Valentina passou o resto da tarde no sótão olhando meus quadros. Fui falar com minha mãe sobre ela dormir na nossa casa e minha mãe disse que ela era bem-vinda. Também mencionei, meio por alto, o que Valentina me havia contado sobre Donna. Minha mãe disse que Donna provavelmente tinha algum problema, que não era normal alguém fazer o que ela fez. Tive que concordar.
Voltei ao sótão e Valentina estava lá, tentando tirar alguns lençóis de cima dos quadros encostados em um dos cantos. Fui ajudá-la e ela me agradeceu com uma carinha triste. Fiquei sem jeito de perguntar, mas parecia que meus quadros lhe traziam memórias tristes do passado. Vimos vários quadros, alguns que eu já tinha até esquecido que tinha pintado. Fiquei com vergonha de alguns, pois eram bem antigos e eu sabia que não eram bons. Porém, Valentina olhava todos com muito cuidado e dava para ver o carinho que ela tinha com cada um deles, o cuidado em mover cada quadro para ver o próximo. Valentina era uma apaixonada por pinturas, assim como eu.
Quando começou a escurecer, chamei-a para descer. A luz do sótão era boa, mas não se comparava à luz do dia. Falei que no dia seguinte voltaríamos e ela concordou. Cobrimos a fileira de quadros que ela estava vendo por último e descemos. Levei-a até o quarto onde ela ficaria e perguntei se ela tinha trazido roupa. Ela disse que não é ela perguntou se ainda acharíamos alguma loja aberta para comprar algumas coisas. Respondi que sim, e saímos no carro dela para fazer compras. Valentina comprou dois vestidos, um pijama, dois conjuntos de roupa íntima, um tênis e um par de chinelos.
Passamos em uma farmácia, onde ela comprou alguns itens de higiene pessoal. Voltamos para minha casa e, assim que entramos, minha mãe disse que o jantar estava quase pronto. Fomos tomar banho e depois sentamos à mesa para jantar. Valentina elogiou muito a comida da minha mãe, com certeza ganhou uma amiga com àqueles elogios. Ela também elogiou bastante o livro da Milene e a conversa fluiu bem. Depois, Valentina perguntou se eu poderia dar uma volta na praia com ela. Ela disse que, ao voltarmos para casa, ficou olhando a praia e achou que estava muito bonita à noite. Eu, claro, não iria negar isso a ela.
Andamos pela praia por um bom tempo; Valentina estava encantada com a beleza do mar à noite. Conversamos muito, ela fez muitas perguntas sobre mim e, por algum motivo, eu me sentia à vontade para falar sobre tudo. Voltamos para minha casa depois de algumas horas, andando e conversando sentadas nos bancos do calçadão. Nos despedimos e cada uma seguiu para seu quarto para dormir.
Naquela noite, dormi bem. Estava animada, de alguma forma feliz pelo dia que tive e por conhecer melhor Valentina. Nem pensei em Donna ou no que aconteceu, mas me peguei algumas vezes lembrando do sorriso de Valentina olhando a praia à noite. Por algum motivo, o sorriso dela me fazia bem.
Acordei no dia seguinte bem cedo e, depois de fazer minha higiene matinal, fui tomar café. De longe, escutei algumas risadas e conversas animadas. Quando cheguei à cozinha, todas as mulheres da casa estavam à mesa tomando café e conversando; até nossa empregada estava sentada com elas. Juntei-me a elas e tomei meu café. Logo, Valentina me chamou para irmos ao sótão.
Passamos o restante da manhã vendo o resto dos meus quadros. Sinceramente, não tinha muitos, mas Valentina levava um tempo considerável olhando cada um deles. Quando terminamos, já era quase hora do almoço e Valentina disse que queria ir à praia durante o dia, antes de voltar para casa. Acabamos saindo lá pelas duas horas, eu, minha mãe, Milene e Valentina. Milene emprestou um biquíni para ela, que ficou ótimo. As duas tinham corpos parecidos: altas, magras e de seios médios.
Nos divertimos bastante, tomamos banho de mar, falamos sobre arte e sobre a beleza do lugar. Valentina disse que algum dia ainda queria morar em um lugar como aquele. Minha mãe comentou que, se algum dia ela decidisse, era só avisar, que procuraria uma casa ou algum terreno à venda para ela construir uma. Valentina agradeceu, mas disse que não poderia largar a galeria e provavelmente não tinha condições de comprar uma casa ali.
Eu não imaginava a mulher que via na galeria querendo morar em uma casa de praia, mas a Valentina que estava ali com a gente tinha tudo a ver com aquele lugar, principalmente por ser tão bela sorrindo, como as paisagens que nos cercavam naquele momento.
No final da tarde, Valentina disse que precisava ir embora. Insistimos para que ela dormisse na nossa casa e deixasse para ir no dia seguinte de manhã, mas ela não quis. Disse que tinha algumas coisas em casa que precisava cuidados e realmente precisava ir. Ela saiu já era quase dezoito horas, prometeu manter contato comigo e fez questão de dar um abraço em cada uma de nós ao sair.
Valentina se foi e eu entrei para dentro com um aperto no coração. Eu iria sentir falta dela, justo quando conheci ela de verdade e gostei muito do que vi, provavelmente não a veria tão cedo.
Minha semana começou e voltei à minha rotina de quando morava ali: pintar, ir à praia, ler livros sobre pintura e olhar os fóruns de pintura. Porém, por algum motivo, não estava feliz fazendo o que gostava. Na terça, entrei no meu Instagram e tinha dois pedidos de amizade, um da Valentina e um da Alexia. Aceitei os dois pedidos e aproveitei para excluir Donna, apagando também nossa conversa. Não queria nada que me lembrasse dela.
Por falar em Donna, ela não tentou entrar em contato comigo depois que bloqueei seu número. Foi um alívio, mas sua desistência fácil só me provou que ela não se importava comigo ou com o que aconteceu. Talvez fosse melhor assim; algumas coisas que acontecem são um livramento e o fato de ela ter sumido foi um deles.
A semana passou e nada de novo aconteceu, exceto que a Alexia mandou algumas mensagens no meu Instagram. Ela, como sempre, foi um amor de pessoa, disse que Valentina tinha contado o que aconteceu, que sentia muito por eu ter passado por isso. Que ficou muito feliz por eu ter aceitado o pedido de amizade dela, disse que sentia minha falta e gostava muito de mim. Eu só fui ver as mensagens depois de algum tempo, mas respondi. Agradeci e passei meu número de telefone. Disse que quase não usava o Instagram e que era para ela me chamar no zap para a gente pôr o papo em dia. Eu gostava da Alexia; ela sempre foi legal comigo e, depois de saber o que ela passou por causa das mentiras da Donna, meu carinho por ela aumentou.
Valentina não deu sinal de vida. Achei que ela iria ligar, mas não ligou, não mandou mensagem e, sinceramente, fiquei um pouco triste por isso. A gente teve momentos legais, mas parecia que ela só queria esclarecer as coisas. Bom, eu também poderia ligar, mas fiquei com medo de parecer inconveniente. Sou meio chata com essas coisas; raramente ligo para alguém, sempre fico com medo de atrapalhar.
Na quinta à noite, estava deitada na minha cama olhando para o teto e pensando no que eu iria fazer da minha vida dali para frente, quando meu celular vibrou. Era uma mensagem no zap. Abri para ver e era um número que eu não tinha, mas reconheci a foto de perfil. Era a Alexia perguntando se poderia ir com a Valentina e ficar na minha casa. Eu nem sabia que Valentina ia vir, mas aquela informação me arrancou um sorriso bobo dos lábios. Respondi à Alexia dizendo que ela poderia vir sim e que seria muito bem recebida. Ela me agradeceu e disse que a gente se veria no sábado de manhã. Fui dormir feliz naquela noite; seria muito legal rever as duas.
Minha sexta-feira demorou a passar e, à noite, Valentina me ligou perguntando se poderia ir de novo para minha casa. Disse que tinha contado à Alexia e que as duas combinaram de vir no final de semana. Mas, se não desse, elas iriam para o hotel, sem problema. Eu disse que a Alexia já tinha falado comigo e que elas poderiam ficar na minha casa sim. Valentina disse que chegariam no sábado de manhã e, caso algo desse errado, ela me avisaria. Conversamos mais um pouco e Valentina disse que cortou amizade com Donna, que só falava com ela quando era realmente necessário e que jogou na cara dela todas as mentiras que descobriu.
Não falei nada com Valentina, mas não entendia por que ela ainda deixava Donna trabalhando na galeria. Parecia que ela tinha algum compromisso com Donna. De qualquer forma, tinha certeza de que uma hora ou outra as mentiras de Donna iriam prejudicá-la ou a galeria. Mas ela deveria saber o que está fazendo.
Acabei perdendo o sono depois que Valentina desligou. Estava ansiosa, bem mais do que esperava. Demorou, mas consegui dormir e acordei animada no sábado de manhã. Mal podia esperar para ver as duas e, não demorou, elas provavelmente saíram bem cedo, porque Valentina chegou antes das oito no portão da minha casa.
Foi muito bom rever Alexia e aquele sorriso dela. Ela parecia feliz me ver também, porque além do sorriso característico, ganhei um abraço apertado. Valentina estava com uma cara ótima e um belo sorriso no rosto. Aquele olhar triste que notei nas fotos dela e em algumas vezes que havia visto parecia ter sumido. Chamei-as para entrar e fomos tomar café, logo depois de eu apresentar minha nova amiga para meu casal favorito.
Alexia quis ver minhas pinturas e eu mostrei as mais novas que ainda estavam nos cavaletes ou nas paredes do sótão. Ela elogiou bastante; não sabia se era por educação ou se realmente gostou, mas de qualquer forma, era muito bom ser elogiada pelo meu trabalho. Valentina também não poupou elogios; mesmo já tendo visto todas, ficou bastante tempo olhando os quadros.
Depois levei-as para conhecer um pouco da cidade, que era bem pequena. Almoçamos no restaurante que levei Valentina e voltamos para casa. Deixamos para ir à praia depois das três da tarde e saímos de lá às seis. Voltamos para casa e Alexia foi tomar um banho. Valentina disse que precisava falar algo muito sério comigo e perguntou se poderíamos ir a algum lugar onde não fôssemos incomodadas. Chamei-a até meu quarto, entramos e tranquei a porta por dentro. Assim que nos sentamos na minha cama, Valentina começou a falar.
Val— Nora, depois de ver suas pinturas e de conhecer você melhor no final de semana que passei aqui, fiquei a semana toda pensando em algo que quero fazer há muito tempo. Porém, não tinha encontrado a pessoa certa, mas tenho certeza de que essa pessoa é você. Então, quero muito que você faça um trabalho para mim.
Nora— Trabalho para você? Que tipo de trabalho?
Val— Não posso te contar ainda, mas garanto que é um trabalho honesto e que você vai gostar mais do que qualquer outro trabalho que já fez ou ainda fará na vida.
Nora— Desculpe, não estou entendendo nada. Como assim você não pode me contar que trabalho é esse? Nada do que você falou está fazendo sentido para mim.
Val— Eu sei, vou tentar explicar, mas como disse, não posso contar exatamente qual é o trabalho antes de você aceitar os termos.
Nora— Por favor, me explica, porque quanto mais você fala, mais eu fico confusa.
Val— Eu preciso de alguém para fazer um trabalho pessoal para mim. Não tem nada a ver com a galeria. Se você aceitar, terá que morar na minha casa ou em algum lugar perto, mas o ideal é que seja na minha casa. Esse trabalho pode levar cerca de um ano ou até mais. Então, minha proposta é que você more na minha casa, continue seus estudos e faça o trabalho para mim. Talvez dinheiro não seja algo que você se importe muito, pelo que percebi. Mas, de qualquer forma, posso te pagar cem mil adiantados e, quando terminar, talvez eu possa te pagar mais cem mil depois de dois meses. Porém não é algo que eu possa te garantir, porque vai depender do lucro que eu vou ter. Claro, isso será colocado em um contrato.
Nora— Acho que entendi, mas de qualquer forma, isso está muito estranho. Não sei se posso aceitar algo assim. Desculpe, mas sem saber o que é o trabalho, não tem como eu aceitar.
Valentina me olhou nos olhos, levantou-se, parou na minha frente, pegou minhas mãos e se ajoelhou no chão. Eu não estava esperando por aquilo e não sabia o que fazer.
Val— Por favor, Nora. Pense com carinho, é algo muito importante para mim. Sei que estou pedindo muito, mas se não fosse tão importante, eu não estaria aqui te implorando. Por favor, confie em mim. Tenho certeza de que você vai amar e vai me agradecer pelo resto da sua vida por essa proposta que, neste momento, você está prestes a rejeitar.
Nora— Tudo bem, Val. Vou pensar com carinho, mas realmente não posso te dar uma resposta agora.
Val— Você pode pensar com calma, mas seria bom você aceitar antes das aulas começarem, para não perder o ano na faculdade.
Nora— Você não pode me adiantar mais nada? E se eu aceitar, quando vou saber que trabalho é esse?
Val— Posso adiantar que, se você aceitar, vai saber mais da Libélula do que imagina. Vou te contar qual é o trabalho assim que você aceitar e assinar um contrato de confidencialidade. Sem ele estar assinado, não posso te contar mais nada. Sinto muito.
Já estava certa de que não iria aceitar. Voltar a São Paulo, morar na casa de uma mulher que eu ainda não conhecia direito, trabalhar para ela e voltar a estudar era como um filme com final ruim se repetindo na minha frente. Mas havia algo que pesava muito para eu aceitar: Libélula. Dessa vez, tinha quase certeza de que poderia descobrir tudo sobre ela, talvez até conhecê-la.
Valentina estava me dando pistas desde que chorou vendo meus quadros. Eu tinha certeza de que ela sabia quem era a Libélula, ou talvez fosse a própria Libélula.
Só sei que algo me dizia que estava pronta para me meter de novo em uma fria por causa da Libélula, mas talvez, dessa vez, valesse a pena.
Continua…
Criação: Forrest_Gump
Revisão: Whisper
(Qualquer erro, incoerência, dica, crítica ou elogio, podem deixar nos comentários 🤝🏻)
