Eu, o estivador e o filósofo

Um conto erótico de Pil.lo
Categoria: Gay
Contém 1312 palavras
Data: 18/09/2025 08:00:09
Última revisão: 18/09/2025 12:46:14

*Cais do Porto de Todos os Santos, tarde.*

O cheiro de sal e ferrugem me acompanha como sempre. O capote grosso pesa nos ombros, suado do dia inteiro de carga. Meus braços ainda latejam do esforço, mas é um cansaço bom, viril. O cigarro de palha se acende entre os dedos calejados — fino, firme, quente. Faço questão de deixá-lo pendurado no canto da boca, como um aviso, como um falo em brasa. Sopro a fumaça devagar, vendo ela se perder no ar cor de cobre.

E então ele aparece.

Antônio.

Não sei o nome dele, mas já o batizei assim, sem querer. Vem com um grupo de jovens, rindo alto, como se o mundo fosse leve. E talvez seja, pra quem tem aquele corpo — definido, mas solto, como se dançasse mesmo parado. Camiseta branca, colada no peito, mas solta na cintura. Short azul claro, tênis gasto. O sol bate nas pernas dele e parece que o mundo inteiro se curva pra ver.

Eu fico parado. Só observo.

Ele não me vê. Nem imagina que sou homem de carne e desejo. Que por trás do capote sujo e da barba cerrada tem um vulcão. Que cada passo dele me acende. Que cada riso me provoca. Que cada fio de cabelo ao vento me faz querer agarrar, puxar, prender.

Queria que ele me olhasse. Só uma vez. Que visse o cigarro, a fumaça, o peito largo. Que sentisse o peso do meu olhar. Mas ele passa. Rindo. Falando de Sartre ou sei lá o quê. Poeta, filósofo, músico. Um corpo feito pra ser tocado com palavras e mãos.

Eu fico. Ele vai.

O sol se despede atrás dos guindastes. A luz se esfarela nas águas sujas do porto. O cigarro termina. E eu fico com o gosto dele na boca. E com o gosto de Antônio, mesmo sem nunca ter tocado.

É um sentimento bom. Mas também é perda.

Como se eu tivesse amado por um instante. E perdido pra sempre.

*Armazém Sant'Anna. Fim de tarde*.

O chão de tábuas gasto do armazém range sob minhas botas. O cheiro de fumo em corda me invade antes mesmo de chegar ao balcão. Escolho o mais grosso, o mais forte. Um litro de cachaça escura, de garrafa sem rótulo, me acompanha. Peso, cheiro, calor. Tudo em mim é bruto.

O capote ainda está sobre os ombros, mesmo com o sol se pondo. A camisa de flanela, aberta no peito, revela o suor seco do dia. O cigarro de palha, sempre ele, pendurado como uma extensão da minha vontade. A brasa arde, mas não mais que o que vem a seguir.

Ele entra.

Antônio.

Perfume amadeirado. Leve, mas marcante. Como se a floresta tivesse se curvado pra ele. Camiseta fina, quase transparente sob a luz dourada. Short de algodão, tênis branco encardido. O cabelo bagunçado, a pele limpa. Um corpo que não carrega peso, mas carrega meu desejo.

Ele parece não me ver.

Se aproxima. Olha o fumo. Olha a bebida. Sinto que sou uma sombra.

E então, sem aviso, sem palavras, sem razão — nossas mãos se tocam ao acaso. Sem querer.

Ele pega o mesmo fumo. Nossos dedos se encontram. Um toque. Um segundo. Um universo.

A pele dele é quente. Macia. Jovem. A minha, calejada, dura, marcada. Mas naquele instante, não há diferença. Há fogo. Há silêncio. Há tudo.

Antônio não diz nada. Os olhos dele se perdem por um instante nos meus. Um leve tremor nos lábios. Um redpiro mais suave. E então ele se afasta. Sai.... Vai embora.

Mas não vai.

Fica.

Fica no cheiro. Fica no toque. Fica no desejo.

Eu fico parado. Com o fumo na mão. Com a bebida no braço. Com o cigarro queimando entre os dentes. Em fumaças. E com a alma em brasas.

Sinto culpa. Sinto perda. Sinto que talvez eu seja velho demais, bruto demais, diferente demais.

Mas também sinto que, por um instante, fui visto. Desejado. Tocado.

E isso... isso arde mais que qualquer...

*Bar de Santo Antônio, noite.*

A noite cai com cheiro de flores e cerveja. Primavera recém-nascida, ainda tímida, mas já quente. A rua pulsa — turistas, risos, estivadores largados em cadeiras de plástico, corpos suados, vozes roucas. Música ao fundo, alguma coisa entre samba e bolero.

Estou sentado, como quem não espera nada. O capote pesado, camisa aberta, cigarro de palha aceso. Sou sombra e músculo.

Ele aparece como luz.

Antônio.

Camiseta preta justa, short de linho, o perfume amadeirado que se mistura ao aroma da noite. Ele me vê. Sorri. Se aproxima. Sem medo. Sem dúvida.

— Qual seu nome? — pergunta, direto, com voz baixa.

— Asgard — respondo, como quem entrega um segredo.

O nome paira no ar como promessa.

Antônio toca o meu braço. Um toque leve, mas firme. Nossos olhos se encontram. Há silêncio. Tensão. Desejo.

A noite se desenrola em passos lentos. Antônio me conduz. Eu o sigo. O estivador, acostumado a dominar o peso do mundo, me deixo guiar pela leveza do poeta.

Chegamos ao quarto. Pequeno, simples, lençóis brancos. A porta se fecha vom um som seco. Obmundo fica lá fora.

Antônio me olha como quem lê um poema proibido. E eu, que sempre fui feito de ferro e silêncio, me sentia derreter.

Ele toma o controle, se aproxima decidido. O perfume dele mistura-se ao cheiro da cachaça que ainda estava em minha pele. A camiseta já não cobria nada. O short caiu com um gesto. E eu, com meu capote jogado no chão, corpo exposto, me deixo ficar.

Não houve palavras. Quando ele me tocou, ainda de pé, o calor virou febre. Antônio tinha aquela firmeza que não vinha da força, mas da certeza. Ele sabia o que queria. E eu, pela primeira vez, queria ser levado.

Me deitou com cuidado, como quem prepara um altar. O lençol frio virou palco. Meu corpo, que sempre foi ferramenta, virou território. E ele, explorador.

Então, agora, ele me toca como quem conhece o caminho. Mãos firmes, mas suaves. Beijos que não pediam licença. Me domina com a leveza de quem sabe que o poder não está na força, mas na intenção.

Ele me quer. Me possui. E eu, o dominador, agora dominado.

Cada entrada dele é um comando. Cada gesto, uma ordem que meu corpo obedece sem resistência. Ele me vira, me revira, me penetra mais profundo ainda, me faz seu.

A respiração dele era firme. Posse, não foi com violência — com precisão. Como quem encaixa uma nota perfeita num acorde. Como quem sabe que o corpo também é música.

Senti tudo. Cada avanço, cada pausa. O mundo inteiro se concentrava naquele movimento. Meu corpo se arqueava, se abria, se entregava. E ele me preenchia com mais do que carne — com presença, com desejo, com cuidado.

Não havia palavras. Só sons. Baixos, roucos, entrecortados. O ritmo era tenso, depois lento, depois urgente. E eu, que sempre fui o que segura, me deixei ir. Me deixei ser.

O gozo veio como maré alta. Não foi explosão. Foi inundação. Um calor que subia da base da coluna até o último fio de cabelo. Um tremor que não se via, mas se sentia. Um grito que não saiu, mas ecoou por dentro.

Antônio me segurava. Me olhava. Me acolhia.

E eu, nu, suado, marcado, sabia que tinha sido dele. Que tinha sido inteiro. Que tinha sido mais homem por me deixar ser tomado.

A fumaça do cigarro no cinzeiro ainda subia. Como lembrança. Como símbolo. Como falo apagado, mas presente.

E ali, entre lençóis e silêncio, eu soube: o cais nunca me tocou como ele.

A noite foi longa. Não houve descanso. Só entrega. Só desejo. Só paixão.

*Pensão de Santa Maria, manhã.*

E quando o sol começou a nascer, ele dormia ao meu lado. Corpo leve, respiração calma. Eu o olhava, fumando um último cigarro de palha.

Eu estava ali — nu, molhado, marcado. Mas não quebrado. Pela primeira vez, inteiro.

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