FORA DO ESQUE [02] ~ O PASSADO DE LUCAS GABRIEL

Da série FORA DO ESTOQUE
Um conto erótico de Lucas
Categoria: Gay
Contém 2640 palavras
Data: 29/10/2025 02:31:41
Última revisão: 29/10/2025 02:32:52
Assuntos: conto, Gay, Historias, Romance

[LUCAS] ~

Doze reais. Era isso que custava entrar no Cinema Rex e "trabalhar". Nos últimos meses, aquele lugar fedorento tinha virado minha fonte de renda, vender meu corpo pra caras desesperados por sexo que jamais teriam chance comigo se não fosse pagando.

Meu nome é Lucas Gabriel. Tenho 19 anos. E nem sempre minha vida foi assim.

Devo dizer que tive uma vida difícil. Peguei HIV com um carinha do meu bairro na adolescência. Minha família descobriu. Resultado: fui expulso de casa. Duas vezes, na verdade.

A primeira vez foi quando descobriram que eu era gay. A segunda, quando o diagnóstico veio. HIV positivo. Aquelas três letras explodiram na minha frente como bomba. Meu mundo desabou. Eu não tinha conhecimento, não tinha ideia do que seria da minha vida. O que eu sabia, e o que eu esperava, era preconceito. Afinal, HIV ainda é generalizado como "doença de gay" por causa do surto de AIDS nos anos 80 e 90. E claro que isso me deixava apavorado.

Mas eu tive sorte. A equipe do SAE da minha cidade me acolheu. Me explicaram que não era sentença de morte. Não era AIDS. Eu só precisava cuidar da minha saúde, tomar os remédios direitinho, fazer acompanhamento. Simples assim. Carga viral indetectável. Vida normal. Nada de apocalipse, minha família, porém, não via dessa forma, evangélicos. Meu pai me deu uma segunda chance sob uma condição: eu ficaria na igreja. O pastor tiraria meus demônios. Orações. Jejum. Libertação. Aquela palhaçada toda. Resultado? Comi o pastor, não foi planejado. Aconteceu. E virou caso. A gente se pegava no depósito da igreja, depois dos cultos, enquanto todo mundo ia embora cantando hinos sobre pureza. Até que alguém descobriu. Escândalo. Fofoca. Meu nome na boca de todo mundo.

Fui expulso de casa novamente. Dessa vez sem perdão. Sem volta. Sem chances de viver aquela vida de mentira que nunca foi minha, eu tinha 18 anos e alguns meses. Foi assim que comecei a me virar, aluguei uma kitnet. Dormia num colchão inflável. Tinha um fogão elétrico de uma boca só e um frigobar pequeno que consegui com a ajuda do pastor, ironicamente, foi a última coisa útil que ele fez por mim. Comecei a fazer bicos. Garçom. Ajudante de pedreiro. Carregador de mudança. Qualquer coisa que pagasse. Eu trabalhava feito condenado porque era o único jeito de me distrair. De pagar aluguel. De sobreviver.

Muitas vezes eu tinha que escolher: almoçar miojo ou jantar miojo? As duas coisas eram impossíveis. Ter uma refeição digna, e quando eu falo digna, é arroz, feijão, macarrão, salada e bife, só rolava quando eu conseguia algum trocado bom. Mas isso não era sempre.

***

Eu tinha um primo. Raul, foi com ele que me descobri gay. A gente ficou várias vezes quando éramos adolescentes, aquele lance de primos que cruzam a linha e fingem que não cruzaram. Raul era a perdição em pessoa: gostoso, bonito, sensual. Ele se assumiu gay antes de mim, namorou um cara, causou um caos na família. Hoje em dia, Raul era formado em Educação Física. As fotos no Instagram dele deixavam qualquer um babando. Corpo esculpido. Vida resolvida, e Raul tinha um segredo que me contou quando ainda éramos próximos: ele era garoto de programa de luxo, ele via potencial em mim. Dizia que eu poderia ter tudo com meu corpo. Que tinha caras que pagariam muito pra me ter na cama.

Eu nunca gostei da ideia. Não no começo, talvez eu precise me descrever. Eu sou um cara relativamente normal. Não sou extremamente bonito, nem feio. Não sou aquele tipo que chega num lugar e atrai todos os olhares. A menos que eu tire a roupa. Aí a história muda. Peitoral definido. Abdômen marcado. E um pau de 21 centímetros que faz qualquer um engasgar, Raul parou de fazer programa quando começou a namorar um riquinho mimado. Nunca conheci o cara, nunca soube de muita coisa. Afinal, eu tinha minha vida. E trabalhava bastante, mas então veio a pergunta: o que eu fazia no Cinema Rex? Simples. Eu me prostituía, não me considerava garoto de programa. Não era como Raul, com clientes fixos, hotéis de luxo, jantares caros. Eu não era bonito o suficiente pra isso. Talvez quando eu ficava pelado as pessoas me olhassem com surpresa, com aquele brilho no olho que significava "caralho, que pau". E isso bastava.

No Cine Rex tinha de tudo: velhos, gordos, pais de família, caras que dariam qualquer coisa pra me ter por um momento. E aquilo virou minha válvula de escape. Tinha dias que eu fazia uns duzentos reais fazendo alguns putos gozarem. Muitas vezes eles só queriam me chupar. Me tocar. Grana fácil. Vinte aqui, trinta ali, quarenta. Eu sabia trabalhar.

Uma vez um cara falou que eu tinha potencial pra ser GP de sauna. Fui experimentar. A concorrência era outro nível. Os garotos da sauna eram o pacote completo: gostosos, musculosos, bonitos de rosto. Eu só tinha o pau grande. E olhe lá. Saí no prejuízo.

Mas eu gostava do Cinema Rex. Porque lá, eu me sentia desejado. Me sentia poderoso. Elevava meu ego. Eu sou narcisista, reconheço. E olha que eu nem sou um deus grego. Mas eu sabia usar o que tinha.

***

Era uma quinta à noite. Eu estava no Rex desde a tarde, chegou um cara. Devia ter uns 1,81 de altura, gordinho, acima do peso. Ele me olhou e eu saquei na hora: ele ia querer algo, tirei a roupa. Mostrei meu pau e me ofereci, ele me alisou. Trocamos algumas palavras. Fomos pra cabine, transamos. Eu tinha tomado um tadalafila antes porque, sinceramente, ele não me excitava. Não me deixava com tesão. Era só trabalho. Eu era bom no que fazia, modéstia à parte. No final, ele me deu uma nota de cinquenta reais e agradeceu pela performance.

Eu não tinha um tipo específico de homem que me atraía. Mas já tinha tido um namorado. Erick. Ele era gostosinho. Todo malhado. Bonito. Fazia faculdade de Direito. A gente se conheceu no Grindr, ficamos várias vezes, virou namoro. Terminou por traição, minha, dele, tanto faz. Mas esse namoro me deu uma coisa boa: Diego.

Diego era meio que apaixonado por mim. Erick já tinha falado sobre isso algumas vezes, apontado situações. E eu vi nele uma oportunidade, Diego não me atraía. Nem fisicamente, nem sexualmente. Então eu dava migalhas pra ter ele por perto. Às vezes ele buscava coisas pra mim. Me chamava pra sair. A gente treinava junto. Ele era legal. Um bom amigo.

Eu acho que ele esperava que um dia a gente fosse ficar. Mas isso nunca esteve nos meus planos. Eu sempre quis usar Diego. No começo era pra ganhar alguma coisa. Mas aos poucos fomos construindo uma amizade. Pra mim, era amizade. Pra ele, eu sabia que existia amor platônico. Admiração. Esperança, a possibilidade de rolar algo entre nós? Zero.

***

Diego trabalhava numa rede de supermercados. E conseguiu uma entrevista pra mim. Aos 19 anos, eu estava entrando pra trabalhar de CLT. O salário era bom. Tinha vantagens. Eu teria dinheiro fixo. Podia pagar meu aluguel sem desespero. Comer melhor. Começar a comprar minhas coisinhas, eu estava feliz. Diego era um bom amigo por ter conseguido essa vaga, ele tinha um cargo melhor — supervisor de algum setor. Eu ia trabalhar no estoque. Reposição de produtos. Trabalho pesado. Mas eu tinha músculo. Tinha corpo. Dava conta, quando fui me apresentar na empresa, tive uma surpresa. O gerente era o cara do Cinema Rex. O gordinho de 1,81 que gemeu gostoso pra mim naquela cabine fedorenta.

Me perguntei se ele lembrou de mim. Ou se fingia não lembrar, ele não fazia meu tipo. Jamais ficaria com ele se não fosse pagando. Mas eu vi ali uma vantagem. Sabia do segredo dele. E segredos são moeda de troca. Não contei pra ninguém. Nem pro Diego. Afinal, Diego não sabia do meu trabalho no Cinema Rex. Ninguém sabia. E eu podia usar essa informação no futuro. Quando precisasse de algo. Seria minha carta na manga.

O gerente se chamava Rodrigo, ele explicou as diretrizes da empresa, as regras, os horários. De vez em quando trocávamos olhares. Nada demais. Comecei a trabalhar. Vez ou outra a gente se cruzava pelos corredores, mas nunca trocamos assunto. Só olhares.

No supermercado tinha uma gay chamada Billy. A famosa gay de patins. Todo supermercado tem uma. Billy ficava de lá pra cá, cantarolando, com aquele jeito afeminado que fazia todo mundo rir. Ela era divertida. Astral lá em cima. Mas não era o tipo de pessoa com quem eu me sentaria no refeitório pra comer. Ou chamaria pra balada. Ela era engraçada de longe.

A primeira semana no Louds foi incrível. E cansativa, eu sabia que quando o gerente não estava nos corredores ou na frente da loja, estava no escritório. E sabia que ele tinha acesso ao circuito interno de segurança, muitas vezes — não sei por quê — eu imaginava que ele poderia estar me vendo de alguma forma. Então eu fazia coisas. Discretas. Pegava no meu pau sem querer. Levantava a camisa e mostrava o abdômen, como se estivesse com calor, era um tiro no escuro. Ele não tinha me abordado. Mas eu fazia essas coisas de propósito. Caso chegasse alguma reclamação ou aviso de supervisor, eu falaria que foi sem querer, o Rodrigo não sabia, mas eu ia fazer da vida dele um inferno.

***

Depois da minha primeira semana no mercado, tivemos uma espécie de feriado corporativo: a Convenção dos Funcionários do Louds. Uma data em que todos trabalhavam meio expediente e depois se reuniam numa festa chata com palestras motivacionais e discursos sobre "família Louds". Quem trabalha em comércio, especialmente supermercado, sabe que só fecha em algumas datas: 25 de dezembro, 1º de janeiro, 1º de maio. E o Louds tinha essa convenção anual que juntava todo mundo num evento com ar de obrigação disfarçada de celebração.

Naquele dia, me sentei ao lado do Diego, a convenção era no centro de convenções, e tinha quase 15 mil colaboradores presentes. O presidente do Louds estava no palco falando algumas coisas sobre crescimento, metas, valores. Seu nome era Jorge Silva. Um homem bonito e atraente. Cabelos grisalhos bem-cortados. Corpo atlético pra idade dele. O tipo de velho que envelhece bem.

Mas o que realmente me chamou atenção foi quando um garotão subiu no palco pra falar no microfone. Ele devia ter uns 25 anos, talvez mais. Bonito. Chamava atenção de todo mundo. Corpo definido embaixo da camisa social branca. Olhos marcantes, azuis ou verdes — não dava pra saber daquela distância. Branquinho. Cabelo loiro escuro penteado pra trás. Sorria fácil, do jeito que gente rica sorri: sem preocupação.

Seu nome era Luke Silva, eu só soube quem ele era depois.

— Quem é o playboy? — perguntei ao Diego, inclinando a cabeça na direção do palco.

— Luke. É o filho do dono. O herdeiro do grupo Louds — Diego respondeu sem tirar os olhos do celular. — Gatão, né?

— Nossa, sim. Tem uma beleza diferente — eu disse, e senti aquele formigamento no estômago que não sentia fazia tempo. — Ele é gay?

— É, sim. Mas infelizmente ele não é pro nosso bico — Diego deu aquele sorriso meio amargurado que ele sempre dava quando falava de caras fora do nosso alcance. — Acho que ele jamais ia sair com alguém do nosso nível.

— Se ele me ver pelado, acho que sai — falei, apertando meu pau por cima da calça jeans e vendo Diego suspirar.

Ele odiava quando eu fazia isso. Odiava e adorava.

— Ele tem um pau grande — Diego soltou de repente, baixando a voz. — Uma vez falei com ele pelo Grindr. Pelo meu perfil fake, óbvio. Ele mandou uns nudes. E nossa, ele é bem gostoso.

— Você tem fake? — perguntei, surpreso. Diego sempre pareceu certinho demais pra esse tipo de coisa.

— Às vezes é bom tirar uma certa onda — ele falou de forma malandra, aquele tom que eu nunca tinha visto nele.

— Porra, ele é muito gostoso, esse Luke — eu disse, olhando pro palco enquanto Luke gesticulava falando sobre expansão da rede, sei lá. — Olha esse lábio. Essa voz. Esse jeito. Puta que pariu.

— Se apaixonou? — Diego perguntou, e tinha uma pontada de ciúme na voz.

— Com certeza.

Diego deu uma risada curta.

— Ele ia casar recentemente com um playboy. Mas cancelaram o casamento quando já estavam todos os convidados reunidos. E até hoje ninguém sabe por quê.

— Sério? Como você sabe disso? — perguntei, curioso.

— Uma amiga de uma amiga tem uma mãe que trabalha na mansão deles. E passou toda a fofoca pra rádio-peão do Louds. Então a gente sabe sobre bastante coisa da vida deles — Diego falou aquilo com orgulho, como se fosse jornalista investigativo.

— Será que ele tá no Grindr agora? — perguntei, não dando trela pra fofoca que Diego contava. Eu só pensava no Luke.

— Acho difícil. Mas tenta aí.

Acabei não abrindo o Grindr. Fingi prestar atenção na palestra, depois que Luke saiu do palco, fiquei olhando ele conversando com outras pessoas, rindo, cumprimentando funcionários. E seria doentio da minha parte dizer que me apaixonei à primeira vista por Luke? Claro que isso seria algo completamente impossível. Luke era milionário. Herdeiro. Acho que jamais teria chance com alguém assim. Mas tentei memorizar cada centímetro daquele corpo, daquele jeito de andar. Não sabia quando teria a chance de vê-lo novamente, então Diego me cutucou.

— Olha lá. O Rodrigo ganhou prêmio.

Olhei pro palco. Nosso gerente, Rodrigo, estava subindo os degraus com aquele jeito desajeitado de quem não gosta de atenção. Jorge Silva entregou a ele uma placa. "Melhor Gerente e Equipe Mais Bem Avaliada". Nossa loja tinha ganhado entre as outras 15 da rede.

Teve salva de palmas. Rodrigo agradeceu com a voz baixa no microfone e desceu rápido.

Obviamente, fui perguntar mais sobre ele pro Diego.

— O gerente, você acha que ele curte? — perguntei, fazendo aquele gesto com a mão que significava "gay".

— Curte, sim — Diego respondeu. — Tem alguns boatos que já correram pelos corredores. Mas nunca soube de nada específico ou de fonte cem por cento confiável. Dizem que ele já saiu com alguns funcionários. Mas é algo muito no sigilo. E quem come ele tem certas regalias na empresa — Diego me olhou de lado. — Você se interessou por ele?

— Por ele não. Por regalias, sim — falei, sorrindo e tentando arquitetar algum plano na minha cabeça.

— Mas ele é legal. É um bom gerente. Os funcionários e clientes adoram ele.

— Ele pode ser legal, mas é feio, gordo e mal vestido — falei com a crueldade casual que eu sempre usava. — Não faz meu tipo. Jamais ficaria com ele. A não ser se fosse por interesse. E um interesse muito bom.

— Credo, Lucas — Diego fez cara de espanto. — Não sabia que você era assim.

— Agora sabe. Que eu não sou santinho — falei, piscando o olho pra ele e apertando meu pau de novo por cima da calça.

Diego engoliu seco.

— Dizem que os que não prestam são os melhores — ele murmurou, aquela voz baixa e carregada.

— Com certeza. Só você perguntar ao seu amigo Erick o quanto eu era bom de cama.

— Você se acha, né? — Diego falou, mas estava me olhando com desejo.

E era nessas horas que eu sabia que podia dar alguma brecha. Algum sinal de que ele podia avançar. E então, no momento exato, eu simplesmente mudava o foco da conversa. Mudava o rumo. Desviava.

Era como se eu fosse um peixe e Diego o pescador. Ele jogava a isca. Eu mordia. E quando ele ia puxar, quando ia me fisgar, eu dava um jeito de pegar a isca e não ser preso.

Isso fazia parte do meu eu. Como eu disse, eu queria usar o Diego. Mas no fundo, eu gostava da amizade. E sabia que pra continuar nossa amizade, de vez em quando eu precisava dar essas migalhas pra ele, migalhas que o mantinham preso. Que o mantinham esperando.

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Comentários

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Caraca a coisa está esquentando. Será que vai rolar umas chantagens pra gerar regalias e até uma grana extra. Com Luke acho que não rola mas com o gerente vai ser facim facim. Aguardando ansioso.

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Conto cruel como a realidade é

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Esse será um pouco! E bem realistas sem grandes fantasias ou pessoas bem ricas! Mas quero abordar temas que não são bem abordados! Acho que será uma saga boa de acompanhar

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