Era 2010, Marina estava no auge de sua adolescência, beirando os dezoito anos. Sua beleza era singular, impossível de ignorar onde quer que exibisse seus longos cabelos ruivos escorridos em sua pele extremamente alva. Seu corpo possuía curvas bem definidas e volumes precisos, embora isso fosse quase imperceptível sob suas longas roupas recatadas. Marina foi ensinada desde cedo a agir como uma boa cristã de família classe média.
Com arranjos familiares cuidadosamente planejados, Marina iniciou um namoro com Leonardo Macário, herdeiro da família fundadora da congregação que ela frequentava desde criança com os pais. Quando o jovem Leonardo começou a demonstrar interesse por Marina, os pais dela prontamente a incentivaram a conhecer melhor o rapaz. Foi assim que ela entregou suas promessas de futuro ao jovem, mas desejava entregar seu coração a outro.
O namoro arranjado entre os jovens uniu as duas famílias, trazendo aos pais de Marina cargos de destaque na congregação, onde passaram a organizar eventos da igreja e a ganhar um bom dinheiro extra. Enquanto isso, quanto mais tempo Marina passava com Leonardo, menos o suportava, e quanto mais o conhecia, mais seu desejo se voltava para Ícaro.
Opa… parece que fui rápido demais ao ponto. Mas, já que comecei…
Ícaro era um velho colega de escola de Marina que se tornou um grande amigo. Ao contrário dela, ele era um jovem irresoluto e desvairado, apesar dos pais dele também serem cristãos e também frequentar a congregação dos Macário. Ícaro, desde o ensino médio, tornou-se para Marina um símbolo de tudo o que sua reprimida adolescência cristã tentava calar.
Marina chegou a recriar de forma caricatural “A Queda de Ícaro” de Pieter Bruegel, o Velho. Mas, diferente da pintura renascentista, em seu desenho não tinham asas derretidas e nem queda: ao lado de Ícaro, Marina alçava voo, livre e inteira, por um céu que só existia em seus pensamentos. Ela nomeou sua releitura de “O Céu de Ícaro”. O caderno que guardava a ilustração era o seu santuário secreto, e o único lugar onde podia se permitir desejar alguém que sua razão dizia ser a pessoa errada.
Anos atrás, ainda no ensino médio, o laço entre eles era algo bem tímido. Somente três anos depois, já no curso pré-vestibular, que os dois se aproximaram, tecendo os primeiros fios de uma amizade mais íntima. Foi, também, quando Ícaro começou a perceber os primeiros olhares cobiçosos de Marina, carregados de um desejo que ele não ousava decifrar. Apesar dos atributos sedutores da amiga o atraírem, ele se recusava a acreditar que ela, com aquela beleza angelical e ar tão púdico, pudesse querer algo “terreno” com alguém como ele, um espírito desregrado perdido em seu próprio caos.
Sem querer e quase sem notar, Marina era muito transparente com Ícaro. Seus sentimentos se revelavam claros como água. Ícaro tentava ficar indiferente, mas eles sempre estavam próximos, almoçavam juntos no intervalo, pegavam o mesmo ônibus e, as vezes, até saíam mais cedo do curso para andar pelo centro da cidade enquanto conversavam sobre suas vidas. Aos poucos, a intimidade entre eles cresceu. Marina passou a ser chamada de “Nina", enquanto Ícaro ganhou o apelido de “meu Anjo".
Com o tempo, a candura de Marina deixou de inspirar indiferença e começou a alimentar em Ícaro fantasias ousadas, carregadas de um desejo profano e transgressor. Mas ele mantinha sua luxúria em segredo, consciente de que os sentimentos entre eles podiam ser distintos. Até que, numa fria quinta-feira de inverno daquele ano, Marina decidiu dar um grande passo na relação dos dois durante uma conversa sobre suas vidas amorosas que parecia descontraída.
— Acha que o Leonardo combina comigo? – perguntou Marina.
— Como o pão e o vinho na santa ceia – respondeu Ícaro, com um toque de humor.
— Quando quer, você sabe ser ridículo – ela retrucou, rindo.
— Mas, apesar disso, estou sendo sincero, Nina.
— Sei bem. Mas, na verdade, eu e o Léo apenas habitamos o mesmo mundo, mas nossas essências são completamente distintas.
— O que quer dizer? – Ícaro percebeu o tom da conversa mudar e, de fato, queria entender por que Marina trazia isso à tona com ele.
— O que quero dizer é que estou muito mais para você que para ele – Marina sentiu como se uma enorme carga fosse tirada de suas costas.
— Nina… – foi tudo o que Ícaro disse, captando o significado oculto nas palavras de Marina, que continuou, deixando ainda mais claras suas intenções.
— Eu, sem hesitar, deixaria o Leonardo por você… se também fosse a tua vontade.
Os sentimentos de Marina por Ícaro pareciam genuínos e profundamente puros. Diferente dos dele por ela. Ao ouvir a confissão da amiga, Ícaro refletiu sobre o quão sujo ela o acharia se suspeitasse das indecências que ele as vezes alimentava em segredo quando estava com ela, embora ele só a tratasse com respeito, amizade e carinho. “Se ela soubesse… talvez até me odiasse”, ele pensou.
— Eu tenho quase certeza de que gosto mesmo de você, meu anjo – ela completou, quebrando o breve silêncio constrangedor entre eles.
— Eu te quero muito bem, mas isso está confuso para mim. Não sei ao certo o que te dizer – respondeu Ícaro, revelando sua perturbação.
— Diga apenas “sim” ou “não”, mas, por favor, diga algo! – exclamou Marina.
Ícaro se sentiu encurralado e tomado por culpa. Deveria ter sido tão claro quanto ela desde o primeiro olhar provocador que ela lhe lançou. Foi ingênuo ao pensar que, sendo Marina tão reservada e ainda comprometida com um jovem de família religiosa e influente, os sentimentos dela não iriam além de uma amizade profunda ou, no máximo, uma paixão platônica.
Notando a inquietação do amigo, Marina refletiu que talvez tivesse errado ou se apressado ao revelar tudo tão de repente, decidindo então não insistir.
— Se quiser um tempo para pensar nisso, eu te dou.
A compreensão de Marina pesava sobre a consciência agitada de Ícaro, forçando-o a reconhecer o quanto deixara a situação evoluir até ali. Isso despertou nele um impulso de sinceridade irresistível, levando-o a agir com uma transparência rara.
— Na verdade, Nina... talvez eu não precise desse tempo – Ícaro fez um breve silêncio antes de prosseguir… — Para mim você é uma amiga preciosa e adorável, mas não sinto o mesmo por você.
Fez-se um breve silêncio entre eles, até que Marina baixou a cabeça e continuou.
— Eu me sinto uma tola – disse ela, acompanhando as palavras com um sorriso forçado. — Espero que me desculpe por essa confusão, achei mesmo que você também pudesse… – antes que ela concluísse, Ícaro a interrompeu.
— Não precisa se desculpar nem se sentir assim. Sou eu quem deve pedir desculpas por, de algum modo, ter te dado essa impressão.
— Tudo bem, meu Anjo.
— Espero que isso não afete a nossa amizade – disse Ícaro, buscando uma confirmação dela.
— Eu também – respondeu ela, com a voz carregada de pouca esperança.
Após aquele momento, um silêncio pesado se instalou entre eles. Só trocaram algumas palavras novamente após o fim da última aula, enquanto caminhavam para o ponto de ônibus. No trajeto para casa, conversaram sobre trivialidades, mas o silêncio e os olhares desviados logo voltavam. Ao chegarem ao bairro onde moravam, Ícaro se despediu quando ela virou para a rua de sua casa.
— Até amanhã, Nina! Descanse bem.
— Você também, Ícaro.
Foram as últimas palavras trocadas entre eles por quase dois dias, já que Marina faltou ao curso no dia seguinte, uma sexta-feira. Naquela época, o WhatsApp ainda era algo distante, ela o enviou algumas SMS, que, por descuido, só as viu no sábado.
* * *
Ícaro havia começado a treinar boxe três vezes por semana, incentivado pelo amigo Fernando, seu vizinho da frente, com quem já praticava Karate Kyokushin há uns cinco anos. Seu despertador tocava fielmente às oito da manhã nos sábados – dia do treino de boxe pela manhã –, mas, após chegar tarde na sexta-feira, o sono profundo o impediu de ouvir o alarme. Só percebeu o atraso ao ouvir batidas fortes na porta do quarto, imaginando que fosse sua mãe, e a abriu ainda meio adormecido.
— Tá tudo bem, mano?! – disse Fernando, seu amigo de sempre com seu humor característico.
— Nando… acabei dormindo demais, foi mal. Em dez minutos estou pronto – explicou Ícaro, apertando a mão do amigo.
Depois de um banho apressado, enquanto tomava seu café da manhã, Ícaro finalmente viu as mensagens de Marina no celular. Eram três mensagens.
Na primeira mensagem, enviada por volta do meio-dia, ela explicava que faltaria o curso naquela sexta por não estar se sentindo bem. Horas mais tarde, numa segunda tentativa de contato, pedia que ele a respondesse assim que possível. Já a terceira mensagem, foi quase às nove da noite:
[NINA - sexta-feira, 20:41 p.m.] “Sei que teve seus motivos para não me responder. Mas espero que esteja tudo bem contigo. Estou indo dormir. Se puder, passa aqui amanhã depois do treino. Não sei se ainda lembra, mas é meu aniversário (haha). Seria legal te ver. Beijos!”
Ícaro teve mesmo um motivo, mas já estava atrasado para o treino e, perdido entre a pressa e a dúvida, não sabia o que responder. Pegou uma peça extra de roupa, enfiou-a na bolsa e partiu com Fernando rumo à academia. No caminho, desbloqueou o celular e escreveu à amiga a seguinte mensagem:
[ÍCARO - sábado, 09:57 am] “Nina, minha querida, me perdoe. Tive um imprevisto na volta do curso ontem e, pra piorar, o celular ficou sem bateria. Quando cheguei, já era tarde e estava exausto, só consegui pôr o celular para carregar e tomar banho antes de cair no sono. Mas depois do treino a gente conversa. Até logo!”
Horas mais tarde, já nos vestiários da academia, enquanto a água escorria das duchas, Fernando, de dentro de sua cabine de banho, questionou Ícaro sobre sua falta de foco no treino daquele dia.
— Sei que ainda tá pegando o jeito no boxe, mas hoje você esteve horrível, mano! – Fernando sempre leve e bem-humorado, mesmo ao abordar algo desconfortável.
Ao ouvir a observação do amigo, Ícaro, da cabine ao lado, apenas respondeu que estava preocupado com algo, mas que não podia entrar em detalhes naquele momento. Antes que pudesse se justificar melhor, o celular vibrou dentro da bolsa. Ele enxugou as mãos na toalha e atendeu:
— Alô?! – fez uma pausa, enquanto escutava. — Ah, é você Nina… – outra pausa breve. — Estarei saindo em alguns minutos… – mais uma... — Ok, até logo! – e desligou.
Do outro lado, Fernando não ouvira muito além do nome “Nina” e do “até logo”. Ainda assim, juntou as peças: conhecia Marina o suficiente para imaginar que a distração do amigo tinha relação com ela. Afinal, já ouvira dela mesma sobre os sentimentos que nutria por Ícaro. Mas optou por deixar o assunto de lado.
Na volta para casa, Ícaro mencionou que precisava passar na casa dela para lhe dar os parabéns e perguntou se o amigo o acompanharia. Fernando respondeu que talvez não fosse uma boa ideia.
— Você sabe que a família conservadora dela detesta essa “monstruosidade diabólica” que eu sou – falou com ironia, fazendo aspas com os dedos ao repetir como os pais dela costumavam se referir a ele, por ser homossexual.
Os dois riram, zombando do preconceito ridículo daquela família.
— Tudo bem, mano. Então te vejo em alguns minutos e a gente conversa melhor sobre hoje.
— Combinado!
Apertaram as mãos em despedida. Fernando seguiu descendo a rua, enquanto Ícaro virou à direita, em direção à casa de Marina, localizada numa das áreas mais nobres do bairro.
* * *
Marina morava em uma casa relativamente ampla, construída em linhas modernas, pintada em tons claros e adornada com detalhes sofisticados demais para o padrão modesto daquele bairro. Seu quarto ficava no primeiro andar, isolado e elegante, tipo nos contos em que as princesas ficam ponto mais alto da torre.
Acabara de tomar banho e ainda vestia um roupão macio enquanto repousava sobre a cama, cercada pelo conforto, lançando um olhar carregado de hostilidade enquanto lia e relia o e-mail que Leonardo, seu namorado, havia lhe enviado na última quinta-feira. O conteúdo daquele e-mail nublou os seus pensamentos e despertou nela um comportamento diferente.
O toque da campainha ecoou, dissipando parte da névoa de sentimentos sombrios que envolviam Marina. Sabia que era Ícaro na porta e que, dali em diante ela, finalmente, se rebeleria contra seus próprios pudores.
Do lado de fora, Ícaro ouviu os passos suaves dela ressoando na madeira da escada. Seu coração acelerou de repente, como um aviso de algo imprevisível iria ocorrer. Segundos depois, a maçaneta girou lentamente e a porta se abriu com suavidade, revelando apenas os cabelos ainda úmidos e o brilho penetrante dos olhos dela por trás da fresta. Ele também notou um sorriso sutil.
— Que bom que você veio, meu Anjo – murmurou ela, com uma doçura que carregava algo de perigoso.
Os olhos cor de mel de Marina encontraram a escuridão profunda dos olhos castanhos de Ícaro. Aquele encontro de olhares parecia um embate entre céu e inferno.
— Vamos, entre! – disse ela, convidativa.
— Com sua licença, Nina – respondeu Ícaro, com um sorriso encabulado.
Ao entrar naquela sala ampla, banhada por um fiapo de luz que surgia sutilmente do longo corredor, Ícaro se viu em um lar envolto em quase total escuridão. Ironicamente, como se as trevas tivessem tomado um espaço dedicado a cultuar a luz de algo sagrado.
Quando Ícaro virou-se para Marina, comentando sobre a ausência de luz, seus olhos captaram o que antes lhe escapara: ela estava coberta apenas por um roupão branco, que mal disfarçava a seminudez por baixo do tecido macio.
Um sobressalto breve percorreu-lhe o corpo ao imaginar a possibilidade de os pais dela estarem por ali. No entanto, a razão logo se impôs. Marina jamais o receberia daquela forma se não estivesse completamente sozinha.
A consciência dessa intimidade repentina fez o ambiente parecer ainda mais fechado, com algo que ia além da simples amizade.
— Onde estão seus pais, Nina?
— Igreja… dia de estudo bíblico – respondeu ela, aproximando-se lentamente. Trazia um copo d’água nas mãos e tomou um gole antes de continuar. — Vão demorar. Ainda irão ao centro pegar as encomendas da minha festa de aniversário.
— Hum… entendi – murmurou Ícaro, já um pouco mais aliviado. Seus olhos voltaram a pousar sobre ela. — A propósito, Nina… – agora com uma malícia contida no olhar – Meus parabéns!
— Obrigada, meu Anjo! – ela respondeu, notando que havia conquistado a atenção que buscava dele.
Entretanto, Marina queria ir além. Sabia que para transformar seus desejos em realidade teria que ser mais ousada. Foi exatamente como ela procedeu a partir dali.
— Então, amigo… veio apenas me desejar parabéns ou trouxe algo especial para mim? – perguntou ela, com a voz aveludada e uma malícia quase inocente.
De imediato, Ícaro captou as intenções escondidas na pergunta, embora achasse difícil que ela realmente estivesse agindo daquele modo. Ele pensou em várias respostas, mas nenhuma saiu de sua boca.
— Nina… infelizmente não trouxe nada além das minhas palavras.
Enquanto Ícaro tentava formular a resposta, ela se aproximou ainda mais, e ele, recuando meio desajeitado, acabou caindo sentado no sofá.
Marina pousou o copo d’água no braço do sofá e, fitando Ícaro, cruzou os braços. Seus seios, já generosos, ficaram ainda mais evidentes, quase despontando do roupão e atraindo ainda mais atenção do amigo.
— Não se faça de bobo, Ícaro… – exclamou Marina.
Sem mais dissimulações, num gesto súbito, Marina se lançou sobre Ícaro, caindo sentada em seu colo. As pernas, firmes e salientes, envolveram o tronco dele como se quisesse prendê-lo à ela, como se tivesse ensaiado tal movimento inúmeras vezes.
Instintivamente, Ícaro a segurou pela cintura, tentando recuperar o controle da situação. Os seios dela, agora perigosamente próximos, saltavam à altura do seu rosto – e, por um breve instante, ele pôde vislumbrar as delicadas auréolas rosadas que o roupão mal escondia.
Ícaro sentiu o sangue pulsar entre as pernas, despertando desejos que ele tentou conter. A razão alertava que aquilo não podia estar acontecendo. Marina era virgem, comprometida e filha de uma família rigorosamente religiosa. Se alguém descobrisse, eles estariam em sérios apuros.
Marina, sobre o colo de Ícaro, sentiu o falo dele crescer e pressionar contra seu sexo. Apesar disso, notava o amigo hesitar, então apelou.
Com um movimento súbito, deixou-se cair de vez sobre ele, arrancando-lhe um beijo. Ícaro a pegou pela cintura, mãos firmes, puxando-a para ele. Mas logo recobrou sua consciência e tentou afastá-la.
Nessa “luta” em cima do sofá, Marina acabou derrubando o copo d’água sobre eles, molhando parte de seu roupão e encharcando a frente da bermuda fina de Ícaro, marcando o pênis que se revelou firme sob as roupas.
— Perdão pelo meu descuido, Ícaro… – disse Marina, com um sorriso discreto ao perceber o volume sob a bermuda molhada.
— Tudo bem, Nina – respondeu ele, pondo as mãos entre as pernas, tentando disfarçar.
Diante daquilo, Marina confirmou que as coisas seguiam no caminho certo. Em seguida, caminhou com passos lentos até o início do corredor, de onde vinha aquele leve brilho de luz.
— Venha comigo até meu quarto… – disse, voltando-se para ele com um olhar doce e intenso. — Não pode sair daqui molhado assim. Tenho um secador no banheiro.
Ícaro a seguiu, cada vez mais ciente de para onde tudo aquilo poderia levá-los. Por mais perigosa que aquela situação fosse – e ele sabia bem que era –, resistir estava se tornando uma tarefa quase impossível. Sentia-se imobilizado pelo perigo.
Marina caminhava com uma graça natural pelo corredor mal iluminado. Ícaro a seguia logo atrás, completamente hipnotizado pelo balanço dos quadris sob o roupão molhado – que marcava suas curvas quase com precisão. Ela lançou um breve olhar por cima do ombro – um gesto simples, mas devastador – e o flagrou ali, rendido à sua sensualidade divina, que o atraía e atormentava ao mesmo tempo.
— Por aqui – disse ela, entrando no quarto.
Era do quarto dela que emanava aquele vestígio de luz, como um paraíso escondido em meio às trevas. O ambiente era impecavelmente organizado, revelando traços delicados de sua dona: uma escrivaninha com um laptop aberto, algumas folhas empilhadas com cuidado e um organizador repleto de lápis e canetas.
A penteadeira, posicionada logo abaixo de uma janela fechada, estava coberta por uma linda cortina branca adornada com pequenas luzes azuis que cintilavam em um ritmo quase hipnótico. Ao lado, um pequeno closet e, no centro do cômodo, destacava-se uma cama ampla, que exalava conforto e aconchego.
— Tome – Marina entregou uma toalha para Ícaro e apontou a direção do banheiro. — O secador está na pia.
Ao entrar no banheiro, Ícaro certificou-se de trancar a porta. Não queria correr o risco de outra atitude inesperada dela. Enxugou-se devagar, tentando organizar os pensamentos e decidiu que, assim que saísse dali, iria direto para casa. Quando ele finalmente saíu…
— Foi muito bom te ver hoje, Nina, mas eu tenho que…
Ícaro parou ao ver o quarto quase mergulhado na escuridão, salvo pelas luzes azuladas que revelavam Marina deitada na cama, o roupão aberto, exibindo uma calcinha curta, que delineava a fenda entre suas pernas, e os seios totalmente expostos. Aqueles mamilos pontudos pareciam o encarar nos olhos.
— O que você tá fazendo?! – perguntou, embora soubesse exatamente o que ela pretendia.
— Tudo bem, Ícaro. Eu quero isso e você também. Eu sei que você sempre me desejou dessa forma – disse ela, com uma calma assustadora.
— Por favor, Nina… Não seja tão impulsiva! – Ele respondeu tentando convencer mais a si mesmo do que a ela. O corpo, no entanto, o traía… O suor denunciava o turbilhão que crescia por dentro.
Marina caminhou lentamente até ele. Então, sem aviso, puxou-o contra ela, agarrou-o com força. Os seios nus dela se comprimiram contra o peito de Ícaro. E ela sentiu o pênis dele, mais duro, pressionando contra a virilha dela.
— A minha pureza… – sussurrou ela, encostando o rosto ao dele – …não é digna do teu despudor, meu Anjo?
Por trás de Ícaro, sobre a escrivaninha, havia uma caixinha de música com um pendrive. Marina a alcançou e pressionou o “play”. Para o espanto de Ícaro, o álbum Facelift do Alice In Chains começou a pesar no ambiente, ecoando os primeiros acordes de ‘We Die Young’. O tipo de som que ele só ouvia às escondidas em casa.
Aquele quarto agora era a prisão de Ícaro – e a chave, render-se à sua luxúria.
Marina não parecia mais temer o pecado. Ele percebia isso em cada movimento dela, na coragem de se revelar por completo para ele. Até que ele também se despiu das incertezas e culpas antecipadas.
No fim, eram só dois adolescentes. Vulneráveis, inconsequentes e embalados por emoções que ainda não sabiam nomear.
Envolvendo-o com um dos braços, Marina pressionou mais forte. Seus dedos subiram até a nuca dele, tocando-o com ternura ardente. O sussurro dela veio como um feitiço ao ouvido:
— “Beije-me com os lábios da tua boca; porque mais gostoso é o teu amor do que o vinho” – recitou ela. Era o segundo versículo dos cânticos de Salomão.
Os versos ecoaram entre eles, tão antigos quanto o próprio desejo. Havia nos olhos dela um fogo que o desarmava. Ícaro não resistiu.
♬ “Down, down, down you're rolling [...] And we die young” – a música ecoava.
— Que seja! – pensou Ícaro. — Foda-se Deus e o mundo!
E então, puxando-a subitamente, mergulhou a língua sedenta na boca de Marina. Beijou-a com uma vontade feroz. Entrelaçaram suas línguas em um embate úmido e selvagem.
Foi um choque, uma explosão de tudo o que vinha sendo contido. Beijaram-se, morderam-se… Ícaro fez o mesmo no pescoço dela. Marina se perdeu entre os cabelos dele, sentindo seu cheiro e, com os lábios quase colados ao ouvido dele, recitou outra vez:.
— “Suave é o aroma do teu perfume; o teu nome é para mim como perfume derramado; Nenhuma virgem deixaria de amá-lo” – seu tom oscilava entre a prece e o gemido.
Aquelas palavras atravessaram Ícaro como um raio. Havia nelas algo de proibido, de divino e impuro ao mesmo tempo. Soava quase como uma blasfêmia, por isso era tão excitante para ele.
As mãos dele seguraram Marina com firmeza pela cintura, colocando-a de joelhos sobre a cama. Os seios dela, fartos e firmes, exibiam mamilos endurecidos de desejo, um convite para que ele os provasse – e ele estava sedento por isso. Mas foi ela quem, num gesto faminto, puxou o rosto dele contra seus pomos.
A cada toque da língua de Ícaro em seus mamilos, Marina sentia estremecer cada nervo do seu corpo, descobrindo os primeiros caminhos para o prazer. Ele variava os movimentos e alternava entre lambidas e sucções. Ela, apertando-o com força, gemia baixinho no seu ouvido pedindo para não parar.
— “És para mim como um ramalhete de mirra, posto entre meus seios”.
Aqueles versos antigos seguiam saindo dos lábios de Marina, entrecortados pela respiração ofegante, transformados de sagrado a feitiço. Ela não só estava se entregando ao prazer carnal, desafiava algo que, para ela, era profundamente sagrado. Ícaro a escutava com espanto e desejo. Sentia-se tragado por uma força que o arrastava para o abismo da tentação.
Tomado por impulsos fervorosos, Ícaro deslizou as mãos até as bordas da calcinha dela e começou a puxar para baixo. Marina se levantou, facilitando a remoção. Por um momento, ele ficou imóvel, deitado sobre o travesseiro macio e admirando acima aquela linda tulipa entre as pernas dela, ainda por desabrochar.
— Nina, quero beijar teus lábios de baixo – rogava Ícaro. — Vem, senta sobre meu rosto!
Assim Marina o fez. Desceu e, com suas coxas, envolveu a face de Ícaro, repousando sobre os lábios molhados dele. Sentiu a língua dele resvalar ao redor dos lábios maiores da sua boceta, agarrou-o forte pelos cabelos. Quase por instinto, passou a mover os quadris, rebolando sobre a língua dele, guiando os caminhos que seu clitóris deveria seguir.
♬ “I think of you / Oh, yes I do / Such a crime” – (Sea of Sorrow).
Marina arqueou o corpo, dominada por uma sensação que beirava o êxtase. O nome dele escapava entre gemidos trêmulos e blasfêmias, como um verso arrancado dos próprios Cânticos.
— “Os ‘meus’ lábios gotejam a doçura dos favos de mel, ‘meu Anjo’!!!” – parafraseou com a voz embargada, explodindo em um intenso gozo. — “Leite e mel estão agora debaixo da tua língua!!!” – completou, ofegante, quase em pranto de prazer.
As pernas dela se contraíam em fortes espasmos. Nunca pensou que pudesse sentir algo tão intenso algum dia, como se a alma lutasse para permanecer dentro da carne. O quarto parecia pulsar junto com seus batimentos. A luz azulada, a música, o som dos gemidos… a atmosfera se tornava um misto de adoração e sacrilégio.
Exausta, Marina apenas recuou o corpo e se deixou cair de bruços sobre Ícaro, sentindo o pênis dele, ainda tão rígido quanto antes.
Ícaro a envolveu em seu calor, uma mão percorrendo as suas costas, a outra, deslizando sobre as carnes daquela bunda volumosa. A respiração dos dois se misturava em um compasso irregular, compartilhando suor e perfume.
Com urgência quase selvagem, Ícaro desejava penetrá-la com tudo. E ela, ainda ofegante sobre ele, também o queria com a mesma vontade – mas o corpo pedia um instante de respiro, um breve silêncio antes que o fogo voltasse a consumir tudo.
♬ “My cup runneth over / Like blood from a stone” – Iniciava ‘Bleed The Freak’, a quarta faixa.
— “Levanta-te, vento norte, e vem tu, vento sul; invade o meu jardim, para que exalem os seus aromas” – Marina sussurrou de repente no ouvido de Ícaro, a voz baixa e vibrante.
Ele sentiu o arrepio percorrer-lhe a espinha quando ela se ergueu sobre ele. Havia chegado a hora. Com gestos lentos, Marina o foi libertando das roupas. Cada peça retirada era um convite, um rito de revelação.
Por um instante, Marina se surpreendeu ao tocar o falo rijo de Ícaro – estava enorme. Ocorreu-lhe um breve receio, mas nem por um instante cogitou recuar. Em vez disso, elevou-se sobre os joelhos como uma sacerdotisa de Vênus, oferecendo-se, empunhou o membro pulsante e, com movimentos delicados, deslizou-o pelos lábios úmidos do sexo dela – tendo cuidado para que não a invadisse preciptadamente.
Como um sátiro em êxtase, Ícaro deixava escapar gemidos suaves que ecoavam como um hino pagão. Marina esfregava a glande dele na superfície molhada da boceta, era uma tortura prazerosa. A cada fricção, Ícaro ansiava por possuí-la por inteiro.
— “Ah! ‘Meu Anjo!’ Entre no seu jardim…” – gemeu ela, afundando-se aos poucos no pênis de Ícaro –, e coma os seus excelentes frutos!!!”
Um urro quase primal irrompeu de Ícaro quando sentiu o leve estalo das portas do jardim se rompendo; a tulipa, enfim, desabrochara. Um fio modesto, rubro como o vinho derramado nos altares de Baco, escorria pelo corpo firme do membro fálico. Marina, alheia, continuou a mover os quadris sobre ele com toda sua graça, subindo e descendo em um ritmo cadenciado. Ele, inebriado pelo êxtase, desejou nunca mais sair daquele jardim – agora transformado em altar de transgressões.
♬ “Name your God and bleed the freak [...]” – ressoava o refrão – “[...] I'd like to see how you all would bleed for me”.
Notando que Ícaro estava prestes a atingir o ápice, Marina interrompeu de súbito sua dança luxuriosa. Ele protestou em silêncio, mas ela se levantou, deixando escorrer gotículas dos fluidos heréticos de sua iniciação profana. O pênis dele tremulava no ar, implorando por mais, enquanto ela caminhava nua, radiante em sua formosura, envolta pelas luzes azuladas que realçavam cada curva sua.
Marina parou diante da escrivaninha e apoiou as mãos sobre a madeira fria, o olhar voltado para ele. Arqueou-se, erguendo os glúteos em oferenda.
— Vem! Agora quero te sentir por trás — ordenou, enquanto lambuzava os dedos com seu próprio néctar, preparando a porta oculta de seu jardim com um gesto deliberado.
Ícaro se surpreendeu com tamanha ousadia, mas a determinação de Marina e o desejo ardente de atingir o gozo falaram mais alto. Assim, ele apenas obedeceu. Iniciou bem devagar, como ela havia feito antes. Deslizou sua glande ao redor do anus dela – apesar de bem lubrificado, era muito apertado. Conseguiu penetrar pela metade, e permaneceu assim, em movimentos cuidadosos. Seguiu penetrando sua ninfa celestial por trás sem cessar, sua excitação escalava em níveis absurdos.
Pouco a pouco as estocadas aumentavam, o som dos golpes úmidos ecoava pelo quarto. Marina sentia um leve ardor misturado ao calor entre suas coxas, enquanto estimulava o clitóris, à beira de outro gozo. Ícaro também se aproximava do ápice, o calor dos glúteos dela se chocando contra ele incendiava seus sentidos, esforçou-se para controlar os movimentos e não machucá-la.
Ambos estavam imersos no mais puro tesão. Gemidos bestiais escapavam entre seus dentes cerrados, até que seus corpos foram tomados por uma explosão de prazer. O último urro de júbilo ecoou, fundindo-se à música.
♬ “Set me free, yeah!!!” – (Sunshine).
* * *
Com a força da última estocada, Marina foi impelida para a frente. Debruçou-se sobre o laptop, sem qualquer domínio do próprio corpo. Os seios pressionaram as teclas, fazendo a tela se acender em meio à penumbra
Já Ícaro, deixou-se desabar na cadeira ao lado, seus nervos pulsavam freneticamente. À medida que o fogo se dissipava, a consciência voltava pesada. Não por ele, mas por Marina. O que haviam feito era o tipo de transgressão que, se descobrissem, traria grandes consequências – para ela principalmente.
— Isso foi perfeito, Nina, mas… ao mesmo tempo, perigoso e… errado – ele tentou articular, ainda ofegante. Duvidava das próprias palavras.
— Não tem “mas”, meu Anjo. Está feito! – disse ela, segura.
Erguendo-se da escrivaninha, Marina ajeitou os cabelos e olhou o laptop – a tela acesa exibia o e-mail de Leonardo. Não se sentia mais abalada por aquilo, a transa desregrada com Ícaro não foi só sua iniciação no sexo, foi um ritual de libertação.
— Veja! – ela apontou para a tela. — Errado é fingir ser o que não é, enganar as pessoas, usar dos privilégios para humilhar os outros…
Ainda inebriado pelo êxtase, Ícaro precisou apertar os olhos para enfrentar o brilho da tela. Levou alguns segundos até compreender o que via.
Eis o e-mail:
[ “Desista desse jogo duro comigo, dê-me seu corpo de uma vez. O que não falta na igreja são irmãzinhas querendo o sobrenome Macário” ].
Acima da mensagem, uma foto anexada: um casal seminu – enquadrado da cintura para baixo –, em uma cama luxuosa, pernas enroscadas num gesto inconfundível.
— Antes que pense, não te usei. Isso não foi vingança, foi libertação… ou o começo dela – explicou-se Marina.
♬ “Love, sex, pain, confusion, suffering” – a melancólica ‘Confusion’ reverberava pelo quarto.
Aquilo explicava muito para Ícaro. Marina jamais teria se rebelado de forma tão ímpia sem algum gatilho. Se ele não soubesse o quanto ela o amava, teria se sentido usado. Pensou: — Que seria o sexo, se não uma arte em que, de alguma maneira, usamos uns aos outros?
— Nina, eu só espero que isso não abale nossa amizade…
— Só se tivesse sido ruim, Ícaro – respondeu ela, com um meio sorriso.
Beijaram-se outra vez – foi a última. Segundos depois, escutaram a porta da sala se abrindo: os pais dela haviam chegado. Ícaro apanhou sua bolsa e vestiu-se às pressas, enquanto Marina correu para o banheiro. O quarto ainda exalava o cheiro selvagem do pecado.
— Marina! Por que está trancada? Já vamos preparar sua festa – chamou a mãe, batendo à porta.
— Estou no banho, mãe! Já saio! – respondeu ela, tentando controlar a voz trêmula.
Marina calculava como tirar Ícaro dali sem alarde quando o viu afastar as cortinas e abrir a janela. Não era alto, mas ainda arriscado. “Ele não seria tão louco…”, pensou. Mas, num gesto rápido, ele sentou-se no parapeito e olhou-a uma última vez antes da fuga.
— Nina… independente do que esteja pensando em fazer daqui por diante, cuide-se!
O que Marina desejava, no fundo da alma, era que Ícaro, “seu Anjo”, fosse a fonte perene de seu jardim. Mas ele fora apenas a chave que abriu as portas de um paraíso que ela estava decidida a desbravar sozinha.
— Não precisa se preocupar, meu Anjo.
Então Ícaro saltou. Aterrissou desajeitado no beco. O estrondo fez o pai de Marina abrir a janela da sala para espiar, mas tudo o que viu foi um balde de lixo caído e a noite surgindo.
— Droga de ratos! – resmungou. — O dedetizador terá que vir novamente!
* * *
No dia seguinte, apenas Fernando soube do que acontecera entre os dois – cada um contou, sem imaginar que o outro já havia feito o mesmo.
— Não tem ninguém certo nessa história?! – brincou Fernando, fazendo Marina rir da própria confusão.
— No fim, Nando… ninguém está totalmente certo ou errado – respondeu ela, pensativa. — Às vezes, nossos erros são apenas sintomas dos erros cometidos contra nós.
Marina e Ícaro nunca mais repetiram aquele encontro. Ela soube, algum tempo depois, que ele estava se envolvendo com uma modelo alternativa chamada Dayana – a verdadeira razão do atraso dele na sexta anterior. Um leve ciúme a tomou no início, mas logo se dissolveu. Compreendeu que o que viveram não precisava se repetir para continuar existindo. Tornaram-se ainda mais próximos. O pecado compartilhado tinha selado entre eles uma espécie de pacto silencioso, impossível de ser quebrado.
Um mês depois, quando a pressão por um noivado se tornou insuportável, Marina rompeu de vez o namoro forçado com Leonardo. Os Macário se afastaram da família dela. Aos poucos os pais dela foram perdendo os poucos privilégios que ainda tinham na congregação. Vieram as discussões, os julgamentos, e o peso de um silêncio crescente entre eles.
Certa manhã, sem suportar mais a hipocrisia, Marina rebelou-se. Afastou-se de vez da igreja, confessou que já não era mais virgem e, aos vinte anos, mudou-se para a cidade vizinha, onde passou a viver com uma prima. Permitiu-se recomeçar.
Entre o céu que lhe prometeram e o inferno que escolhera, Marina descobriu o paraíso dentro de si.
[ FIM! ]
