Assim que chegamos na casa da minha mãe, senti todos os olhos fixos na gente. Eu estava com um bikini croped azul royal com detalhes dourados, de manga cumprida, e com um recorte no ombro, e uma sainha curta branca, cobrindo a parte de cima. A roupa até combina com a minha botinha ortopédica. Já Felipe estava com blusa branca, e um shorts de praia combinando comigo, que tinha o meu nome escrito na barra. Nós compramos estas roupas na nossa lua de mel, e ficávamos um par de vaso lindinho nelas. Até a havaiana dele combinava com a minha, e o modo que ele me apoia em cada passo, parece realmente que eu estou machucada.
Minha sobrinha mais nova me pediu colo assim que me viu, e eu dei felizmente. O neném colado em mim era tão gostoso, tão fofo. Desde quando a vi, sinto algo mais forte por essa pequenina. Se eu for obrigada a me afastar da família, ela vai ser uma das piores dores
Depois de cumprimentar todo mundo, Felipe me puxa para a piscininha de criança, um pedaço separado da piscina grande, que tem nem meio metro de altura. Eu entro e fico brincando com a pequena, enquanto Felipe fica ao meu lado, segurando um guarda-sol gigante em cima da gente. Ele estava literalmente me seguindo por todo canto, do momento que saímos do carro, até agora ele não esteve mais que um metro de mim. Até quando meu pai o chamou para ir para a churrasqueira, ele negou, dizendo que estava se divertindo me vendo fazer caras e bocas para um nenê. Certeza de que quando saímos, todos vão falar mal dele, ou de mim, como sempre.
2h depois, estamos sentados na mesa, logicamente com ele do meu lado, com nossos pés interligados debaixo da toalha branca, e o churrasco está até que bom. Eu fico com vergonha quando ele corta a minha carne e monta o meu prato, mas foda-se, todos aqui podem ver o quanto eu sou mimada por este homem. O papo é leve, descontraído até na hora da sobremesa quando meu sobrinho chega e faz um caminho direto até a gente.
- Tia, Felipe, tudo bem? – Ele diz superanimado, me puxando para um abraço forte. Eu não tenho nada contra ele, inclusive tenho muita coisa a favor. Ele é um menino doce, carinhoso, e sempre foi bem-educado comigo. Talvez pela nossa diferença de idade ser baixa, 12 anos. Mas eu sempre fiz um esforço a mais para fazer parte da vida dele, eu vim em quase todos os seus aniversários, e formaturas, na última eu e Felipe fizemos questão de dar um presente legal para ele – uma viagem para a Argentina com a namorada.
- Tudo querido – respondo correspondendo seu afago.
- Tava com saudades, e queria agradecer pessoalmente pela viagem! Foi top tia. Nunca bebi tanto vinho bom na vida. E a Rê adorou o zoológico.
- Imaginei que ela ia amar, e que bom que vocês aproveitaram. – digo, e começo a fica com vergonha. Qual o procedimento aqui? Como uma pessoa chantageada deve agir, esta é minha primeira experiencia.
- Vocês aproveitaram mais coisas da vinícola? Ou ficaram só no bem bom? – pergunta Felipe, entrando na conversa na hora certa.
- Fizemos tudo Felipe, colhemos uva, ajudamos na pisa. Eu trouxe uma garrafa para você, para agradecer por tudo. Sério, eu nunca imaginei um presente tão bom, foi o melhor. Não que os outros não fossem bons, não quero ser mau educado, mas uma viagem supera uma caneta por zilhões.
Nós dois rimos, e fica um silencia um pouco constrangedor.
- Então João, sua mãe falou com a Ju que você quer um emprego na empresa. Você sabe que podia vir falar direto comigo né?
- Minha mãe falou? – o menino fica envergonhado na hora. Acho que a ideia de me atazanar foi de sua mãe e não dele. – Eu não sabia que ela ia..... eu ia falar com o senhor hoje, e
- Corta o senhor moleque, Felipe tá bom – ele responde, e na hora que ouço outra pessoa chamando ele de senhor, mesmo que seja uma criança, uma pontada de ciúme surge no peito.
- Ta – uma risada sem graça – eu ia falar com você hoje, eu queria muito uma chance de trabalhar com você, de provar que eu sou um bom administrador. Eu quero ir para a área empresarial, e um estágio na sua empresa é um sonho. Vou poder fazer uma pós, tou pensando na PUC, e é bem pertinho o escritório de lá. Eu vou me esforçar muito Felipe. Primeiro a chegar e último a sair.
- Estágio? – eu pergunto perplexa.
- Sim, se eu conseguir. Depois eu subo na empresa – diz animado
- Sua mãe pediu uma vaga de gerente Joao. Pediu não, exigiu - digo
Joao se engasga com a cerveja que estava bebendo, sai por todo canto possível o liquido amarelo, sua cara fica vermelha igual um pimentão, Felipe tem que bater nas costas dele para que volte a respirar. Vejo que os tapas são um pouquinho mais fortes do que o necessário.
- Desculpa, desculpa. – Ele diz enquanto se recompõe – minha mãe é maluca tia, doida de pedra. Eu, e – e-e-e-e-u vou ter muita gratidão se vocês deixarem eu ser estagiário. Não precisa nem ser remunerado Felipe, só ter a FCM no curriculum vai abrir muitas portas. Tive 3 professores que trabalharam com seu pai, e eles são os melhores da cidade hoje em dia. Eu juro que não sabia tia, juro mesmo. – Ele começa a falar e não para mais.
- Calma Joao, respira – ordena Felipe. Parece que sua voz é realmente imperativa, porque o menino começa a relaxar um pouco – Vai terça lá na empresa, e fala com a Marcela, ela é responsável por novas contratações e posicionamentos. Eu já vou deixá-la avisada. E sua tia quer que você jante lá em casa depois. Pode ser? Leva a namorada.
- Claro! Obrigada! – seu sorriso poderia iluminar uma cidade toda - Que horas tia?
- Umas 8 da noite?
- E que horas Felipe?
- As 9h ela chegajá vou estar esperando – ele diz com proatividade, e eu dou um sorriso leve. Um menino muito bom
- Me faz um favor? – pergunto depois de algum tempo, em que ele ficou falando da viagem e contando toda a sua aventura na Patagonia.
- Claro
- Você pode pegar um picolé para mim e seu tio? – droga. Essa foi a primeira vez que me refiro a ele deixe jeito. Devia ter conversado com ele antes. Será que ele vai ficar bravo? Mas quando olho para ele, Felipe está absolutamente relaxado, me dando um selinho na testa.
- Se tiver de chocolate pra Juliana e Nata para mim eu agradeço – ele fala calmamente.
O menino sai correndo para pegar e quando volta, além do picolé tem uma latinha de cerveja para mim.
- Tó tia, achei que você ia querer. Ta geladinha – eu estendo minha mão, mas não abro a latinha. Não posso tomar com antinflamatório, nem os falsos, do meu pé, nem os verdadeiros, da minha buceta.
- Eu não posso tomar, João, tou tomando anti-inflamatório pro pé. Só se Felipe quiser? – digo olhando para ele. Recebo um não com a cabeça e a lembrança que daqui a pouco pegamos estrada.
Quando Fernanda chega perto de mim, já é mais tarde, próximo das 15, e eu já estava me preparando para sair. Estava guardando as coisas que minha avó trouxe do sítio em um isopor gigante que sempre trazemos conosco. Eu apoiada na caçamba e ele com o corpo abaixado brincando de tetrix.
- Fazendo a feira Juliana – ela pergunta rindo, e Felipe se levanta instantaneamente, deixando os ovos quase se quebrarem. E me abraça, colocando novamente os dedos sobre sua marca
- Vovó que me deu – digo na defensiva
- Eu vim te agradecer de novo Felipe, pelo cargo do João.
- Como te falei ontem Fernanda, é a Juliana que você tem que agradecer. Ela mandou e eu obedeci– ele diz colocando o braço ao longo do meu colo, repousando a mão exatamente em cima do chupão anabolizado. Ele roça os dedos nele, e eu sinto meu corpo se arrepiar.
- Obrigada então maninha – ela fala com um q de deboche. Eu só consigo acenar com a cabeça.
- Eu sou a CADELINHA bem mandada da minha esposa – ele fala rindo, mas pontuando muito a palavra, e a cara de susto dela é impagável. Ela nunca imaginou que ele soubesse do que aconteceu, ou que eu teria a coragem de contar. Fernanda contava comigo sendo uma covarde insegura. E ela só acertou metade.
- Sabe Fernanda, eu e a Juliana estamos pensando em sair do Brasil. – ele fala e a ideia é tão nova para ela quanto para mim – sua irmã estava falando que queria ir pra Alemanha, algo sobre um mestrado novo que surgiu por lá. Eu falei para ela que seria bem legal, você não acha? – ele pergunta olhando para ela.
Fernanda fica meio sem palavras, sem entender nada. Somos duas.
- É claro, seria legal.
- Eu falei para ela, que a qualquer momento a gente pode embalar tudo e sair, ir para um local novo, novas pessoas, ninguém vai nos conhecer, ninguém vai ligar pro nosso passado.
Nós começamos a perceber onde ele está indo
- Não é como se eu trabalhasse em um lugar pequeno, dependesse do salário para me sustentar até o fim do mês, e ela ficasse em casa o dia todo, com 2 filhos pequenos para criar, né? Se o nosso telhado de vidro explodir, não penso nem um segundo em pegar minha mulher, e ir acompanhar o escritório de Munique de perto.
Ela respira fundo, e eu vejo que ela vai responder, mas ele continua falando, interrompendo sua boca de butija.
- Sua irmã iria entrar facinho em um programa de mestrado lá, ou iria começar a clinicar. Ela tem uma carreira boa, e é muito inteligente. Qual a última vez que você trabalhou? – ele pergunta, e novamente não dá tempo á dela para responder – E se o seu maridinho fosse demitido, você faria o que? Faxina? Qual o seu plano se o seu telhado de vidro quebrar?
- O meu? – ela pergunta embasbacada.
- É o seu. Por que você não conversa com o Ricardo antes de ter ideias burras Fernanda? Alinha direitinho com ele, descobre como anda sua conta bancária, olha bem para cima. – Ele completa, em uma analogia nem tão complicada de se entender.
Felipe se vira e me puxa, nós dois saindo antes de Fernanda assimilar o que aconteceu, quanto mais responder. Ele vai devagarinho, e eu manco ao seu lado a curta distância até meus pais, e me despeço de novo deles. Surpreendentemente minha mãe me pede para atualizar ela na minha torção, e se oferece a me ajudar em qualquer coisa que eu precisar. Eu fico quase sem resposta, mas finalmente agradeço, e deixo que meu gigante pessoal me carregue de volta ao carro, me coloque sentada, e me prenda com o cinto.
No momento que a porta dele fecha, eu viro de boca aberta e vejo que ele está sorrindo.
- Escritório em Munique?
- Ele não existe, mas nada me impede de criar um – ele dá de ombros – o pessoal de expansão e negócios vive falando para irmos para a Europa. Munique foi só a primeira cidade que me veio a mente.
- De onde você tirou isso amor? – pergunto, e ele sabe que não estamos mais falando de negócios.
- Ju, com doido, somos doido e meio. Ela não vai ter coragem de fazer nada.
- E que história é essa de telhado de vidro, você sabe algo que eu não sei?
Ele solta uma risada gostosa, e se aproxima para me dar um beijinho rápido demais.
- Não, você sabe o mesmo que eu, seu cunhado não tinha dinheiro para acabar de pagar a faculdade do João e eu ajudei. Mas tirando isso eu chutei, todo mundo tem seus segredos, e agora Fernanda acha que eu sei o dela.
Isso me faz gargalhar. Felipe enganou a maluca, e chantageou a chantageadora – sem munição. Ela caiu em um blefe. Rio até que sinto a mão dele virar meu rosto para ele e encarar meus olhos.
- Mas eu tava falando sério Juliana, basta uma palavra sua, e levantamos voo. Cuba, Miami, Munique. Qualquer lugar que você precisar para estar segura.
- Obrigada – digo com os olhos cheios de lagrimas, e é nessa hora que me lembro que não acabamos nossa conversa de ontem.
- Fê – digo baixinho, e antes que eu possa completar minha frase, ele me interrompe, com um apertão no joelho, e uma cara de dor
- Pode ser quando chegarmos em casa? Algo me diz que essa conversa não vai ser segura de se ter em movimento.
- Pode – e essa é minha última fala sobre o assunto até chegarmos na garagem do prédio.
Já sem minha botinha eu subo primeiro para já ir pedindo o jantar. Ele nunca me deixa ajudar a carregar nada mesmo, e as malas e o megazord de isopor cabem no carrinho do prédio.
Depois de pedir, eu sigo para o banheiro, preciso fazer xixi, e enquanto fico esperando-o chegar para me limpar, lembro da confusão que foi quando tive que me aliviar na estrada. Felipe ficou esperando do lado de fora do banheiro de deficientes, e entrou para fazer seu trabalho na 15, como ele vem carinhosamente chamando o fato dele ser controlador a ponto de eu não poder usar um maldito papel higiênico, e quando saímos um casal ficou nos olhando como se fossemos dois depravados fazendo sexo em um banheiro de posto de gasolina.
Se eles soubessemX-X-X-XX-X-X-X-X-X—X
Já acabamos de comer, e eu estou deitada esperando-o acabar o banho. Nós tomamos juntos, mas acabei saindo antes e agora me arrependo. Devia ter ficado colado nele lá.
Assim que ele chega, e se senta no sofá e não comigo, eu sei que a conversa vai ser estranha.
- Ju?
- Manda – manda a conversa, manda a decepção, manda o nojo.
- Você sabe que a culpa não foi sua né?
- Mais ou menos – respondo e já me apresso em explicar – eu sei que fui abusada, que não tinha consentimento naquele ato, eu entendo isso. Mas eu pedi Felipe, eu literalmente pedi, comprei as coisas, e comecei participando ativamente.
- Mas – ele começa e eu corto
- Eu sei que o consentimento pode mudar a qualquer momento e um sim não é escrito na pedra. Mas minha cabeça e meu coração não entram em acordo. E infelizmente quem manda na ansiedade é o coração. – Digo de uma vez. Sem emoção. Parece que já usei toda a emoção que eu tinha neste fim de semana, estou totalmente dormente por dentro quando o assunto é esse. Me coração está bem preso em um pote hermético.
- Então você sabe que a culpa não foi sua, que você foi estuprada, que o merda que você confiou abusou de você?
- Sim
- Mesmo assim ontem você disse que a Fernanda ia acabar com o nosso relacionamento, com a gente.
- Sim ela disse, e eu temi na hora, mas você tem que acreditar em mim Fê, eu não achava, achava isso, era mais um medo inconsciente. O que eu realmente tenho medo, é de agora você me achar uma vítima.
- Ju, mas eu te acho uma vítima – ele diz e na mesma hora meu mundo racha. A emoção que eu não estava sentindo chega como uma avalanche, um terremoto invadindo meu peito, arrancando a força qualquer barreira protetiva.
Ele me acha uma vítima, ele vai ter dó de mim, vai ter certeza de que eu sou danificada, que eu sou traumatizada demais. Ele vai começar a me tratar com cuidado, como se a qualquer momento meus demônios pudessem entrar e roubar tudo que temos, tudo que eu sou.
Será que a partir de agora eu serei só um caso de caridade dele? Não caridade, mas posso ser a esposa “doente”, alguém que só toma dele. Ele pode parar de me ver como a Grande Gostosa que ele sempre fala que eu sou, e começar a me ver como uma Grande Carga que ele tem que carregar.
Será que todas as vezes que ele me pegar de 4 agora vai se comparar com o Dom Marcos? Que cada vez que ele me conduzir pelos cabelos vai temer que eu o compare com ele? Será que a partir de agora estamos destinados apenas a sexo baunilha? Eu sei que para mim nunca vai ser o suficiente, muito menos agora que eu sei o que é verdadeiramente submissão e prazer.
Ele é um homem bom demais para me abandonar, principalmente depois de descobrir isso. Posso contar com seu carinho e seu amor para sempre. Mas posso contar com teu tesão?
- Hey! - Ele fala bem alto e quando percebo Felipe está estralando os dedos na minha cara. – Juliana!
- Oi, oi, desculpa.
Ele se abaixa mais e me dá um abraço.
- Você pode esperar eu acabar de falar antes de fugir?
- Posso tentar – é o máximo que consigo prometer, e sou recompensada com um abraço forte, mas rápido demais.
- Eu te acho uma vítima Ju, mas desde nosso 1º mês juntos. Não desde ontem.
- Que? - me sinto como um emoji perplexo, sinto até meu queixo cair
- Desde que você me contou sua experiencia com sexo anal, eu sabia que tinha algo muito errado com o babaca que te iniciou, mas quando você me contou a história da sua cicatriz nas costas, e como ele ficou 15 dias sumido, para te punir por ter RECLAMADO de ser MACHUCADA, eu tive a certeza de que você foi abusada por ele. Eu não sabia tinha sido abuso físico Amor, mas abuso emocional eu tinha certeza.
Eu olho para ele com as lagrimas caindo profusamente, meu rosto está molhado, eu já sinto meu nariz entupindo, e meu corpo está começando a tremer. ele vem para perto de mim e eu me aperto mais para a cabeceira da cama, quero distância agora, preciso do meu espaço para pensar claramente, com o toque dele eu vou me despedaçar mais ainda. Ele me olha assustado, mas vejo que ele conseguiu entender o que estou fazendo, o que eu necessito, quando sua expressão muda de dor, para compreensão.
- Eu sempre soube que teriam gatilhos, que você tinha uma bagagem grande Ju, igual a minha.
Isso me faz soltar um hunph. É ridículo ele nos comparar.
- Tou falando sério Juliana, se bobear é mais do que a sua. São diferentes Ju, mas sao igualmente fudidas.
- Felipe, eu nem sei como te falar. mas você está falando uma bosta gigante - isso faz ele levantar as sobrancelhas. Não é normal eu falar uma coisa desta, diretamente para ele, mas é a mais pura verdade. É tipo comparar tijolo com mostarda.
- Ju, sério, você acha normal alguém querer controlar absolutamente toda a sua vida, ficar inseguro cada vez que você fala com um homem? Por mim Juliana, eu colocava até câmera no seu trabalho, para poder ficar te monitorando de longe. E isso é só umas das merdas que eu penso.
- Eu, eu não sabia disso Felipe – digo baixinho, me aproximando um pouco dele. Seu controle não me incomoda, se eu soubesse não teria nenhum problema por mim. Quanto ao laboratório já não sei. Mas será que um rastreador ajudaria? Eu posso usar sei lá, uma pulseira, ou ele pode pedir login na minha empresa de seguro do carro, ou...
- Claro que não, eu me controlo, sei que isso é fudidamente absurdo. Mas não muda que eu quero. E eu sou assim por traumas passados. – Ele fala me cortando do meu devaneio.
- Eu te amo Fê, nunca vou fazer com você o que aquela vaca fez.
- Eu sei - ele me responde e quando ele coloca a mão no meu cabelo eu não me afasto - mas isso não muda o fato que toda vez que você precisa de um tempo sozinha, isso não me gatilha, não me dá vontade de te colar em mim.
- Mas você não pira com isso.
- Piro sim, Juliana, só sou melhor de esconder. Porra JU, eu me incomodo quando você vai fazer xixi sozinha. E sou tão maluco que um dia você ainda vai fazer comigo.
Eu dou uma risada baixa. Sim, provavelmente um dia esse maluco vai se infiltrar nas minhas barreiras o suficiente para isso.
- Tá, você também tem problemas, mas os seus problemas não me incomodam. Eu gosto que você precise tanto assim de mim, eu acho fofo.
- E os seus também não me incomodam Ju
- Os seus não fazem você paralisar, e achar que o mundo acabou, que sua vida vai explodir, não transforma sua mente em gelatina
- Esses não, pelo menos não por enquanto, mas a gente não sabe o futuro. Você não me viu na época que o meu pai faleceu Ju, fiquei muito parecido com você naquele dia. Eu só me lembro de olhar o caixão e nada mais, voltei a vida 3 dias depois. E todo mundo fala que eu funcionei normalmente. Eu não tenho ideia até hoje do que aconteceu, e isso me assusta pra caramba.
- Mas - eu tento falar, mas ele me interrompe
- E se um dia eu derreter, minha cabeça pirar e der tilt de novo? Você vai me abandonar, ter nojo de mim, querer distância, me achar quebrado, fraco?
- Não! Claro que não – digo ate brava que ele chegue a considerar isso.
- Então por que eu acharia isso de você amor? - Isso faz sentido. eu nunca acharia menos de Felipe por algo assim - Porque eu ficaria bravo, ou qualquer outra coisa parecida por que você foi abusada? Por que um criminoso se aproveitou de você e fez coisas que anos depois são capazes de te magoar? Eu tenho nojo e raiva dele Juliana. Ele que tem que se envergonhar e sumir do convívio com outros seres humanos.
- Mas você pode achar que eu sou frágil, fraca, pode ter dó de mim, pode ficar com medo de eu pirar de novo. Tenha gatilho, como você gosta de chamar.
-Não só eu. É o termo que a minha psicóloga ficava falando - ele me olha acusatoriamente, ele insiste terrivelmente que que comece terapia. Respondo com um olhar duro, quando EU quiser eu vou.
A gente fica em um concurso de se encarar até que ele ganha, e eu abaixo o olhar e me afasto mais um pouco, indo até o frigobar do quarto e pegando uma água gelada. Com um olhar pergunto se ele quer e ele acena que sim. Quando jogo, a garrafa passa uns bons 2 metros de distância, indo parar no closet.
Isso faz com que nós dois soltemos uma risadinha.
- Você está dizendo que nosso relacionamento todo você me achou uma vítima. – Afirmo
- Sim. E respondendo sua pergunta, se outros gatilhos apareceram vamos lidar com eles do jeito que for necessário. Juntos. Eu não sei o que fazer para você acreditar em mim Ju, eu estou nessa com você pela vida toda.
- Eu quero acreditar, juro. Eu acredito, até que o monstro surge e a dúvida vem junto, abalando tudo, minhas convicções, meus pensamentos. É como se eu sumisse e ele assumisse.
- Então vamos matar esse monstro de fome, e eu vou enterrar ele falando todo santo dia, toda vez que for necessário, que eu nunca vou te dar um ghosting, que eu nunca vou sumir, que eu nunca vou te abandonar.
- Promete?
- Sim
Agora estamos abraçados, eu aperto tanto ele que ele faz sons imitando estar estrangulado. Babaca.
- Você não me vê diferente, agora que você sabe? - Pergunto novamente
- Não – ele reponde tão rápido, tão decidido, que eu não tenho espaço para nada mais.
- E se eu não conseguir fazer outra coisa, e se novos traumas aparecerem? Eu juro que não sabia que era tão feio assim Fe.
- Eu sei amor, eu confio em você, não precisa me jurar nada. - Ele diz acariciando meu cabelo - se novos traumas aparecerem vamos superar juntos. não tem nada que vá me fazer te abandonar - ele repete pela enésima vez - nem nada que vá me fazer procurar em outra pessoa - ele completa. - Eu nunca vou procurar fora algo que você não possa me dar Ju.
Desta vez parece que entrou na minha mente, pelo menos por enquanto. eu começo a sentir um pouquinho de confiança.
- E se a Fernanda me expuser? - esse é um medo que acho que nunca vou superar. Agora eu não acho que ela vai fazer nada, mas no futuro eu não sei. Estou na mão dela, e pior ainda, Felipe está na mão dela. - Isso iria acabar com nossa vida
- Ju, olha bem pra mim - eu levanto o olhar - você é minha vida. - Ele diz me beijando na testa. - Se ela te expor - ele diz fazendo aspas com as mãos - o problema é dela. Eu não estava brincando, a gente recomeça a vida em outro lugar. Aqui é São Paulo, ninguém liga pra vida de ninguém. Fudida está ela que mora em uma cidade minúscula, que depende da reputação e de uma “boa moral” para viver.
- Mas
- Sem mais nem menos, Ju. Eu não estava brincando, se for necessário a gente se muda e pronto.
- E a sua empresa, meu emprego?
- Você é brilhante Juliana, vai conseguir emprego em qualquer lugar. Minha empresa é sólida, não depende da minha reputação para nada. A maioria das pessoas nem sabe que eu sou o dono amor. Ela não vai nem sentir, quem liga que a mulher do dono gosta de sexo bruto? Mas também, se alguém se preocupar, problema dele.
- Você acha? - pergunto
- Sim amor, você é brilhante - ele responde, sabendo exatamente o que eu perguntei.
- Mas a minha família
- Juliana, se alguém arranjar confusão por que você foi estuprada, não merece ser chamada de família
Isso faz sentido, muito sentido.
- E tem mais, eu duvido que ela vai fazer alguma coisa, ela é covarde, e sabe que iria respingar nela, não tem coragem para isso. - Eu discordo, ela se ferraria para me fuder. Ela não tem amor nenhum por mim, e acho que me ressente por eu ter saído da cidade e conseguido uma vida muito boa, mas acho que essa discussão agora não vai levar a nada.
- Confia em mim bebê, eu vou te proteger sempre
- Eu confio - respondo e isso é verdade, não importa o tamanho do monstro, eu sempre confio nele.
Nós já estamos deitados, interligados em todos os membros possíveis, e o coração dele já está batendo em cadência de sono, me puxando para o breu, quando uma coisa me passa pela cabeça. Eu não posso deixar que uma merda do passado tire de mim a liberdade no futuro. Eu tenho direito de aproveitar minha vida, meu corpo e meu Felipe.
Com resolução eu me decido que meu prêmio já está cimentado.
Quero pegar ele de surpresa, ser a cachorrinha dele, no seu aniversário. Vou deixá-lo me conduzir. Felipe não é nada como o Dom Marcos, e meu corpo vai saber disso.
Em 43 dias a JUJUBA vai chegar e meu dono vai saber fazer ela latir de prazer.