Onde o mar nos levou - Capítulo XXI

Um conto erótico de Rafa & Caio
Categoria: Gay
Contém 2586 palavras
Data: 28/10/2025 13:06:08
Última revisão: 28/10/2025 13:14:34

Capítulo XXI - No olho do furacão!

Caio narrando...

A noite já tinha caído quando saí pela porta de casa sem nem saber para onde ir. O celular colado à orelha, os dedos trêmulos, a respiração curta. Eu ligava e ligava para o Rafael, mas só ouvia a mesma maldita mensagem de caixa postal.

— Atende, amor… por favor, atende… — eu sussurrava, a voz quase quebrando.

O coração parecia uma pedra batendo dentro do peito. Cada segundo sem notícia era um golpe novo. Eu não conseguia parar de pensar nas palavras que eu tinha dito na nossa última discussão, na forma como eu o acusei, como deixei a raiva falar mais alto. A culpa me esmagava como um peso impossível de carregar.

Peguei o carro sem nem saber qual direção seguir. Liguei o viva-voz e disquei o número de Dona Eloísa. Ela atendeu rápido, a voz trêmula.

— Caio? Alguma notícia?

— Nada… — engoli seco. — Eu já rodei metade da cidade, fui na praia, nos lugares que ele gosta. Nada, Dona Eloísa. Eu não sei mais o que fazer. Do outro lado, ouvi um soluço abafado.

— Meu Deus, Caio… isso não é do Rafael. Ele sempre me avisa. Sempre.

A angústia dela só aumentava a minha.

— A senhora já tentou ligar pra polícia?

— Eles pediram pra esperar mais um pouco, mas eu sei que tem algo errado. Eu sinto.

Enquanto falávamos, vi o nome de Miguel piscando no celular. Ele era o amigo que mais conhecia nós dois, alguém que sempre esteve por perto nos momentos difíceis. Atendi sem pensar.

— Caio, acabei de ver sua mensagem. O que aconteceu?

— O Rafael sumiu, Miguel. Ele saiu da casa da mãe hoje de manhã e não voltou. Ninguém consegue falar com ele.

— Onde você tá agora?

— Rodando. Tentando achar alguma pista.

Miguel não hesitou.

— Me passa sua localização. Eu tô indo te encontrar. A gente vai achar ele, Caio. Nem que a gente vire a cidade inteira.

Enviei a localização com as mãos trêmulas. Enquanto esperava, dei mais uma volta pelo centro, olhei cada esquina, cada bar, cada rua que podia ter algum sinal dele. Nada. Só o vazio e a escuridão aumentando a sensação de que eu estava perdendo tempo.

Minutos depois, Miguel chegou em sua moto, o farol cortando a rua deserta. Ele tirou o capacete já falando:

— Vamos fazer um plano. Eu rodo as áreas mais afastadas, você continua por aqui. A gente mantém contato a cada quinze minutos. Assenti, sentindo uma gratidão amarga.

— Obrigado, Miguel. Eu não sei o que faria sozinho.

— Você não vai ficar sozinho — ele disse firme. — O Rafael é meu amigo também.

Enquanto Miguel acelerava para outra direção, voltei a ligar para Dona Eloísa.

— Alguma novidade? — perguntei, tentando manter a voz firme.

— Não… nada. Eu só… Caio, se você soubesse como eu tô com medo… — ela chorava, a respiração curta.

— Eu vou encontrar ele, Dona Eloísa. Eu prometo. A gente vai trazer o Rafael de volta.

As horas avançavam como uma tortura. Eu e Miguel cruzávamos bairros, praias, estradas secundárias, parando em postos, perguntando para desconhecidos se tinham visto um rapaz alto, cabelos altos e pretos degradê, tatuado, de sorriso marcante. Cada negativa era uma faca nova no peito.

Entre uma ligação e outra, eu lembrava das nossas noites juntos, dos sorrisos de Rafael, da forma como ele me olhava quando dizia que me amava. E cada lembrança vinha acompanhada da culpa pelas palavras duras que eu joguei contra ele.

— Por que eu fui tão idiota? — murmurava para mim mesmo, os olhos ardiam. — Por que eu não confiei nele?

Miguel ligou de novo.

— Nada aqui também. Mas eu não vou parar, Caio. Nem que a gente rode até amanhecer.

O desespero já não era mais só medo. Era uma dor física, latejante, um buraco que parecia me consumir por dentro. Eu dirigia sem destino, com o celular na mão, esperando a qualquer momento uma mensagem, uma ligação, um sinal que me dissesse que ele estava bem. Mas o silêncio continuava sendo a resposta mais cruel.

No fundo, eu sabia que cada minuto era precioso. E que, enquanto a cidade dormia, eu, Miguel e Dona Eloísa estávamos travando uma batalha contra o tempo — e contra o pior medo de todos: perder Rafael para sempre.

Rafa narrando...

Acordei com um gosto amargo na boca e uma dor fina latejando na cabeça. Por alguns segundos, não entendi onde estava. O ar cheirava a ferrugem e umidade. Quando tentei me mexer, senti o aperto seco das cordas queimando meus pulsos. Meus tornozelos também estavam amarrados. Um chão de cimento áspero e gelado me sustentava, coberto por restos de lixo, pedaços de papel encharcados e o som distante de algo que se movia, eram ratos. Eu podia ouvir o arrastar rápido de garras miúdas passando perto demais. O coração disparou, cada batida ecoando no silêncio podre.

Abri mais os olhos, tentando encontrar algum ponto de luz, mas tudo era escuridão. Uma escuridão pesada, densa, que parecia ter corpo. Respirei fundo, tentando acalmar a mente, mas o cheiro de mofo e urina me fez engasgar. A garganta estava seca, a boca rachada. Senti uma fisgada no ombro, provavelmente tinham me batido quando me trouxeram.

“Caio…” O nome escapou como um sussurro. O desespero veio em ondas. Eu só conseguia pensar nele, no rosto dele, no olhar de ontem antes de eu sair. Será que ele já sabia? Será que estava procurando por mim? Meu peito queimava de medo, mas também de arrependimento. Por que eu saí? Por que não fiquei?

Um rangido metálico interrompeu meus pensamentos. A porta – que eu nem sabia onde ficava – se abriu com um estalo seco. Um feixe de luz amarelada invadiu o espaço, cortando a escuridão e me cegando por um instante. Pisquei, tentando acostumar os olhos. E então vi.

Ele.

Meu pai. Augusto. De terno impecável, como se tivesse acabado de sair de uma reunião. O contraste entre sua aparência limpa e aquele lugar imundo era quase irônico. Ele entrou devagar, o som de seus sapatos ecoando no chão de cimento, cada passo carregado de autoridade e desprezo.

— Que cena patética, Rafael… — sua voz soou firme, quase suave, mas com um veneno que me fez estremecer. — Olhe só para você. Sujo, amarrado e perdido. É isso que o amor desse… Caio te trouxe?

Eu quis responder, quis gritar, mas minha garganta falhou. Ele se aproximou, os olhos gelados brilhando no pequeno foco de luz.

— Você nunca mais vai vê-lo. — Ele sorriu, um sorriso torto, cruel. — Eu prometo.

— Pai… — minha voz saiu rouca, fraca. — Por que está fazendo isso?

Ele inclinou a cabeça, como quem analisa um animal.

— Porque você me envergonhou. Porque você destruiu tudo que eu planejei. — Fez uma pausa, abaixando-se até ficar na minha altura. — E porque eu posso.

Antes que eu pudesse reagir, ele fez um gesto com a mão. Duas silhuetas surgiram atrás dele. Homens grandes, com capuzes, rostos escondidos. Um deles carregava uma barra de metal curta; o outro, luvas pretas. Meu estômago se revirou.

— Mostrem a ele que isso é só o começo. — A voz de Augusto cortou o ar como uma lâmina.

O primeiro soco veio rápido, um impacto seco no meu abdômen que me tirou o ar. Tentei me encolher, mas as cordas não me deixavam. Outro golpe, agora no rosto. O gosto de sangue explodiu na boca. O mundo girou, cada batida fazendo meu corpo vibrar de dor. Senti um chute no ombro, depois nas costelas. O som dos ratos desapareceu, engolido pelos meus gemidos e pelo eco das pancadas.

Meu pai assistia. De braços cruzados. O rosto dele era uma máscara de satisfação.

— Chega. — A ordem dele soou distante, como se eu estivesse debaixo d’água. Os dois homens pararam, ofegantes, enquanto eu tentava respirar entre tosses e sangue.

Augusto se aproximou, agachando-se ao meu lado.bSenti o perfume caro dele misturado ao cheiro fétido do porão.

— Isso, Rafael… é apenas o começo. — Sua voz desceu para um sussurro gélido. — Sua vida vai virar um inferno. Até você entender que quem manda é o seu pai.

Ele se levantou, limpou as mãos no bolso do paletó, como se estivesse se livrando de uma poeira qualquer.

— Deixem ele descansar. — Olhou para mim uma última vez, os olhos brilhando com algo doentio. — Amanhã continuamos.

A porta se fechou com estrondo. A escuridão voltou, ainda mais densa, como se quisesse me engolir por inteiro. O cheiro de sangue misturado ao mofo queimava minhas narinas. Meus braços latejavam, as costelas gritavam.

Caí de lado, o corpo fraco demais para resistir. Cada respiração era um corte. A mente tentava segurar um único pensamento, um único nome, como um fio de esperança no abismo: Caio.

Mas a dor era forte, o corpo cedia. Aos poucos, a consciência foi se apagando. O som distante de passos sumindo no corredor foi a última coisa que ouvi antes de tudo ficar negro outra vez.

Em outra lugar de São Paulo...

Naquela noite pesada, a brisa da praia parecia mais gelada do que nunca, e cada passo de Caio soava como um grito dentro da própria cabeça. O céu estava encoberto, o mar batia com força contra as pedras, e a areia fria grudava nos tênis, mas ele mal percebia.

Quando finalmente avistou Miguel, parado próximo a um quiosque fechado, a figura do amigo trouxe um mínimo de alívio em meio ao caos. Miguel correu para ele assim que percebeu o estado de Caio: olhos vermelhos, respiração curta, as mãos tremendo.

— Caio! — Miguel exclamou, agarrando-o pelos ombros. — Cara, eu tentei procurá-lo, mas nada... alguma notícia?

Caio balançou a cabeça, mordendo o lábio inferior como se isso pudesse conter as lágrimas que teimavam em cair.

— Nada… absolutamente nada. — Sua voz saiu rouca, quase um sussurro. — Eu tô ficando louco, Miguel… eu não sei mais o que fazer.

Miguel o puxou para um abraço rápido, tentando transmitir uma força que nem ele mesmo sentia. Caio afundou o rosto no ombro do amigo e, por alguns segundos, deixou que o choro saísse sem controle. O som do mar misturava-se aos soluços abafados, criando um fundo quase irônico para aquele momento de desespero.

— Calma, mano. A gente vai achar o Rafa — Miguel disse, firme, mas a incerteza em seus olhos o traía. — Conta pra mim o que rolou… eu preciso saber de tudo.

Caio respirou fundo, limpou o rosto com as costas da mão, e se afastou um pouco. Seus olhos marejados refletiam a luz fraca dos postes da orla.

— Foi horrível, Miguel… — começou, com a voz embargada. — A gente vinha brigando há dias, sabe? Coisas pequenas, bobagens, mas que… que pareciam enormes pra mim. Ciúmes idiotas… eu ficava incomodado quando ele demorava pra responder as mensagens, quando saía e demorava, por causa das campanhas. Eu sempre confiei nele, mas… sei lá… eu deixei a cabeça encher de merda.

Miguel ficou em silêncio, apenas ouvindo. O vento fazia seu cabelo bagunçar, mas ele não se importava.

— Ontem — Caio continuou, engolindo em seco — eu recebi uma mensagem dele. Dizendo que saiu pra beber com um amigo. Ele avisou, sabe? Só que não voltou para casa, ele dormiu na casa desse amigo, pois estava bêbado e não tinha condições para voltar dirigindo. Achei que tinha algo a mais. Achei que… que ele tava me traindo. — Ele abaixou a cabeça, a voz quase falhando. — Eu joguei isso na cara dele. Disse coisas horríveis. Coisas que eu nem sabia que era capaz de dizer. E ele… ele só ficou lá, parado, com aquela cara de quem não acreditava no que tava ouvindo.

O silêncio entre os dois se tornou pesado, quase sufocante. Miguel franziu a testa, a expressão entre choque e indignação.

— Caio… — a voz de Miguel saiu firme, porém carregada de uma tristeza que doía. — Como… como você pôde pensar isso do Rafa? Cara, ele… ele te ama. Dá pra ver isso de longe. Todo mundo sabe. Ele nunca te trairia, velho. Nunca. Rafa só tem olhos pra tu.

Caio apertou os olhos, sentindo as lágrimas retornarem.

— Eu sei… eu sei agora, mas na hora… — sua voz quebrou. — Na hora eu tava cego. A gente discutiu feio, ele saiu de casa pra esfriar a cabeça e… e não voltou mais. — Ele ergueu o olhar, desesperado. — E se… e se foi por minha culpa que isso aconteceu? E se ele sumiu porque eu empurrei ele pra isso? E se… — sua voz se perdeu em um soluço.

Miguel se aproximou, segurando o amigo pelos ombros.

— Ei, não faz isso com você. O culpado é quem pegou ele, Caio. Não você. Você errou, mas isso não é culpa sua. A gente vai achar o Rafa. Eu prometo. — Seus olhos brilhavam com uma determinação que tentava compensar o medo.

Caio respirou fundo, tentando se recompor, quando o celular vibrou em seu bolso. Ele o pegou rápido, o coração disparado ao ver o nome na tela.

— Dona Eloísa… — disse, antes de atender. — Alô? Dona Eloísa?

Do outro lado da linha, a voz da mãe de Rafael estava tensa, trêmula.

— Caio, meu filho… — ela começou, e Caio sentiu a angústia atravessar o telefone. — O Rafael já voltou pra casa? Eu estou desesperada, não consigo falar com ele…

Caio fechou os olhos, a garganta apertando.

— Não, Dona Eloísa… ele… ele não voltou. — A voz dele quebrou. — A gente também não sabe onde ele tá. Eu tô procurando… tô procurando em todo lugar.

Um silêncio doloroso se seguiu. Quando ela voltou a falar, a voz vinha mais baixa, mas cheia de medo.

— Eu tenho um pressentimento ruim, Caio. Um sentimento horrível. Não consigo explicar, mas… alguma coisa aconteceu com meu filho.

— Eu sei… eu também sinto. — Caio olhou para Miguel, que observava cada palavra. — Mas a senhora precisa ficar calma, por favor. Miguel tá comigo, a gente vai continuar procurando. Se ele aparecer, eu prometo que aviso na hora.

— Eu vou sair pra procurar também — ela disse, firme apesar da voz embargada. — Não vou ficar parada.

Caio hesitou.

— É perigoso, Dona Eloísa… mas… tudo bem, só me prometa que não vai sozinha. Eu e Miguel vamos encontrar a senhora em alguns minutos, tá? A gente se encontra na entrada da praia.

— Está bem, querido. Cuidem-se. — A ligação caiu.

Caio guardou o celular e olhou para Miguel, que já entendia o próximo passo.

— Vamos atrás dela — Miguel disse, sem titubear. — E depois a gente cobre cada rua dessa cidade se for preciso.

Enquanto caminhavam em direção ao ponto de encontro, Caio continuava a se culpar, cada pensamento mais doloroso que o anterior. O rosto de Rafael, a última discussão, as palavras duras que dissera, tudo voltava como punhaladas. Miguel, ao lado, mantinha o passo firme, pronto para segurar o amigo caso ele desabasse.

Poucos minutos depois, avistaram Dona Eloísa perto de um poste de luz, os braços cruzados e o olhar perdido no mar escuro. Caio correu até ela, abraçando-a com força.

— Eu prometi que cuidaria dele… — Caio murmurou, a voz embargada. — E olha só o que aconteceu…

Ela passou a mão pelos cabelos dele, em um gesto de carinho que tentava acalmar.

— Isso não é culpa sua, Caio. — Seus olhos, apesar do medo, transmitiam firmeza. — O Rafael é forte. Nós vamos encontrá-lo. Juntos.

Miguel se aproximou, colocando uma mão no ombro de ambos.

— Vamos agir. Quanto mais rápido, melhor. — Ele olhou para os dois com determinação. — Não importa quem esteja por trás disso, nós vamos trazer o Rafa de volta.

E ali, de frente para o mar que tantas vezes fora cenário de momentos felizes, os três formaram um pacto silencioso: ninguém descansaria enquanto Rafael não estivesse seguro novamente.

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Foto de perfil de T. Lys. RT. Lys. RContos: 23Seguidores: 4Seguindo: 2Mensagem "Escrevo com o coração em carne viva, transformando dor, amor e redenção em capítulos que sangram poesia — onde cada palavra carrega o peso da verdade e o alívio da esperança."

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