Fiquei ali naquele quarto ao lado da minha sogra por algum tempo. Minha sogra era uma mulher mais quieta, mas bastante observadora. Ela segurou minha mão o tempo todo, não falou muito, basicamente só respondeu ao que eu perguntei. Depois de um tempo ali, decidi sair para falar com meu pai. Estava decidida a pedir para ele acabar com a vida do Hugo. Quando avisei minha sogra que iria descer um pouco para conversar com meu pai, ela segurou minha mão e disse algo que me quebrou.
Sogra— Vocês duas brigaram? Foi por isso que minha filha estava sozinha naquela rua?
Sabrina— Desculpe, mas foi por isso mesmo. A gente tinha brigado e ela saiu da festa sem eu ver.
Sogra— Não precisa se desculpar, não estou te culpando, nem nada disso. Eu só queria entender por que minha filha estava sozinha naquele lugar. Também não precisa me explicar o que houve entre vocês para que acontecesse a briga. Porém, eu queria te dizer uma coisa: minha filha sofreu muito durante muito tempo. Vi ela chorar várias vezes, e isso cortava meu coração. Mesmo depois que ela conseguiu superar a dor de ser abandonada como foi, eu nunca vi minha filha realmente feliz. Isso só mudou depois que ela te conheceu. Nunca vi minha filha tão feliz como tenho visto nos últimos meses. Ela voltou a sorrir de verdade, voltou a fazer planos para o futuro com outra pessoa e principalmente voltou a dar chance ao amor. Minha filha te ama muito, essa é uma certeza que tenho há algum tempo. Eu a conheço muito bem e posso te afirmar isso. Então, só te peço uma coisa: não a abandone como a outra fez, não da maneira covarde como aconteceu. Acho que ela não suportaria isso de novo.
Sabrina— Eu não sei o que vai ser do nosso relacionamento daqui para frente, não tenho cabeça para pensar nisso agora. Mas posso te prometer que não vou abandonar ela de maneira covarde; isso eu te prometo.
Sogra— Obrigado. Eu acredito em você porque sei que você a ama também, assim como ela te ama. Só espero que vocês se acertem.
Apenas afirmei com a cabeça e saí do quarto pensativa. Pelo jeito, só eu não acreditava que Fernanda me amava; até meu pai acreditava que ela me amava. Eu tinha meus motivos para acreditar que ela não sentia mais nada por mim, mas e se meu pai estivesse certo? E se as desculpas dela fossem apenas a verdade e eu não quisesse acreditar por estar cega de raiva? Mas não fazia sentido. Se isso fosse verdade, por que ela agiu daquela maneira com aquela mulher? Por que demorou tanto naquele beijo? Por que hesitou em se soltar daquela mulher?
Eram muitas dúvidas na minha cabeça, e eu não tinha como pensar com calma naquele momento. Era melhor eu focar no que podia fazer e rezar para que Fernanda se recuperasse o mais rápido possível. Talvez pudéssemos ter uma conversa para esclarecer tudo. Quem sabe havia uma explicação para o que ela fez? Eu iria me agarrar naquilo, pelo menos para acalmar meu coração. Ter uma ponta de esperança às vezes é o melhor bálsamo para uma dor como a que eu sentia. Por pior que fosse se ela realmente tivesse enganado a todos, eu iria dar a ela o benefício da dúvida dessa vez.
Quando cheguei no corredor do hospital, a Marina estava lá com meu pai e meu sogro. Assim que me viu, veio em minha direção e me deu um abraço apertado. Perguntou como Fernanda estava, e eu expliquei. Ela me disse que meu pai tinha contado sobre a briga e que não fazia muito sentido para ela. Eu a chamei para irmos a um lugar mais arejado para explicar tudo. Ela concordou e saímos depois de avisar meu pai. Ele disse que iria ver Fernanda e logo voltava.
Eu e Marina saímos do hospital e fomos até uma lanchonete que ficava do outro lado da rua. Contei tudo para Marina, e ela me disse que não acreditava que Fernanda não me amava, mas que também não entendia sua reação durante o beijo. Ela me aconselhou a ouvir Fernanda com calma assim que ela se recuperasse e a não tomar nenhuma decisão precipitada antes de esclarecer tudo. Concordei com ela e disse que faria aquilo. Quando falei do Hugo, mais uma vez ela me aconselhou a não tomar decisões de cabeça quente, que era melhor ter certeza de que realmente foi ele e, se fosse, deixar a justiça cuidar disso. Prometi a ela que iria tentar esfriar a cabeça antes de tomar qualquer decisão sobre qualquer assunto.
Voltamos para o hospital, e quando estava perto da entrada, vi algo que fez meu coração doer de novo. Não sei o motivo, mas o destino só podia estar de brincadeira comigo. Parada logo à frente do hospital estava a maldita loira que estava com Fernanda. Ela vestia uma roupa toda branca, estava com o cabelo amarrado em um rabo de cavalo e estava conversando com a garota que estava abraçada com ela na noite passada. A garota também estava toda de branco, mas com roupas diferentes; a loira usava um jaleco e a outra usava um tipo de uniforme. Provavelmente, a garota era enfermeira e a loira, médica, pelo menos era o que parecia. A única coisa que pensei foi: só me faltava essa agora.
Passei por elas, mas não consegui evitar olhar diretamente para a loira. Ela era realmente uma mulher muito bonita, alta, com um corpo aparentemente perfeito, olhos azuis e um rosto muito bonito. Mas o que me chamou a atenção foi o pequeno crachá no bolso da sua camisa. Quando li o primeiro nome, meu corpo travou. Ingrid! Com certeza, o destino estava de sacanagem comigo; nem precisei pensar direito para juntar as peças. Era a ex da Fernanda ali, a poucos passos de mim. Marina notou que eu travei e não foi só ela; Ingrid também percebeu e, quando olhou nos meus olhos, tenho certeza de que me reconheceu, porque ficou mais pálida do que já era e um olhar de espanto surgiu no seu rosto. Marina perguntou se eu estava bem, mas não consegui responder. A garota que estava com Ingrid viu que ela estava assustada com algo que viu e olhou em minha direção. Ficou aquele silêncio e um clima estranho por alguns segundos, mas foi Ingrid quem quebrou o silêncio. Ela deu dois passos em minha direção e disse:
Ingrid— Será que a gente pode conversar em um lugar mais tranquilo?
Sabrina— Não tenho nada para conversar com você. Se é sobre a Fernanda, ela já está livre, não que isso tenha sido um empecilho para vocês, mas agora não diz respeito mais a mim.
Ingrid— Por favor, precisamos conversar. Você entendeu tudo errado, eu não sabia que Fernanda tinha alguém. Eu estava meio alterada e fiz uma besteira enorme. Só quero uma oportunidade para me desculpar e explicar o que houve.
Eu sinceramente não queria conversar com ela, mas o que ela disse despertou minha curiosidade e também alimentou minha esperança de que Fernanda tinha falado a verdade. Mas, quando me lembrei que Fernanda já havia amado ela e talvez ainda a amasse, por isso demorou tanto a parar o beijo, minha ponta de esperança foi desaparecendo. Mas Marina, que estava ali do meu lado, entendeu o que estava acontecendo e deu um pequeno empurrão para que eu mudasse de ideia.
Marina— Fala com ela, Sabrina. Ou pelo menos escuta o que ela tem a dizer. Isso pode esclarecer muitas de suas dúvidas, ou talvez todas.
Sabrina— Tudo bem, vou ouvir o que você tem a dizer, Ingrid.
Ela me chamou para irmos até o lado de fora do hospital, e eu aceitei. Fui seguindo ela até um canto mais isolado da frente do hospital. Assim que paramos, ela começou a falar.
Ingrid— Em primeiro lugar, eu quero me desculpar com você. Eu realmente não sabia que Fernanda estava noiva quando a vi ali na minha frente. Sei que, mesmo assim, eu não devia ter feito o que fiz, mas eu estava um pouco alterada e agi por puro impulso. Mas quero deixar claro que Fernanda não correspondeu aquele beijo; seus lábios não se moveram. Eu até tentei fazer com que ela reagisse, mas ela parecia inerte. Ela só reagiu quando se afastou, interrompendo o beijo. Eu olhei para ela e vi que estava assustada. Quando ela me disse que não podia fazer aquilo e que tinha uma noiva, eu entendi o porquê dela não ter reagido. Mas memo assim eu não queria desistir; insisti mesmo quando ela olhou para o lado e tentou se soltar de mim. Eu olhei para o lado e vi você por um instante, percebi que você se virou e saiu com os olhos cheios de lágrimas. Quando olhei para Fernanda, ela me empurrou e foi atrás de você. Foi aí que percebi que tinha feito uma besteira enorme.
Sabrina— Então foi na festa que vocês se viram pela primeira vez depois que você a deixou.
Ingrid— Foi sim, nunca tínhamos nos visto antes. Fernanda não tem um caso comigo ou algo do tipo; eu sou a culpada. Por favor, dê uma chance a ela; fui eu que errei e não ela.
Sabrina— Não sei se consigo acreditar nisso, apesar de que Fernanda me disse algo parecido. Mas me explica: por que você está me pedindo isso? Você não gosta dela?
Ingrid— Sinceramente, não sei o que sinto por ela mais. Talvez seja mais culpa do que amor. Mas estou te pedindo porque não quero mais ser o motivo do sofrimento dela. Eu já a fiz chorar muito; ela não merece isso. Eu a vi passando para sair da boate, vi as lágrimas e o sofrimento estampado no rosto dela. Aquilo me destruiu por dentro. Saber que alguém sofreu por sua causa é horrível, mas ver isso acontecer é totalmente diferente. Eu me senti um lixo. Até tentei ir atrás dela para me desculpar e tentar consertar as coisas, mas ela nem parou quando a chamei, e o álcool me impediu de alcançá-la. Pensei em te procurar, mas minha amiga me impediu, disse que eu poderia piorar as coisas. Mas hoje, quando te vi aqui, sabia que tinha que ao menos tentar.
Sabrina— Eu ainda não sei o que fazer, mas obrigada por me contar isso. Talvez isso me dê uma chance de perdoar a Fernanda.
Ingrid— Ela não precisa do seu perdão; ela só precisa que você entenda que ela não errou. Quem precisa ser perdoada sou eu. Eu que errei feio, de novo. Olha, espero que você acredite em mim; é a mais pura verdade. Não deixe a Fernanda sofrer por um erro meu. Não é justo com ela e nem com você. Eu realmente sinto muito e prometo que vou me desculpar com Fernanda, assim como estou me desculpando com você. Mesmo que vocês não me perdoem, por favor, se acertem assim que possível.
Sabrina— Acho que isso vai demorar um pouco; não tem como a gente se acertar agora. Não quero te culpar por coisas que talvez você não tenha culpa, ou pelo menos não sozinha. Porém, isso não é tudo; aconteceram muitas outras coisas naquela noite.
Ingrid— Como assim? Não entendi.
Comecei a contar o que houve com Fernanda depois que ela saiu da boate, mas não consegui terminar. Quando disse que ela foi atacada e levou uma facada, Ingrid novamente ficou sem cor. Vi quando ela tentou apoiar as mãos na parede do hospital, mas não conseguiu e seu corpo foi perdendo o equilíbrio. Por reflexo, me aproximei rápido e tentei segurá-la, mas não consegui mantê-la de pé; pelo menos consegui sentá-la no chão sem ela sofrer com o impacto. Ajudei-a a apoiar as costas na parede e pedi que ela tentasse respirar fundo, que eu ia buscar ajuda. Porém, quando fui me levantar, ouvi passos de pessoas correndo em nossa direção. Era Marina e a enfermeira amiga de Ingrid; provavelmente, elas estavam nos observando de longe com medo de haver algum embate físico entre nós.
As duas já chegaram perguntando o que tinha acontecido, mas Ingrid acalmou-as, dizendo que estava bem, só precisava de um copo de água. Sua amiga saiu correndo em busca de água. Ingrid iria perguntar algo, mas olhou para Marina de forma desconfiada. Eu disse que Marina sabia de tudo e que não tinha segredos com ela. Então, Ingrid perguntou como Fernanda estava, e eu expliquei. Ela disse que ia procurar saber qual médico estava cuidando do caso dela e pedir para ele ter um cuidado especial com ela. Disse também que sentia muito por tudo e que queria muito vê-la, mas que provavelmente isso pioraria as coisas. Eu perguntei por quê, e ela disse que não era bem-vinda pela família de Fernanda, e que a culpa era dela. Que provavelmente agora as coisas só iriam piorar, já que mais uma vez Fernanda estava sofrendo e em uma cama de hospital por causa dela. Naquele momento, vi algumas lágrimas surgirem nos olhos de Ingrid, e não sei por que, talvez por eu ser uma idiota, mas disse a ela que tudo iria ficar bem. Que ela não tinha culpa disso sozinha, que eu também tinha minha parcela de culpa, mas o verdadeiro culpado foi o homem que atacou ela. Não disse quem era, nem os motivos, achei melhor não revelar isso. Ela me agradeceu e disse que mesmo assim os pais de Fernanda e a própria Fernanda não iriam perdoá-la nunca. Eu disse que os pais dela não sabiam o que houve ainda e que eu não iria falar por enquanto. Que talvez ela achasse um jeito de ver Fernanda sem que eles vissem.
Ingrid— Você é uma boa pessoa. Isso me faz me sentir mais culpada ainda pelo que fiz.
Sabrina— Você me parece ser uma boa pessoa também. Não sei o que vai acontecer no futuro, mas te agradeço por me contar a sua verdade.
Ingrid— Eu precisava e não fiz mais do que meu dever. Bom, eu preciso trabalhar; espero poder falar com você novamente em algum momento. Sei que é pedir muito, mas eu realmente gostaria, mas se não acontecer, vou entender. Bom, se pelo menos algum dia você puder me perdoar, eu já ficarei agradecida.
Sabrina— Vamos dar tempo ao tempo, mas pode ficar tranquila; não tenho raiva de você não. Porém as vezes, é complicado superar certas mágoas, mas vamos ver o que nos aguarda no futuro.
Ingrid— Eu te entendo; só peço que, por favor, não deixe a mágoa que nasceu entre você e a Fernanda por minha causa, impedir vocês de serem felizes.
Sabrina— Vou fazer o possível para não deixar isso acontecer.
A amiga dela chegou com o copo de água. Eu me despedi delas e fui ver meu pai. Assim que cheguei, ele estava no celular. Quando desligou, ele disse que era um amigo dele da polícia avisando que tinham um vídeo da agressão que Fernanda sofreu e que Hugo era mesmo o agressor. Eu iria dizer que tinha certeza de que era ele, mas meu pai me interrompeu e disse que tinha outra notícia: Hugo já estava preso. A polícia o prendeu dentro de uma fábrica abandonada ao lado da boate.
Até que enfim, era uma boa notícia, e eu estava torcendo para que dali em diante continuasse assim. Foi muita coisa ruim acontecendo junto, mas a conversa com Ingrid e as notícias que meu pai me deu alegraram um pouco meu coração. Agora era torcer para a recuperação da Fernanda. Eu já não tinha certeza de que era o nosso fim; talvez tivéssemos uma continuação, um recomeço.
Continua..
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper