O final de semana chegou e eu estava muito ansiosa para conhecer a Milene. Eu já tinha preparado tudo para a viagem na noite anterior, então, assim que acordei e fiz minha higiene, desci para tomar café. O que eu não esperava era ver Milene já na cozinha, abraçada com minha mãe. Não vou negar que foi estranho ver uma mulher abraçada com minha mãe, não por ser mulher, mas porque eu nunca tinha visto ninguém agarrada a ela daquele jeito, exceto meu pai. Claro que eu também nunca imaginei a cena de minha mãe algum dia estar abraçada a uma mulher.
Elas não me viram porque estavam de costas para a porta que entrei. Fiquei ali caladinha, ouvindo as duas darem aqueles sorrisos bobos de gente apaixonada. Meu estranhamento passou rapidinho, comecei a achar fofo as duas juntas. Mas, infelizmente, a cena durou pouco. Logo minha mãe se virou para abraçar Milene de frente e me viu encostada no batente da porta, olhando as duas. Minha mãe tem a pele bem clara, igual a mim, e assim que me viu, o tom de pele dela mudou de cor na hora, de branco para vermelho, principalmente no rosto. Eu sabia que ela estava morrendo de vergonha por eu ter flagrado as duas de chamego.
Eu dei um sorriso e Milene virou-se para olhar de onde veio o som. Ao me ver, não se assustou, abriu um sorriso igual ao meu. Minha mãe parecia ter ficado muda; acho que ela não sabia o que dizer. Então, caminhei em direção a elas, estendi minhas mãos em direção a Milene e me apresentei. Ela não pegou minha mão; pelo contrário, me deu um abraço tão apertado que acho que meus ossos chegaram a ranger. Ela se apresentou praticamente falando ao meu ouvido e disse que estava muito feliz de me conhecer. Ela me soltou em seguida e me deu um beijo no rosto. Achei inesperado e fofo da parte dela; ali, ela já ganhou pontos comigo. Gosto de pessoas espontâneas e carinhosas.
Minha mãe, por fim, resolveu falar algo e chamou nós duas para nos sentarmos e tomar café. Só aí notei que provavelmente Milene tinha dormido ali. Eu não vi minha mãe chegar, dormi cedo e provavelmente não percebi que ela chegou acompanhada.
Milene era uma mulher muito bonita, tinha mais ou menos minha altura, 1,68. Não era só a altura; a não ser o rosto e os olhos, éramos parecidas fisicamente. Falsas magras, seios de médios para pequenos, cabelos castanhos claros, lisos e abaixo dos ombros. Apesar de que os meus eram meio ondulados nas pontas e os dela completamente lisos. Ela tinha olhos castanhos claros, já os meus eram azuis. Sinceramente, eu parecia mais com ela do que com minha mãe. Minha mãe tinha cabelos pretos, era cheia de curvas, seios de médios para grandes e era mais alta do que eu, provavelmente 1,70 e pouco mais ou menos. Os olhos da minha mãe eram castanhos bem escuros, quase pretos. As duas formavam um belo casal e algo que tinham em comum era um belo sorriso, além de serem bem conservadas para a idade que tinham. Acredito que Milene era mais nova, mas provavelmente por pouca diferença.
Sentada ali junto delas, comecei a reparar nas diferenças, não só físicas, mas de personalidade. Milene, naquele pouco tempo, demonstrou ser uma pessoa espontânea, de riso fácil e de bem com a vida. Ela também falava bem mais que minha mãe e parecia não ter papas na língua. Ela parecia estar mais à vontade ali na mesa do que eu e minha mãe, quando deveria ser o contrário. Minha mãe é igual a mim, fala menos, observa mais e pensamos antes de falar. Gostei daqueles contrastes entre as duas. Também percebi que Milene com certeza traria mais alegria para o ambiente, não só ali, mas na nossa futura casa.
Por falar em futura casa, assim que terminamos nosso café, saímos para uma viagem de quase duas horas. Minha mãe dispensou o motorista e foi ela mesma quem dirigiu.
Durante o caminho, contei quase toda a minha vida para Milene, que me encheu de perguntas. Nada invasivo, mas ficou claro que ela realmente queria me conhecer. Também fiquei sabendo algumas coisas dela que eu não sabia. Ela era formada em Letras, deu aula durante oito anos na USP e largou tudo para voltar para a casa do pai depois que perdeu a mãe. Quando ela me contou isso, foi o único momento em que vi que ela ficou triste, mas logo voltou ao seu semblante normal. Ela me disse que seu sonho era escrever um livro e que iria tentar realizar esse sonho assim que a gente se mudasse de vez para a casa nova.
Nessas horas de viagem, já ficou claro para mim que eu e Milene iríamos nos dar bem. O final de semana só me deixou mais segura disso. Nós nos divertimos, conversamos bastante e Milene me fez rir muito. Outra coisa que percebi é que, por trás daquela mulher divertida e de bem com a vida, havia também uma mulher muito inteligente. Eu gostei muito foi dela vir me agradecer por eu dar a chance dela fazer minha mãe feliz. Pelo que vi da minha mãe naqueles dois dias, era eu quem deveria agradecer por ela estar fazendo minha mãe nos presentear com seus melhores sorrisos. As duas estavam felizes e isso me deixou muito feliz também.
Infelizmente, o final de semana acabou. Eu voltei dirigindo e cheguei cansada. Acabei dormindo um pouco tarde e, às seis em ponto, minha mãe me chamou para a gente ir ao trabalho dela. Levantei com sono e um pouco de mau humor, mas, depois de um banho rápido e um café forte, o mau humor passou. Eu vesti uma roupa mais social e, sinceramente, não gostei muito, porém não queria causar uma má impressão logo no primeiro dia.
O nosso motorista nos levou até um prédio enorme no centro da cidade. Eu conhecia aquele prédio, já tinha entrado nele algumas vezes com minha mãe. Lembro dela me levar até o escritório que meu pai trabalhava, mas isso fazia muitos anos e eu não me lembrava o quão grande e bonito ele era. Saímos do carro, passamos pelo saguão e entramos em um dos elevadores. Saímos do elevador e seguimos por um corredor enorme, parando em frente a uma secretaria muito elegante. Minha mãe falou com ela por um momento, mas nem prestei atenção no que disseram; eu estava prestando atenção em tudo que nos cercava naquele ambiente. Minha mãe me chamou e seguimos até uma porta enorme. Entramos e era um lindo escritório. Minha mãe foi direto para a cadeira atrás de uma mesa linda e pediu para eu me sentar. Ela disse que ali era seu local de trabalho e que tinha chamado Milena para vir até o escritório para eu a conhecer.
Não demorou muito e a secretaria anunciou que Milena tinha chegado. Minha mãe pediu para ela entrar. Eu esperava alguém parecida, pelo menos um pouco, com Milene, mas me enganei. Milena era morena, com cabelo preto amarrado em um coque perfeito. Era alta, provavelmente 1,75m, com seios generosos, cintura fina e uma bunda que chamava a atenção, mesmo por baixo da calça social. Ela tinha uma cara séria e, mesmo quando minha mãe nos apresentou, ela não sorriu. Não que estivesse com uma cara feia, mas séria. Sabe aquelas pessoas que só demonstram alegria com um pequeno sorriso nos cantos dos lábios? Essa era Milena, sem sorrisos ou palavras desnecessárias.
Depois das apresentações e de conversarmos um pouco, saímos para conhecer os setores da empresa que funcionavam ali naquele andar. Conheci um monte de gente, apertei um monte de mãos e fiquei sabendo de um monte de coisas que, depois de alguns minutos, eu já não lembrava de quase nada. O mais estranho era escutar as pessoas nos chamando de Srtª Leonora e a Srª Carmem; eu não estava acostumada com esse tipo de tratamento. Até os empregados da nossa casa chamavam eu e minha mãe apenas de Nora e Carmem. Aquele lugar não era mesmo para mim; era tudo muito formal. Não nasci para viver nesse tipo de ambiente.
Foram três dias conversando com advogados, participando de reuniões que eu não entendia quase nada e recebendo várias informações da minha mãe e da Milena.
Por falar em Milena, ela parecia um robô programado para resolver problemas e dar ordens. Ela com certeza era o reflexo daquele lugar: séria, focada, decidida e ambiciosa. Eu via aquele pequeno sorriso de canto de lábios se formar toda vez que ela falava de lucros ou de um grande contrato fechado. Também percebi que ela provavelmente era muito competente e respeitada ali dentro. Nas reuniões, quando ela começava a falar, o restante das pessoas se calava e dava total atenção ao que ela dizia. Era como se sua presença tivesse um magnetismo quando ela falava de negócios.
Mas, para mim, ela só parecia ser uma pessoa chata. Não era pessoal, era o que eu achava de pessoas como ela; não tinha nada a ver comigo. Provavelmente, ela acharia chato se eu começasse a falar das minhas pinturas também. Porém, ela era muito competente no que fazia, e isso me deixou mais tranquila. Se minha mãe confiava nela, eu também iria confiar e, sendo competente, melhor ainda. No quarto dia, eu já estava quase me jogando da janela do escritório da minha mãe depois de passar a manhã quase toda lendo e assinando documentos. Porém, na hora do almoço, minha mãe levou eu e Milena para almoçar em um restaurante perto do escritório. Foi ali que percebi que Milena não era tão chata assim.
Depois que saímos do prédio, ela passou a chamar minha mãe de Carmem e a mim de Leonora. Eu falei com ela que preferia Nora e assim ela fez. Ela ainda mantinha o rosto sério, mas já não conversava com tanta formalidade. Provavelmente, aquela era Milena no dia a dia. Mas o que mais me surpreendeu foi quando estávamos voltando a pé para o escritório.
Milena recebeu uma ligação e ouvi ela chamando alguém de amor e avisando que estava chegando na porta do prédio. Quando estávamos quase na entrada, vi um homem encostado em um Mercedes branco conversível. Ele usava uma camisa colorida, bermuda de pano larga com bolsos enormes de lado, chinelos de dedo e um boné branco. Ele devia ter seus quase 50 anos, era branco, tinha olhos azuis, um corpo bonito e, ao lado dele, uma menina de uns doze anos. A menina era uma graça, vestia um vestido colorido, bem do jeito que eu gosto. O homem abriu um sorriso e logo Milena foi até eles, deu um selinho no homem e um beijinho no rosto da garota. Ela me chamou e me apresentou seu marido, Denis, e sua filha, Clara. Minha mãe os cumprimentou como se fosse íntima deles, então imaginei que já os conheciam bem a algum tempo.
Minha mãe me chamou para entrarmos primeiro e nos despedimos deles. Eu estava meio em choque com a cena; Denis parecia ser o oposto de Milena e, claro, procurei saber quem ele era. Foi aí que fiquei mais chocada. Denis era um ex-surfista profissional, agora dava aulas de surfe e tinha uma loja especializada em esportes aquáticos. Os dois estavam juntos há quinze anos e casados há treze. Minha mãe me disse que eles se davam super bem e eram do tipo de casal que deixava claro que eram felizes quando estavam juntos. Naquele momento, tive mais certeza de que, quando há amor, pessoas de mundos opostos podem ser felizes juntas. Daquele momento em diante, passei a olhar diferente para Milena; talvez ela não fosse tão chata assim. O mundo que ela vivia era diferente do meu, só isso.
A semana terminou e eu dei graças a Deus por ter acabado. Eu não estava aguentando mais lidar com tanta burocracia e passar mais tempo naquele ambiente corporativo. No fim, todas as minhas coisas estavam no meu nome e algumas no meu nome e da minha mãe. Assinei todos os documentos necessários para deixar Milena no comando de todos os meus negócios. Também já entendia melhor o que realmente eram nossos negócios. A empresa era focada em importação e exportação, tinha o comando de vários galpões no porto de Santos e era dona de milhares de contêineres. Também éramos donas de uma empresa de logística e uma de transporte, além de algumas propriedades na cidade. Milena falou que a gente tinha algumas centenas de milhões nas mãos dela e que iria se esforçar para aumentá-los ainda mais.
Minha mãe perguntou o que eu iria fazer com o dinheiro que tinha direito. Eu disse que ela podia movimentá-lo como quisesse. Ela ficou meio relutante, mas aceitou. Todo o dinheiro ficou em uma conta no nome dela; minha mãe não iria me roubar, e eu era sua única herdeira, assim como ela era a minha. Depois de quinze dias, ela me deu um cartão de crédito e um montante em dinheiro vivo, disse que o cartão não tinha limite e que, se eu precisasse de mais dinheiro, era só avisar. Abri uma conta em um banco virtual, depositei o dinheiro na conta e peguei outro cartão; esse era mais simples e com o limite de R$1.000,00. Para mim, estava passando de bom. Dali para frente, era preparar nossa mudança e curtir uma nova fase na nossa vida.
A mudança não deu muito trabalho; minha mãe e eu só levamos nossas roupas e objetos pessoais. Os móveis ficaram na casa antiga, já que minha mãe iria mantê-la como estava. Ocasionalmente, a gente teria que ir a Santos e seria bom ter nossa antiga casa para ficar. Minha mãe deixou duas empregadas para tomar conta da casa, o jardineiro e passou nosso motorista para trabalhar para Milena. A outra empregada, a única solteira, veio para Guaraú com a gente.
Depois de quinze dias, eu já tinha montado meu ateliê. Demorou um pouco porque o transporte das telas antigas atrasou. Eu achei o local perfeito. O sótão era grande e todo forrado, tinha uma janela grande que dava de frente para a praia; era uma visão linda e inspiradora. A única coisa que não me agradou muito era que a entrada era meio estreita e a escada de madeira me dava um pouco de medo. Porém, valia a pena o sacrifício de ter que passar algumas coisas pela janela e levar alguns sustos subindo a escada. A escada rangia às vezes e isso me assustava, mesmo com minha mãe jurando que ela era totalmente segura.
Comecei a fazer o que eu mais gostava: pintar sem pressa e, claro, voltei a estudar sozinha. Lia bastante livros e também participava de alguns fóruns sobre pintura. Tinha uma página do Instagram que eu amava; era a página de um grande espaço cultural em São Paulo e nela sempre apareciam algumas pinturas da minha pintora preferida. Mesmo não tendo ideia de quem ela era e o porquê de ela simplesmente ter desistido da pintura, eu adorava suas obras.
Mal eu sabia que, através daquela página do Instagram, eu iria conhecer alguém que, por motivos questionáveis, iria mudar totalmente minha vida.
Continua...
Criação: Forrest_Gump
Revisão: Whisper