10. As irmãs

Da série Eu sou novinho
Um conto erótico de Mateus
Categoria: Gay
Contém 3125 palavras
Data: 28/09/2025 04:26:28

As irmãs

Meu medo era de Murilo fugir de casa, estava querendo não ter esse encontro, estava tão nervoso que nem atinava como forrar a cama, para completar a falta de sorte a máquina de lavar faz um barulho muito esquisito, puxam o fio da tomada e ela escorre para o chão toda água e uma fumaça sobe com cheiro de fio queimado, era a despedida, foi comprada no início do primeiro casamento de Joel, ele diz que não quer pensar nisso, pede para eu dar uma geral na casa, deixar a pia limpa, manda Murilo subir para o apartamento de tio Nelson com a roupa molhada e cheia de sabão e pedir para ele dar essa força, disse que ia buscar Tião e voltar para casa.

Dez da manhã e duas bananas no estômago, hora de trabalhar. Estou dando a geral na casa, Murilo volta com dois baldes vazios e diz que vai secar o chão, eu estava passando o mop no chão, ele me conta quem é Tião. Tião é um pedreiro da idade dele mais ou menos, foi casado e a esposa morreu na primeira onda da Covid, disse que ele soube quando ficou viúvo que ia ser pai, perdeu tudo, depois recomeçou, tratava da depressão e todo mundo ao redor dele julgava ser preguiça, ele finalmente aceitou o diagnóstico e começou a se tratar, era um excelente pedreiro, trabalhava muito, mas como às vezes ficava semanas prostrado na pensão sem nem comer, muitas vezes não era chamado para o trabalho, nos últimos dois anos estava se organizando e voltou a estudar, estava terminando o fundamental e iria começar o supletivo do ensino médio esse ano.

Terminamos a faxina quando ele terminava de contar a história, era hora de tomar banho. Joel estava mega atrasado, mas ligou dizendo que estava a dez minutos de casa. Murilo foi tomar banho primeiro, pedi para ele não demorar muito, alguém poderia chegar e… a campainha toca e era tio Nelson, ele ainda não tinha a chave estava com a roupa seca e dobrada, pedi para ele esperar e tomar conta da porta, “Murilo está uma pilha de tão nervoso e eu preciso garantir que ele vai tomar banho e sair do banheiro, o senhor…”, tio Nelson disse que ia fazer o que a gente mandasse, mas todo mundo chama ele de Nelsinho e não de senhor, e eu chamo de tio Nelson, “Se for minhas irmãs diga que eu não estou, que eu mudei para o Paquistão”. Risos, banho.

Estávamos lavando o cabelo dele quando escutei a porta abrindo, não poderiam ser elas, falei isso para ele, de repente outras vozes além de tio Nelson e Joel, terminamos o banho e nos enxugamos mais ou menos, Murilo chegou à sala enrolado na toalha, abraçado à Tião quando eu cheguei de short e sem camisa, não ouvi quando tio Nelson atendeu o interfone, ele falou que elas estavam subindo, só deu tempo de Murilo e eu voltarmos para o quarto e nos vestirmos, para quando as irmãs chegassem. Murilo deu boa tarde a todo mundo, mas voltou para abraçar Tião, lhe disse algumas coisas ao ouvido. Tião é um homem de nariz chato, lábios grossos, olhos grandes amendoados, corpanzil alto, barriga de trigo, sorriso bonito com um dos dentes da frente de baixo faltando, cabelos crespos bem baixinho, mas não era negro, tinha a cor de Murilo, branco queimado de sol permanentemente, tinha os dois braços engessados, e abraçava meu noivo, num canto tímido estava Bosco, com um sorriso amarelo como gema de ovo, eu sei o que é estar se sentindo indesejado, sobrando, o abraci e disse que era muito bom revê-lo, e era, provavelmente tinha história e não era a hora de perguntar por Lucas.

Perguntei se alguém ia apresentar as pessoas que eu não conheço para eu poder dizer bem vindos, eram três, uma era gêmea de Murilo e as outras duas mais novas, o marido da mais velha, Murilo apresentou o nome de todo mundo, “Fulano esposo de Fulana, Beltrana e Sicrana, meu cunhado e minhas irmãs, Nelsinho, amigo, vizinho e salvador do dia, Bosco, grande amigo de Joel e um grande filho da puta que eu adoro, Sebastião, mais que um grande amigo, um irmão [na hora ele não percebe o desconforto que esse carinho causou às três ou talvez tenha sido o propósito], meu futuro marido Joel a quem amo há quase uma década completa e nosso futuro marido a quem amamos porque… Mateus, o lindo, o gostoso, o filho da puta…”, o Fulano ri e diz que os melhores são os filhos da puta e sai uma risadinha de todos nós, Murilo não deu desconto, “Quando você era meu melhor amigo era assim que a gente se chamava, imagino suas fotos de formatura sem mim, né? Não fiz falta, imagino, muito trabalho eu sei.”, “Esse é o Fulano, Murilo? Caramba, imaginei você careca, ele dizia que tu tinha uma testa que parecia… tu fez implante, Fulano?, porra, rico não perde nem cabelo, e eu perdi meu dente na porra da queda, imagina como é mijar com o gesso nas duas mãos, a mangueira querendo… Desculpa é tudo dama fina e eu falando de mijar na frente delas, agora elas não vão aceitar tomar nem um açaí comigo”, “Imagino que você não ia ter nem assunto e nem grana pra esse açaí, Tião, não foi o medo de segurar tua mangueira que as assustou, foi teu sorriso prejudicado”, ele riu da própria desgraça e da piada de Joel, eles parciam se conhecer. Todos riram, o clima tenso criado por Murilo amenizou, Tião pediu para ir ao banheiro, e eu mostrei onde era, todo mundo riu de mim, Murilo foi com ele.

“Ele vai…”, “Desculpe o jeito de Murilo, Beltrana, ele não faz por mal, ele vai ajudar o melhor amigo, é isso que os amigos fazem, esperam os piores momentos para pedir ajuda ou para mostrarem que estarão ali para isso, e para qualquer coisa, ouviu Bosco, você é meu amigo e eu posso segurar sua mangueira para você mijar quando eu quebrar seus dois braços, você é importante pra mim, é como um irmão que não tive. Fulano, perdoe Murilo, ele esperou que uma carta viesse, que em algum aniversário um recado surgisse dizendo que a foto estava incompleta, ele sobreviveu quando parou de sentir falta. Ele não culpa ninguém. Talvez nem se importe mais, mas a cicatriz é pra sempre.”

“Eu imagino, Joel. Mas para a gente foi muito difícil também. E nós não tínhamos nem idade para…”, “Eu não vou ter de passar por isso, eu não quero fazer as pazes, não quero herança, antes eu só queria ver vocês nem que fosse de longe, nem quero mais isso! Já me viram? Tchau, eu…”, “Você está cansado, a gente vai fechar os olhos e eu vou dizer quando o filme acelerou e a gente vai pular a parte chata e sofrida e vai para a parte do abraço com choro. Você faz isso por mim, Murilo, nenhum dos meus três irmãos atende minhas ligações e acredito que é pelos mesmos motivos, eu daria um ano de minha vida por esse momento que eu vou ver você passar, pode ser? Fecha os olhos.” Ele me atendeu chorando e eu disse depois de uns segundos, agora e os quatro irmãos se abraçaram e eu chamei o cunhado dele para abraçar a turma e acabou com todo mundo da sala num abração, “Tu é bem gay, Murilo, gay para uma porra!”, todo mundo riu de Tião, ligaram para a portaria e mandaram o almoço subir.

Eu nunca havia comido comida japonesa, sushi; tio Renato, tio Caio e tio Galvão viram pegar tio Nelson para sair, mas era tanta, tanta comida que era muito melhor aceitar o convite e ficar, sentamos na mesa, no sofá, nas poltronas e no chão, caramba como Tião come, a tarde seguiu com a revelação de que Murilo ia ser tio, mas recusou ser padrinho, disse que do segundo filho talvez, era fácil perdoar, mas não esquecer, de verdade, ele falou que cartas, telefonemas, recados por alguém, elas poderiam ter feito algo, mas não fizeram, ele estava mantendo o diálogo mas não ia forçar sua natureza e calar seus instintos.

Chegou a hora de falar sobre a partilha, elas falaram e todo mundo fez um silêncio enorme, Murilo pergunta a tio Galvão se além dele, se Tião podia ser treinado para ser mecânico, tinha certeza de que ele era capaz e ia ser um dos melhores, e se for capaz, se poderia se empregar, tio disse sim, “Da minha parte da herança eu quero é o dente de Tião e o tratamento médico e de fisioterapia dele, e uma máquina lava e seca, a melhor do mercado, nada mais, e eu estou falando sério, o melhor para Tião e a melhor lavadora, nada mais, nada, e se houver insistência eu prefiro comida árabe daqui a dez anos quando vocês vierem matar as saudades.”

O cunhado riu e disse que sempre foi cabeça dura. Murilo disse que teve duas namoradas, nunca quis transar com elas, sempre ficou agitado, incomodado, encontrou um cara lindo, era inteligente, bonito, másculo e parecia saber tudo, descobriram as coisas juntos, a primeira vez de um era a primeira vez do outro, mas como Murilo se sentia amado e protegido, levou o namorado para sua casa e passaram a noite transando, fazendo amor, no dia seguinte quando o pai soube, Murilo foi conversar e levou um golpe de cinto no rosto, Fulano estava na sala e viu, era o irmão mais velho de Fulano, o que ele fez foi gritar com o irmão que aquilo era uma degeneração, eram degenerados, deveriam morrer, Fulana se afasta do marido e pergunta porque ele mentiu, a convidou para o clube com as irmãs logo cedo, “Para não vermos? Para a gente não defender nosso irmão?”, Murilo levantou e foi buscar as fotos de como chegou no hospital, pediu para ser fotografado, só aceitou ajuda médica depois de ser fotografado, Fulano disse que foi a pedido do sogro, não sabia que ele iria tão longe.

Fulana pediu para ele fazer as malas dela quando chegasse em casa, não iria revisitar a casa deles, não iria mais olhar na cara dele, “Eu vou tirar essa gravidez, no risco de trazer um monstro ao mundo… não, eu não aceito que você me toque, saia daqui, É VOCÊ O DEGENERADO, CELSO SE MATOU QUANDO MURILO FOI EXPULSO DE CASA, VOCÊ MATOU CELSO, SAIA DAQUI.”, Tio Galvão convidou Fulano a sair de nossa casa e disse que não iria haver um segundo convite que era melhor o elevador à janela, todos os meus tios, Bosco, Joel, eu e até Tião nos levantamos, e ele pediu para Murilo fazer alguma coisa, Murilo garantiu que ele poderia ver o aniversário da filha ou filho em dez anos, Fulano sentiu o que é perder a família, as três irmãs olhavam as fotos sem parar de chorar, eu as vi de relance, um horror.

Sábado bem tenso. Respiramos fundo, os funcionários do restaurante recolhiam as sobras sem saber como reagir a tudo aquilo, eu pedi para que fossem embora o mais rápido que pudessem, tio Nelson disse que ia subir e nos deixar mais à vontade. “Não, agora o senhor fica, precisa me ajudar a acalmar minhas irmãs, agora a gente pode recomeçar sem nada nos armários para nos assombrar, eu nem imagino o que fizeram para que vocês não soubessem pelo que passei. Veados como eu morrem na porrada, se matam como Celso, eu soube, ele me ligou e disse o que ia fazer antes de fazer. Joel me salvou, eu quis fazer o mesmo, meu marido me salvou, eu fui salvo. Joel nem gay era, é bi, não precisou saber como era, enfrentou a família da esposa, nossa família e ameaçou se separar de nossa prima se ela não me acolhesse em casa, quando ela me viu… os dois braços enfaixados de tantos cortes, apanhei tanto que a pele abriu em muitos lugares, eu desmaiei de tanto apanhar, foram os empregados quem seguraram o pai de vocês e me levaram para o hospital, ele nunca viu a delegacia, nunca se aborreceu por quase ter me matado.

“Joel segurou meu pau para eu mijar, trocou fralda, me alimentou, depois de ser demitido e ter arrumado emprego quando o pai de vocês o acusou de roubo. E ele mandou as fotos para nossa mãe e para um jornal, disse que podia revelar centenas de vezes, num piscar de olhos chegaram várias propostas de emprego. Segurar o pau de Tião… claro, sem vaidade, sem frescura, sem nojo, não sou melhor do que ninguém, mas ninguém é melhor que eu também. Realmente não quero herança alguma e vocês podem imaginar que não é vaidade, é para honrar minha história, para que essas pessoas ao meu redor continuem a me olhar assim com orgulho de mim. Meu marido favelado que nunca viu sushi e que tem dezoito anos e é sábio, meu marido que é um celetista fodido que não vai poder comprar uma máquina de lavar essa semana, eles são melhor que qualquer fortuna. Desculpa, Fulana, eu tenho dois, e você nunca teve um, um dia eu achei que ele era de verdade.”

Tião disse que precisava ir ao banheiro depois que meus tios se encarregaram de as levar na cidade delas, eu o levei e tentei não fazer nenhuma menção de admiração, caramba, caramba, caramba. A casa estava numa ressaca, e a gente estava num clima bem pra baixo, começamos a arrumar a casa, Tião perguntou como ajudar, Joel mandou ele varrer, “Como, porra?”, “Enfia a vassoura no cu e rebola”, “Eu tava pensando, só tem veado aqui, falta um mês pela frente quem vai bater punheta em mim?”, porra, a gente ria, perguntei por Bosco, o que houve? “Chifre, chifre. Se demitiu, não arrumou nada por lá e ainda levou gaia, tá fodido, tem de vender a casa que está na mão da imobiliária, deixou o carro com o ex e a mobília, mas isso vai sair do valor da venda da casa. Dois compradores, ou melhor refinanciadores, porque mesmo com tantas reformas, a casa é financiada, ou seja, no final ele compra a tua moto, Murilo”, “Uma porra, A Máquina não está a venda, é meu orgulho, mais uns dez mil e ela vai ficar nova”, “Vai mesmo já tem uns doze nela, com mais dez, ela só vai ter o chaci da época que tu comprou”, “Se entendesse de casamento como entende de moto, não tinha casado com Lucas. Mateus defende teu amigo.”, “Não, ele não veio para o velório de meu velho e nunca retornou ou atendeu minhas ligações, Bosco, ele é lindo, mas nem fode bem, tem nojo de esperma e pau pequeno, que porra tu visse nele além do sorriso?”, “O sorriso é tudo, eu devo ter conquistado uma das irmãs de Murilo, só com meu sorriso e meu papo elegante. Sorriso é tudo.” Paramos tudo para a gargalhada de Tião.

Jantamos RA, restos do almoço. A mesa de seis lugares cabia todo mundo agora, estávamos cansados, Joel beijou Bosco, ele estava precisando de carinho, Murilo chamou Tião para lhe dar banho, fui buscar plástico filme, Tião ficou incomodado com a cena de Bosco e Joel namorando no sofá, “Tu não vai fazer nada?”, essa fui eu que respondi, disse que eles são amigos, nós todos somos amigos e como Joel vai acabar transando com Bosco qualquer um de nós também poderia, ou vai fazer mais cedo ou mais tarde, Murilo diz que o pau duro de Tião era só mijo, para eu não acreditar que dois caras se beijando não era nada demais, “Putaria é putaria, porra, mas casamento é fidelidade”, terminei de enrolar os braços de Tião deixei os dois conversando sobre casamento, fidelidade e putaria, fui arrumar o quarto de hóspedes, mas antes mandei Bosco e Joel para o nosso quarto para evitar chocar o hétero da casa, riram e foram.

Depois ajudei Murilo a tirar o plástico de Tião e dar a medicação prescrita, ele estava de cueca e calça de pijama, disse que tudo bem dormir na mesma cama que Bosco, mas um voltado para cima e outro para baixo. Tião agradece a Murilo que não deixa ele terminar de agradecer. “Não, deixa eu falar, sério. Obrigado, de verdade, obrigado mesmo, eu me perdi de minha família, sou desgarrado, não sei se tenho pai e mãe vivos, sou sem instrução, não tenho educação nem de casa e nem de escola, morro de vergonha de gente educada que come com dois palitos, eu brinco pra não mostrar que me sinto uma bosta o tempo inteiro. E eu me sinto uma bosta perto de quase todo mundo, menos da minha ex. Parceira, ela era amiga, mulher, companheira, parceira. Todos os dias eu sinto a falta dela, chegava perto de um bicho feio lazarento como eu e me beijava, dizia que me amava e me achava lindo, nunca mais vou ter isso de volta. Eu sempre fui da resenha, de vez em quando saia pra beber e resenhar com os amigos, de vez em quando eu punha chifre nela, que merda, fui fraco, fui covarde não é coisa nem de menino, fui covarde e me arrependo. Perdi tudo, porra, você me ajudou, eu nem sabia que tu era tão rico, e não tô falando da herança que tu podia ter mandado me dar, nada, falando disso que tu tem Murilo, tu merece o bonitinho do teu lado e do moreno da sala, certeza que o negão é parceiro? Murilo, eu te amo, só disse isso pra duas pessoas, minha mãe e minha mulher. Mas eu te amo, notei que não é da boca pra fora que a gente é irmão, eu esperava tua ajuda, mas me arrastar pra dentro de casa? Obrigado, posso beijar teu rosto?”

Tio Caio telefonou e disse que deixou as três irmãs na casa da mais nova, a mansão onde cresceram, tio Renato passou um calmante e um relaxante muscular, deixou-nos telefone dele para qualquer eventualidade, disse que elas iam ficar bem, tio Caio disse para só fazerem alguma coisa depois de um mês, um mês passa rápido e logo as coisas iam começar a se ajustar. Nos despedimos de Sebastião com um beijo na testa, como se fosse um garoto ainda. Fomos para o quarto e vimos Joel comer Bosco de quatro colocando os dedos na boca dele como se fossem um arreio, estavam brilhantes e suados, o cheiro, o som, sentei no colo de Murilo e assistimos como se fosse um teatro, foi bom terminar a noite com um pouco de beleza.

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