papel era o de espectador, enquanto a morte descia dos céus para reclamar a minha obra-prima inacabada.

(Tiago)

A criatura era uma blasfêmia de garras e bico, uma escultura grotesca de fúria alada. Ela mergulhou, e o vento deslocado por suas asas poderosas era um vendaval fétido que agitava a superfície da água estagnada e trazia consigo um odor nauseante de carniça e podridão antiga. Em um instante, dias de treinamento se evaporaram, reduzidos a cinzas pelo fogo do terror primordial. Restava apenas o instinto, um grito silencioso e primal na minha mente que ordenava: fuja. Mas para onde? Lucas era uma âncora de carne, afundando irremediavelmente, e eu era o único alvo ereto naquele palco de lama.

“Lucas!”, gritei, o nome rasgando minha garganta, um apelo inútil a um homem que já não podia me salvar, talvez um pedido de desculpas por minha hesitação.

Curvei-me instintivamente, a adaga erguida numa defesa patética, uma agulha contra a tempestade de garras e fúria que estava prestes a me estraçalhar.

(Lucas)

“Não!”, a palavra explodiu de mim, um rugido sufocado pela lama que já me comprimia os pulmões.

Eu me recusava a permitir. Era uma afronta à minha vontade, ao meu propósito. Ignorando toda a lógica, toda a futilidade, eu me debati, tentando canalizar a magia residual que me restava. Não para me libertar — era tarde demais para isso — mas para criar uma distração, um clarão ofuscante de poder arcano que pudesse cegar a fera por um instante precioso. A energia crepitou em minhas mãos submersas, um formigamento desesperado, mas a lama respondeu ao meu esforço como uma amante ciumenta. Apertou seu abraço, me engolindo mais um centímetro, depois outro, com uma avidez faminta e antiga. O clarão vacilou e se apagou. Eu afundei ainda mais, e o mundo se tornou uma pressão esmagadora e um silêncio lodoso.

(Tiago)

Rolei para o lado no último átimo de segundo, sentindo a passagem do grifo como o deslocamento de ar de um trem. Mas a velocidade da fera era sobrenatural. Garras afiadas como obsidiana rasparam minhas costas, rasgando a túnica e a pele por baixo com uma precisão cirúrgica e cruel. Um grito de dor aguda e chocante escapou de meus lábios enquanto sentia o sangue quente jorrar, misturando-se ao suor frio e à umidade pegajosa do pântano. Caí de joelhos, o ar expulso dos pulmões, ofegante.

Meu olhar, turvo de dor, voltou-se para Lucas. Seus olhos ainda estavam fixos em mim, uma fogueira de fúria e desespero, mas seu corpo havia desaparecido ainda mais. A lama, escura e espessa, já lambia seu queixo, silenciando qualquer palavra que ele pudesse ter. A visão dele, o homem que eu julgava invencível, sendo lentamente devorado pela terra, quebrou algo fundamental dentro de mim. A estrutura de medo e ódio que ele mesmo construíra ruiu, e em seu lugar surgiu um terror puro e absoluto. Seu nome rasgou minha garganta novamente, não como um chamado, mas como um grito de luto, um som que eu não sabia que minha alma era capaz de produzir.

(Lucas)

A escuridão me puxava para baixo, um abraço frio e inexorável. O peso em meu peito era insuportável. Minha última visão foi a do grifo se virando no ar, um balé letal, preparando-se para um novo ataque. E de Tiago, de joelhos, sangrando na lama. Então, através do véu da inconsciência, vi algo mais. Uma luz. Uma pulsação fraca, verde-esmeralda, emanando de suas costas feridas. O brilho febril tecia a pele rasgada, fechando o ferimento com uma velocidade impossível. O rapaz… ele não era apenas talentoso. Ele era um receptáculo de poder colossal, uma força da natureza adormecida. A ironia era uma lâmina final e avassaladora em meu peito. Eu estava morrendo, mas minha obra-prima, forjada no fogo do meu abuso, estava prestes a despertar.

Meu último pensamento consciente não foi de medo, mas de um orgulho sombrio, paternal e desesperado: “Lute, Tiago! Mostre-lhes o que você é!”.

(Tiago)

Aquele grito de luto me esvaziou de todo o medo. A dor em minhas costas tornou-se um eco distante, um zumbido sem importância. Em seu lugar, uma fúria gelada e cristalina tomou conta, afiando meus sentidos.

Olhei para o meu próprio sangue em minhas mãos trêmulas e, em seguida, para o ferimento que se fechava sob um brilho esverdeado, uma magia selvagem e instintiva que eu não compreendia nem controlava. Mas eu não me importava. Lucas estava morrendo. O grifo estava vindo. Não havia mais tempo para dúvidas, não havia mais espaço para ser a presa. A adaga em minha mão deixou de ser um peso morto; tornou-se leve como uma pena, uma extensão perfeita da minha vontade. O mundo se afunilou em um único, glorioso e terrível objetivo: matar.

Meu corpo se moveu antes que meu cérebro pudesse processar a ordem. Quando o grifo mergulhou novamente, uma tempestade de garras e bico, eu não desviei. Eu avancei. E então, o impossível aconteceu. Eu era rápido. Não, eu era mais que rápido. O tempo se tornou denso como mel. Pude ver o tremor de cada pena da criatura, o reflexo doentio da luz em seus olhos de opala, o tensionar dos músculos sob o couro. Contornei seu ataque rasante, a adaga cantando em minha mão enquanto abria um sulco profundo em seu flanco. Recuei, avancei e ataquei novamente, tudo no espaço de uma única e lenta batida do coração. Para o grifo, que grasnava agora em uma mistura de confusão e dor, eu devia ser uma miragem, um fantasma de fúria que feria de todos os lados ao mesmo tempo.

Com um impulso final que nasceu das profundezas da terra sob meus pés, saltei sobre suas costas. O mundo girou, e eu enterrei a lâmina até o cabo em sua nuca, rompendo vértebras. A grande besta caiu com um baque surdo e final, seu peso morto afundando na lama.

Mal registrei a vitória. Meus olhos, minha alma, se voltaram para o lugar onde Lucas havia desaparecido. A superfície da areia movediça estava quase imóvel, apenas algumas bolhas preguiçosas subindo e estourando. O pânico retornou, cortante como vidro quebrado. Não! Eu não o perderia. Não depois disto.

Coloquei as mãos no chão lamacento, sentindo a pulsação da terra, o poder vibrando sob minha pele. A mesma energia que me curou, que me deu velocidade sobrenatural, agora fervia dentro de mim, clamando por liberação. Eu gritei, não para o céu, mas para a terra, despejando toda a minha raiva, meu desespero e aquele poder bruto e recém-nascido diretamente no solo. A areia movediça convulsionou como um animal ferido e, com um som de trovão abafado, explodiu para cima numa fonte violenta de lama e água suja.

(Lucas)

Fui arrancado das entranhas da terra com a força de uma erupção. Aterrissei a vários metros de distância, um saco de ossos quebrados cuspido pelo chão, tossindo lama e lutando desesperadamente por ar. O mundo girava numa névoa de dor, mas meus olhos encontraram Tiago. Ele estava de pé ao lado do cadáver do grifo, uma silhueta contra o céu cinzento, coberto de sangue e lodo, o peito arfando em exaustão. A adaga em sua mão ainda gotejava o sangue escuro da criatura. Em seus olhos, não havia mais o medo do garoto acuado, apenas a quietude perigosa de um poder recém-descoberto e uma determinação de aço forjado no inferno. Ele não era mais o garoto que eu tentei quebrar para refazer à minha imagem. Ele havia se quebrado e se refeito sozinho, no fogo do desespero.

Com um esforço visível, ele se virou, caminhou até a borda da cratera lamacenta que criara, enfiou o braço na água suja e, após um momento de busca, puxou minha espada. A lâmina, minha extensão, brilhava mesmo coberta de imundície. Ele caminhou lentamente até mim, que jazia impotente no chão, e a estendeu, o cabo oferecido em silêncio. A dinâmica entre nós não apenas se quebrara; fora pulverizada e renascida das cinzas. E, olhando para a figura que se erguia sobre mim, eu não tinha a menor certeza do que éramos agora. Mestre e aprendiz? Inimigos? Ou algo inteiramente novo e muito mais perigoso?

Continua…

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