Passei praticamente toda a noite em claro. Amarrada e deitada na areia com Isaac dormindo atrás de mim, só me permitia alguns cochilos acidentais acompanhados por pesadelos sobre o que vi ocorrer com Rivel naquela noite. Eu permaneci atenta daquele jeito até que todos se levantassem. Tinha medo de Isaac tentar alguma coisa enquanto eu dormia. Acordado, me lembrava bem, ele não parava de olhar para meu corpo ainda despido.
Desesperançosa, recitava em silêncio para mim mesma as palavras que tanto repeti no dia anterior. Sobre sobreviver, ser resiliente e manter a calma. Pensava que elas me trariam força, mas nada parecia funcionar mais do jeito que deveria ser. Ainda assim, sabia que tinha de priorizar a minha sobrevivência e, se possível, escaparia daquela situação.
Marcos poderia facilmente ter me matado, mas não o fez. Eu era uma garota, afinal, mais uma posse de seu império nojento e, sabia, pela forma como todos os garotos me olhavam, cobiçada. Ele provavelmente não me reconhecia como ameaça e eu estava determinada a fazer daquilo seu grande erro.
Como Isaac executou bem sua função de me conter enquanto Marcos discussava e torturava Rivel, foi anunciado a todos que agora eu seria sua “esposa”. Não deixaria aquele nojento tentar nada comigo. Era o que pensava, mas sabia que aquela era apenas uma questão de tempo. Afinal, eu estava ainda rendida, completamente nua e, quando ele tivesse vontade, faria o que quisesse comigo. Pedi a terra e aos céus que não ocorresse quando nos deitamos na areia ou quando dela nos levantamos e, felizmente, tive as preces atendidas. Isaac, assim como todos no grupo, ainda estavam chocados com o que testemunharam na noite anterior. Não parecia haver clima para tal. Eu me perguntava por quanto tempo as coisas permaneceriam assim.
Na manhã em que despertamos, não me foi permitido trabalhar em nada. Isaac me puxava pelas cordas de cipó que prendiam minhas mãos atrás das costas por todo lugar que ia. Aparentemente, eu tinha ainda de provar minha lealdade antes que meu status de prisioneira se alterasse para membro do grupo. Vi o gordo rapaz, usando apenas uma saia de folhas, colher suprimentos, trabalhar nas construções de madeira e andar a esmo pela praia enquanto seus olhos nojentos não paravam de analisar cada detalhe de meu corpo.
Nos observando o tempo todo também, pendurado pelo pescoço em um coqueiro, o corpo de Rivel começava a emitir odor. O desgraçado do Marcos sequer lhe deu um enterro digno, mas expôs a carcaça pálida do rapaz em um local bem visível que servisse de exemplo a todos nós. Após matá-lo, o vi assar o javalí que trouxe na fogueira e devorá-lo junto ao grupo, com frieza e ao lado do cadáver de Rivel. Me foi oferecido um pouco da carne do animal para comer, mas recusei. Estava ainda enojada pelo que acabara de testemunhar, estômago embrulhado não pela brutalidade do ato, mas pela inação de todos ali presentes. Como Parãdiyhó, violência não devia ser algo novo para mim, mas parte constante e natural do ciclo da vida. O que me incomodava mesmo era a covardia.
Naquela manhã, me arrependi por não ter me alimentado na noite anterior. Estava morrendo de fome e fui forçada por Isaac a continuar andando sem um momento de descanso. Eu sabia que deveria me misturar, mas, quando olhava para aquele grupo, só conseguia pensar em como, se prosseguisse com eles, morreria. Eles possuíam muitos caras fortes e até mulheres que trabalhavam arduamente a mando de seus “maridos”, mas eram extremamente desorganizados. Parecia que cada um fazia o que queria e quando queria, sem uma noção muito forte de coletividade ou disciplina. As pessoas não priorizavam estocar suprimentos ou dividiam tarefas para o bem de todos, mas se ocupavam com tarefas individuais, se alimentando de recursos naturais quando eles se faziam disponíveis.
Vi alguns garotos brigando por um punhado de caranguejos assados, outros caras se esforçando em construções de ocas de madeira para puxar o saco de Marcos e garotas se humilhando, seduzindo os rapazes para conseguir proteção e comida. Como lider, Marcos achava graça em tais situações, mediava conflitos facilmente com sua presença temida e dava ordens sem sentido que eram cumpridas de imediato. Em um momento, o vi transando com Maria, a céu aberto e sem se importar com os olhares de todos em volta.
Pelo que percebi, descontentamento com baixa variedade alimentar era algo constante naquele local em que a dieta de todos era composta basicamente por frutos do mar de procedência duvidosa. Talvez por isso, a caça que trouxe para eles foi consumida tão rapidamente, desaparecendo até sobrar apenas os ossos em poucos minutos. Alguns garotos, Oliver inclusive, tentava obter sucesso pescando peixes, mas, após uma manhã sem conseguir, se resignou a capturar caranguejos como os outros caras faziam. Era possível que o motivo de eu ainda estar viva fosse aquele javali. Pudera, aqueles garotos da cidade não aparentavam ter qualquer habilidade com caça. Talvez soubessem que precisavam de mim.
Portanto, bolei um plano para tentar fugir daquele local. Contei a Isaac que ainda possuía duas armadilhas largadas na floresta não muito longe dali. Disse-lhe que, com certeza, as duas já deviam ter capturado algo. Era verdade a parte das armadilhas, mas seu sucesso era incerto. Com vontade de comer carne mais uma vez, ele comunicou a Marcos tal informação.
Era de se esperar que ninguém ali confiasse em mim, todavia fosse certo o fato de eu ser mais capaz que qualquer um de sobreviver frente a tal situação. Ainda assim, Marcos autorizou nossa expedição. Estava confiante que Isaac seria capaz de me conter quando sozinho comigo no meio da mata. Eu faria daquele seu grande erro. Quando sozinha com Isaac na mata, daria um jeito de escapar.
***
O sol filtrado pela densa copa das árvores projetava padrões cambiantes no chão da floresta, onde a luz e a sombra dançavam em um eterno jogo de esconde-esconde. O ar era espesso, úmido e pesado com o cheiro de terra molhada, decomposição e a vida exuberante que pulsava em cada centímetro quadrado daquele lugar. Insetos zuniam em harmonias dissonantes, e os gritos ocasionais de aves distantes ecoavam como advertências sinistras.
Isaac caminhava atrás de mim, segurando com força a corda de cipó que me arrastava como um animal. A faca curta e suja em sua outra mão estava apontada para minhas costas e eu sequer tinha autorização para olhar para trás enquanto dava um passo após o outro, adentrando com ele na floresta cada vez mais profunda. Meus pulsos, cruelmente torcidos nas costas, latejavam com uma dor constante, cada puxão daquele babaca renovando a agonia.
“Anda mais rápido!" ele rosnava impaciente ao longo de toda a tarde sempre que a fadiga me atingia. Isaac não confiava em mim e, portanto, não me dava qualquer brecha sequer. Ele me perguntava constantemente quanto tempo levaria até que chegássemos à primeira armadilha e lembrava-me que, se fosse mentira o que dizia sobre o trajeto, mais violência enfrentaria. Era um sujeito nojento e perigoso. Não o desafiei durante todo o percurso por medo do que ele poderia fazer comigo enquanto ainda indefesa.
Foi uma provação para meu auto-controle e para a paciência dele. Eu avisei de antemão que andaríamos bastante, mas Isaac parecia cada vez mais insatisfeito com a duração daquilo tudo, ficando mais violento a cada hora que se passava. Concentrei-me na trilha, memorizando cada raiz exposta, cada pedra, cada clareira. A floresta era a minha catedral, o meu reino, e mesmo prisioneira, cada fibra do meu ser sintonizava-se com seus ritmos. Sabia que a primeira armadilha não estava longe. Era a maior de todas elas, uma rede capaz de alçar um animal de grande porte.
Era perfeita para Isaac.
A vegetação fechou-se à nossa volta, e o ar ficou ainda mais opressivo. A escuridão se aproximava, pronta para esconder minhas intenções. As árvores anciãs e cipós que desciam delas por todas a parte seriam testemunhas da realização do meu plano. Lembrava daquele local. Alguns arbustos adiante e teria minha liberdade.
No entanto, senti o golpe excruciante me atingir no meio das costas, vareta quente de madeira que pareceu ter aberto minha pele no momento em que o estalo soou como um chicote cruel. Gritei de dor e olhei para trás de imediato. Era Isaac. Ele tinha me batido com uma vareta.
— Sua vadia, estou cansado das suas mentiras! — Gritou antes de, com ambas as mãos me empurrar pelos ombros em direção ao tronco de um carvalho. Bati as costas recém maltratadas na superfície áspera e dura.
— Nós chegamos! — Disse a ele após soltar mais um gemido de dor, mas Isaac não parecia querer me ouvir. Eu apontava com a cabeça, sem poder fazê-lo com as mãos. Eu sabia que, atrás da vegetação, logo ao lado, minha armadilha se encontrava.
O corpo dele encostou no meu, a barriga grande cobrindo boa parte de meu torso. Seu rosto tão próximo que sentia o calor de seu hálito e respingos de saliva me atingirem as bochechas enquanto ele falava. Isaac me segurou pelo cabelo e pôs a faca de pedra lascada no meu pescoço.
— Você ainda não entendeu a situação? — Disse furioso e impaciente como nunca. — Se continuar desafiando Marcos e eu, te mato assim como ele fez com Rivel. — Me ameaçou. Tentei mover minhas pernas. Não gostava da proximidade, o fato dele olhar para meus peitos e não para meu rosto enquanto falava, mas fui abreviada naquilo também. Isaac puxou meu cabelo ainda mais forte. Senti alguns fios se partirem e ele, com as coxas bem mais grossas que as minhas, me prendeu ali embaixo.
— Isaac! Por favor! Eu não estou mentindo! — Supliquei. Estava com medo, mas normalmente não demonstraria tanto assim. Eu me fazia de frágil agora como forma de ganhar sua simpatia e fazê-lo andar em direção a armadilha que, sabia, poderia me salvar daquela situação.
— Cala a boca! — Ele ordenou. Senti a pedra gelada e afiada ser pressionada com mais força na minha garganta. Em seus olhos, vi o quão satisfeito ficou por me ver com medo. Eu mal conseguia acreditar que aquele era o mesmo Isaac que, anteriormente, via todos os dias na sala de aula. Ele sempre foi um pouco grosseiro e machista, mas nunca imaginei que aquela fosse sua verdadeira face. — Vou te mostrar como garotas rebeldes como você são tratadas por aqui. Vai te ensinar um pouco de humildade. — Ele falou soltando meu cabelo. Entre seus dedos, alguns fios escuros se faziam presentes, arrancados da minha cabeça pela raiz. Congelei quando senti seus dedos apalpando meu seio esquerdo.
— O que está fazendo? — Gritei, rosto quente de raiva e relutando para que aquele nojento me soltasse. Ele pressionou o corpo ainda mais contra o meu, faca de pedra prestes a me furar o pescoço.
— Fica quieta ou vai ser pior. — Ele falou, mostrando os dentes amarelados em um sorriso maldoso horrível. Na minha coxa, coberto pela barriga, senti algo me espetar por debaixo das folhas que compunham sua saia. Aquilo era…?
— Não! — Disse com a voz quebrando, desesperada e com lágrimas nos olhos. Isaac se esfregou ainda mais em mim, a protuberância dura cada vez mais perto de minha virilha. Com o corpo, ele abria minhas pernas à força. Sua cabeça desceu, lambendo-me no seio.
Fechei os olhos. As lágrimas escorreriam se não o fizesse. Ele não podia fazer isso! Pensei e senti cada passada de suas mãos em meu corpo, apalpando-me sem piedade enquanto Isaac desferia mordidas fortes nos bicos dos meus seios. Estava nauseada, mas sabia, não importava o quanto suplicasse, ele não parava, mas parecia ainda mais encorajado por minhas objeções. Vai acabar rápido. Disse a mim mesma em meio a escuridão, mas não sabia se teria forças para aguentar algo assim.
Minha primeira vez estava prestes a ser roubada. Não era para ser assim. Não daquela forma, não com aquele cara.
Pensei em Eric.
O sorriso encantador que vi tão poucas vezes era uma imagem que me confortava. Me imaginei na biblioteca com ele, em silêncio e concentrado na leitura. Era uma imagem tranquila de se lembrar enquanto prestes a passar por algo tão terrível.
E então, ouvi sua voz.
— O que foi isso? — Isaac disse no susto, afastando-se de mim. Meus olhos se abriram na hora. Era ele mesmo? Me questionei, duvidando de meus próprios sentidos. Olhei para o lado. O som escapando entre arbustos na escuridão, gritaria e barulho em meio ao canto de cigarras e farfalhar de folhas.
Isaac ajeitou sua saia de folhas. Por um momento, vi a coisa pálida e dura que ele anteriormente pretendia enfiar em mim. Aquilo embrulharia meu estômago, isso se não estivesse tão distraída pelos sons cada vez mais perto de nós.
Ele me segurou pelo braço, perto da altura dos ombros e, bruscamente, me empurrou, indo em direção ao mato denso que ocultava a presença de todas aquelas pessoas. Fiz silêncio quando senti a faca de pedra me tocar a nuca, me esforçando para ser discreta ao mesmo tempo em que afastava arbustos para espiar o que ocorria do outro lado.
— Você é idiota? — O grito soou. Era Eric! Ele usava apenas uma saia de folhas e puxava a corda grossa de cipós com os dentes cerrados. Junto dele, Guilherme o ajudava, tão poucamente vestido quanto o garoto mais baixo e fraco que ele.
Aquilo era minha armadilha! Notei e olhei imediatamente para cima. Ali, presos nas inúmeras cordas da rede, haviam duas pessoas. Eram Daniel e Andressa. Espera… O que eles estão fazendo? Percebi vendo-os descerem enquanto gemiam. Estava confusa e em choque.
— Caralho! Daniel está comendo a Andressa! — Isaac sussurrou atrás de mim. Ele não me soltava. Estava também surpreso com o que via, apertando cada vez mais a faca de pedra em minha pele. Quis gritar, mas sabia, se o fizesse, Isaac abreviaria meu pedido de ajuda. Eu tinha de pensar, ser racional como Eric e encontrar uma forma de me salvar.
Mas como eu poderia pensar testemunhando algo assim? Ali estava Eric, que procurei tanto durante todo esse tempo, a poucos metros de mim. Descendo irregularmente, via dois colegas de sala, totalmente nús em uma cena tão improvável e obscena.
— É minha armadilha. Deveríamos ajudar eles. — Sugeri a Isaac bem baixinho. Ele me segurou pelo pescoço, dedos apertando minha garganta com brutalidade.
— Vai se fuder. Se fizer barulho eu te mato aqui mesmo. — Ele ameaçou, apontou minha cabeça para a cena, como se quisesse que eu continuasse observando. — Vê aquilo? Seu namoradinho é igual a mim, Marcos e todos os outros caras lá do grupo. Aposto que quando Daniel acabar com Andressa, ele e Guilherme vão usar aquela piranha também. — Falou. Meu peito se encheu de ódio.
Não! Eric não era assim. Disse a mim mesma, embora não entendesse mais nada do que estava acontecendo ali. Vi Daniel finalmente chegar ao chão com Andressa em cima dele. Ela continuava cavalgando e ele metendo, ambos gemendo com mais e mais intensidade. Daniel se contorcia e emitia sons ainda mais altos que os da moça.
Porra, não é hora pra isso! Briguei com meu ser internamente, percebendo meu corpo esquentar em excitação por testemunhar algo tão pornográfico. Isaac me apalpava, sentindo com os dedos minha vulva babada. Senti vergonha por ele perceber que não consegui me conter, ficando com tesão diante de uma situação como aquela. Ele me lançou um sorriso safado, que julgava com os olhos meu estado. Era revoltante, o toque daquele nojento até ficou gostoso por alguns segundos!
Droga, era ainda mais quente sentir aquilo a poucos metros de Eric que sequer notava nossa presença ali atrás dos arbustos no escuro. Era excitante vê-lo com o olhar surpreso, testemunhando Daniel encher a noite com seus gemidos enquanto metia forte em Andressa. Recomponha-se, Taywan! Disse a mim mesma.
Eu precisava convencer Isaac! Se prosseguissemos escondidos, que outra chance teria de encontrar Eric no meio de toda aquela ilha? Não tinha como saber se ele permaneceria naquele local. Então, tive uma ideia.
— Você não quer Andressa no nosso grupo também? — Questionei Isaac e o percebi titubear. Ele olhou para mim e depois para a cena obscena que estávamos espiando. Sabia que tinha apelado para seus instintos masculinos. Aquela garota era gostosa, cavalgava de forma tão pornográfica e com expressão facial muito sexy. Isaac sabia que, se levasse mais uma garota para nosso grupo, seria recompensado por Marcos. Para um perdedor como ele, ter uma chance com uma garota como Andressa devia ser capaz de nublar completamente seu julgamento. — Se eu conversar com eles, posso descobrir onde estão assentados. — Mencionei. Isaac parou alguns segundos para pensar. Seu corpo se esfregava atrás do meu. Estava muito excitado. Sentia sua coisa nojenta me espetando as nádegas.
O pau de Daniel abandonou o interior de Andressa. Era grande, muito duro e parecia crescer cada vez mais. O rapaz possuía um penis tão bonito quanto seu corpo, devo admitir. Só não entendia o porque ele, que, pelo que sabia, era tímido e apaixonado por Carol, agora fazia algo assim na frente de tantos olhos e com a melhor amiga dela. Meu rosto esquentou quando o vi ejacular, suspirando e gemendo com uma expressão de culpa e vergonha estampada na cara.
— Não tente nenhuma gracinha e volte logo. — Isaac disse para mim, respirando pesado enquanto via aquela cena. Também suspirei de surpresa. Saia tanto! Não parecia acabar a porra que pintava todo o corpo de Andressa a cada latejada da pica daquele cara.
— Você quer que eu vá amarrada desse jeito? — O questionei. Isaac fez uma cara de poucos amigos, mas cortou as cordas em meus pulsos. Agora, só preciso da minha arma. Pensei sorrateiramente, fria e calculista como Eric. Estava pronta para enfiar uma flecha na garganta daquele cara assim que me desse um milésimo de segundo de abertura para tal. — Eu não posso ir desarmada. Eles vão me tomar para si. — O lembrei, torcendo mais uma vez que pensasse com a cabeça de baixo. Eu poderia sair de seu domínio e correr para perto de Eric, mas não podia permitir que Isaac fugisse. Na escuridão da noite, se o perdesse de vista, ele voltaria correndo para Marcos e contaria o que ocorreu.
Ele, no entanto, pareceu receoso. Tinha razão em perceber que minhas intenções não eram das melhores. Ainda assim, Isaac me entregou meu arco e, no lugar de uma flecha, pôs em minha mão a vareta que antes utilizou para me estapear as costas. Eu não conseguia matar com aquilo.
Discuti mais alguns segundos com ele, mas sem sucesso. Aquelas seriam as únicas ferramentas que teria à minha disposição. Com impaciência, Isaac me empurrou para frente. Eu sai dos arbustos, Arco em mãos, armado com a vareta mole e torcendo para que Eric percebesse meu blefe.
Entretanto, quando ele pôs os olhos em mim, meu sangue pareceu entrar em chamas. Senti tontura na cabeça e fraqueza nas pernas. Como eu tinha esquecido de algo assim? Ainda estava pelada! Eric via meu corpo, todo descoberto, meus seios pequenos e empinados, minha genitália sem pelos. Quis me cobrir, mas estava em posição de combate. Se desarmasse o arco, ali atrás, vendo minha bunda nua, Isaac saberia que o trai e fugiria a toda velocidade para o acampamento. Não demoraria para Marcos percorrer a mesma trilha que nós, junto do grupo repleto de caras fortes. Eles aniquilaram Eric e eu. Pelo que percebi, até então, Eric só tinha ferramentas de pedra para se defender.
Permaneci imóvel, respirando pesadamente quando Guilherme, Daniel e Andressa também olharam para mim. Eric me comprimentou, o que me fez titubear mais ainda. Todos ficaram surpresos em ouvir meu nome. Os garotos analisavam meu corpo despido, chocados por ver a mim, uma garota série e reservada, totalmente nua como se fosse uma tarada do mato. Que vergonha!
Daniel fez um movimento brusco. O ameacei com meu blefe. Apenas depois percebi que ele só procurava esconder as próprias vergonhas. Estava tão constrangido quanto eu. Seu rosto ficou tão vermelho quando, por acidente, olhei novamente para seu membro, ainda duro, mas começando a amolecer após o orgasmo que testemunhei.
Torci para que Eric percebesse a situação em que estava, que notasse que apontava uma vareta inofensiva para seu rosto, que deduzisse que eu jamais me mostraria nua para ele e nossos colegas e os ameaçasse daquela forma se não fosse coagida a tal. Seus olhos percorreram todo o ambiente, estoicos e indecifráveis.
— ¿Oĩke oñangáreqwoñik toãn? — Ele perguntou, em Parãdiyahóe perfeito, tanto na entonação dos fonemas, quanto concordância demandada. Era uma frase complexa, as palavras juntas daquela forma eram utilizadas em minha língua de forma a se dirigir a uma mulher, mais importantemente, a uma jovem guerreira. Os estalos eram bruscos e assobios graves, utilizados para denotar o contexto hostil do verbo. Eu não me lembrava de ter ensinado para ele com tamanha profundidade as nuances de minha língua, mas Eric, de mente afiada como ponta de flecha polida, construiu a frase de forma tão clara como era possível. Em tradução livre e simplificada, ele me perguntou: “Está acompanhada?”
— Eñirã sá. — Assenti. Naquele momento, senti que tinha controle novamente de meu corpo. O embaraço não passou, mas pareceu bem mais suportável. Se duvidei de Eric alguma vez nessa vida, agora via o quão enganada estava.
A partir disso, todo o resto era teatro. Mudamos para o português, como se a troca de códigos anterior fosse apenas uma saudação amigável. Eu tentei entregar o máximo de informação possível para Eric sem que isso levantasse muitas suspeitas de Isaac que, sabia, ainda me observava escondido no meio dos arbustos. Me mantive séria, tentando aparentar hostil, lhe disse quantos éramos e que ele deveria se apressar em planejar algo enquanto fingia julgar o estado rudimentar de suas ferramentas de pedra lascada.
Quando o questionei sobre a localização de seu abrigo, Eric fechou a cara. Ele perguntou se tinha certeza se queria saber daquela informação. Evidentemente, me questionava sutilmente se estava séria sobre o que faria a seguir. Ele entendeu e eu também. Sabia que estava decidida, que, quem quer que fosse que estivesse me observando, não poderia voltar ao assentamento de Marcos ao saber daquilo. Quando me decidi, ele contou e eu, em retribuição, lhe dei mais uma informação valiosa, a localização da praia dominada por Marcos.
Tudo aconteceu muito rápido, mas, ainda assim, estava determinada depois de trocar algumas palavras com ele. Assim, tão rápido quanto sai da moita, voltei para me reencontrar Isaac. Ele estava furioso e, antes que reagisse, me agarrou pelo braço e me arrastou para longe dali.
— Sua vagabunda, o que foi aquilo? — Questionou, me colocando, mais uma vez, contra uma parede de tronco de árvore. A faca de pedra estava em sua mão. Não me abalei ou demonstrei medo.
— Sabemos onde é o acampamento deles agora. — Disse, séria e fria como Eric. Isaac encolheu os ombros. Eu não sabia porque ele era tão violento e irracional comigo. Devia estar se sentindo inseguro, se questionando se eu planejava algo para traí-lo, mas sem capacidade dedutiva para acessar algum indício.
Não o deixei pensar por muito tempo, mas lhe lancei um meio sorriso e encostei minha mão, com suavidade, sobre seu peito. Ele era alto e pesado, mesmo assim, se não estivesse armado, para mim seria fácil derrotá-lo. Ele tomou um pequeno susto, atento a cada movimento que fazia. De corpo inchado, seu peito, embora homem, era maior que o meu, talvez maior que o de Andressa. Era possível que meu plano não funcionasse devido ao seu peso e estatura. Eu tinha de contar com a sorte naquilo, manipulá-lo até que me desse uma chance.
— Minha outra armadilha não está longe daqui. — Falei com voz suave, olhando-o bem no fundo dos olhos. — Vamos encontrá-la rápido e terminar o que começamos? — Disse com sorriso tímido e olhos carregados de maldade. Isaac sorriu, seduzido facilmente. Ele passou a mão livre em minha coxa, subindo e subindo. Por dentro, estava nauseada, mas determinada como nunca.
— Finalmente entendeu quem manda aqui? — Ele disse, lançando-me um olhar safado. Sorri e assenti, embora minha vontade fosse de vomitar. Isaac chegou a tatear com os dedos meu sexo. Seu verme, não me toque aí! Pensei cheia de ódio, mas me contive. Não sabia por quanto tempo aguentaria aquilo sem reagir. — Safada. Como pensei, vocês são todas iguais. — Afirmou satisfeito, brincando com o melado na ponta de seus dedos, me soltando em seguida.
Depois daquilo, ele me deixou andar com mais liberdade. Não tinha mais meu arco e Isaac apontava aquela faca constantemente para mim enquanto caminhávamos pela mata. Todavia, eu estava feliz por finalmente estar livre das amarras em meus pulsos.
Comecei a pensar no que faria depois. Se livre de Isaac, seria possível ficar com o grupo de Eric? Seu assentamento deveria ficar próximo a uma fonte de água potável, como um rio ou coisa do tipo. Assim surgiram as primeiras civilizações da humanidade. Era o único jeito de seu grupo ter sobrevivido esse tempo todo.
Isso era bom, mas também altamente indiscreto. Se Isaac e eu não voltássemos, era possível que Marcos e seu grupo bem mais numeroso fosse nos procurar. Eles achariam Eric e a única fonte de água potável conhecida naquele local. A nascente que encontrei no primeiro dia já estava sob o poder de Marcos.
Eu não podia voltar com Isaac. Ele contaria a todos onde ficava o acampamento de Eric. Isso eu já sabia, mas também não podia desaparecer na floresta. A conclusão era amarga, mas eu tinha de voltar sozinha.
Impressionantemente, Isaac tornou-se mais falante, me chamando de “esposa” sempre que podia. Ele discutia comigo sobre o caminho e, em certo momento, até soltou um comentário amigável, elogiando a armadilha que entreguei para Eric e nossos outros colegas.
Aquilo talvez me sensibilizasse, se eu não fosse uma guerreira da mata. Eu sondava o ambiente, árvores, rochas e cipós em meio a escuridão, fracamente iluminados pela luz da lua. Conhecia aquele local, suficientemente distante para ninguém nos ouvir. Isaac estava com a guarda cada vez mais baixa.
De onde vim, não havia distinção entre humanos e animais. Todos pertencemos à ordem natural, às leis cruéis que regem o ciclo de transformação da vida. A jararaca, por exemplo,quando adulta, carrega um veneno poderoso e um corpo robusto, capaz de subjugar presas com a força das espirais que a envolvem. É temida por todos os seres que cruzam seu caminho.
Mas, quando jovem, é o oposto: frágil, vulnerável, depende de um bote oportunista para garantir a sobrevivência. Nessa fase, milhares delas são mortas antes de conhecer a maturidade. São presas fáceis.
Ainda assim, para que existam jararacas adultas, as jovens precisam aprender a enganar, a lutar, a sobreviver. E o fazem com astúcia, confundindo aqueles que se julgam fortes, que acreditam dominar a situação.
Suas caudas, mais claras que o resto do corpo, balançam como pequenos insetos pálidos, promessas fáceis de alimento para lagartos e sapos famintos. Quando o predador se aproxima, certo de que achou uma refeição, a jararaca dá seu bote. Num instante, o caçador se torna presa, seduzido pela própria confiança.
As armadilhas eram a especialidade dos Parãdiyhó.
Eu conhecia bem aquelas feitas de cipós.
Agora, parecia aprender a construir uma feita de palavras.
Dei um passo levemente mais alto que o normal, o bastante para que não tropeçasse na corda fina que armei ali perto do solo no primeiro dia em que cheguei naquela Ilha. Ouvi o barulho atrás de mim, grito e som do corpo de Isaac atingindo o chão. Eu me afastei e olhei para ele.
Funcionou! Percebi de imediato. Ele estava preso pelo tornozelo amarrado no cipó que laçava seu corpo, içando-o no ar até onde o galho daquela árvore aguentava. As costas ainda arrastavam-se no chão de terra, pedras e vegetação rasteira, já suas pernas se contorciam no ar enquanto ele tentava se libertar. Isaac gritava, me xingava e demandava esbravejando que o soltasse.
Me aproximei e peguei rapidamente meu arco ali jogado no chão. Isaac sacudia a faca de pedra para os lados, golpeando o ar. Flechas caiam em volta dele que girava, derrubando os pertences que carregava. Coletei uma delas e observei a cena cômica e indecente. Ele tentou flexionar-se para cortar a corda que o prendia pelo pé, mas não conseguiu ou sequer tinha condicionamento físico para tal. Seu corpo balançando em ira, folhas presas a cintura caídas sobre sua barriga, revelando sua bunda peluda e bolas que balançavam ao ritmo de seu corpo.
Apontei minha arma para ele. Isaac arregalou os olhos e estendeu as mãos de forma a cobrir o rosto. Ele gritou desesperado:
— Espera! Taywan, por favor não!
O olhei de cima a baixo, sem quebrar contato visual ou minha expressão facial séria e mortal. Os olhos dele estavam cheios de lágrimas. Estava com medo, como jamais vi em seu rosto.
— Eu posso ajudar! Eu, você e Eric podemos ser amigos! — Ele suplicou mais uma vez, voz quebrada pelo choro, mas era tarde demais. Mirei a flecha, apontando-a para sua cabeça. — Por favor Taywan! Nós somos colegas de classe! — Ele disse. Por um momento, tentei visualizá-lo daquela forma, mas não mais conseguia. Quando se abate um animal após a caça, um porco do mato ou algo assim, ele sempre grita e esperneia antes de encontrar a lâmina. Esse era Isaac, um animal preso, amedrontado e tentando de tudo para se salvar. Ele me diria qualquer coisa se isso significasse a promessa de mais um dia.
Suspirei. Nada daquilo precisava ser assim. Eu nunca quis chegar a esse ponto, mas, se o soltasse, sabia, ele voltaria correndo para Marcos e contaria tudo o que aconteceu. O olhei de forma inexpressiva, calma como a noite.
Ele baixou a guarda por um instante. Suas mãos gesticulando súplicas revelaram seu rosto. Era a abertura que precisava.
Assim, soltei a pena da flecha com a ponta dos dedos, acertando-o certeiramente no meio dos olhos.
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- Não se esqueça de comentar e avaliar o capítulo :D -
Olá leitores(as). Obrigado pelos comentários e votos nas últimas partes da história. Por agora, encerramos essa sequência de capítulos que acompanham Taywan. O próximo voltará a tratar do núcleo principal, narrado por Daniel.
Espero que tenham gostado da mudança de ares. Essas últimas 5 partes do livro efetivamente apresentaram personagens novos e aprofundaram a construção de mundo.
O próximo capítulo não tardará a ser publicado. Já tenho os próximos 4 escritos e apenas necessitando de edição e revisão. Se querem maior agilidade, como sempre, deixe seu comentário.
Um abraço a todos(as)!