O Escolhido de Eldoria ☆ Capítulo 34

Um conto erótico de Tiago e Lucas
Categoria: Homossexual
Contém 1758 palavras
Data: 17/09/2025 22:05:17

✧ Rachaduras na Alma ✧

(Tiago)

O ar da montanha, que antes cortava os pulmões com sua pureza gélida, agora pesava, denso com a verdade que eu mal ousara proferir. Em minha mão, o Fragmento do Ar já não era um mero artefato; era um abismo de responsabilidade. Sua superfície leitosa, como um coração de nuvem congelada, girava com redemoinhos de névoa pálida. Cada pulsação silenciosa enviava um eco através da minha alma, uma maré avassaladora de consciências alheias. Eu sentia o pânico instintivo de um pássaro ao avistar a sombra de um falcão, a ansiedade áspera de um pastor a quilômetros de distância, contando suas ovelhas sob a lua crescente, e, perigosamente perto, a forja escura da mente de Lucas. Era uma sinfonia ensurdecedora, uma cacofonia de vidas que ameaçava me desintegrar, afogando meu próprio eu em seu fluxo.

Do outro lado da fogueira crepitante, Lucas me encarava, e o medo em seus olhos era mais sólido que a rocha sob nós, uma muralha invisível erguida entre dois mundos. A jornada, eu soube naquele instante, havia se quebrado. Não éramos mais aventureiros forjando um caminho juntos. Éramos um portador de um poder que desafiava os deuses e seu Guardião, agora perdido na sombra colossal que eu projetava.

(Lucas)

Nos dois dias que se seguiram, o silêncio se instalou entre nós como uma geada que se recusa a derreter sob o sol. Tornou-se uma terceira presença em nossa companhia, fria e intransigente. Eu o observava treinar, uma sentinela de minha própria irrelevância. Sentado de pernas cruzadas à beira de um riacho murmurante, Tiago apoiava o fragmento no colo, os olhos cerrados numa concentração que parecia dolorosa. O poder se manifestava em espasmos, em milagres hesitantes. Às vezes, ele estremecia, a mão crispada na têmpora como se tentasse conter uma enxaqueca violenta. Outras, um seixo coberto de musgo à sua frente tremia, erguia-se no ar por um segundo suspenso e impossível, envolto em uma aura pálida, antes de cair com um baque surdo.

Vi a água do riacho parar seu curso, uma ondulação retrocedendo sobre si mesma antes que o fluxo se normalizasse. Eu via o poder florescendo nele, uma aura sutil, com cheiro de ozônio e céu antes da tempestade, que o envolvia e o afastava de mim. E em meu peito, o nó amargo do ressentimento se apertava. Eu, o guerreiro treinado desde o berço em cada postura e contra-ataque, o filho maldito de Malakor, um homem a quem sussurravam um destino de grandeza, era agora um mero espectador. Minha espada, outrora uma extensão da minha vontade, parecia um pedaço de metal pesado e inútil, um brinquedo de criança diante da força cósmica que ele agora empunhava.

(Tiago)

Aprender a manejar o fragmento era como tentar tecer uma tapeçaria com o próprio vento. A telepatia não vinha em palavras claras, mas em tsunamis de emoções cruas, imagens fragmentadas e intenções viscerais. Fui forçado a construir barreiras mentais, muralhas frágeis de concentração para isolar uma única consciência e não ser arrastado pela loucura coletiva.

O controle sobre o tempo era ainda mais traiçoeiro. Um lapso, um piscar de olhos, e eu me via preso num laço, revivendo os últimos cinco segundos repetidamente, o mundo gaguejando ao meu redor enquanto uma tontura nauseante me tomava. Mas, em meio a esse caos, a mente de Lucas era um farol escuro que eu não conseguia ignorar. Era um redemoinho lento e denso como piche, um poço de ressentimento que se aprofundava a cada hora. Eu o sentia, mesmo sem querer. Sentia a fúria contida em seus músculos enquanto polia sua lâmina, seus pensamentos um rosnado baixo de inveja, frustração e uma dor que ele jamais admitiria. Eu queria desesperadamente construir uma ponte sobre o abismo que se abrira entre nós, mas cada pedra que eu tentava assentar parecia se dissolver no ar.

(Lucas)

Foi na segunda noite, sob um céu incrustado de estrelas frias, que a voz retornou. Eu afiava a adaga que o Rei Theron me dera, o som do aço na pedra de amolar era o único consolo em meu tormento. Então, o sussurro. Não era um pensamento meu; era uma presença oleosa e invasiva que se infiltrava nas fissuras da minha alma.

“Olhe para ele”, sibilou Malakor, sua voz não ressoando em meus ouvidos, mas no fundo do meu crânio. “Brincando com poderes que deveriam ser seus por direito de sangue. Você, meu filho, minha linhagem, rebaixado a babá de um camponês sortudo que tropeçou na grandeza. Ele é fraco. Mole. Você é forjado em fogo e aço. Por que o serve?”

Cada palavra era um veneno destilado, alimentando a fera que eu mantinha enjaulada em minhas costelas. A vergonha me queimava como brasa viva. Malakor estava certo. Como eu pude permitir isso? Como pude me tornar a sombra de alguém que, até dias atrás, eu protegia de meros bandidos na estrada? Eu era um guerreiro. Tiago era… Tiago.

(Tiago)

Eu tentava focar no som do vento assobiando entre os pinheiros, usando-o como uma âncora contra a torrente de pensamentos. Foi quando a voz de Malakor me atingiu, não diretamente, mas como um eco distorcido e odioso, refletido pela dor na mente de Lucas. “Camponês sortudo que tropeçou na grandeza”. As palavras me acertaram como um soco no estômago, mas não pelo insulto. O que me dobrou foi sentir o impacto delas em Lucas: a onda de calor da vergonha subindo por seu pescoço, o aperto de seus dedos no cabo da adaga, a autodepreciação afiada que se seguiu. Eu senti sua humilhação como se fosse minha. Malakor não estava apenas tentando me provocar; estava metodicamente quebrando Lucas por dentro, usando suas maiores inseguranças como um martelo.

Naquele instante, soube que o silêncio era uma forma de cumplicidade. Levantei-me, o coração pesado como uma pedra de moinho, e caminhei até onde ele estava sentado, a escuridão da noite envolvendo-o como um manto fúnebre.

(Lucas)

“Lucas, precisamos conversar”, disse o Escolhido, sua voz suave quebrando minha ruminação sombria. Antes que eu pudesse erguer uma defesa, ele continuou: “Eu ouvi. Eu senti o que Malakor disse a você.”

Meu sangue primeiro gelou, depois ferveu. A fúria, contida por dias, explodiu como uma barragem rompida. Fiquei de pé num movimento fluido e letal, a adaga ainda em punho.

“Você o quê?”, gritei, a voz rouca de raiva, rasgando a quietude da montanha. “Você se atreve a rastejar pela minha mente? A espionar meus pensamentos mais íntimos? Que direito você tem?”

Avancei um passo, a ponta da lâmina brilhando à luz da fogueira.

“Saia da minha cabeça, Tiago! Saia!”

A violação era mais profunda, mais íntima que qualquer golpe físico. Ele havia testemunhado minha humilhação absoluta, a voz do meu pai biológico me envenenando, e agora estava ali, parado, com aquele olhar de compaixão que eu não podia suportar.

(Tiago)

Recuei um passo, não por medo da adaga, mas pela agonia pura em sua voz.

“Eu não queria, Lucas! É um eco, um maremoto de pensamentos que eu não consigo controlar ainda!”, expliquei, a voz embargada de desespero. “Você não pode dar ouvidos a ele! Malakor está tentando nos destruir, usando seu medo contra você mesmo. Ele mente!”

Tentei me aproximar, estendendo a mão, mas ele se encolheu, mantendo a distância.

“Não fale do que você não entende!”, ele rosnou, os dentes trincados.

(Lucas)

“É fácil para você dizer!”, retruquei, o veneno do meu pai agora em minhas próprias palavras. “Malakor não está na sua cabeça dia e noite, sussurrando sobre cada falha, cada dúvida! Ele não está tentando te transformar em um monstro, te fazendo odiar a única pessoa que já importou para você!”

A confissão escapou, nua e trêmula no ar frio. Respirei fundo, o peito arfando, tentando retomar o controle que se esvaía.

“Ele não te lembra a cada segundo… que você é filho dele.”

(Tiago)

O desespero em sua voz quebrou minhas últimas defesas. Ignorei a adaga, a raiva, e fechei a distância entre nós em um único passo.

“Você é tão poderoso quanto eu, por isso que o Rei Theron escolheu você, Lucas”, eu disse, minha voz firme, mas carregada de uma emoção que eu não escondia mais. “Não a mim. Você. Porque ele sabia que você é o melhor guerreiro de Eldoria, com a vontade mais forte que ele já viu. Ele confia em você para resistir a essa escuridão. Ele confia em você para ser meu Guardião.”

Ele soltou uma risada, um som oco e sem alegria que se perdeu na noite.

“Se o Rei soubesse desde o início que sou filho de Malakor, ele não teria confiado em mim. Teria mandado me matar no berço, assim como fez com todos que considerou uma ameaça.”

Ele desviou o olhar para o contorno negro das montanhas.

“O Rei é um bom homem, Tiago, mas não se engane. Ele pode ser impiedoso para proteger o que é seu. Você não sabe de nada.”

(Lucas)

Eu esperava que ele discutisse, que defendesse o Rei, que me desse mais um motivo para a raiva. Em vez disso, Tiago fez algo que me desarmou por completo. Ele me abraçou. Seus braços me envolveram com uma força que não era de combate, mas de amparo, uma âncora em minha tempestade. Senti a tensão excruciante em meus ombros começar a se dissolver, a adaga esquecida em minha mão.

“Eu não ligo para quem é seu pai”, ele sussurrou contra meu ouvido, sua voz embargada, quente em meio ao frio. “Eu amo você, Lucas. Você. E quando tudo isso acabar… quando vencermos… eu não quero voltar para um castelo. Quero morar numa casa na floresta, longe de reis e destinos, só nós dois.”

Fiquei paralisado, o ar preso nos pulmões. Uma casa. Na floresta. Com ele. Um futuro que eu nunca, jamais, me permiti imaginar. Um lugar onde eu não seria o filho de Malakor, o Guardião do Escolhido, ou o guerreiro do Rei. Seria apenas… eu. O pensamento me atingiu com a força de uma revelação, uma luz em minha escuridão pessoal: eu nunca imaginei que seria possível amar alguém como eu amava Tiago.

Com a mão livre, puxei seu rosto para perto do meu, vendo a vulnerabilidade e a sinceridade absoluta em seus olhos marejados.

“Eu mesmo vou construir a nossa casa”, prometi, minha voz finalmente livre do rancor, soando apenas como a minha.

E então, sob o olhar de incontáveis estrelas silenciosas, eu o beijei, selando a promessa não com aço, mas com algo infinitamente mais forte. E pela primeira vez, o veneno de Malakor não encontrou lugar para se alojar.

Continua…

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