Estar de volta à minha casa era maravilhoso, ainda mais com minha mãe ali, toda feliz e me enchendo de abraços. Eu estava no meu lugar seguro, onde cresci cercada de carinho. Meu pai sempre foi um homem amoroso, tanto comigo quanto com minha mãe. Lembro bem como os dois viviam grudados em casa, dos buquês de flores que meu pai sempre trazia às sextas-feiras. Minha mãe sofreu muito quando ele se foi, talvez até mais do que eu. Mas ela foi forte, precisou ser; tinha os negócios e uma filha para cuidar. Nessa época, ela se afastou um pouco de mim por falta de tempo, mas sempre que podia, compensava sua ausência me enchendo de carinho. Foram momentos difíceis, mas superamos. A vida seguiu e muita coisa mudou, mas o carinho que tínhamos uma pela outra permaneceu o mesmo.
Logo que cheguei, conversei um pouco com minha mãe, mas, logo, ela pediu para que eu tomasse um banho e descansasse um pouco. Eu estava curiosa para saber o que ela tinha para me contar, mas achei melhor seguir o que ela disse. Tomei um banho e acabei dormindo um pouco na minha cama. Quando acordei, já era início da noite e minha mãe estava na cozinha, cozinhando junto com suas empregadas. Assim que me viu, disse que estava preparando meus pratos preferidos e que logo iríamos jantar juntas.
Fiquei ali na cozinha, observando três mulheres cozinhando e conversando como se fossem amigas, e no fundo, eram. Minha mãe sempre tratou nossas empregadas como amigas e não como funcionárias. Isso não se restringia apenas a elas, mas se estendia ao jardineiro e ao motorista. Acho que por isso o ambiente da minha casa era tão bom; claro que os empregados nos tratavam com respeito, mas não era aquela formalidade. Conversávamos, ríamos e brincávamos juntos; conhecíamos as famílias uns dos outros. Inclusive, minha mãe era madrinha de casamento e de filhos dos nossos empregados. Nosso motorista costumava dizer que minha mãe era uma rica com alma de pobre.
O jantar logo ficou pronto e jantamos ali mesmo na cozinha. A comida estava ótima; acho que a saudade do tempero da minha mãe deixou tudo ainda mais gostoso. Comi bastante e depois chamei minha mãe para irmos para a sala conversar, mas ela preferiu ir para seu escritório, onde teríamos mais privacidade, já que na sala poderia sermos interrompidas por alguém passando. Concordei e seguimos para o escritório.
Nossa conversa se estendeu, já que minha mãe quis saber dos detalhes das minhas experiências em Paris. Eu contei tudo a ela, sem esconder nada, porém omiti alguns detalhes íntimos que considerei desnecessários. Ela me ouviu atentamente e, depois, reafirmou o que já havia dito por telefone: que nada mudaria entre nós. Porém, me deu diversos conselhos, especialmente sobre segurança, já que, infelizmente, pessoas como Tânia são comuns por aí e muitas vezes essas histórias não têm um final feliz.
Minha mãe era uma mulher inteligente e sensata, e eu certamente tentava absorver tudo o que ela me falava. Porém, eu estava interessada no que ela precisava me contar. De início, ela começou com um assunto que não me agradou: minha herança. Eu era dona da metade de tudo que meu pai deixou, já que sou filha única - metade para mim e a outra metade para minha mãe. Quando eu era menor, minha mãe ficou responsável pela minha parte, mas não podia vender nada, apenas administrar. Quando completei 18 anos, era para ter assumido tudo, mas fiquei enrolando minha mãe e parece que agora não teria mais escapatória.
Nora— Mãe, não posso simplesmente deixar como está. Ou talvez eu possa assinar uma procuração para você assumir tudo?
Mãe— Não é simples assim, filha. Eu tomei conta das suas coisas porque também estava cuidando das minhas, mas não quero mais fazer isso. Já arrumei uma pessoa de confiança para assumir os negócios e cuidar do que é meu. Porém, essa pessoa é da minha confiança; você nem a conhece.
Nora— A senhora confia nela de verdade?
Mãe— Sim, eu confio. Eu a conheço desde criança; ela cresceu junto comigo e meus irmãos. Depois que me casei, nós nos afastamos um pouco, mas, há alguns meses, consegui tirá-la da empresa onde trabalhava e a trouxe para trabalhar comigo. Para ser bem clara, eu confiaria minha vida a essa pessoa, filha.
Nora— Se você confia nela e eu confio em você, problema resolvido. Pode deixá-la assumir minhas coisas também.
Mãe— É sério isso? São suas coisas, suas propriedades, seu dinheiro, os negócios que seu pai deixou para você, filha.
Nora— Mãe, se a senhora vai deixar suas coisas nas mãos dessa pessoa, por que eu não posso fazer o mesmo?
Mãe— Porque você nem a conhece, você não sabe o que herdou; na verdade, você não sabe de nada nesse sentido. Eu queria que você pelo menos tivesse conhecimento de tudo e conhecesse a Milena.
Nora— Tudo bem, mãe. O que você quer que eu faça?
Mãe— Vamos à empresa pelo menos uma semana. Vou te mostrar tudo que você tem, e assim você pode conhecer a Milena.
Nora— Tudo bem, eu vou com você. Sinceramente, não queria, mas não custa nada fazer isso.
Mãe— Obrigada, filha.
Nora— Era só isso que você tinha para me dizer?
Mãe— Na verdade, não. Tenho outra coisa para te contar e talvez você não reaja bem. Bom, espero estar enganada, mas se eu não estiver, a gente conversa e tenta entrar em um meio termo.
Nora— Pelo jeito vem uma bomba por aí, mas fala logo antes que eu morra de curiosidade.
Mãe— Lembra da casa de praia que a gente ia com seu pai em Guaraú?
Nora— Claro, mãe. O que tem ela?
Mãe— Eu estava pensando em me mudar para lá.
Nora— Como assim? Me explica isso melhor.
Mãe— Estou cansada da cidade grande, da multidão, do trabalho, de tudo, na verdade. Estou precisando de um pouco de paz. Tenho 40 anos e queria viver o resto da minha vida de maneira mais tranquila.
Nora— Entendi, mãe. Eu te apoio totalmente, desde que a senhora me leve com você.
Mãe— Por mim, não tem problema algum te levar; na verdade, eu gostaria muito que você fosse comigo. Mas achei que você iria ficar em Paris mais dois anos.
Nora— Eu não quero voltar, mãe. Na verdade, já tinha decidido isso. Se a senhora não se importar, vou parar meus estudos por enquanto e ficar com você. Eu só queria poder levar minhas telas, minhas pinturas e montar meu ateliê lá; se tivesse como, seria perfeito.
Mãe— Isso não é um problema. Eu mandei reformar a casa toda e tem um sótão que seria perfeito para você montar o seu ateliê.
Nora— Então está resolvido. Quando vamos?
Mãe— Assim que eu resolver todos os detalhes burocráticos para deixar tudo nas mãos da Milena. Mas tem outra coisa que preciso te contar e talvez essa faça você mudar de ideia.
Nora— Outra coisa?
Mãe— Sim, filha. É que eu não vou morar lá sozinha. Eu estou em um relacionamento, e essa pessoa vai morar comigo lá.
Nora— A senhora está namorando e eu não sabia?
Mãe— Na verdade, tem um pouco mais de um mês, mas eu já conhecia a pessoa há muito tempo.
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Nora— Nossa, é muita coisa junta, mãe. Pode me explicar isso com detalhes?
Mãe— Essa pessoa foi meu primeiro amor na infância e início da adolescência, mas infelizmente ela se mudou para São Paulo para morar com a mãe após a separação dos pais. O tempo passou e essa paixão ficou no passado, foi quando conheci seu pai, me apaixonei por ele, nos casamos e fomos muito felizes até Deus levar ele embora. Nunca consegui me interessar por ninguém depois disso. Não vou mentir para você, durante esse tempo, sai com algumas pessoas; não foram muitas, mas aconteceu algumas vezes. Nunca falei nada porque não foi para frente. Mas, há dois meses, reencontramos essa pessoa e acabamos nos envolvendo de novo. Conversamos bastante e ela quer o mesmo que eu, então decidimos viver juntas. Eu realmente espero que você aprove isso, filha; seria muito importante para mim.
Nora— Desde que seja uma boa pessoa e a senhora esteja feliz, eu não tenho nada contra. Na verdade, achava estranho a senhora estar sozinha há tanto tempo. Quanto ao fato de ter saído com algumas pessoas, não tenho problema com isso, mas poderia ter me contado.
Mãe— Ela é uma boa pessoa, sim, e estou muito feliz com ela. Sobre as outras pessoas com quem saí, não te contei porque não tinha muito o que dizer. Na verdade, só foi decepção, não por elas, mas porque acho que eu sou muito exigente nesse sentido.
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Nora— Entendi. E quem é o sortudo que conquistou seu coração, mãe? Eu conheço ele?
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Mãe— Não conhece, não, filha. E não é ele; é ela.
Nora— A senhora está namorando e vai morar com uma mulher?
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Mãe— Sim, filha. Achei que não seria um problema para você.
Nora— Não é um problema, mãe. Só acho que agora eu entendi por que a senhora aceitou tão bem eu ser lésbica.
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Mãe— Não foi por isso, não, filha. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Quando você me contou, eu não via a Milene há muitos anos. Até então, só tínhamos dado um selinho na adolescência. Eu aceitei bem porque é o que realmente penso; tudo que eu te disse tem a ver com nós duas e não com a Milene.
Nora— Milene? É a que vai ficar no seu lugar nos negócios?
Mãe— Não, filha. Essa é a Milena; a Milene é sua irmã gêmea. Mas elas são bem diferentes, tanto fisicamente quanto na forma de viver a vida. Sempre foram, mas elas se dão muito bem.
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Nora— Acho que a senhora vai ter que me dar um manual de instruções para eu entender isso tudo.
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Mãe— Vou te explicar com calma, filha. Se você estiver disposta a ouvir, claro.
Nora— Claro, mãe. Na verdade, quero muito ouvir.
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Mãe— Como eu disse, conheci as gêmeas desde a infância. Crescemos juntas – eu, elas e meus dois irmãos. Eu me dava muito bem com as duas, mas era mais apegada à Milene, acho que por ela ser mais carinhosa. No início da nossa adolescência, eu e a Milene éramos iguais a unha e carne; vivíamos grudadas uma na outra. Nessa época, eu já sentia algo por ela, mas não sabia bem o que era, mas coração disparava quando ela me abraçava e fazia carinhos em mim. Infelizmente, seus pais se separaram e a mãe delas decidiu voltar para São Paulo. Milena não quis ir; era muito apegada ao pai, mas Milene acompanhou a mãe. Foi muito difícil me despedir dela. Chorei muito naquele dia. Porém algo aconteceu nessa despedida; pouco antes de sair, ela me deu um abraço bem apertado e disse que me amava. Logo depois, ela me deu um beijo na boca; foi mais um selinho demorado, mas fez meu coração disparar. Naquele momento, entendi o que sentia por ela, mas, infelizmente, ela se foi e nunca mais a vi até pouco tempo atrás.
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Nora— Então a senhora é bissexual?
Mãe— Nunca parei para pensar nisso até pouco tempo, quando reencontrei a Milene. Mas acho que sou.
Nora— Entendi, mãe. Mas como esse reencontro aconteceu?
Mãe— Seu tio Pedro sabia que eu estava procurando alguém de confiança para tocar os negócios e me indicou a Milena. Ela trabalhava em uma grande empresa há algum tempo; começou como estagiária e virou diretora em dez anos de trabalho. Eu a conhecia bem, assim como seu tio, já que ele trabalhava na mesma empresa, só que em setores diferentes. Nunca perdi contato com a Milena, só não éramos mais unidas como antes. Comecei a investigar tudo sobre ela e só descobri coisas boas. Então, fiz uma proposta para ela; demorou, mas ela por fim aceitou e saiu da empresa onde estava. Ela está trabalhando comigo há alguns meses e é ótima no que faz; competente, inteligente e, principalmente, confiável.
Nora— Entendi. Mas onde a Milene entra nessa história? É na parte dela que estou interessada, mãe.
Mãe— Já percebi. Há quatro meses, a mãe delas faleceu e a Milene voltou para Santos porque não queria ficar na casa que era da mãe. Eu já sabia que ela estava de volta, mas não tinha encontrado com ela, até ir a um jantar na casa da Milena. Fiquei muito feliz de rever a Milene e, pelo jeito, ela também ficou bem feliz de me reencontrar. Parecia que a gente não tinha passado tantos anos sem se ver, e nossa amizade voltou. Porém, agora éramos adultas e, algum tempo atrás, ela se abriu comigo. Disse que nunca me esqueceu, que se envolveu com algumas mulheres e chegou a ter dois namoros longos, mas que não deram certo. Afirmou que me amava naquela época como mulher e não como amiga. Eu não sabia o que dizer e estava um pouco assustada com todas aquelas revelações. Ela entendeu e não forçou nada, mas também não se afastou; na verdade, se manteve o mais perto possível. Até que, um domingo, ela me convidou para ir ao cinema do shopping. Eu aceitei. Durante o filme, rolou um beijo e, depois, quando a deixei em casa, outro. Não conversamos sobre aquilo, mas ela sempre me chamava para sair e sempre rolavam beijos e carinhos. No terceiro encontro, eu a convidei para dormir aqui e fomos para a cama pela primeira vez.
Nora— Tudo bem, já entendi, pode pular essas partes. Mas enfim, vocês estão namorando e querem viver juntas, é isso?
Mãe— Sim, filha, é o que queremos.
Nora— A senhora a ama, mãe?
Mãe— Sim, filha, amo ela sem dúvidas e acho que vocês vão se dar muito bem.
Nora— Se vocês se amam e estão felizes, está tudo bem. Quero muito conhecê-la e espero que a gente se dê bem.
Nossa conversa se estendeu por mais um bom tempo, e decidimos que iríamos para a casa de praia no final de semana para organizar algumas coisas e para eu conhecer a Milene. Depois, na semana seguinte, eu iria à empresa com minha mãe todos os dias para me inteirar de tudo que era meu e resolver a parte burocrática. Era uma parte chata, mas eu faria o que minha mãe pediu.
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Depois da mudança, resolveria o que eu faria da vida, mas minha ideia era ficar no Brasil, voltar a pintar e aproveitar ao máximo junto com minha mãe e minha futura madrasta. Bom, se eu realmente me desse bem com ela, se isso não acontecesse, eu teria um grande problema.
Continua...
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper