O medo se tornou meu companheiro constante após aquela ameaça brutal no carro. A intensidade da fúria dele, mesmo que não física naquela ocasião, deixou uma marca profunda. Abandonei o aplicativo do supermercado como se fosse radioativo. Cada notificação no celular me causava um sobressalto, a expectativa misturada ao pavor de que fosse ele, pronto para cobrar minha obediência ou simplesmente me atormentar mais um pouco. As semanas se arrastaram em um silêncio pesado, uma ausência que era quase tão torturante quanto sua presença.
A academia, antes meu refúgio e palco da minha obsessão, tornou-se um território minado. Evitei os horários em que costumava vê-lo, troquei minha rotina, buscando os cantos mais isolados da sala de musculação. Mas a verdade é que uma parte de mim, a parte masoquista e viciada na adrenalina que ele provocava, ansiava pelo encontro. A outra parte, a que ainda tinha algum instinto de autopreservação, rezava para que ele tivesse me esquecido, que o jogo tivesse acabado.
Inevitavelmente, nossos caminhos se cruzaram novamente. Foi numa tarde chuvosa de terça-feira, dois meses depois, o ar da academia pesado com o cheiro de borracha e suor. Eu estava no leg press, concentrado na queimação dos músculos, quando o senti se aproximar. Não precisei olhar; a energia que ele emanava era inconfundível, uma presença densa que alterava a atmosfera ao redor. Ele parou perto da máquina, fingindo ajustar o peso em um aparelho vizinho, mas eu sabia que sua atenção estava em mim.
Continuei meu exercício, a respiração presa, o coração martelando contra as costelas. Ele usava uma camiseta bem larga, que escondia seus músculos volumosos. O short da Nike preto, tradicional. Era como um imã para meus olhos. Cada repetição era uma tortura, a tensão se acumulando em meus músculos e em minha mente. Tinha uma necessidade de saber se ele ainda estava lá. Quase um desejo.
Terminei a série, ofegante, e hesitei antes de levantar. Nossos olhares se encontraram por uma fração de segundo. O dele era frio, indecifrável, mas havia aquele brilho familiar de... reconhecimento? Poder? Ele desviou o olhar primeiro, voltando-se para o aparelho que iria usar.
Levantei-me, as pernas um pouco trêmulas, e comecei a tirar os pesos da máquina. Ele se moveu, vindo em minha direção como se fosse usar o leg press em seguida. Parou ao meu lado, perto demais, o calor do corpo dele irradiando.
"Precisa de ajuda com isso?", ele perguntou, a voz neutra, quase casual, mas o tom carregava um subtexto que apenas eu parecia entender. Ele indicou os pesos que eu estava removendo.
"Não, eu... eu consigo", gaguejei, evitando seu olhar, focando na anilha fria em minhas mãos.
Ele não se moveu. Apenas ficou ali, observando-me lutar com o último peso. O silêncio se esticou, carregado de eletricidade. Podia sentir os olhares curiosos de outras pessoas na academia, mas a presença dele eclipsava todo o resto.
"Tem certeza?", ele insistiu, um leve sorriso brincando em seus lábios. "Parece pesado pra você."
A provocação era clara. Ele estava testando, de novo. Respirei fundo, reuni minhas forças e coloquei a última anilha no suporte com um baque metálico.
"Consegui", respondi, finalmente erguendo os olhos para encará-lo. A proximidade era vertiginosa. O cheiro dele – suor fresco do treino, o mesmo almíscar masculino – invadiu meus sentidos.
Ele me encarou por um longo momento, os olhos claros percorrendo meu rosto, minha postura tensa. Parecia estar se divertindo com meu desconforto, mas também havia algo mais, uma intensidade quase avaliadora.
"Bom", ele disse finalmente, a voz baixa. "É bom saber que você aguenta peso." Ele deu um passo para trás, criando um espaço mínimo entre nós. "Continue treinando."
Com um último olhar indecifrável, ele se virou e se afastou, indo em direção aos bebedouros, deixando-me ali, tremendo, o corpo vibrando com a mistura de alívio e frustração. A interação fora breve, quase banal para qualquer observador externo, mas para mim, foi a confirmação de que o jogo não havia acabado. Ele ainda estava no controle, ainda ditava as regras, ainda se deliciava em me manter na corda bamba. E eu, pateticamente, ainda respondia a cada estímulo, preso àquela dinâmica confusa e perigosa.