O Escolhido de Eldoria ☆ Capítulo 17

Um conto erótico de Tiago e Lucas
Categoria: Homossexual
Contém 1951 palavras
Data: 01/09/2025 10:14:41

✧ Fome Inominável ✧

(Lucas)

As palavras dele — “ele está com medo de nós” — não foram um golpe, foram uma demolição. Atingiram não meu corpo, mas as fundações da muralha de ódio e vergonha que eu havia meticulosamente erguido ao meu redor, tijolo por tijolo de autocontrole e negação. “Nós”. No meio de toda a monstruosidade que eu havia me tornado, ele ainda via um “nós”.

A futilidade da minha fuga, a arrogância da minha tentativa de me exilar da sua vida, desabou sobre mim. A imensidão da minha falha se chocou com a profundidade insondável do seu perdão, e a colisão me quebrou de uma forma que a tortura de Malakor sequer arranhou. Um soluço seco e áspero rasgou minha garganta, o som estranho e animalesco de um homem que se esqueceu de como chorar. As lágrimas, represadas por uma vida inteira de disciplina, romperam com a violência de uma enchente, queimando trilhas em meu rosto sujo. Meu corpo inteiro foi tomado por um tremor incontrolável, uma convulsão de alma. Caí de joelhos na chão frio e sujo, a espada e a mochila caindo com um baque surdo ao meu lado, objetos inúteis de uma força que não mais possuía. Escondi o rosto nas mãos, envergonhado demais para encará-lo, destruído pelo som da minha própria dor, um eco patético do homem que eu deveria ser.

(Tiago)

O som do seu sofrimento foi a coisa mais cruamente humana que ouvi dele em dias intermináveis. Cortou o ar denso da floresta e silenciou o monstro em minha memória. Diante de mim, não havia uma arma, não havia um demônio possuído pela escuridão. Era apenas Lucas, em pedaços.

Sem hesitar, sem permitir que um segundo pensamento de medo ou repulsa se formasse, eu me ajoelhei à sua frente. O chão frio e sujo não importava; a memória do seu toque violento, que assombrava a superfície da minha pele, se desfez como fumaça diante da sua dor genuína e avassaladora. Meus braços o envolveram, um movimento que parecia ao mesmo tempo inevitável e impossível, puxando seu corpo blindado e trêmulo contra o meu peito. A princípio, ele ficou rígido como uma estátua de ferro, uma resistência final do seu orgulho quebrado. Mas então, algo dentro dele cedeu por completo. Sua cabeça, pesada de exaustão e culpa, tombou em meu ombro. Os soluços se intensificaram, convulsivos, molhando minha pele. Eu o segurei com firmeza, sentindo cada tremor que sacudia suas costas largas, oferecendo o único conforto que eu tinha, a única verdade que me restava: minha presença.

“Eu estou aqui”, sussurrei em seu cabelo bagunçado. “Eu não vou a lugar nenhum.”

Era uma promessa para ele, e um comando para mim mesmo.

(Lucas)

Estar em seus braços era um paraíso requintado e um inferno merecido. O paraíso era o calor de seu corpo se infiltrando pela minha armadura fria, o cheiro de sua pele — terra, suor e algo unicamente dele — a batida constante e viva de seu coração contra minha bochecha, um ritmo que eu não merecia ouvir. O inferno era cada centímetro do meu ser gritando que eu era veneno, que eu deveria ser repelido, chutado para longe como o cão que eu era. Nunca em minha vida eu me sentira tão nu, tão completamente desarmado. Toda a minha existência fora definida pela minha força, pelo meu controle, pelo meu papel de protetor inabalável. E agora, eu era um homem quebrado, chorando nos braços daquele que deveria proteger, daquele cujo corpo eu mesmo havia violado.

A vulnerabilidade era tão absoluta, tão cáustica, que parecia que eu estava me desintegrando em partículas de vergonha. A única coisa que me mantinha inteiro, que impedia minha alma de se espalhar pelo chão do quarto, era o abraço firme e inabalável de Tiago.

(Tiago)

Ficamos ali por um longo tempo, um monumento silencioso de dor e perdão no coração da Vila dos Murmúrios, até seus soluços se transformarem em uma respiração ofegante e exausta. Eu o afastei gentilmente, apenas o suficiente para olhar em seu rosto. Seus olhos, sempre tão ferozes e controlados, agora estavam vermelhos e inchados, afogados em uma exaustão que parecia vir de séculos, não dias. Ele não disse nada, não conseguia. Mas o abismo de culpa em seu olhar dizia tudo. Era um precipício entre nós, profundo e escuro. Contudo, a ponte da minha mão em seu rosto, limpando uma última lágrima teimosa com meu polegar, pareceu firme o suficiente por enquanto.

“Temos que nos concentrar”, eu disse, minha voz soando mais forte e decidida do que eu me sentia.

A compaixão era um luxo; a sobrevivência, uma necessidade.

“Temos que ficar mais fortes. Nós dois. Juntos.”

A menção da palavra “juntos” o fez estremecer, uma onda de dor e esperança passando por ele. Ele assentiu, um movimento quase imperceptível, mas era o suficiente. A rendição havia acabado. A luta, a verdadeira luta por nossas almas, estava apenas começando.

(Lucas)

Nos dois dias que se seguiram, eu me lancei ao treinamento com uma fúria monástica. Cada músculo dolorido, cada gota de suor escorrendo por minhas têmporas, era uma penitência, uma oração silenciosa de autoflagelação. Era infinitamente mais fácil focar na dor física, limpa e honesta, do que no buraco negro de corrupção em minha alma. E meu foco, minha obsessão, tornou-se Tiago. Ele era robusto, mas não tinha a força bruta ou a velocidade sobre-humana para desviar de ataques físicos e mágicos de alto nível. Era um alvo, uma vulnerabilidade que nossos inimigos explorariam sem piedade… e, ironicamente, uma defesa que ele precisava ter contra mim.

“De novo”, eu disse, a voz cortante como aço, desprovida de qualquer calor.

Estávamos em uma clareira, o ar frio e cortante da manhã nos envolvendo.

“Concentre-se. A magia não é só uma esfera de luz para iluminar, Tiago. Ela pode ser um escudo. Você precisa sentir a energia ao seu redor, não como um inimigo a ser dominado, mas como uma extensão do seu corpo. Puxe-a. Molde-a. Crie uma barreira.”

(Tiago)

Eu odiava aquilo. Minha magia era como um relâmpago: instintiva, explosiva, selvagem. Forçá-la a uma forma defensiva e passiva era como tentar represar um rio em fúria com as mãos em concha. Fechei os olhos, tentando seguir as instruções de Lucas, sua voz ressoando com uma impaciência que vibrava através do nosso Vínculo. Eu podia sentir a energia, uma corrente elétrica crepitando sob minha pele, zunindo em meus ouvidos. Mas toda vez que eu tentava dar-lhe forma, contê-la, ela se dissipava em faíscas inúteis ou explodia em uma lufada de vento inofensiva.

“Eu não consigo!”, rosnei, a frustração queimando em minha garganta, abrindo os olhos para encará-lo.

Lucas se aproximou, sua sombra caindo sobre mim, sua expressão uma máscara de disciplina severa. Ele parou atrás de mim, tão perto que senti o calor de seu corpo irradiando através da minha túnica.

“Sua postura está errada. Você está tenso, está lutando contra a maré.”

Suas mãos pousaram em meus ombros, firmes e pesadas. Então, uma desceu pelo meu braço até meu pulso, seus dedos envolvendo o meu, guiando minha mão para a posição correta.

“Sinta o fluxo. Não o force. Convença-o. Seduza-o.”

O toque dele, embora clínico na intenção, enviou um choque febril por todo o meu corpo, despertando memórias e sensações que eu lutava para enterrar. Lentamente, sob sua orientação, uma pequena luz esverdeada e bruxuleante começou a se formar no ar à minha frente.

(Lucas)

Meu controle, a última fortaleza da minha sanidade, estava se esvaindo como areia por entre os dedos. Tocar nele era uma tortura sublime. Minhas mãos, as mesmas que o haviam machucado e violado, estavam agora ali para guiá-lo, para ensiná-lo a se proteger de mim. Eu podia sentir a textura de sua pele sob o tecido gasto da túnica, o pulso martelando freneticamente em suas veias, um tambor que ecoava minha própria falta de ar.

O Vínculo entre nós vibrava com sua frustração e sua intensa concentração, mas também com a consciência esmagadora da minha proximidade. A memória do seu corpo se entregando a mim na escuridão, o cheiro metálico do seu medo, misturava-se agora com o aroma de terra úmida da floresta e do seu suor. A tensão era tão espessa que eu mal conseguia respirar. Uma parte de mim queria empurrá-lo para longe, para me proteger daquela sensação perigosa. A outra, uma parte mais sombria e faminta, queria puxá-lo para mais perto, envolvê-lo em meus braços e nunca mais soltar.

(Tiago)

Quando o escudo finalmente se formou, um disco trêmulo e instável de luz esverdeada, soltei um suspiro de alívio que carregava todo o peso da minha exaustão. Mas a sensação de vitória foi imediatamente ofuscada pela presença avassaladora de Lucas atrás de mim. Ele não se moveu. Sua respiração estava quente e constante em meu pescoço, e eu podia sentir o peso de seu olhar queimando em mim, não em meu rosto, mas em cada parte do meu ser. Não era o olhar do monstro enlouquecido de antes, nem o do mestre impaciente de minutos atrás. Era algo diferente, mais profundo e perturbador. Era um olhar que mapeava, que catalogava, que possuía. Um olhar que parecia querer me devorar de uma maneira totalmente nova e, de certa forma, igualmente aterrorizante.

O ar entre nós crepitava com palavras não ditas, com o zumbido de uma fome que nós dois sentíamos em nossos ossos, mas que nenhum de nós ousava nomear.

(Lucas)

Eu me afastei abruptamente, o movimento brusco e desajeitado, colocando uma distância segura entre nós.

“Bom. Faça de novo”, ordenei, a voz mais rouca e áspera do que eu pretendia.

Mas era tarde demais. A imagem dele estava gravada a fogo no interior das minhas pálpebras: a forma como a luz esverdeada do escudo iluminava a curva do seu pescoço, o jeito que seu cabelo escuro caía sobre a testa quando ele se concentrava. Começou ali. Não um pensamento, mas uma obsessão. Passei a observá-lo com a intensidade de um predador. Eu o observava quando ele comia, notando como seus dedos seguravam o pão. Eu o observava enquanto ele dormia, memorizando o ritmo de sua respiração, o jeito como seus lábios se separavam ligeiramente. Não era mais apenas sobre protegê-lo de Malakor. Era sobre protegê-lo do mundo, sobre mantê-lo ao meu alcance, onde eu pudesse ver cada movimento, cada suspiro, cada pensamento. O Vínculo não era mais suficiente; eu precisava da sua presença física, constante e ininterrupta. Eu estava, enfim, me tornando seu Guardião, seu professor e, em segredo, seu dono.

(Tiago)

Eu sentia os olhos dele em mim constantemente, um peso físico em meus ombros. Quando eu acordava no meio da noite, assustado por um pesadelo, eu o via, sentado na escuridão do outro lado do quarto, uma silhueta imóvel e vigilante guardando meu sono. Durante o dia, seu olhar me seguia, intenso e inabalável, analisando cada gesto meu. Deveria ser aterrorizante, e uma pequena parte de mim, a parte que ainda se lembrava da humilhação, estava enojada. Mas outra parte, a parte que sentia sua solidão esmagadora e sua culpa cáustica através do Vínculo, entendia com uma clareza dolorosa. Era a sua forma quebrada de se redimir, de construir uma gaiola de vigilância ao meu redor para garantir que ele nunca mais perderia o controle.

A tensão entre nós já não era apenas sexual ou traumática; era a tensão de duas almas fraturadas tentando se encaixar de maneiras erradas, de um homem tentando desesperadamente se perdoar e outro decidindo se poderia suportar o peso desse perdão. Eu não sabia para onde este caminho sombrio estava nos levando, mas eu sabia de uma coisa com certeza assustadora: a rendição naquele dia não tinha sido o fim. Tinha sido o começo de algo infinitamente mais complexo e perigoso.

Continua…

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