Entre a ganância e o amor capítulo cinco

Um conto erótico de Anjo cigano
Categoria: Heterossexual
Contém 9614 palavras
Data: 21/10/2025 23:53:15

Gente brigadao pelos comentários! Demorou mas saiu o quinto capítulo! Iremos até o sétimo ou oitavo na primeira fase!

Era sexta-feira santa, e a mansão dos Fabbri respirava silêncio e incômodo. As cortinas pesadas filtravam a luz da manhã, o cheiro de incenso vinha do oratório da sala e o relógio de parede batia lento, como se o tempo também tivesse medo de Suzete.

Gemma, com oito anos, estava sentada no sofá, as perninhas balançando, o vestido branco rendado coçando o pescoço. Luciana, sua melhor amiga e filha de Vera e Mauro, sentada ao lado, cochichava:

— “Minha mãe disse que Jesus não fica bravo se a gente rir, só se a gente for má.”

Gemma tentou segurar o riso, mas um sorrisinho escapou — justo quando Suzete, sua tia, apareceu no vão da porta.

— “O que é isso, Gemma? Sexta-feira santa é dia de respeito, não de risadinhas. Sua mãe, coitada, se revira no túmulo com essa sua falta de compostura.”

As palavras cortaram o ar como faca. Suzete falava de Aurora, a irmã que morrera no parto de Gemma, com aquele tom frio de quem lembrava apenas a vergonha e não o amor.

Gemma baixou a cabeça, os cachos cobrindo o rosto, tentando disfarçar o tremor no queixo. Luciana segurou a mão da amiga por baixo do vestido.

— “Deixa ela pra lá…”, sussurrou.

Da cozinha, vinha o cheiro de bacalhau com batatas e azeite, e Vera tentava, entre panelas e rezas baixas, manter o clima de paz.

Suzete atravessou a sala, o terço dourado entre os dedos.

— “Gemma, venha comigo. Vamos rezar o terço pelo descanso da sua mãe. Você precisa aprender a ser uma moça digna.”

Gemma levantou-se devagar. Luciana ficou olhando, com raiva muda, enquanto Vera a chamava pra ajudar.

No oratório, diante da imagem de Nossa Senhora, Suzete ajoelhou-se.

— “Reze comigo, minha filha. Hoje é dia de penitência.”

Gemma olhou para o chão, os olhos marejando, mas a atenção dela se desviou ao ver pela janela Antônio, o motorista, lavando o carro lá fora. O sol batia no rosto dele e ela achou bonito o jeito simples com que ele assobiava uma música qualquer. Quando ele notou o olhar da menina, acenou de leve, sorrindo.

Gemma devolveu o sorriso, tímida. Suzete percebeu.

— “Erga a cabeça, Gemma. Uma Fabbri não fica trocando olhares com empregados.”

O coração da menina gelou.

— “Desculpa, tia…”

Suzete continuou a oração como se nada tivesse acontecido, a voz fria e metódica.

Quando terminou, levantou-se e disse:

— “Agora vá brincar em silencio . E lembre-se: uma moça de nome precisa saber o seu lugar.”

Gemma correu até Luciana e Vera, que mexiam nas panelas.

Vera sorriu, enxugando as mãos no avental.

— “Deixa essa cara, minha flor. Hoje é dia de paz. Amanhã a gente faz bolo de fubá, tá?”

Luciana sussurrou no ouvido da amiga:

— “Amanhã, quando ela dormir, a gente foge pro quintal ver os passarinhos.”

Gemma assentiu, o sorriso voltando.

Lá fora, Antônio ainda lavava o carro, e o som da água batendo no chão parecia, pra ela, o único som livre daquela casa grande e triste.

A casa grande dormia depois do almoço de sexta-feira santa. Suzete recolhera-se ao quarto para rezar o rosário, Ademar cochilava diante da televisão e a mansão dos Fabbri cheirava a incenso e tédio.

Gemma, de oito anos, esperou a hora certa: quando o relógio bateu três da tarde e o corredor ficou em silêncio, ela calçou as sandalhinhas, pegou o laço do cabelo e escapou pela porta lateral da cozinha. O vestido branco enganchou na roseira, mas ela nem ligou — atravessou o gramado correndo, com o coração leve, até a casinha nos fundos.

Ali morava mamãe Vera, como Gemma a chamava desde sempre, a mulher que a acolhia sem cerimônias, com colo quente e cheiro de comida boa. O som do óleo chiando na frigideira já a recebia de longe.

— “Mamãe Veraaa!” — gritou a menina, batendo palminha.

Vera apareceu à porta, rindo:

— “Mas olha quem fugiu do convento da madame! Vem, minha flor, senta aqui. Tô fritando sardinha no fubá.”

Gemma subiu na cadeira de palha e ficou olhando a panela fumegante, o ar denso de alho e cebola fritos. Luciana, sua melhor amiga, também estava ali, mexendo o arroz com uma colher de pau, orgulhosa.

— “Tô ajudando mamãe, Gemma! Hoje tem moqueca e arroz com atum!”

Gemma arregalou os olhos, animada.

— “Ahhh, o risoto!”

Luciana caiu na risada.

— “Não é risoto, menina, é arroz com atum!”

— “Pra mim é risoto, ué. Risoto de peixe!” — respondeu Gemma, séria, o que fez as duas gargalharem ainda mais.

Vera fingiu brigar, sorrindo.

— “Vocês duas só sabem rir, credo. Vão lavar as mãos pra comer.”

Gemma foi, obediente, ainda rindo. Quando voltou, Vera serviu os pratos: moqueca cheirosa, sardinha dourada e o “risoto” de atum, tudo fumegando.

A menina juntou as mãos, fazendo um sinal de cruz atrapalhado.

— “Obrigada, Papai do Céu, por esse almoço gostoso, e por mamãe Vera que cozinha melhor que chef.”

Vera se emocionou, disfarçando com um sorriso.

Luciana deu risada de boca cheia:

— “A madame lá de cima come bacalhau sem sal, e a gente aqui comendo festinha de rei!”

Gemma balançou a cabeça, feliz, e respondeu baixinho:

— “Aqui é minha casa de verdade.”

Vera olhou para as duas meninas — uma filha de sangue, a outra de alma — e suspirou.

Naquele canto modesto dos fundos, longe das regras e da arrogância da mansão, a vida tinha sabor de moqueca, fubá e amor.

O portãozinho rangeu e o som de passos conhecidos ecoou pelo quintal.

— “Olha quem chegou pra bagunçar minha cozinha!” — brincou Vera, enxugando as mãos no avental quando viu Mauro, Dico e Antônio entrarem.

Mauro vinha rindo alto, carregando uma garrafa de Guaraná, e Dico trazia duas de vidro e uma sacola com pão doce.

Antônio, o último a entrar, segurava uma garrafa de refrigerante de laranja. A camisa clara estava com as mangas arregaçadas, o peito levemente suado do calor, e os cabelos escuros, úmidos, caíam sobre a testa.

Gemma, que estava ajudando Luciana a arrumar a mesa, parou por um segundo. Sentiu o rosto esquentar. Achava Antônio o homem mais bonito do mundo — não sabia explicar por quê, só sabia que o coração dela disparava sempre que ele aparecia. Mas ficou quieta, fingindo ajeitar o prato pra não deixar ninguém perceber.

— “Respeito, hein?” — ralhou Vera, cruzando os braços. — “Hoje é sexta-feira santa, Mauro!”

— “Eu sei, mulher! É só Guaraná!” — respondeu Mauro, já sorrindo. — “Tonho aqui, ó, nem põe uma gota de álcool. Tá cumprindo promessa, né, Tonho?”

Antônio deu um meio sorriso.

— “Promessa e costume, Mauro. Semana Santa é pra ficar limpo.”

Dico cutucou:

— “Limpo de bebida e de pecado, né?”

O trio riu, e Vera balançou a cabeça fingindo desaprovar.

Luciana e Gemma correram pra perto deles.

— “Tio Tonho! Tio Dico! O almoço tá pronto!”

— “E o que tem de bom aí, minhas princesas?” — perguntou Mauro.

Gemma respondeu orgulhosa:

— “Mamãe Vera fez moqueca, sardinha frita e risoto de atum!”

Dico arregalou os olhos, divertido.

— “Risoto? Isso é arroz com atum, menina!”

Gemma fez bico.

— “Pra mim é risoto e pronto.”

Antônio riu, aquela risada baixa que fazia o estômago da menina se revirar.

— “Se ela diz que é risoto, é risoto. Palavra de quem entende de cozinha boa.”

Vera serviu os pratos, o cheiro de azeite e cebola frita enchendo o ar.

Todos se sentaram ao redor da mesa de madeira, e Gemma, sem querer, ficou ao lado de Antônio. Ele passou o refrigerante pra ela primeiro, e os dedos se encostaram rápido. O toque fez o coraçãozinho dela tropeçar no peito.

Mauro levantou o copo.

— “Um brinde à sexta-feira santa — sem carne, sem pecado e com fartura!”

Gemma ergueu o dela também, sorrindo.

Enquanto todos brindavam e riam, ela espiou de canto de olho o homem ao lado — sério, bonito, com aquele ar de quem nunca caberia naquele mundo de aparências.

E pensou, caladinha:

“Um dia… eu quero alguém que olhe pra mim do jeito que ele olha pro mundo.”

O fim de tarde da sexta-feira santa tinha um ar pesado na mansão dos Fabbri. O cheiro de incenso vinha do oratório e o tilintar dos talheres na copa soava abafado.

Gemma, de vestido branco e laço azul, apareceu na sala onde Suzete ajeitava o terço sobre o colo.

— “Tia, posso ir com o Tonho, o Mauro e o Dico na igreja? Eles vão rezar o terço… juro que volto cedo.”

Suzete levantou os olhos, fria.

— “Com eles? Gemma, você é uma Fabbri. Lugar de moça de família não é no meio de empregados.”

A menina encolheu os ombros, com os olhos marejados.

Foi quando Patrick Lefèvre, de terno claro e semblante tranquilo, entrou na sala.

— “Suzete, deixe a menina ir. Ela quer rezar, não fazer escândalo.”

Suzete bufou.

— “Patrick, você não entende. Essa garota foi criada de favor, e já anda demais pelos fundos.”

Patrick respondeu com a paciência de quem evitava sempre o confronto.

— “Hoje é dia santo, Suzete. Cristo não fazia diferença entre patrões e servos. Se a Gemma quer ir à igreja, que vá.”

Suzete apertou os lábios, contrariada, mas cedeu.

— “Está bem. Que vá. Mas que volte antes das nove.”

Gemma pulou de alegria, abraçando Patrick.

— “Obrigada, tio! Prometo que volto direitinho!”

Foi então que Lia apareceu no corredor, encostada na ombreira da porta, com um copo de vinho na mão e o olhar preguiçoso.

O vestido preto justo marcava o corpo, e o sorriso dela era uma navalha.

— “Ah… então o nosso Tonho vai levar a anjinha pra rezar? Que bonito.”

Antônio, que estava parado à porta da sala, de roupa simples e olhar sereno, respondeu sem se abalar:

— “Vou levar a menina pra igreja, dona Lia. Só isso.”

Lia deu uma risadinha curta.

— “Eu sei, Tonho… você é um santo.”

Patrick não percebeu o veneno no tom. Sorriu, alheio, e deu um tapinha no ombro de Antônio.

— “Boa missa, meu amigo. E obrigado por levar as meninas. Você é um homem de confiança.”

Antônio apenas assentiu, o rosto contido, mas os olhos encontraram os de Lia — e por um segundo o ar pareceu pesado demais.

Lia desviou o olhar, fingindo arrumar o bracelete, mas o sorriso sumiu.

Gemma voltou com o xale, o coração leve.

— “Vamos, Tonho?”

Ele abriu o portão pra ela, sem dizer nada.

E enquanto a menina corria pro carro de Mauro, Lia ficou parada na varanda, o copo de vinho nas mãos, assistindo em silêncio.

Por trás do vidro, o reflexo mostrava uma mulher linda — e arruinada — observando o único homem que amou levar pela mão uma menina pura demais pra entender o inferno que vivia escondido ali.

A igrejinha do bairro estava cheia naquela sexta-feira santa — bancos de madeira encerada, cheiro de vela e flores, o padre falando manso no microfone que chiava. A luz do entardecer entrava pelos vitrais coloridos e pintava o chão de tons de ouro e azul.

Gemma, Luciana e Cristiano — o filho de Dico — estavam lado a lado no banco do meio, inquietos. Tinham todos por volta de oito anos, e o esforço pra parecerem sérios durava pouco.

Gemma olhava pra imagem de Nossa Senhora com aquele ar de encanto, as mãos pequenas unidas em oração.

Luciana, mais elétrica, balançava as perninhas.

Cristiano, tentando bancar o adulto, cochichou:

— “Se a gente fizer um pedido e não contar pra ninguém, acontece.”

Gemma piscou:

— “Mesmo se for pra Nossa Senhora?”

— “Principalmente.” — respondeu ele, cheio de certeza.

Luciana fez cara de quem duvida.

— “E você vai pedir o quê, Cris?”

— “Um carrinho vermelho que anda de verdade.”

Gemma riu baixinho, cobrindo a boca pra não chamar atenção.

— “Eu vou pedir pra minha mãe me ver lá do céu.”

Luciana parou de balançar as pernas, olhou pra amiga e apertou a mão dela.

— “Ela vê, Gemminha. Minha mãe falou que quem tá no céu tem visão de passarinho.”

Gemma sorriu de canto, os olhos marejando.

Antônio, Mauro e Dico observavam os três lá na frente, orgulhosos. Antônio, de braços cruzados, estava em silêncio — o olhar fixo em Gemma, e um sentimento difícil de nomear crescendo no peito.

O padre anunciou o início da bênção, e todos se levantaram.

Luciana deu um beliscão em Cristiano, que fingia ser estátua.

— “Levanta, preguiçoso! É hora de rezar!”

— “Já tô, já tô!” — respondeu ele, tropeçando nas próprias pernas, arrancando um risinho abafado das duas.

Quando as luzes baixaram e o coral começou o cântico, Gemma olhou pra cima e sussurrou baixinho:

— “Obrigada, Papai do Céu, por deixar eu vir aqui com eles.”

Antônio, lá atrás, viu o pequeno gesto e sentiu o peito aquecer.

Aquela menina tinha qualquer coisa que iluminava o mundo — e ele, sem saber, começava ali a carregar um amor que duraria a vida inteira.

A missa terminou com o som do coral ecoando suave dentro da igrejinha. As pessoas foram saindo aos poucos, num murmúrio de passos e cumprimentos. Lá fora, o ar fresco da noite trazia cheiro de vela e pipoca doce vinda da praça em frente.

Antônio, Dico e Mauro esperavam perto do portão, as mãos nos bolsos, observando o povo se dispersar.

Logo as três crianças — Gemma, Luciana e Cristiano — vieram correndo, risonhas, com as bochechas coradas do calor.

Gemma agarrou a mão de Antônio:

— “Tonho! Eu rezei direitinho, sabia?”

— “Ah é? E o que pediu, anjinha?” — perguntou ele, abaixando-se um pouco.

Ela pensou, os olhos brilhando:

— “Se eu contar não acontece.”

Antônio riu.

— “Então guarda bem esse segredo, hein.”

Mauro, com aquele jeito espalhafatoso, bateu palmas:

— “Bora, criançada! Prometi um sorvete pra cada um!”

Dico completou, já abrindo a carteira:

— “E eu pago a pipoca doce! Hoje é dia de missa e lambança!”

Luciana deu um gritinho animado, puxando Gemma pela mão.

— “Vamo, Gemminha! Eu quero o de morango!”

— “E eu de chocolate!” — respondeu Gemma, rindo.

Os três adultos seguiram atrás, rindo da empolgação. Antônio caminhava tranquilo, observando as crianças à frente — os cabelos cacheados de Gemma balançando, o riso leve de Luciana, Cristiano comendo pipoca antes mesmo de pedir o sorvete.

O sorveteiro da praça reconheceu Mauro de longe.

— “Ô seu Mauro, veio rezar e agora vem pecar no açúcar?”

— “A gente peca do jeito mais gostoso!” — respondeu ele, arrancando gargalhadas de todos.

Gemma se lambuzou toda de chocolate, rindo tanto que até deixou cair um pouco no vestido. Antônio pegou o lenço do bolso e limpou o queixo dela com cuidado.

— “Olha a bagunça, mocinha.”

Ela fez biquinho.

— “Foi sem querer…”

— “Eu sei. Mas sua tia ia ter um troço se visse.”

Dico entregou mais pipoca, Mauro contou piadas ruins, e Vera, de longe, observava a cena da pracinha com um sorriso — sabia que ali, naquela bagunça simples, havia mais amor do que em toda a mansão dos Fabbri.

No fim da noite, já com as mãos grudando de açúcar e os risos ecoando pela rua, Gemma olhou pra Antônio e disse baixinho:

— “Foi o melhor dia da minha vida.”

E ele respondeu sem pensar, com ternura na voz:

— “Pra mim também, pequena.”

A praça ainda cheirava a pipoca doce e o ar fresco da noite fazia o guaraná gelado parecer milagre. As crianças estavam empolgadas depois da missa, sentadas nos degraus em frente à igreja.

Cristiano, com os cabelos desgrenhados e um palito de picolé na boca, não parava quieto.

Falava sem respirar, chutando pedrinhas no chão.

— “Ei, Tonho!” — gritou, olhando pro grupo dos adultos que conversavam perto da banca de pipoca. — “Pra que time será que Jesus torcia, hein?”

Mauro quase engasgou com o refrigerante. Dico deu uma gargalhada tão alta que assustou dois pombos.

Antônio levou a mão ao rosto, rindo baixinho.

Luciana, que adorava bancar a sabida, cruzou os braços e respondeu sem pensar:

— “Ora, pro Santos, ué! Ele era santo!”

Cristiano arregalou os olhos, pensou um pouco e retrucou:

— “Nada! Aposto que era Palmeiras! O amor é verde, e verde é cor de esperança!”

Gemma, com o cabelo preso num rabo de cavalo e um copinho de sorvete de chocolate na mão, entrou na brincadeira:

— “Vocês tão errados. Jesus era o técnico. Os apóstolos eram os jogadores. E o Judas…” — ela parou um segundo, com um sorrisinho travesso — “…era o juiz!”

As crianças explodiram em risadas. Dico teve que se segurar no banco pra não cair.

— “Essa menina vai longe, Tonho! Já tem o dom da piada pronta!”

Antônio olhou pra Gemma com um sorriso calado.

A luz dos postes refletia nos olhos dela, e por um instante ele viu ali a mesma pureza que o fazia esquecer o mundo pesado da mansão.

Mauro enxugou os olhos de tanto rir e levantou o copo:

— “Um brinde ao time de Cristo e aos jogadores mais danados que já vi!”

Luciana ergueu o copo de guaraná, Cristiano levantou o picolé derretido, e Gemma ergueu o dela, rindo.

Naquela noite simples, entre pipoca, sorvete e gargalhadas, parecia que até o céu dava risada junto.

O sábado de Aleluia amanheceu cheio de movimento na mansão dos Fabbri. O portão de ferro abria e fechava o tempo todo — fotógrafos, assistentes, repórteres e um estilista da revista Sociedade Paulistana entravam com pressa, montando cenário e ajustando luzes.

Suzete, como sempre, estava no centro do espetáculo. Usava um tailleur bege impecável, os cabelos presos num coque perfeito e o sorriso treinado de quem sabia posar.

— “Esta é a prataria da família, vinda diretamente de Firenze,” dizia, abrindo o armário espelhado para o fotógrafo. “Peças do século XIX, herança do lado italiano dos Fabbri.”

Enquanto os flashes estouravam, ela ajeitava Ademar — gorducho, nervoso, o colarinho apertado — ao seu lado.

— “Mais pra cá, querido. Isso, sorria. As pessoas gostam de ver casais sólidos.”

Ademar, obediente, tentava parecer digno. Suzete o olhava com ares de devoção fingida, a mão pousada no ombro dele.

— “Meu marido é o alicerce de tudo isso,” dizia à repórter, com aquele tom doce e ensaiado. “Um homem de visão, um verdadeiro Fabbri.”

Na varanda, Lia e Patrick Lefèvre esperavam sua vez. Ele, elegante como sempre, a observava com admiração genuína.

Lia sorria para as câmeras, o vestido azul-marinho marcando o corpo.

— “A base de tudo é o amor familiar,” dizia, a voz suave. “Eu tenho sorte de ter um marido que é meu parceiro em tudo. Patrick é meu porto seguro.”

Patrick apertou-lhe a mão, feliz. Nunca desconfiara de nada — via apenas uma mulher refinada, serena, a esposa perfeita para os almoços da alta sociedade.

Enquanto isso, Suzete, sempre calculista, chamava:

— “Gemma! Venha cá, minha querida, quero que mostrem o quanto você ama os animais.”

Gemma, agora com oito anos, apareceu correndo com os cabelos cacheados soltos e um vestido floral. Nas mãos, segurava uma gaiola dourada. Dentro dela, Bicudo e Biquinha, os dois periquitos que Antônio lhe dera anos antes, piavam animados.

A menina sorria, encantada.

— “Eles cantam todo dia de manhã. A tia Suzete diz que enfeitam a casa.”

Suzete forçou um sorriso para os fotógrafos:

— “Veja que gracinha! Herdou o amor pelos animais da minha cunhada , Aurora.”

Gemma, inocente, completou:

— “E o Tonho me ensinou a cuidar deles! Disse que amor também é dar comidinha e limpar a gaiola.”

Suzete congelou por um instante, mas os fotógrafos acharam adorável.

— “Que doce!” — comentou a repórter. — “Tão raro ver uma menina tão afetuosa.”

Suzete retomou o controle com um sorriso glacial.

— “Sim, sim… a doçura é um dom de família.”

Enquanto as câmeras clicavam, Lia, sentada na sombra, observava Gemma com um olhar difícil de decifrar — um misto de ternura, saudade e algo mais profundo, quase inveja.

Do lado de fora, perto da garagem, Antônio assistia à cena à distância.

O som dos flashes e das vozes parecia distante.

Ele olhou para a menina com os passarinhos e pensou, num instante silencioso:

“Ela ainda é só uma criança. Mas um dia… o mundo vai ver quem ela é de verdade.”

E dentro da mansão, enquanto Suzete sorria pra mais uma foto, a hipocrisia da família brilhava mais do que a prataria herdada dos Fabbri.

Quando o último flash se apagou e o fotógrafo da revista gritou um “ótimo, temos tudo!”, o clima na mansão mudou. Suzete já mandava os empregados recolherem as pratarias e os arranjos de flores, Patrick discutia com o assessor sobre a próxima matéria, e Lia, com o rosto cansado, acendia um cigarro que apagou logo depois, esquecendo dele no cinzeiro.

Mas Gemma, que passara a tarde sorrindo pra câmeras e segurando a gaiola com Bicudo e Biquinha, não aguentava mais a encenação. O vestido a apertava, o laço coçava o pescoço, e o cheiro de perfume caro a deixava enjoada.

Esperou Suzete se distrair falando com um repórter, pegou a gaiola e saiu correndo pelos fundos da casa.

— “Gemma! Onde pensa que vai, menina?” — gritou Suzete.

— “Na casa da mamãe Vera!” — respondeu, sem nem olhar pra trás.

O caminho até a edícula era curto, e quanto mais se afastava da mansão, mais leve ficava.

O ar mudava — em vez de incenso e prata polida, vinha o cheiro delicioso de carvão, alho e carne assando.

Vera estava no quintal, avental amarrado na cintura, virando a carne na grelha.

Mauro ajeitava o fogo, Dico brincava com Luciana e Cristiano, e o som de risadas misturava-se ao chiado da gordura caindo nas brasas.

— “Olha quem fugiu do castelo da madame!” — gritou Mauro, abrindo os braços.

Gemma correu até ele, rindo, e logo Vera apareceu.

— “Minha menina! Tá linda nesse vestido, mas vem cá, senão vai sujar com fumaça!”

Gemma pousou a gaiola sobre a mesa.

— “Trouxe Bicudo e Biquinha pra ver o churrasco!”

Dico gargalhou.

— “Os passarinhos da madame tão virando povão agora, é?”

Luciana, já com um espetinho na mão, piscou pra amiga.

— “Aqui é melhor que mansão, Gemminha. Aqui tem comida de verdade!”

Gemma respirou fundo, fechando os olhos.

O cheiro da carne, o barulho das risadas, o calor do fogo — tudo aquilo era vida de verdade, longe da frieza das fotos e das mentiras de Suzete.

Vera passou a mão carinhosa nos cachos da menina.

— “Senta, minha flor. Vai comer uma carninha bem passada. Aqui ninguém precisa fingir pra sair em revista.”

Gemma sorriu, os olhos brilhando.

Lá no fundo, o riso de Antônio ecoou — chegava com um refrigerante na mão, cumprimentando Mauro e Dico.

E ali, no quintal simples e cheio de fumaça, Gemma sentiu que finalmente podia respirar.

Era sábado de Aleluia, mas pra ela, o verdadeiro milagre era aquele: estar cercada de gente que amava de verdade, sem pose, sem flashes, só coração.

O portãozinho rangeu, e Antônio apareceu com aquele sorriso largo, o cabelo bagunçado pelo vento e os braços cheios de sacolas.

Vera, que tirava uma leva de pão de alho da churrasqueira, abriu um sorriso.

— “Olha o moço da bagunça chegando!”

Gemma e Luciana correram na hora, Bicudo e Biquinha piando na gaiola como se participassem da festa.

Antônio pousou tudo na mesa de madeira e começou o pequeno espetáculo:

— “Pra começar…” — disse, abrindo a primeira sacola. — “Dois ovos de Páscoa do tamanho da cabeça do Mauro!”

— “Ah, vai se ferrar, Tonho!” — respondeu Mauro, gargalhando, limpando a mão no pano.

Gemma e Luciana se entreolharam, os olhos brilhando. Antônio entregou o primeiro ovo pra Gemma, embrulhado num papel dourado com laço branco, e o segundo pra Luciana, em papel lilás.

— “Um pra cada. E se brigarem, eu como os dois.”

As meninas riram, abraçando os ovos como se fossem tesouros.

— “Tem mais,” — ele continuou, puxando dois coelhos de pelúcia fofos da sacola. — “Esse é o Seu Nino, pra Gemma, e essa aqui é a Dona Lola, pra Luciana.”

Luciana apertou o coelhinho no peito, encantada. Gemma, com o dela no colo, olhou pra Antônio com um carinho que só ele entendeu — aquele brilho de quem ainda guardava lembranças da infância com ele nos fundos da casa.

Mas Antônio não tinha acabado. Virou-se pra Cristiano, que já pulava de ansiedade.

— “E pro nosso futuro goleiro do Palmeiras…” — tirou de outra sacola um ovo de Páscoa com o escudo do Verdão e uma camisa oficial novinha.

— “Pra inspirar, campeão.”

Cristiano arregalou os olhos.

— “Caraca, Tonho! É a do Dudu! É igualzinha!”

— “Então veste logo e mostra pra esse povo quem manda.”

Dico deu um tapa carinhoso na cabeça do filho:

— “Aí sim, goleirão!”

Enquanto isso, Gemma e Luciana já estavam dividindo risadas, agarradas aos coelhinhos.

Vera olhava tudo com o coração cheio.

— “Tonho, cê é um danado mesmo… Essas meninas te adoram.”

Antônio deu de ombros, disfarçando o sorriso.

— “É Páscoa, Vera. E Páscoa é tempo de mimar quem a gente ama.”

Gemma o olhou por um instante — o ovo no colo, o coelho no braço — e sentiu que aquele gesto simples valia mais do que todas as pratarias da casa grande.

— Olha aqui macacada, disse Antônio olhando pras crianças é pra abrir só amanhã ein!

Noite de Sábado da Aleluia

A mansão já dormia em silêncio de porcelana.

Mas Lia Lefèvre não dormia.

De camisola de seda, os pés descalços e a taça de vinho esquecida sobre o aparador, ela andava pelo corredor como uma assombração viva.

Do andar de cima, a janela aberta deixava entrar o riso distante vindo dos fundos — o som leve das meninas, o barulho do violão, gargalhadas que ela conhecia.

E então, entre as sombras do quintal, ela ouviu a voz dele.

Baixa, rouca, familiar.

Antônio.

O coração bateu forte, a lembrança veio como uma navalha: o cheiro dele, as mãos firmes, o corpo que ela nunca esqueceu.

Lia se aproximou da janela, a cortina roçando no braço.

Lá embaixo, Antônio sorria, entregando dois enormes ovos de Páscoa pras meninas.

Gemma o olhava encantada, Luciana gargalhava, e Vera acenava da cozinha com o avental sujo de farofa.

Ele ria.

Ria de verdade.

Algo que Lia não via há anos.

Por um segundo, ela quis descer.

Quis correr até o portão, se jogar no colo dele, dizer que ainda o amava, que ainda o sentia.

Mas o peso do tempo caiu sobre os ombros.

As risadas lá embaixo viraram um zumbido distante, e Lia se apoiou na janela, a respiração curta.

A imagem de Antônio entregando ovos de Páscoa pras crianças a golpeou em cheio.

E com ela, veio o passado — brutal e sangrento.

Um, dois, três, quatro.

Quatro filhos que ela não deixou nascer.

Quatro vezes que acreditou que se livrava do pecado, quando na verdade estava cavando a própria cova emocional.

— “Quatro… meus quatro bebês…” — murmurou, trêmula, os olhos marejados.

Ela escorregou pelo batente, sentando-se no chão frio do corredor.

Ria e chorava ao mesmo tempo, o som abafado.

As mãos trêmulas apertando o ventre vazio.

Lá fora, Antônio continuava sorrindo.

Cercado de vida.

De riso.

De afeto.

Tudo o que ela perdeu.

Tudo o que matou com as próprias mãos.

— “Eles teriam… o sorriso dele…” — sussurrou, antes de cobrir o rosto.

O som da risada das meninas atravessou o vidro, e Lia, pela primeira vez em muito tempo, sentiu raiva do próprio coração — porque ele ainda batia por aquele homem.

Manhã de Páscoa

O sol de domingo atravessava as cortinas da mansão Fabbri-Lefèvre como ouro líquido, refletindo nos cristais da sala de jantar.

A mesa estava impecável — toalha branca, flores frescas, prataria reluzindo.

Tudo montado por ordem de Suzete, que fazia questão de transformar até a Páscoa num espetáculo de status.

Lia apareceu atrasada, de robe claro, os cabelos soltos, o rosto ainda marcado por uma noite mal dormida.

Patrick Lefèvre, já de terno leve, esperava por ela com um sorriso gentil e uma caixa nas mãos.

— “Joyeuses Pâques, mon amour.”

— “Feliz Páscoa, Patrick…” — respondeu ela, sem muita força.

Ele se aproximou, beijou-lhe a testa com ternura, e colocou sobre a mesa três caixas douradas, cada uma envolta em fita de cetim.

— “Comprei chocolates suíços pra nossas meninas.”

Gemma, Luciana e Cristiano, que tinham sido chamados para posar de “família unida” na manhã de Páscoa, observavam curiosos.

Patrick abriu as caixas uma por uma:

— “Para Gemma, pralinés com frutas vermelhas.”

— “Para Luciana, bombons de pistache e trufas.”

— “E para o pequeno Cristiano, um coelho de chocolate com o escudo do Palmeiras.”

As crianças se entreolharam, sem saber se riam ou agradeciam.

Tudo ali era bonito demais, caro demais, distante demais.

Patrick se virou para Lia, entregando uma pequena caixinha azul-turquesa.

— “E pra você, chérie… um mimo.”

Dentro, um colar de ouro branco com um pingente em forma de coelho.

Lia sorriu, fria, como quem interpreta a própria vida.

— “Você é um homem bom, Patrick.”

— “Sou apenas um homem apaixonado.” — respondeu ele, sem perceber o vazio atrás do sorriso da esposa.

Suzete, sempre atenta, observava tudo, o olhar cortante.

— “Patrick, você mima demais essa moça. Vai acabar a transformando numa criança mimada.”

— “Ah, Suzete…” — ele riu. — “É Páscoa. Um pouco de doçura não faz mal.”

Enquanto isso, Lia observava os bombons espalhados sobre a mesa, o brilho do ouro, o luxo das fitas…

Mas dentro dela, o gosto era amargo.

O vinho da noite anterior, a lembrança de Antônio sorrindo entre risadas e ovos simples, tudo voltava à mente como uma ferida aberta.

Ela olhou pra Patrick, aquele homem doce, de alma boa, e sentiu culpa.

Porque por mais que tentasse, não o amava.

E nunca amaria.

— “Obrigada, Patrick…” — disse, a voz quebrada.

Ele apertou sua mão, acreditando que era emoção.

Mas o que Lia sentia não era amor — era arrependimento.

Manhã de Páscoa — Casa de Mamãe Vera

O cheiro de café passado e pão quente tomava conta da cozinha.

A mesa de madeira estava cheia: pão francês, bolo de fubá, farofa da véspera e refrigerante no copo de requeijão.

Nada de taças.

Nada de prata.

Mas ali, o brilho vinha dos sorrisos.

Vera ajeitava o lenço na cabeça, Mauro limpava o suor da testa, e Luciana, rindo, tentava segurar Gemma e Cristiano, que já estavam de olho nos embrulhos coloridos sobre o sofá.

— “Ah não, só depois do café!” — fingiu brigar Vera.

Gemma, de pijama e cabelo bagunçado, respondeu entre risos:

— “Mas, mamãe Vera, Tonho disse que era pra abrir hoje!”

Nesse instante, o portão rangeu e Antônio apareceu, com Dico logo atrás, cada um trazendo sacolas de supermercado cheias de bombons e refrigerantes.

Antônio, de camisa clara, o sorriso fácil, parecia leve, quase menino.

— “Bom dia, minha gente! E aí, quem é que se comportou pra ganhar presente de coelho?”

—Mais chocolate Tonho?! Vai deixar essas crianças mau acostumadas.

Disse Vera fingindo braveza mas logo amolecendo, ao ganhar uma enorme caixa de chocolates do apaixonado marido Mauro, que roubou um beijo dela fazendo com que as crianças aplaudissem.

Tonho entregou caixas de bombons as três crianças, fazendo Gemma suspirar ainda mais, naquela Cabecinha ela ficou imaginando ela bem mais velha casada com ele, no devaneio eles eram pais de uma linda garotinha de olhos verdes como os dele que ele enchia de chocolate e de beijos na Páscoa.

Ela, mais velha era a cara da sua falecida mãe, e estava com uma barriga enorme já denunciando que logo te um outro bebê pela casa.

Gemma suspirou e acordou do devaneio com o Cristiano falando do Palmeiras.

— “Esse é da Gemma… esse da Luciana… e esse aqui pro nosso craque Cristiano.”

Cristiano, todo exibido com a camisa do Palmeiras, levantou o ovo e gritou:

— “Valeu, Tonho! Prometo fazer um gol pra você quando for titular!”

Mauro gargalhou.

— “Tu precisa primeiro parar de perder pênalti, moleque!”

A mesa virou festa.

Café, risada, chocolate e bagunça.

Cristiano sujou o nariz de chocolate, Luciana o acusou de porco, e Gemma fingiu fazer pose de madame, o que fez todos caírem na gargalhada.

Antônio, quieto por um instante, observou.

O sorriso de Gemma, a alegria simples, o jeito que ela o olhava…

E o peito dele apertou.

Não era mais o motorista da casa grande — era um homem com o coração cheio de pertencimento.

Lá fora, o sol brilhava alto.

Na mansão, o ouro da Páscoa era frio.

Ali, no quintal, o amor era quente e tinha gosto de chocolate barato.

Cena — “Quem fez essa menina nascer fui eu”

O relógio marcava quase meio-dia quando o portão da casinha de Vera se abriu num estalo seco.

O som do salto de Suzete Fabbri ecoou pelo quintal como um trovão.

O vestido claro, o perfume caro e a expressão de puro veneno.

— “Gemma!” — gritou ela, o rosto vermelho. — “Como tem coragem de fugir da casa que te deu tudo?!”

A risada da menina se calou num segundo.

Gemma, ainda com o coelho de pelúcia no colo, se encolheu.

Luciana deu um passo à frente, como quem protege.

Antônio, tenso, se levantou devagar.

Mas quem respondeu foi Vera, com a voz calma e firme de quem não deve nada a ninguém.

— “Dona Suzete, hoje é Páscoa. A menina só quis estar com quem gosta dela.”

Suzete se virou, furiosa:

— “Com quem gosta dela?! Essa menina tem tudo o que quer! Joias, escola cara, nome de família! E vem se misturar com gente da cozinha?!”

O silêncio caiu pesado.

Mauro apertou o punho, Dico desviou o olhar.

Antônio deu um passo à frente, mas Vera levantou a mão.

— “Não precisa, Tonho.”

E então, olhou pra Suzete com uma serenidade cortante:

— “A senhora esquece fácil, né? Quem fez essa menina nascer fui eu. Fui eu que peguei ela no colo, coberta de sangue, e prometi pra mãe dela que cuidaria dela. Fui eu que dei leite do meu peito quando Aurora não tinha mais força pra respirar.”

Suzete empalideceu.

— “Cala a boca, Vera…”

— “Não. Já calei demais. Enquanto a senhora fingia que era madrinha de ouro, eu limpava o vômito da menina com pano de prato. Quando ela chorava de fome, era no meu colo que dormia.”

Gemma chorava em silêncio, abraçada a Luciana.

Antônio, imóvel, sentia o nó na garganta.

Aquelas palavras cortavam o ar como faca.

Suzete tentou recuperar o controle, ajeitando o colar no pescoço:

— “Você sempre quis o que é nosso.”

Vera sorriu, triste.

— “O que é de vocês, dona Suzete, é o nome. O que é meu… é o amor dela.”

Suzete respirou fundo, tremendo de raiva.

— “Isso não vai ficar assim.”

— “Nunca ficou, né?” — respondeu Vera, cruzando os braços. — “Mas essa menina não vai crescer achando que amor é castigo.”

A velha Fabbri virou as costas, o salto ecoando no cimento como fúria.

O portão bateu forte.

Gemma correu e abraçou Vera com força.

— “Mamãe Vera…” — murmurou, entre lágrimas.

Vera acariciou seus cabelos.

— “Tá tudo bem, minha filha. Quem é amado de verdade, nunca tá sozinho.”

A porta da mansão se abriu com um estrondo.

O salto de Suzete ecoava pelo mármore como um chicote.

Ela atravessou o saguão com o rosto transtornado, o batom borrado, a fúria latejando no pescoço.

Lia estava na sala, de camisola, o cabelo solto, folheando uma revista qualquer — um retrato vazio da mulher que um dia quis ser feliz.

Mal levantou os olhos quando a mãe apareceu.

— “Ah, começou cedo o teatro de santa arrependida?” — disparou Suzete, sem respirar.

Lia suspirou, cansada:

— “Mãe, por favor… hoje é Páscoa, não quero brigar.”

Suzete riu, um riso seco.

— “Não quer brigar? Você é motivo de vergonha desde que nasceu, Lia! Se não fosse o sobrenome Fabbri e o dinheiro do Patrick, estaria parindo bastardos nos fundos da casa igual a sua tia Aurora!”

Lia se levantou, os olhos marejados:

— “Não fala da Aurora! Ela era boa! Foi você que a trancou, que matou ela de tristeza!”

Suzete se aproximou, o dedo em riste:

— “E você é o quê, hein? Uma idiota que se deita com o motorista e depois vem posar de dama? Uma aborteira! Isso sim!”

O silêncio explodiu dentro da sala.

A palavra cortou o ar.

Lia recuou um passo, a mão tremendo.

— “O quê?” — a voz saiu rouca, fraca.

Suzete avançou mais:

— “Aborteira! Quatro vezes, Lia! Quatro! Eu sei de cada uma delas! Matou os filhos que aquele traste do Antônio te deu e ainda tem coragem de bancar a mártir!”

As lágrimas desceram no rosto de Lia, lentas, pesadas.

Ela tentou falar, mas a voz não saía.

Suzete, tomada pela própria raiva, continuou:

— “Sabe o que você é? Castigo! Um castigo de Deus pra essa família! Você, essa sua culpa nojenta, e essa carência que te faz rastejar por homem!”

Lia gritou, o corpo inteiro tremendo:

— “Chega! Eu amei ele! Eu amei, ouviu?! E se eu tirei… foi porque você mandou! Porque você disse que um filho de motorista ia acabar com o nome da família!”

O grito ecoou pela sala.

Suzete empalideceu, mas não recuou.

— “Você fez o que quis, Lia. Eu só te ensinei a ser esperta. Pena que até pra isso você foi burra.”

Lia desabou no chão, chorando.

O corpo dobrado, as mãos no rosto, o choro vindo com soluço.

Suzete olhou pra filha caída e, por um segundo, pareceu sentir o gosto do próprio veneno.

Mas virou as costas — altiva, seca, vazia.

Subiu as escadas como quem foge do próprio eco.

Na sala, Lia ainda repetia, entre lágrimas:

— “Eles eram meus filhos… meus bebês…”

A casa estava muda.

Nem o vento ousava atravessar aquele silêncio pesado.

Lia subiu as escadas cambaleando, os olhos vermelhos, o rosto manchado de lágrimas e rímel.

Cada degrau doía.

Cada lembrança, uma facada.

Na cabeceira, o quarto perfeito — cortinas brancas, flores frescas, perfumes caros alinhados na penteadeira.

Tudo bonito, tudo morto.

Ela se olhou no espelho.

E não se reconheceu.

— “Olha pra você, Lia…” — murmurou, encarando o reflexo. — “Linda, rica e podre por dentro…”

As palavras da mãe ecoavam na cabeça: aborteira, vergonha, castigo.

Ela tapou os ouvidos, mas as vozes não calavam.

Patrick. Suzete. Antônio. Os quatro filhos que nunca nasceram.

Todos gritando dentro dela.

Lia tropeçou até o banheiro, abriu o armário e pegou o vidro de calmantes.

As mãos tremiam.

EngoliuDepois parou.

Chorou.

E tomou o resto.

Sentou-se no chão frio, encostando as costas na parede.

O frasco caiu de lado, girando devagar, até parar perto da banheira.

— “Eu só queria… um pedacinho de amor.” — murmurou, com a voz falhando.

As lágrimas escorriam lentas.

Ela pensou em Antônio, na risada dele, no toque, nas noites em que jurou amor e acreditou.

Pensou nas crianças que nunca nasceram.

Nos nomes que nunca escolheu.

O corpo começou a fraquejar.

A vista turvou.

O som da própria respiração ficou distante.

Antes de apagar, Lia sussurrou, quase num fio:

— “Antônio… me perdoa…”

A cabeça tombou pro lado, o perfume caro se espalhando pelo chão.

Lá embaixo, Patrick entrou chamando por ela, a voz calma:

— “Chérie? Onde está, meu amor?”

Silêncio.

Foi a empregada quem encontrou primeiro.

O grito ecoou pela casa, cortando o domingo de Páscoa.

Patrick correu, o rosto pálido.

Encontrou a esposa caída, os olhos semicerrados, o frasco vazio ao lado.

— “Lia! Mon Dieu… Lia!”

Segurou-a nos braços, o desespero estampado.

A ambulância foi chamada.

A sirene rasgou o ar da mansão Fabbri-Lefèvre, carregando o som da culpa, do luxo inútil e da tragédia anunciada.

“As aparências primeiro”

A manhã seguinte amanheceu com cheiro de éter e remédio.

Na suíte principal, Lia estava deitada, o rosto pálido, o braço espetado pelo soro.

Respirava devagar, os lábios ressecados, a vida suspensa por um fio.

Patrick, sentado à beira da cama, segurava a mão dela, em choque.

— “Meu Deus, Lia… o que você fez…”

Ele olhava pro rosto da mulher que acreditava conhecer, sem entender o abismo que existia por trás daquele silêncio.

A porta se abriu.

Suzete entrou com a postura de quem chega num velório — firme, maquiada, impenetrável.

Atrás dela, uma enfermeira recolhia o frasco vazio e a seringa esquecida.

Patrick se levantou, exausto:

— “Ela precisa ser internada, Suzete. Não podemos deixá-la aqui. Precisa de ajuda.”

Suzete levantou a mão, gelada.

— “Nem pensar. Isso não vai sair dessa casa. Quer que os jornais falem que uma Lefèvre tentou se matar? Que uma Fabbri enlouqueceu?”

— “Mas ela quase morreu!” — gritou ele, a voz quebrando.

— “E vai morrer de vergonha se você continuar com esse drama.”

Patrick deu um passo pra frente, incrédulo:

— “Você é um monstro.”

— “Sou uma mulher prática.” — respondeu ela, fria. — “Você cuida da empresa, eu cuido da reputação.”

Lia abriu os olhos por um instante, a voz fraca, quase um sussurro:

— “Antônio…”

Suzete gelou.

Patrick arregalou os olhos, sem entender.

— “Quem é Antônio?”

— “Ninguém.” — respondeu Suzete rápido. — “Delírio de remédio. Não dê ouvidos.”

Mas a palavra já tinha se espalhado como veneno.

Horas depois, a notícia correu discretamente entre os fundos da casa.

Antônio, sentado no banco de madeira da oficina da frota, ouviu de Mauro, que vinha aflito:

— “Tonho… a Lia tentou se matar.”

O mundo pareceu parar.

Antônio baixou os olhos, o cigarro esquecido entre os dedos.

— “Tá viva?”

— “Tá. A madame Suzete não deixou levar pro hospital. Disse que era pra cuidar em casa.”

Antônio encostou os cotovelos nos joelhos, a cabeça entre as mãos.

O coração apertado, um nó de sentimentos que ele não queria sentir.

— “Essa mulher vai acabar pagando por tudo o que fez…” — murmurou Mauro.

Antônio ficou calado.

Por dentro, lutava com um amor que se recusava a morrer, com a culpa dos filhos que nunca existiram, e com a lembrança da mulher que ele amou mais do que devia.

— “Não sei se ainda amo, Mauro…” — disse, a voz rouca. — “Mas não consigo não me importar.”

Mauro assentiu devagar.

— “Tem coisa que marca a alma, Tonho. Mesmo quando a gente quer esquecer.”

Antônio ficou olhando pro chão, os olhos marejados.

Do lado de fora, o sol brilhava, indiferente à tragédia dos homens.

“O motorista e a madame”

Fim de tarde.

O portão da mansão Fabbri-Lefèvre se abriu devagar.

Antônio entrou, o rosto tenso, o passo firme.

Não estava mais de uniforme, não era o motorista — era um homem com o peito cheio de culpa e raiva.

A casa estava em silêncio.

Ele cruzou o corredor largo, ignorando os olhares da empregada, e subiu as escadas direto pro quarto de Lia.

Ela dormia.

Pálida, magra, um fantasma do que um dia foi.

O soro pendurado, o cheiro de remédio, a respiração lenta.

Ele se aproximou, tocou de leve o braço dela.

— “Lia…” — murmurou. — “Cê me destruiu, mas não merecia isso.”

Os olhos dela se abriram, cansados, turvos.

— “Antônio… você veio…”

Ele assentiu, com um nó na garganta.

— “Vim ver se tava viva.”

Antes que ela pudesse responder, a porta se escancarou.

Suzete apareceu, impecável, com aquele ar de nojo permanente no rosto.

— “Mas é claro. O motorista metido a salvador. Achei que já tivesse aprendido o seu lugar.”

Antônio se virou devagar.

O olhar dele era o de quem já não devia nada pra ninguém.

— “Meu lugar é onde tem gente de verdade. Aqui dentro só tem mentira e podridão.”

Suzete cruzou os braços.

— “Baixa o tom, Assunção. Você está numa casa de respeito.”

Ele deu um riso curto, sem humor.

— “Respeito? Aqui? A mulher quase morre e você se preocupa é com o que os outros vão pensar. A filha da tua casa tentou se matar, e você tá preocupada com a porra do sobrenome!”

Ela empalideceu.

— “Você não fala assim comigo!”

— “Falo, sim. E escuta bem: se Lia morrer, a culpa é tua. Cê criou um inferno pra ela viver, e agora quer esconder o corpo. Mas não vai conseguir enterrar o que fez.”

Suzete tentou manter a pose, mas a voz saiu trêmula:

— “Você não sabe do que fala. Você… você estragou a vida dela.”

Ele avançou um passo, o olhar firme.

— “Fui o único que amou tua filha de verdade. Enquanto você só usava ela pra limpar a sujeira do teu orgulho.”

Silêncio.

Duro, cortante.

Lia, ainda fraca, chorava baixinho na cama.

— “Antônio… por favor…”

Ele se virou pra ela, a raiva derretendo num instante de dor.

— “Cuida de você, Lia. Sai daqui, se livra dessa mulher antes que ela acabe com o resto da tua alma.”

Sem esperar resposta, Antônio passou por Suzete, esbarrando de leve no ombro dela.

A mulher estremeceu — não de medo, mas por sentir, por um instante, o peso da verdade.

Na escada, o som dos passos dele ecoou como um trovão.

Lá embaixo, Vera, que viera entregar flores, assistiu calada, os olhos marejados.

Sabia que aquele homem, mesmo ferido, ainda era o único com coragem de enfrentar os Fabbri.

“Flores pra quem esqueceu de viver”

A mansão estava silenciosa.

O relógio da sala marcava quase dez da noite, e Suzete já se recolhera depois de passar horas ao telefone — inventando desculpas elegantes para justificar a “indisposição” da filha.

Nenhuma palavra sobre calmantes, frascos ou desespero.

Nos fundos, Gemma subia devagar os degraus que levavam ao andar de cima, descalça, as mãos pequenas segurando um buquê de margaridas.

As flores vinham do jardim de mamãe Vera, que a menina visitava sempre escondida — e que ensinara:

“Quando a gente não sabe o que dizer, dá flor. Ela fala por nós.”

Gemma parou diante da porta do quarto.

Lá dentro, a penumbra.

O som do soro pingando.

E o cheiro agridoce de perfume misturado a remédio.

Ela respirou fundo, empurrou a porta devagar.

Lia estava acordada, mas quieta, o olhar perdido no teto.

Os cabelos soltos, o rosto sem cor, e uma tristeza funda, que nem criança entendia, mas sentia.

Gemma se aproximou, baixinha, tímida.

— “Tia Lia…”

Lia virou o rosto, surpresa.

— “Gemma? O que faz aqui, menina?”

A garota ergueu as flores.

— “São pra você… mamãe Vera disse que flor cura o coração triste.”

Lia olhou praquele buquê simples — margaridas colhidas de manhã, amarradas com um pedaço de fita velha.

Os olhos marejaram.

Pegou devagar.

— “São lindas, meu amor…”

Gemma deu um meio sorriso.

— “A tia vai sarar, né? O Tonho ficou preocupado…”

Lia tremeu ao ouvir o nome.

Por um instante, todo o veneno de Suzete, todo o medo, todo o remorso veio à tona.

Mas olhando praquela menininha — sobrinha de sangue, doce e ingênua — ela não conseguiu fingir.

— “Vou tentar, Gemminha…” — respondeu, acariciando o cabelo da menina. — “Por você, e pelas flores.”

Gemma segurou a mão dela, pequena contra a dela.

— “Posso rezar pra Nossa Senhora pra cuidar da tia?”

— “Pode.”

A menina juntou as mãos, os olhos fechados, e murmurou baixinho uma prece de criança:

“Mamãe do céu, cuida da tia Lia, faz ela parar de chorar, e faz o Tonho não ficar bravo…”

Quando terminou, Lia já chorava em silêncio, as lágrimas escorrendo pelo rosto sem maquiagem.

Ela puxou Gemma pro colo e a abraçou com força — como quem tenta, por um instante, segurar o pouco de pureza que ainda restava no mundo.

“Um abraço de quem já perdeu tudo”

Lia olhava as margaridas nas mãos, como se fossem um milagre pequeno, algo que lembrava que o mundo ainda podia ser bom.

O quarto estava em meia-luz — o abajur aceso, o resto da casa em silêncio, e só o som leve do soro pingando marcava o tempo.

Gemma, em pé ao lado da cama, a observava com os olhos grandes, cheios de ternura e medo.

A menina não entendia direito o que era tristeza de adulto, só sabia que Lia precisava de carinho.

— “A tia quer que eu vá embora?” — perguntou baixinho.

Lia negou com a cabeça, a voz embargada.

— “Não, meu amor. Fica aqui um pouquinho comigo.”

Gemma sorriu, se aproximou.

Lia estendeu o braço — e a puxou com delicadeza.

A menina subiu na beirada da cama, ajeitou-se no colo dela.

Por um instante, o tempo parou.

Lia encostou o rosto nos cabelos de Gemma, cheirou aquele perfume de infância — sabonete, flor, inocência.

As lágrimas vieram silenciosas, molhando os cachos da menina.

— “Por que a tia chora?” — perguntou Gemma, levantando o rostinho.

— “Porque a tia fez muita coisa errada, Gemminha… e tem medo que Deus não perdoe.”

A menina passou o dedinho no rosto dela, secando as lágrimas com a pureza de quem não entende o pecado.

— “Deus sempre perdoa. Mamãe Vera diz isso.”

Lia riu baixinho, com dor e doçura.

— “Sua mamãe Vera é muito sábia.”

Gemma encostou a cabeça no peito dela.

— “A tia é boa também. Eu gosto da tia.”

Lia a abraçou mais forte, o coração apertando.

Era como segurar o que nunca teve — um pedaço de amor sem culpa, um colo limpo, um afeto sem cobrança.

— “Obrigada, meu amor…” — murmurou. — “Você não imagina o quanto isso me salva.”

Gemma ficou quietinha, quase dormindo ali.

Lia ficou olhando pro teto, acariciando os cabelos da menina.

E pela primeira vez em muito tempo, sentiu paz.

Uma paz curta, frágil — mas real.

O som do portão batendo ecoou na casa como um tiro.

Suzete atravessava o corredor com passos firmes, os saltos estalando no mármore.

O rosto impecável, mas os olhos — frios, furiosos, sem brilho.

Ademar, no sofá, folheava o jornal com aquela lerdeza de sempre, a barriga pesada, o olhar perdido.

— “Você vai sair a essa hora?” — perguntou, sem levantar o rosto.

Ela se virou devagar.

— “Vou. Alguém precisa respirar fora dessa casa de fracassos.”

Ele resmungou qualquer coisa, e ela o fuzilou com o olhar.

— “Cala a boca, Ademar. Você é um peso morto. Se eu não fosse quem sou, a família já teria virado piada. Tudo que temos é o meu nome. O seu, coitado, só serve pra puxar pra baixo.”

Ademar abaixou a cabeça, humilhado, os dedos tremendo sobre o jornal.

Suzete pegou a bolsa, perfumou o pescoço, o pulso, a dobra do joelho. Chanel 5 — sua armadura.

A noite paulistana respirava fumaça e néon.

Suzete Fabbri, impecável, caminhava pela Rua Augusta como quem desfilava sobre tapete vermelho.

Vestido justo de seda preta, salto agulha, batom vermelho sangue.

O perfume caro contrastava com o cheiro doce e sujo da rua.

Os homens olhavam — uns com desejo, outros com medo.

Ela não desviava o olhar.

Era altiva, imponente, senhora de si e do próprio veneno.

Parou diante de um bar pequeno, luz amarelada e música abafada.

Sentou-se sozinha no balcão, cruzou as pernas e pediu um gim tônica.

Quando bebeu o primeiro gole, o gosto amargo fez cócegas na garganta — lembrava poder.

Dois rapazes se aproximaram quase ao mesmo tempo.

Negros, bonitos, corpos de quem vive na rua, mas carrega postura.

Um usava camisa aberta até o peito, o outro, casaco de couro gasto.

Ela olhou pros dois e sorriu, um sorriso lento, cheio de decisão.

— “Que coincidência… parece que São Paulo resolveu me enviar companhia em dobro.”

O de casaco riu.

— “E a senhora vai escolher qual dos dois?”

Ela encostou o copo no balcão, sem pressa.

— “Escolher? Querido, eu não escolho. Eu mando.”

Os dois se entreolharam, meio sem acreditar na coragem daquela mulher.

Suzete se levantou, o salto riscando o piso, a bolsa pendendo leve no braço.

O olhar — duro, luxurioso, desafiador.

— “Vamos. Os dois.”

A frase saiu baixa, mas tão carregada de autoridade que não deixava espaço pra recusa.

Eles a seguiram até o hotel próximo, e ela entrou primeiro, cabeça erguida, como uma rainha atravessando o próprio inferno.

O recepcionista a cumprimentou com reverência.

Suzete apenas disse:

— “Suíte presidencial.”

Quando a porta do elevador se fechou, ela olhou o reflexo dos três no espelho — a dama e seus espelhos de carne.

Sorriu, satisfeita.

Naquela noite, não havia culpa, nem moral, nem amor.

Só o luxo, o poder e o vazio — e Suzete sabia dominar todos eles.

O quarto era luxuoso, suíte presidencial Suzete sabia que merecia o melhor, e queria impressionar os rapazes.

— Que vai ser madame?

Disse o belo mulato, esse com carinha inocente, tipo come pelas beiradas o típico nego doce…acariciando as costas de Suzete…

— Posso começar com uma massagem…

Para aqueles jovens ela não passava de mais uma coroa rica entediada que queria um pouco de diversão que talvez seu marido não lhe desse eles estavam bem acostumados com aquilo: mulheres mais velhas ricas e solitárias cujos maridos procuravam mulheres bem mais jovens e pra elas só sobrava o cartão de crédito o status e o luxo… mas Suzete Fabbri era realmente imprevisível, e já os surpreendeu por querer logo dois ao mesmo tempo , ela não estava ali para ganhar carinho e algumas horas de atenção e sim para mandar e sim para descontar toda sua raiva na cama.

— tire a roupa.

Disse a madame seca com aquele olhar gélido que já lhe era costumeiro, apontando com o queixo para o mais retinto.

O rapaz acostumado ao que fazia nem disse o nome já foi tirando as peças e ficando louco para o deleite de Suzete que passou as mãos brancas os dedos longos que ostentavam anéis graciosos e sua aliança de casamento em seu peitoral.

— Agora você, disse apontando para o mulato — tire meu sapatos…

Suzete se sentou na beira da cama estendendo as pernas para o rapaz que tirou-lhe o par de escarpins nudes para o deleite dela.

— agora tire minhas meias… Com a boca!

E você, disse para o retinto, quero ver o que sabe fazer com essa jeba. Vamos! Quero que você deixe esse caralho preto bem duro!

O jovem logo se apressou a esfolar aquela rola grossa e escura da cabeça até a base, aquilo seria mais um programa, mas a altivez é fome daquela velha branquela despertou nele algo animalesco enquanto seu amigo acabava de tirar a outra meia com a boca.

Suzete não se fez de rogaada e logo abriu a boca ante aquela rola preta já mostrando que queria mamãe o tronco do amante que colocou a cabeça nos lábios aristocráticos enqto o outro tirava lhe a calcinha com a boca e já metia a língua na boceta insaciável.

A velha rebolava na boca de um dos garotos se programa, enquanto mamava a rola do outro. No auge dos seus 72 anos, se sentia a putinha que Anselmo descabacara na adolescência.

A madame acabou de se despir e com as mãos nos próprios seios disse languida:

— Os dois, mamando agora! Como dois bezerrinhos famintos…

Os dois machos se aproximaram e começaram a ordenhar as tetas da coroa, firmes, redondas graças ao silicone e empinadas. A cada mamada ela gemia feito a puta que sempre foi ou melhor sempre sonhou ser.

Enquanto isso a mão do mulato desceu certeira na gruta e começou a brincar com o grelo aceso de Suzete.

—Isso que é macho! Não aquele gordo idioma! Soca esse dedo na minha xana… mais um…

Dizia descontrolada enqto já escorregava pra cama onde abriu as pernas.

—Me façam gozar! Agora!

O mais forte e mais escuro logo viu qual era a da madame e se posicionou ao lado dela socando novamente o pau na sua boca, enquanto o mais novo já sorvia o caldo da boceta enfiando com tudo a língua dentro.

Por um momento Suzete esqueceu aristocracia esqueceu tudo… Ali, era só uma puta velha gozando feito louca em cima de dois homens que ela desprezaria perante a sociedade.

A fraca da Lia, o imbecil do Ademar, o estorvinho da filha da cunhada morta, nada fazia sentido, só o cheiro de sexo e suor daqueles dois negros em cima dela.

Após engolir toda a gala quente de um e gozar na boca do outro, Suzete deitou por cima do mulato, o mais novo, encaixando a boceta na chapeleta com um grunhido de satisfação, enquanto empinava a ninfa para o negão maior, há tempos amava dupla penetração, lembrava bem quando fora com as amigas Celeste e Wanda para um tour no Egito, mais para dar do que qualquer coisa, foi lá sob a fachada de passeio com as amigas, que levou a primeira enrabada no cu tendo outro pau na xota, desde então sempre repetia a dose e se sentia poderosíssima a cada vez que agasalhava um mastro maior!

Foi só sentir os dedos lambuzados de lubrificante no cuzinho que Suzete relaxou e a xota contraiu em torno do outro pau que a fodia pela frente.

Não demorou muito, e lá estava a madame com uma rola preta cravada na boceta e outra maior ainda dentro do cu.

Os movimentos ritmados dos dois faziam enlouquecer em extertores de prazer, e não demorou muito para a coroa gozar empalada por duas picas.

“O silêncio depois do espelho”

A madrugada se esfarelava pela janela.

O quarto do hotel cheirava a perfume caro, suor e lençóis amassados.

Suzete Fabbri estava sentada na beira da cama, o corpo nu coberto apenas por um lençol de seda bege.

O rosto impecável, o batom ainda firme, o olhar — de volta àquele gelo conhecido.

Os dois rapazes, exaustos, se entreolhavam, sem entender direito quem era aquela mulher.

Ela acendeu um cigarro, tragou fundo e soltou a fumaça devagar, como quem exorciza lembranças.

— “Vocês são bons,” disse, fria, sem olhar pra eles.

— “Mas já acabou.”

Um deles tentou dizer algo, talvez um elogio, talvez um convite.

Ela ergueu a mão.

Da bolsa tirou um maço de notas, colocou na mesa de cabeceira — mais do que eles ganhariam em um mês inteiro.

— “Dividam. E sumam.”

Levantou-se.

Andou até o espelho grande, olhou o próprio reflexo.

A mulher à frente dela parecia perfeita — cabelo impecável, pele de porcelana, corpo de escultura.

Mas nos olhos havia um vazio enorme, um cansaço que nem o luxo disfarçava.

— “Vocês estão esperando o quê? Um obrigado?”

Os dois pegaram o dinheiro em silêncio.

Um deles, o mais novo, murmurou:

— “A senhora é diferente de todas.”

Suzete riu baixo, um riso curto e sem alegria.

— “Eu não sou diferente, querido. Eu só não tenho tempo pra fingir que ainda sinto.”

Jogou o cigarro na pia, pegou a bolsa e caminhou até a porta.

Antes de sair, olhou pros dois pela última vez — altiva, fria, soberana.

— “Daqui a dez minutos, nem o cheiro do meu perfume vai restar. É assim que funciona.”

E saiu.

Os saltos dela ecoaram pelo corredor, firmes e ritmados.

Lá fora, a rua amanhecia — suja, cinza, viva.

Suzete colocou os óculos escuros, respirou fundo e entrou no carro.

A motorista perguntou o destino.

Ela respondeu sem emoção:

— “Pra casa. Tenho uma reputação pra manter.”

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