DISCERE 2 - TEMPO DE AMAR - CAPÍTULO 5: ECO E NARCISO

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 3044 palavras
Data: 01/10/2025 12:52:57

As colinas da Beócia mergulhavam no silêncio, exceto pelo canto suave dos riachos e pelo farfalhar do vento entre os pinheiros. Eco caminhava sozinho por essas veredas sombrias, com o peito carregado de um peso que não sabia nomear. Sua maldição — imposta por Hera, ciumenta e cruel — impedia-o de falar livremente. Suas palavras já não eram suas: só podia repetir as últimas sílabas ditas por outros. Era um fardo insuportável para um jovem de voz bela, cujo canto antes encantava vales inteiros.

Naquele dia, porém, o silêncio foi quebrado por passos leves, quase arrogantes, sobre as pedras do bosque. Narciso surgia, belo como um raio de sol filtrado entre as árvores, os cabelos dourados caindo sobre os ombros, os lábios desenhando um sorriso sempre seguro de si. Seus olhos pareciam refletir o próprio céu — ou talvez ignorar tudo ao redor.

Eco, escondido atrás de um tronco, sentiu o coração disparar. Jamais vira beleza tão viva. O corpo do caçador era firme, moldado como se os deuses tivessem esculpido cada traço com cuidado. Eco quis saudá-lo, quis dizer-lhe algo, mas sua maldição só permitiria repetir aquilo que Narciso dissesse.

— Quem está aí? — perguntou Narciso, a voz firme ecoando pelo bosque.

— ...aí — respondeu Eco, com a mesma entonação, incapaz de dizer mais.

Narciso franziu o cenho, curioso, e seguiu o som. Encontrou Eco de pé, envolto em folhas e musgo, os olhos ardendo de desejo e medo. Nunca vira alguém assim, tão selvagem e tão humano.

— Venha até mim — disse Narciso.

— ...até mim — devolveu Eco, se aproximando, os pés quase flutuando no chão coberto de raízes.

O olhar dos dois se encontrou, e por um instante, o mundo pareceu suspenso. Eco quis abraçá-lo, quis explicar sua paixão, mas não podia. Narciso, acostumado a ser admirado, confundiu aquele silêncio com mera adoração — não percebeu a alma profunda por trás daqueles olhos.

— Você me deseja? — perguntou Narciso.

— ...deseja — murmurou Eco, o rosto rubro.

Quando tentou tocá-lo, Narciso se afastou, o sorriso se tornando frio.

— Como ousa? Você não é digno de mim.

Eco quis implorar, quis explicar que não era insolência, mas amor — mas só pôde repetir, num sussurro dilacerante:

— ...de mim.

Ferido, humilhado, Eco correu para as montanhas. Ali definhou, dia após dia, recusando alimento, até que seu corpo frágil perdeu forças. Aos poucos, a carne se foi, os ossos viraram pedra, e restou apenas sua voz, que vagava pelos vales, repetindo tudo o que era dito, como uma lembrança eterna de seu amor não correspondido.

Enquanto isso, Narciso, indiferente à dor que causara, seguiu caçando até chegar a uma fonte cristalina no coração do bosque. Curvou-se para beber, e então viu, refletido na água, um rosto perfeito. Seus olhos, seus lábios, sua própria beleza devolveram-lhe o olhar como nenhum outro jamais fizera. Narciso se apaixonou perdidamente — sem saber que era por si mesmo.

Dia após dia, ele permaneceu ali, contemplando a imagem, incapaz de afastar-se, murmurando palavras de amor que só Eco, agora incorpóreo, repetia nos vales:

— Eu te amo...

— ...te amo...

A sede e a fome o consumiram. Quando Nêmesis, a deusa da justa vingança, julgou sua arrogância, permitiu que Narciso fosse tragado pelo desejo impossível. Ele tombou à beira da fonte, os olhos ainda fitando a própria imagem, e onde seu corpo caiu, nasceu uma flor pálida e dourada: o narciso.

E assim, na solidão do bosque, Eco e Narciso permaneceram unidos de um modo cruel e eterno — uma voz que nunca se cala e uma beleza que jamais poderá ser tocada, ambos condenados pelo mesmo amor impossível.

*************************

João Paulo despertou sobressaltado, o coração martelando no peito como se tivesse corrido quilômetros. O quarto estava mergulhado na penumbra, iluminado apenas pela luz fria que entrava pela fresta da janela. O ar lá fora beirava os dezesseis graus, mas o suor escorria por sua testa e encharcava a camiseta.

O sonho ainda pulsava na sua mente: ele estava em um bosque antigo, cercado por árvores úmidas e um riacho silencioso. Era Eco, ou melhor, Narciso — ele não sabia bem —, mas sentia o peso da solidão e da vaidade esmagando seus ombros. O reflexo na água o encarava como um estranho apaixonado.

Com um suspiro pesado, sentou na beirada da cama, respirou fundo e caminhou até a cozinha em busca de água. Os azulejos frios sob os pés descalços o fizeram estremecer, mas a sensação era até reconfortante depois do calor do pesadelo.

Sobre a mesa, encontrou um bilhete com a letra familiar da mãe:

"Filho, come direitinho. Eu vi que não tocou na janta de ontem. Deixei um café da manhã reforçado. Te amo."

João Paulo sorriu ao ler, sentindo o peito aquecer. Pegou o copo d'água e, por um instante, o reflexo no vidro fez o sonho voltar com força. Narciso.

Pensou no rapaz. Tão bonito, tão distante, como se fosse feito de uma luz que não alcançava gente comum como ele. Devia estar acostumado a ser desejado — e, provavelmente, já tinha ficado com outras pessoas tão bonitas quanto ele mesmo.

— É a lei da vida. — Refletiu amargo, se encostando à pia. — Os bonitos ficam com os bonitos.

O copo agora estava vazio, mas a sensação de inferioridade continuava pesando. João Paulo se sentia pequeno, não só por causa do rosto simples ou do cabelo bagunçado, mas porque via na escola todos os sinais de quem tinha mais: roupas caras, celulares de última geração, risadas fáceis de quem nunca precisou contar moedas.

— Ele nunca se apaixonaria por mim — murmurou para si mesmo, olhando em volta da cozinha silenciosa.

O bilhete da mãe, o sonho estranho e o nome de Narciso rodavam na sua mente. João Paulo suspirou, guardou o copo na pia e ficou alguns segundos parado, como se esperasse que o reflexo na água dissesse alguma coisa de volta.

***

O instituto inteiro parecia respirar fofoca. Os corredores, antes tomados pelo barulho costumeiro de passos e risadas, agora se enchiam de sussurros abafados e olhares enviesados sempre que Noah passava. A notícia da sabotagem na prova de fogo havia se espalhado com a velocidade de um rastilho de pólvora, e não havia grupo de alunos que não comentasse, entre cochichos, sobre o suposto envolvimento dele.

Noah já conhecia aquela sensação. A lembrança ainda doía: o ano anterior, quando seu pai fora acusado de suborno para manter a cadeira no senado. Por semanas, seu nome não significava nada além de escândalo, e ele mesmo quase perdera o direito de estudar ali. Desde então, aprendera a erguer a cabeça e a seguir em frente, ainda que o peso dos olhares fosse constante.

Mas Valentim não compartilhava dessa mesma resignação. O rapaz, apoiado nas muletas por causa do gesso, tinha o olhar faiscando cada vez que um comentário maldoso se tornava alto o suficiente para ser ouvido. E não deixava passar.

— Repete isso de novo, pra ver se eu não te faço engolir essas palavras. — disparou ele a um garoto que, segundos antes, tinha rido com os amigos.

O grupo recuou, surpreso com a ousadia, mas logo outros cochichos surgiram por trás, mais abafados, porém insistentes. Noah suspirou, fechando os olhos por um instante.

— Valentim, por favor, para com isso. — pediu em tom baixo, quase suplicante. — Revidar só vai piorar as coisas.

— Piorar? — Valentim se virou para ele, indignado. — Noah, você não deveria passar por isso. Não deveria baixar a cabeça por algo que não fez.

Os olhos de Noah refletiram um cansaço profundo. Ele não queria prolongar aquela conversa, não ali, não naquele momento. Apenas baixou o olhar, fixando-o nos pés do namorado.

— Estou acostumado com essa situação, Valentim. — disse, firme, ainda que sua voz carregasse uma sombra de tristeza.

— Mas não deveria estar. — retrucou o outro, ainda mais exaltado.

— Podemos só... mudar de assunto? — pediu Noah, num tom quase suplicante. — Amanhã você se livra do gesso, não é?

Valentim permaneceu em silêncio por alguns instantes. Ele conhecia Noah o suficiente para perceber que insistir só o machucaria mais. Respirou fundo, deixando escapar o ar lentamente.

— Noah...

— Por favor, Valentim. Vamos conversar sobre qualquer outra coisa. — implorou ele, com um olhar que pedia descanso.

Enfim, Valentim cedeu. Um meio sorriso surgiu em seu rosto, e o tom da voz suavizou.

— Sim, amanhã eu tiro essa porcaria. — murmurou, batendo de leve no gesso. — Já estou pronto para dar mais uma volta na Doce de Leite. Eu sei que no fundo daquele coração equino ainda existe uma vaga pra mim. Afinal, eu consegui uma vaga no coração do dono dela.

Com um gesto rápido, ele se inclinou e depositou um beijo no rosto do namorado. Noah arregalou os olhos, nervoso, e olhou em volta.

— Valentim, para... — pediu, aflito, ciente de que mais olhos estavam sobre eles.

Valentim apenas sorriu, com aquele jeito provocador de sempre.

— Já estão falando, meu amor. — sussurrou, sem a menor intenção de recuar.

***

A sala estava silenciosa enquanto João Paulo e Narciso se posicionavam diante da turma para apresentar o trabalho de filosofia. O tema daquele semestre era "Eco e Narciso", e, como parte do cronograma, os alunos deveriam desenvolver uma série de projetos explorando diferentes leituras do mito. Naquela ocasião, coube a eles realizar uma análise sobre a obra, destacando a tragédia de dois personagens marcados por amores não correspondidos.

A voz de João Paulo foi firme ao narrar os pontos principais: Narciso, um jovem de beleza incomparável, desejado por ninfas e mortais, mas incapaz de retribuir qualquer sentimento; Eco, a ninfa condenada a repetir apenas as últimas palavras que ouvia, definhando ao ter seu amor rejeitado. O mito, concluíram, trazia não apenas a dor do não correspondido, mas também a advertência contra a vaidade desmedida, simbolizada pela flor que nasceu no lugar da morte de Narciso.

Apesar da clareza, algo destoava. Os dois não se olharam sequer uma vez durante a apresentação. A fala parecia ensaiada, mecânica, quase como se fossem duas máquinas recitando trechos memorizados. Até mesmo Narciso, que sempre imprimia ironia e presença em tudo o que fazia, se mostrava apagado, sem a irreverência que o tornava reconhecido pelos colegas. A atmosfera era estranha. Desde o episódio na biblioteca, quando Narciso preferiu se calar e se acovardar diante de algo que João Paulo esperava dele, uma barreira se erguera entre os dois.

Para Narciso, a sensação era inédita. Ele, acostumado a conseguir tudo com facilidade, sentia-se agora diante de uma porta fechada — e justamente a porta da única amizade que não se importava com seu brilho de celebridade.

— Parabéns, meninos. — A professora sorriu, fazendo algumas anotações. — João Paulo, amei a sua defesa, mas quero mais naturalidade. Aproveita que você tem um ator ao seu lado e pede umas dicas.

A turma riu discretamente, alguns abafando gargalhadas.

— Narciso, você também está um pouco tenso, mas, no geral, foi um bom trabalho. — A mulher levantou os olhos e encarou a turma. — Só que vocês vão precisar de mais jogo de cintura. O próximo projeto será uma encenação da história.

Um burburinho de desânimo percorreu a sala. Alguns alunos suspiraram alto, outros baixaram a cabeça, decepcionados com a notícia.

— Calma, pessoal. — A professora ergueu as mãos. — Como eu disse, temos um ator entre nós. Narciso, você pode ajudar os grupos?

— Claro. — Respondeu ele, com um sorriso automático. A fachada de bom moço vinha em primeiro lugar, mesmo que por dentro só quisesse dizer não.

Quando a aula terminou, os alunos começaram a sair em pequenos grupos, conversando sobre a apresentação e já reclamando da próxima etapa. Narciso, porém, não se moveu de imediato. Esperou João Paulo recolher os papéis e ajeitar a mochila.

— João... — Chamou, hesitante, mas mantendo a voz baixa para não atrair olhares.

João Paulo não respondeu. Apenas ergueu o rosto por um instante e o fitou com frieza, como se a distância entre eles fosse agora um abismo impossível de atravessar.

— A gente precisa conversar. — Insistiu Narciso, tentando disfarçar a urgência em seu tom.

— Não tenho nada para falar. — João Paulo foi seco, quase ríspido, colocando a alça da mochila no ombro e saindo em passos firmes.

Narciso permaneceu parado, sentindo a recusa como uma pancada. Não estava acostumado a ouvir um "não", muito menos a sentir alguém se afastar sem olhar para trás. João Paulo sempre fora diferente dos demais, alguém que não via nele a imagem da celebridade, mas sim do amigo. Agora, restava-lhe apenas o silêncio — e a dolorosa dúvida se havia perdido o único laço verdadeiro que tinha.

***

A Escola Discere fervilhava de rumores. A sabotagem na prova do fogo ainda era o assunto mais comentado nos corredores, e não demorou para que os pais dos alunos pressionassem a direção exigindo respostas imediatas. Depois de uma reunião de emergência entre o conselho de pais e o corpo administrativo, veio a decisão inesperada: a Gincana dos Quatro Elementos estava oficialmente encerrada.

A notícia caiu como uma bomba entre os estudantes. Alguns ficaram indignados, pois queriam continuar a disputa, enquanto outros respiraram aliviados — afinal, nem todos eram fãs de ter que correr, pular ou suar em nome do espírito competitivo da escola. Para substituir a competição, a direção anunciou que seriam criados clubes temáticos, e os alunos tinham até o fim do dia para apresentar propostas de grupos a serem aprovados.

No gramado do pátio, sob um sol tímido que tentava enganar o frio cortante, Valentim caminhava de um lado para o outro, indignado:

— Isso é uma puta sacanagem! — gritou, chutando a grama seca.

— Cê quer ficar quieto?! — Karla segurou-o pelo braço, forçando-o a parar.

Valentim respirou fundo, mas continuou resmungando.

— Ah, desculpa. Estou puto. Puxa, agora que ia ser a minha chance de brilhar... sem aquele maldito gesso no meu pé!

— Pelo menos, a gente vai poder focar em outras coisas importantes... — tentou Breno, sempre racional.

— Breno, meu querido amigo, Breno — disse Valentim, dramático, abrindo os braços como se estivesse em um palco. — A gincana era vital para a nossa comunidade acadêmica. O momento de confraternização... e de humilhar os inimigos!

Enquanto Valentim discursava, Noah folheava atentamente um formulário. Sem levantar os olhos, anunciou:

— Estou pensando em criar um grupo LGBTQPIA+ no Discere.

— Clube? — ecoaram Karla, Breno, Valentim e João Paulo quase ao mesmo tempo, espalhados pela grama como gatos preguiçosos aproveitando o sol fraco.

— Sim — confirmou Noah, finalmente erguendo o olhar. — Preciso me manter ocupado. Achei uma boa ideia debater assuntos importantes pra nossa comunidade. Quem sabe trazer palestras sobre saúde mental... e ISTs.

Antes que pudessem comentar, Narciso surgiu cercado de seus fiéis seguidores, interrompendo a tranquilidade da conversa com o mesmo charme insolente de sempre.

— João Paulo! — chamou, com um sorriso calculado. — Vamos, você tem uma masterclass de atuação agora. Projeto de filosofia, lembra?

João Paulo suspirou. Não queria ir. Sabia que seria alvo de olhares e, provavelmente, de comentários venenosos. Mas também não queria dar munição para reclamações sobre sua ausência. Relutante, se levantou, bateu a poeira da calça, se despediu dos amigos e seguiu com Narciso e o pequeno séquito em direção ao anfiteatro, enquanto os amigos observavam em silêncio.

O anfiteatro estava iluminado apenas pela claridade filtrada das janelas altas, criando sombras compridas que dançavam pelo chão de madeira encerada. Narciso falava com a segurança de quem sabia ser observado. Caminhava pelo espaço com postura impecável, explicando como manter a voz firme, projetar a presença e se portar diante de uma câmera — como se fosse natural estar no centro de todos os olhares.

João Victor, sempre aplicado, anotava cada palavra, a caneta riscando o caderno com rapidez. João Paulo, por outro lado, mantinha os braços cruzados, olhando mais para o relógio de parede do que para o improvisado professor.

— Agora, vamos praticar — anunciou Narciso, distribuindo folhas com um diálogo curto entre Eco e Narciso. — Formem duplas.

Os alunos se espalharam em pares pelo anfiteatro, mas, no fim, João Paulo ficou sozinho. Narciso ergueu a sobrancelha, quase divertido, e caminhou até ele com ares de quem sabia exatamente o efeito que causava.

— Parece que sobrou pra mim — disse Narciso, entregando-lhe o roteiro. — Vamos lá?

Eles se afastaram do grupo, indo para um canto mais silencioso. Narciso explicou, com voz baixa e cadenciada:

— A cena é simples. O personagem Narciso está à beira do riacho, observando o próprio reflexo, quando ouve passos atrás de si. Ele chama. Eco aparece. Só que Eco não pode falar nada além do que repete.

— Entendi — respondeu João Paulo com secura. — Eu sei ler um roteiro.

— Beleza. — Narciso se jogou no chão com elegância ensaiada, encenando o jovem vaidoso diante do lago. Virou-se com brusquidão e perguntou: — Quem está aí?

— ...aí — repetiu João Paulo, com a voz baixa.

Narciso franziu o cenho, intrigado com a entrega fria do colega, e se aproximou. Fingiu arrancar uma folha imaginária do cabelo de João Paulo, estreitando os olhos.

— Você me segue? — indagou Narciso, dando meio sorriso.

— ...segue — murmurou João Paulo, incapaz de sustentar o olhar por muito tempo.

— O que quer de mim? — Narciso deu um passo adiante, deixando a tensão pairar no ar.

— ...de mim — João Paulo respondeu, agora com a voz embargada, como se implorasse por algo que nem ele sabia explicar.

Os olhos de Narciso brilharam — um misto de encanto genuíno e leve impaciência.

— Fala! — ordenou, firme, como se desafiasse João Paulo a sair do personagem.

— ...fala — respondeu João Paulo, batendo a mão contra o peito como quem tenta quebrar uma prisão invisível. As lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto, e sua interpretação deixou o silêncio pesar entre eles. Narciso conteve o impulso de sorrir; não esperava tamanha entrega.

Mas João Paulo não estava apenas atuando. Lembrou-se do sonho perturbador que tivera dias atrás, no qual ele próprio era Eco — condenado a repetir, sem nunca ser ouvido — e Narciso permanecia inatingível, encantado apenas consigo mesmo. O mesmo Narciso que, na vida real, preferia manter distância quando era hora de defender os amigos contra Gabriel.

O nó na garganta apertou. Incapaz de continuar, João Paulo deixou o roteiro cair no chão, enxugou as lágrimas com a manga e saiu correndo do anfiteatro, sem dizer palavra.

Narciso ficou parado por um instante, dividido entre a vontade de ir atrás e o receio de chamar estragar as coisas. Não podia arriscar comentários dos colegas. Voltou sua atenção para o centro da sala, disfarçando a inquietação ao observar os outros alunos tentarem encenar a mesma cena — todos corretos, mas sem a mesma intensidade que João Paulo havia acabado de mostrar.

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