Eu não sabia explicar como consegui me manter são depois de ter assistido os vídeos que assisti até aqui. Vídeos onde o meu grande amor estava ali, sendo violada, onde eu não sabia se a entrega dela tinha sido por obrigação, e até a que ponto ela tinha gostado daquilo.
Ainda tinha alguns vídeos para ver, e me perguntei se iria valer a pena assistir mais algum deles. Se não estava bom o bastante para assisti-los. Mas a vontade de mergulhar ainda mais nesse mar de lama onde nossas vidas se meteram falou mais alto, queria entender mais daquilo. Cliquei no play e o próximo vídeo foi uma lâmina fria atravessando o meu peito.
— Não pode ser, o que é isso?
Neste vídeo, Aoi estava vendada e amarrada por cordas. Seu rosto era censurado, por aquelas quadriculações nas câmeras para que não evidenciassem a sua identidade.
— Não consigo assistir isso... Como pode essa gente ser tão doente?
Ela estava deitada de lado na cama onde ela não tinha visão de nada. Logo, Kuro apareceu com o seu pau apontando no rosto dela, onde ele puxou seu rosto para frente, e a forçou a começar a chupar o seu pau.
— Seu desgraçado, pare com isso.
Enquanto isso, no vídeo, ela parecia incomodada, pedindo várias vezes para não fazer isso.
— Eu pedi pra não ser assim, me soltem! Eu não quero isso, por favor!
— Cala a boca! Já recebeu o dinheiro e agora tá de cu doce? Abre essa porra de boca.
Ela deixava os lábios fechados no começo, mas aos poucos foi abrindo e ele foi introduzindo seu pau na boca dela. Ele puxava os cabelos dela enquanto empurrava seu pau goela abaixo. Ela não tinha tempo para fazer nada além de simplesmente chupar o seu algoz, enquanto sua boca era completamente currada pelo pau dele.
— Ta vendo como ser obrigada é bem mais gostoso?
Ela não podia fazer nada, estava com o corpo e pernas atadas, amarradas por uma grande corda vermelha que apertavam suas curvas deixando seu corpo nu completamente à mostra.
Enquanto ela mamava a pica de outro homem, seu corpo era violado por objetos, eles prenderam dois prendedores em seus mamilos e começaram a puxar, onde pude ver ela resmungar de dor.
— Tira isso, por favor!
Ela dizia, protestando enquanto soltava o pau dele, e tudo que recebeu em troca foi um tapa em seu rosto.
— Vai tomar no cu, mulher! Continua mamando e para de encher o saco.
Ele então voltou a meter na boca dela, enquanto continuava movimentando o quadril de forma brusca, o outro homem agora começou a chicotear sua bunda, que aos poucos estavam evidenciando marcas.
A pele dela que era branca como a neve começou a se avermelhar, ela tentava protestar mas não conseguia. Depois de tirar o pau dele da boca, ele então foi afastando seu caralho com uma gota de porra, evidenciando que havia gozado na boca dela.
— Não tem jeito, dá aquela merda lá. Ela não ta colaborando.
Pouco depois ele colocou um comprimido na boca, e a beijou, drogando ela mais uma vez.
A partir disso ela já não se debatia mais, estava completamente rendida. Ele então colocou ela deitada na cama com as pernas abertas e seus braços por trás em suas costas amarrados e começou a comer ela com força, atendendo a sua única súplica: que colocasse camisinha. Em todo momento em que ele estava metendo nela ela não parava de chamar o meu nome. Eu não sabia se aquilo me torturava mais ou se me dava algum alento.
— Por... Porque isso?
Os dedos estavam mais uma vez, apostos, segurando o mouse, onde eu acabei clicando no próximo vídeo, e depois mais, um, e depois mais outro. Eu assisti usarem coisas nela, e ela protestando, e depois se rendendo, muitas vezes por cansaço, outras vezes por estar drogada.
No próximo vídeo eles estavam em um iate, mas dessa vez quem estava com ela era o apresentador do primeiro vídeo. Ele estava apenas de sunga, era um homem de meia idade, um pouco barrigudo. Ela estava completamente pelada mas eu percebi que ela já estava drogada, já que seu rosto estava avermelhado e seu olhar completamente avoado como se ela já não tivesse mais controle de si. Ela estava sentada na poltrona do iate, enquanto o homem foi tirando seu bermudão, revelando assim aquele pau asqueroso, que não era muito grande mas era absurdamente grosso.
— Eu... Ah... Não quero... Isso. Você...
Diante da negativa dela, mesmo drogada, o homem parecia ter se irritado e a puxou, forçando o seu rosto a se aproximar do pau dele. Ele foi esfregando sua glande na boca dela, até que começou a pressionar os lábios dela e assim começou a foder a sua boca. Ela segurou a coxa dele e tentou se livrar mas ele era insistente.
— Ué, você foi fodida pelo nosso ator principal, pelo nosso câmera em outro vídeo, agora ta negando fogo pra mim, que investi tanto em você? Vai dar pra mim hoje sim, sua piranha desgraçada.
Perdendo as suas últimas forças ela acabou simplesmente cedendo e segurando as coxas grossas daquele homem completamente asqueroso, enquanto tinha a boca completamente fodida por ele.
Ele continuava a movimentar seu pau na boca dela, ele foi socando seus lábios com vigor. Ela não falava mais nada, parecia apenas alguém que estava ali cumprindo um papel em um filme, até que ele acabou tirando o seu pau para fora e praticamente gozando na cara dela.
— Eu... Quero ir embora agora.
— Ainda não! AINDA NÃO HEHEHEHE...
Quando ela tentou se levantar ela foi puxada pelo braço e jogada para o outro lado. De quatro, ele foi se aproximando e sem permissão alguma, ele começou a passar a mão na bunda dela afastando ambas as bandas para o lado e esfregando a cabeça do seu pau no cuzinho.
— POR FAVOR, ALGUÉM ME AJUDE! EU Já falei que ai não!
Não adiantou os gritos dela pois a única testemunha de sua súplica era o mar e a costa. Ela começou então a gemer, e choramingar, enquanto era comida no cu.
Fechei o vídeo depois disso, e assisti outro. E outro. Até que cheguei no último, um mais atual. Quando abri o vídeo, uma surpresa completamente desagradável tomou conta de mim.
Apertei o botão e o vídeo abriu. Dessa vez, o cenário era diferente. Uma sala de jantar em uma pousada tradicional, mesas baixas, o tatame de madeira clara, e ao fundo, pelas portas de correr, dava pra ver a fumaça subindo das águas termais de Hokkaido. O ambiente era bonito, até aconchegante. E eu conhecia bem o lugar, pois já tinha vindo mais de uma vez na minha vida.
Aoi estava ali, sentada ao lado de um homem baixo, gordo, de meia idade, careca na frente e com um sorriso asqueroso que parecia grudar no rosto como óleo velho. O mesmo do Iate, inclusive. O tipo de cara que só de olhar dava vontade de virar o rosto. Ele parecia confortável demais ali, quase dono da mesa, com os hashis na mão e a barriga apoiada na borda da mesa. Ao lado deles, mais afastado, havia outro homem, um pouco mais velho, cabelo grisalho penteado pra trás, postura de quem já tinha visto muito e achava que o mundo devia se curvar a ele. Do lado desse homem, uma mulher arrumada demais, maquiagem carregada, tentando rir das piadas que ele contava, mas sem parecer tão à vontade quanto queria.
E Aoi… minha Aoi… estava cabisbaixa. Não tocava na comida. Na frente dela havia uma tigela de arroz, um prato com peixe grelhado e uma xícara de chá verde fumegando. Tudo intacto. O vapor subia lentamente, como se zombasse da falta de apetite dela. Ela mexia nas mãos, apertava os dedos um contra o outro, sem coragem de levantar o rosto.
O produtor, aquele sujeito gordo, deu uma risada alta e se virou pra ela, batendo de leve no braço dela como se tivesse intimidade.
— Não vai comer nada, Aoi-chan? — perguntou, com a boca ainda cheia, falando com um pedaço de peixe grudado no canto do lábio.
Ela demorou a responder. A voz saiu baixa, quase um sussurro.
— Eu… não estou com fome.
Ele fez uma careta, levantou os ombros como se não ligasse e voltou a enfiar mais comida na boca.
— Tanto faz, problema seu. — disse, sem disfarçar o desdém.
No meu mundo ali, enquanto assistia tudo aquilo, eu me perguntava.
— Aoi. Por que aceita passar por tanta humilhação desse jeito?
O barulho dos hashis batendo nos pratos, o mastigar exagerado, a risada ocasional do outro homem junto da mulher, tudo parecia aumentar no meu ouvido. E no meio daquilo, Aoi seguia imóvel, como uma peça quebrada no cenário. O contraste do rosto dela, sem cor, com os outros rindo e bebendo, me dava um nó no estômago. O dialogo mais parecia uma encenação dentro de um filme, não parecia ser uma coisa natural.
Eu não via apenas uma cena de jantar. Eu via a prova viva de que ela não estava ali por escolha, mas por necessidade. O corpo presente, a alma distante. O jeito como ela não conseguia encarar ninguém. O silêncio dela gritava mais alto que qualquer piada que aqueles dois idiotas faziam.
Meus punhos se fecharam. Eu sentia minhas unhas cavarem a palma da mão, a raiva subindo. Não era só raiva do que eles estavam fazendo, era raiva de mim, porque no fundo eu sabia: ela estava ali por minha causa.
— Esse saquê está uma delícia mesmo, direto das produtoras do norte do japão. Deveria provar. — Disse o produtor.
— Temos uma coisa mais deliciosa para provar hoje. — Disse o outro homem, o que me revirava o estômago.
A câmera mostrava o produtor limpando a boca com o guardanapo, ainda rindo, enquanto a mão dele se aproximava de Aoi como quem ia segurar o ombro dela. Ela se encolheu, quase imperceptível, mas eu vi. Eu vi cada detalhe. E cada detalhe era mais um tijolo em cima do meu peito, me esmagando. O cara meteu a mão no kimono dela, e tirou um dos seus seios pra fora e começou a brincar com eles. Ela não esboçava nenhuma reação no vídeo, não fazia absolutamente nada.
Eu não aguentei. Pausei o vídeo por alguns segundos, encarei a tela e respirei fundo. Mas não adiantou. Quando apertei play de novo, tudo parecia ainda mais cruel.
O que aconteceu á seguir pegou até a mim de surpresa. Aoi tirou de uma bolsa uma cartela de comprimidos, e era a mesma droga que davam pra ela todas as vezes. Dessa vez, ela mesma tomou a iniciativa de se drogar, bebendo aquilo e pegando aquele copo de chá quente e derramando em sua garganta para descer junto com a pílula.
Em pouco tempo, Aoi já estava completamente rendidda. Os olhos estavam fundos e dormente, não expressavam ali nenhum brilho enquanto o homem estava ali lambendo seu pescoço. Seu pau já estava para fora e a mão dela foi sendo conduzida para tocar seu caralho e começar a masturba-lo, enquanto o outro casal já estava se pegando também.
— Olhem, eles já começaram. Devemos começar também.
Aquele homem virou o rosto dela para frente, encarando diretamente os olhos dela para logo em seguida passar a beijá-la. Ele encostou aqueles lábios asquerosos nos dela, eu a vi não esboçar nenhum tipo de resistência, ou tentar qualquer coisa. Apenas ficou ali, parada, como se fosse apenas um ser que aguardasse as ordens.
— Você nesse estado fica uma delícia, eu gosto de putas obedientes que não fazem nada.
Depois disso ele se levantou, e a mulher que antes estava ali beijando o outro homem acabou seguindo de joelhos até o produtor, onde ela abocanhava o seu pau e começava a chupar o pau dele, no mesmo instante em que Aoi estava ali sem fazer nada. Até que ele puxou ela pelo cabelo, e empurrou o rosto dela contra o pau dele, onde ela entendeu o recado e abriu a sua boca, dividindo então o pau pequeno e grosso dele com as duas bocas que estavam ali o mamando.
— Eu quero comer essa vadia também.
Ela então era colocada de quatro e o outro homem se colocou atrás dela e segurou a sua bunda, onde começou a meter. Ela então começou a ser fodida ao mesmo tempo em que chupava o pau do outro, os gemidos eram abafados enquanto sua boca estava ali trabalhando a outra mulher se colocou do lado dela também de quatro, e passou a receber dedadas na bucetinha enquanto estava com a boca ocupada.
— Grrr... — Os meus dentes estavam rangindo, e meu rosto coberto de lágrimas, e meus olhos queimavam. E tudo isso enquanto eu era testemunha de tudo aquilo.
Eu podia ouvir claramente o som do estalo dos dois corpos se batendo, o homem metendo seu pau com força enquanto ela segurava com uma das mãos a coxa do produtor e chupava o pau dele.
— Eu não estou satisfeito ainda!
Foi então que o produtor puxou ela, e a fez cair no chão.
— Kiay! Pare, não faça isso... — Ela dizia.
E foi ali, no chão daquela pousada que ele montou em cima dela e começou a meter, montando o seu corpo pesado e asqueroso em cima do corpo dela que era menor e bem mais magro. Ela estava ali de pernas abertas enquanto era completamente devorada, o pau dele entrava e saia da bucetinha dela, onde ele foi socando brutalmente, ela foi abraçando aos poucos o corpo dele, o rosto dela estava completamente escondido no meio daquela brutalidade.
A cena depois corta para a fonte termal onde ela estava cavalgando em cima dele, enquanto ambos estavam ali completamente nos sentados dentro da água. A língua daquele homem buscava a dela, eles trocavam um beijo ali enquanto ele segurava o corpo dela e praticamente colava junto ao dele. A água batia nos corpos de ambos enquanto eles estavam ali em meio aquela foda.
Eu não sabia dizer se era a droga ou se realmente ela já estava mais a vontade e talvez até gostando daquilo. Mas os protestos e o desânimo praticamente desapareceram ali eu estava vendo Aoi se entregar, o corpo dela já estava praticamente pertencendo a ele, e a única coisa que ainda mantinha alguma sanidade eram os seus olhos, que vez em outra derramar vão lágrimas.
— Ah, que bucetinha gostosa ela tem, eu ainda queria comer ela sem camisinha e leitar dentro!
Ali eu vi aquele homem deflorando de todas as formas a minha mulher e talvez o momento mais chocante foi quando vi a câmera dando um close no rosto dela: Ela estava acabada, no misto de tesão e ao mesmo tempo tortura. Os olhos dela apesar de estarem completamente sem vida, demonstravam uma coisa que me revirou o estômago, além do rosto dela que estava completamente avermelhado. Sua língua estava para fora, enquanto se esfregava com a dele, quando ela parou de fazer aquilo, eu pude ver quase inaudível ela mexer a boca para falar uma única palavra.
— Eu preciso... resistir... pelo Kouta...
Eu assisti tudo. Vídeo por vídeo. Um por um. E a cada novo arquivo o mundo ao meu redor ia ficando menos real. Sentei até escorregar na cadeira. O quarto encolhia. A luz da tela parecia uma lâmpada que queimava de dentro pra fora. Meus olhos ardendo, molhados sem que eu percebesse. Eu não via só as imagens; via os motivos que me empurraram praquele coma, via as noites que eu não merecia, via as promessas que fizeram sentido e as que destruíram o sentido.
Quando o último vídeo acabou, eu sentia que não existia mais, apenas uma casca vazia de mim tinha restado ali. O notebook tremia nas minhas mãos. O rosto pálido, sem vida, os olhos ardendo de tanto choramingar por dentro. Eu encostei a testa na mesa e senti um vazio tão grande que me faltou ar.
A raiva veio como um golpe quente. Foi tão instintiva que eu nem raciocinei: puxei o aparelho, segurei firme, e arremessei contra o chão do quarto. Ele bateu com um som seco e se espalhou em cacos eletrônicos e faíscas pequenas.
— AHHHHHHHHHHHH, DESGRAÇADOS!
Não satisfeito, comecei a pisar em cima dos restos do notebook, como se aquilo fosse apagar o que tinha acabado de ver, até mesmo a cadeira que eu sentei eu derrubei em fúria no chão. Meus punhos doeram pelos impactos, mas eu não senti. Só senti uma raiva tão crua que parecia queimar por dentro.
Saí do quarto cambaleando direto pra sala. No meio da casa eu me dobrei, ajoelhei, e coloquei as mãos na cabeça como se pudesse espremer dali pra fora alguma explicação.
— Porque... Por que eu ainda estou vivo, e porque isso teve que custar tanto pra ela? Por que, caralho?
Comecei a gritar. Palavras sem música, sem lógica: por quê? por quê? por quê? repetia até as letras desistirem de formar sentido. O som saia de mim como uma sentença que eu não sabia se era para Aoi, para mim, para o mundo que permitiu aquilo.
Depois de muito gritar, a pergunta mais sem misericórdia veio à boca: eu não deveria estar vivo. A ideia não tinha poesia, só um peso frio. Tudo teria sido mais simples se fosse assim, dizia uma voz fina lá dentro. E por mais que algo em mim quisesse responder, que lutasse pela vida que ainda batia, naquele segundo a única coisa que eu sentia era que a minha presença ali era responsável pela humilhação dela.
Levantei, tropecei pelo corredor, saí sem destino. As ruas de Osaka me receberam com a indiferença habitual: luzes, passos, motoristas impacientes. Minha cabeça doía, as pernas me obedeciam por inércia, e ainda assim eu caminhava mais rápido do que podia. A cidade parecia enorme e ao mesmo tempo comprimida dentro do meu peito.
Passei por lojas acesas, por casais que riam, por um senhor que varria a frente do minimercado. Ninguém sabia a guerra que eu tinha por dentro. Não queria que soubessem. Eu queria ser só um corpo indo pra lugar nenhum. Quando cheguei ao cruzamento grande perto da estação, algo em mim estalou. Parei no meio da rua, no meio do asfalto, olhando os faróis que se aproximavam. O vento cortava o rosto e eu tive a sensação clara de que, se eu apenas fechasse os olhos, o mundo poderia seguir e eu poderia desaparecer.
— Tudo isso vai acabar logo mais.
Eu tinha, naquele momento, desistido da segunda vida que ganhei depois de tudo que ganhei. Porque continuar vivo? Pra que seguir com vida naquele mundo miserável?
Um flashback começou a passar pela minha cabeça. Aoi e eu, como nos conhecemos, nossos primeiros passeios juntos, nossos planos. Tudo isso agora se partira em mil pedaços, assim como partiu tudo de bom que eu tinha dentro de mim.
— Eu prefiro estar morto, do que viver numa realidade em que eu não possa mais ficar com você.
Fechei os olhos.
Por um instante a luz do sinal virou um neón bobo que piscava. Ouvi os carros, o buzinar. Era como se o tempo estivesse se preparando pra cortar. E então, de repente, senti um peso me puxando pra trás. Alguém se jogou sobre mim e me arrastou para o acostamento. O impacto — menos violento do que o que eu imaginava — foi a coisa mais absurda que me manteve vivo: mãos firmes, um cheiro de perfume que conhecia bem, e alguém dizendo meu nome como se fosse uma ordem de resgate.
Abri os olhos. Vi Akemi caída sobre mim, com as mãos em cima de mim, ralando o joelho enquanto me puxava. Ela parecia uma tropa improvisada. Seus olhos estavam esbugalhados de preocupação.
— Kouta, seu idiota! Acorda! O que você pensa que está fazendo? — ela gritava, pouco se importando com o joelho, mais preocupada comigo.
Eu não respondia. A respiração era rasa, a cabeça pesada, como se eu tivesse atravessado um temporal e agora estivesse molhado por dentro. Akemi se levantou, me puxou até um banco na praça mais próxima, e se sentou ao meu lado, ainda reclamando em voz alta.
— Você podia ter morrido, sabia? Eu te vi ali e quase tive um treco. — Ela passava a mão no joelho ralado, mostrando a ferida como se fosse troféu de guerra. — Ai, como isso ta doendo.
Nem percebi quando alguém veio com água, quando um homem se ofereceu pra ligar um taxi.
— Esse cara parou ali no meio da rua, acho que ele tava querendo se matar.
— Parem de ficar falando merda, ele acabou de sair de um coma, ele não ta bem! — Akemi falava rápido, reclamando, enquanto estava ali, me encarando, querendo respostas de meu comportamento.
— Kouta, me responde. Fala comigo. O que aconteceu? O que aconteceu com você? — ela persistia, batendo de leve nas minhas mãos.
Nesse instante, ao longe, vi Aoi correndo. Vinha da direção da estrada, a sacola de compras ainda na mão, os cabelos soltos. Quando ela viu Akemi e eu ali, a cara dela mudou. Aquela expressão de quem tenta entender uma cena que não combina com o roteiro que vinha ensaiando na cabeça. Ela acelerou o passo, veio até nós, e disse:
— O que houve? — ela perguntou, já ofegante. — Akemi, o que aconteceu?
Akemi, sem cerimônia, respondeu:
— Eu é quem vou saber? Eu só vi ele no meio da rua. Eu segurei ele a tempo, mas que susto, viu?
— Kouta, o que aconteceu, porque estava ali no meio da rua?
Aoi se aproximou e me olhou com um olhar marejado, desesperado. — Meu amor, o que foi? Por favor, não faça isso de novo, se acontecer algo com você, nada mais vai fazer sentido pra mim! Por acaso você...
Akemi então interrompeu, e disse: — Kouta, você está bem? — ela sussurrou, tocando minha mão. A voz dela tremia.
— Obrigada por ter salvado ele a tempo, Akemi. Mas eu cuido dele agora... — Disse Aoi.
— Cuida dele o bastante pra deixa-lo sozinho vir até aqui pra ser atropelado, Aoi? — Disse Akemi.
— Do que você está falando? — Ela disse.
Eu ouvi as duas conversando, as perguntas, os pedidos de explicação, como se fossem um filme atrás de vidro. Mas ao mesmo tempo eu não ouvia nada. Estava desligado, emborcado em dentro de uma bolha de nada. Akemi falava com força, Aoi chorava um pouco, e eu só deixava o mundo acontecer ao redor como um observador apático.
Akemi, sempre direta, não poupou.
— Você precisa de ajuda, Kouta. Sério. Isso não é normal. Você não pode ficar assim. Quem fez isso com você? O que você viu?
Olhei para Aoi. Vi o rosto dela endurecer por um segundo, e depois derreter numa expressão de medo. Ela segurou minha mão com firmeza, como quem tenta segurar um precipício.
— Amor, vamos pra casa. Eu comprei repolho, porco, irei fazer aquelas panquecas que você gos. — De repente, um grito.
— CALEM A BOCA VOCÊS DUAS E ME DEIXEM EM PAZ!
Eu não pensei, só agi. Minhas pernas, que mal conseguiam me sustentar minutos antes, de repente obedeceram. Saí correndo, tropeçando na calçada, ouvindo Aoi e Akemi gritando atrás de mim, mas não olhei pra trás. Meu peito queimava, cada respiração parecia uma facada, mas eu precisava sair dali. Precisava me afastar delas, do mundo, de mim mesmo.
Entrei no meio da avenida, quase sendo atingido por uma bicicleta, e levantei a mão quando vi um táxi vindo. O motorista parou de má vontade, me olhando com cara de poucos amigos. Abri a porta e entrei no banco de trás, jogando meu corpo contra o assento como se aquele carro fosse uma cápsula de fuga.
— Você é louco, cara? Me chamando assim, desse jeito? Pra onde? — ele perguntou, sem nem virar a cabeça.
Tirei umas notas amassadas do bolso e joguei no banco da frente.
— Qualquer lugar que essa grana permita levar, só vai! Longe daqui. Só dirige.
O homem bufou, mas ligou o carro. Enquanto o motor rugia, o meu coração parecia bater junto, sem ritmo, sem direção. Peguei o celular do bolso, que ainda vibrava com chamadas insistentes. Akemi. Depois Aoi. Depois as duas, uma atrás da outra, como se estivessem competindo pra ver quem me arrancava de volta pro mundo primeiro.
Olhei pra tela piscando, a luz azul refletindo no meu rosto, e senti raiva. Raiva delas, raiva de mim, raiva do mundo. Apertei o botão de desligar e segurei. A tela apagou, e por um segundo me senti livre. Mas não era suficiente. Baixei o vidro da janela e, sem pensar duas vezes, joguei o celular pra fora. O barulho seco dele batendo no asfalto e se arrastando foi como um alívio, como se eu tivesse me desprendido de uma corrente.
O carro virou à direita e seguiu por uma avenida iluminada. As luzes dos postes passavam rápido, como flashes de uma vida que não era minha. Eu só queria sumir, desaparecer, evaporar.
Foi então que vi. Ali, no canto de uma rua mais estreita, uma pequena casa de dango, daquelas com cortininhas vermelhas balançando na entrada. O cheiro doce escapava até dentro do carro, invadindo minhas narinas, me puxando pra realidade de forma quase cruel. E lá dentro, sentado numa mesa próxima à janela, estava alguém que eu conhecia bem demais.
Meu coração gelou. Kuro estava ali, o meu velho e traíra amigo, o desgraçado que me devia muito mais explicações e uns bons murros na cara. Ao lado dele, um homem baixo, meio gordo, com cabelo ralo e óculos pequenos que mal seguravam no rosto suado. O produtor. Eu reconheci na hora. A mesma figura repulsiva que tinha visto nos vídeos. Estava lá, rindo, mastigando um pedaço de dango como se fosse dono do mundo.
— Para o carro. — minha voz saiu seca, quase um sussurro.
— Aqui? — o motorista olhou pelo retrovisor.
— Agora. — joguei mais algumas notas pra frente.
O táxi encostou no canto, e eu saí sem nem esperar o troco.
— Rapaz, cuidado com essa raiva ai. To ficando preocupado.
Eu ignorei completamente, enquanto o taxista permaneceu parado ali. O ar frio da noite de Osaka bateu no meu rosto, mas não me acordou. De início, eu apenas observei, na sombra de um poste. Kuro gesticulava, rindo alto, enquanto o produtor enchia o copo dele com saquê. Eu queria entrar, socar a cara dos dois até não sobrar nada. Gritar, exigir respostas, perguntar o porquê. Mas minhas pernas travaram.
Me escondi melhor, apoiado no muro da casa ao lado. Fiquei ali, ouvindo, esperando o momento certo para simplesmente bater nos dois, quando ouço:
— Obrigado pelo pagamento do mês, Kurata-sama. — era Kuro, rindo. — Sempre bom colaborar com você.
O produtor deu uma gargalhada nojenta, quase cuspindo comida.
— Você realmente estava certo que iria conseguir trazer aquela vadia para as minhas mãos! Hehehehe. Quanto tempo eu esperei pra colocar as mãos naquela putinha.
— Eu falei que tudo ia dar certo.
— Mas a puta não cedeu ainda, só na base da droga. Deve ser porque o paspalho do namoradinho ta vivo ainda.
— Dá um jeito nisso então, caralho. — Kuro disse. — Mas não conte comigo não, eu já fiz minha parte.
— Negativo. Você TEM QUE DAR UM JEITO. Aoi-chan não me atende mais, e ela sabe que ainda tem mais dois meses de contrato comigo.
Senti meu estômago revirar. Meu corpo inteiro tremia, como se eu fosse explodir por dentro. Aoi. Estavam falando dela. E não só dela. De mim.
Kuro ergueu o copo, brindando.
— Aoi-chan é dedicada, sempre foi, eu conheço ela e o cara a anos, desde que vim pra cá ainda moço. E pensar que tudo começou só pra levantar a grana que aquele moleque precisava.
Eles riram. Riram como se estivessem contando uma piada qualquer. Como se minha vida fosse um detalhe engraçado de mesa de bar.
Minha garganta travou. Meu peito se apertou tanto que achei que fosse desmaiar. Eu queria entrar e acabar com aquilo, mas fiquei parado. Escutando. Observando. Porque cada palavra era uma faca nova que me empurrava mais fundo naquele buraco que já parecia não ter fim. Mas, no meio de toda a escuridão, tem uma luz. Mas no meu caso, essa luz começou a ser sombria, e até mesmo maldita.