Os corredores do Instituto Discere estavam mais animados do que o habitual. Sem a tradicional Gincana das Estações naquele ano, a direção decidiu promover a tão aguardada Semana Cultural, onde cada turma representaria um país diferente e teria a missão de levar os visitantes a uma verdadeira viagem pelo mundo. O terceiro ano ficou responsável pela Coreia do Sul, enquanto o segundo ano ficou com a Colômbia.
Era a primeira vez em muito tempo que os alunos se envolviam de verdade em um projeto escolar, enxergando nele uma pausa bem-vinda antes das temidas provas finais de novembro. A energia era contagiante: papéis coloridos espalhados, ideias surgindo a cada segundo, e grupos se formando por todo canto.
Karla, com seu jeito decidido, foi eleita representante do terceiro ano B. Coube a ela planejar toda uma programação baseada na cultura coreana — desde a decoração, passando pela culinária e apresentações artísticas, até a música e o idioma. Enquanto reunia seus colegas em uma roda animada para debater ideias, Valentim tentava, mais uma vez, se aproximar de Noah, que parecia sempre encontrar um jeito de escapar das conversas mais sérias.
— Olha, amor — chamou Valentim, inclinando-se sobre a carteira de Noah, que escrevia concentrado no caderno. — Você sabia que na Coreia eles usam um sistema de idade diferente? Todo bebê que nasce lá já nasce com um ano de idade. Ou seja, as pessoas acabam tendo um ou dois anos a mais do que teriam se vivessem em outros países. — Explicou, mostrando a tela do celular após uma pesquisa rápida.
— Sério? — Noah ergueu as sobrancelhas, inclinando-se para ler. — Que engraçado.
— Ei, vocês dois! — exclamou Karla, chamando a atenção do casal. — Estou falando aqui.
— A general está falando — brincou Noah, endireitando-se na cadeira e voltando a atenção para a colega.
— Obrigado, Karla... — murmurou Valentim, cruzando os braços, mas sorrindo de leve.
Enquanto isso, a turma do segundo ano A já se organizava de forma mais pragmática. Narciso, escolhido como representante da turma, assumiu naturalmente o papel de coordenador. Eles decidiram dividir o projeto por setores — gastronomia, cultura e economia — para garantir que nada ficasse de fora e que todos colaborassem de maneira equilibrada. Narciso agia como um maestro, conduzindo cada grupo com um misto de firmeza e humor.
Mas havia um problema: Gabriel. Desde que começara a ser evitado pelos colegas, acabara ficando de fora de qualquer grupo — mesmo com o projeto valendo 20% da nota final. João Paulo, que ficou responsável pelo setor de gastronomia, chegou a tentar convencer os outros a aceitarem Gabriel, mas ninguém quis.
Sem alternativas, Narciso decidiu intervir. Chamou Gabriel de lado, longe dos olhares dos outros, e fez a proposta.
— Escuta, cara... eu não quero confusão. Nós só vamos entregar o projeto e pronto. — disse Narciso em tom direto.
— Entendi. Não se preocupa, eu quero passar mais do que você e sair daqui. — respondeu Gabriel, aceitando o acordo e saindo logo em seguida.
Narciso suspirou fundo e massageou as têmporas, exausto antes mesmo do projeto começar.
— Eu mereço... — murmurou para si mesmo.
De repente, sentiu dedos firmes e quentes massageando suas costas.
— Você tá estressado por ter sido escolhido líder do projeto? — perguntou João Paulo com um sorriso suave.
— Muito... — confessou Narciso, virando-se para encará-lo. Com um gesto lento e natural, passou a mão pelo rosto do rapaz. — Eu só queria ter um ano tranquilo... Mas você melhora qualquer situação na minha vida.
Quando Narciso ouviu Karla reclamar sobre a carga de trabalho da Semana Cultural, sugeriu a ideia de terceirizar o esforço para os próprios colegas de turma. Se cada grupo cuidasse de um tema, o trabalho seria dividido e ninguém enlouqueceria.
Foi assim que Valentim e Noah acabaram juntos no grupo responsável pela cultura coreana. No início, Noah ficou apenas ouvindo as sugestões tímidas dos colegas, mas não demorou para assumir naturalmente a liderança do grupo — algo que parecia inevitável.
Numa sexta-feira chuvosa, todos se reuniram em uma das salas vazias da casa de Valentim. O som suave da chuva batendo nas janelas dava ao ambiente um ar aconchegante, apesar da pilha de anotações, cadernos e cabos espalhados pelo chão.
— Vocês conhecem o Hallyu, que também é conhecido como a onda coreana? — perguntou Noah, encarando o grupo.
Ninguém levantou a mão.
— O fenômeno do Hallyu transformou a Coreia do Sul numa potência cultural global — continuou, animado — por exemplo, o K-pop e os K-dramas, que têm atraído milhões de fãs no mundo inteiro. Acho que devemos fazer uma feirinha, a Feira Hallyu. Podemos entrar em contato com empreendedores que vendem produtos relacionados à música e séries coreanas.
— Adorei a ideia, Noah. Eu sabia que você deveria ser o líder. — elogiou Letícia, uma das alunas do terceiro ano, sorrindo orgulhosa.
— Podemos exibir também cenas de doramas famosos. — sugeriu outro colega, empolgado.
— E K-pop também, existem esses grupos que fazem performance de dança. — acrescentou Valentim, já com os olhos brilhando.
Enquanto as ideias se multiplicavam, Karla fazia anotações frenéticas no caderno. Ela estava determinada a transformar aquele projeto no ponto alto da Semana Cultural, embora isso estivesse bagunçando todos os planos paralelos dela, de Valentim e de Narciso — que ainda sonhavam com suas respectivas surpresas amorosas.
De carro, a vida de Valentim havia melhorado 100%. Agora, ele se atentava ao nível de carga do carro e, de repente, se tornara praticamente o motorista oficial do rolê. Entre uma reunião e outra, ele dirigia pelo bairro com Noah no banco do passageiro, buscando contatos e orçamentos.
Depois de algumas ligações, conseguiram fechar com diversos empreendedores especializados em artigos coreanos, que confirmaram presença no dia do evento no Discere.
Enquanto isso, Karla tratava dos detalhes finais e decidiu que todos os alunos do 3º ano B usariam um hanbok, o traje tradicional coreano, durante a feira. A notícia causou um alvoroço divertido entre os colegas — e os professores estavam adorando a movimentação dos estudantes, principalmente depois do fim da intensa Gincana das Estações.
A Feira Hallyu começava a ganhar forma, e com ela, o entusiasmo de todo o terceiro ano B.
***
A empolgação era geral, mas o projeto acabou atrapalhando um pouco os planos de Valentim e Narciso, que tinham combinado de preparar uma surpresa para os respectivos crushes. Karla, por sua vez, estava se desdobrando para conciliar a organização do projeto com as tarefas escolares, determinada a entregar um material impecável para a Semana Cultural.
Com o carro recém-adquirido, a vida de Valentim parecia ter dado um salto. Ele agora se atentava a cada detalhe — inclusive ao nível de carga da bateria — e tinha se tornado, praticamente, o motorista oficial do grupo. Graças à sua disposição, conseguiram visitar feiras especializadas e fechar parcerias com empreendedores que vendiam artigos coreanos, garantindo um estande variado para o dia do evento.
Karla, sempre caprichosa, decidiu que todos os alunos do terceiro ano B usariam o hanbok, o tradicional traje milenar coreano, durante a apresentação. A ideia encantou os professores, que estavam visivelmente animados com a movimentação dos estudantes — especialmente depois da frustração coletiva com o fim da Gincana das Estações.
Quando a terça-feira chegou, deu-se início à Semana Cultural. Os alunos do primeiro ano abriram o evento com as representações da Grécia, Argentina e Estados Unidos, impressionando a todos pela riqueza dos detalhes. As decorações criativas e os sabores diferentes elevaram o nível da competição, e os alunos dos outros anos observavam tudo com atenção para aplicarem em seus próprios estandes.
Valentim se deliciou com a gastronomia da Grécia, enquanto Noah não resistiu às decorações vindas da Argentina. Entre os itens, encontrou um pequeno bonequinho que, de algum modo, lembrava Valentim. Sorriu ao se lembrar de quando o namorado lhe dera um boneco da Suécia meses antes.
— Combinou com você. Pode colocar na chave do carro. — sugeriu Noah, entregando o mimo e fazendo Valentim corar instantaneamente. O garoto o abraçou com força, agradecendo sem palavras.
— Um "obrigado" já valia. — brincou Noah, rindo.
— Ei... você sabe que eu te amo, né? — disse Valentim, com os olhos brilhando.
— Claro que sei. Eu também te amo. — Noah o olhou nos olhos por um instante e depois o puxou pela cintura. — Desculpa pela forma como agi nos últimos dias. Eu te amo muito, Valentim. — E o beijou ali mesmo, sem se importar com os alunos que passavam pelo corredor, arrancando sorrisos cúmplices de quem presenciava a cena.
***
A quarta-feira amanheceu vibrante no Instituto Discere, marcada por novas culturas sendo representadas em cada sala de aula. Na turma de Narciso, o clima era festivo e colorido. Os meninos usavam o tradicional sombrero vueltiao, um chapéu torneado feito de palmeira típico das regiões do Caribe e das planícies colombianas. Sobre os ombros, carregavam a ruana, uma capa grossa de lã que dava um ar rústico e elegante ao mesmo tempo. As meninas, por sua vez, desfilavam com vestidos repletos de texturas, tecidos leves e cores chamativas, que se moviam com cada passo. Algumas complementavam o visual com turbantes enfeitados, o que conferia ainda mais autenticidade ao cenário.
Gabriel, que circulava curioso pelo ambiente decorado com bandeiras e mapas, observava tudo com admiração. Ele se surpreendeu ao notar como Narciso conduzia os colegas com firmeza e entusiasmo, mas sem deixar ninguém de lado — nem mesmo ele, que havia sido um pouco retraído em apresentações anteriores. Havia algo de contagiante no jeito como Narciso sorria e organizava os detalhes.
João Paulo surgiu entre as mesas carregando uma grande bandeja. Ele entregava arepas fumegantes aos grupos que se reuniam para assistir às apresentações. Diferente das versões chilenas ou das empanadas argentinas, ali as arepas eram fritas e douradas, com um aroma irresistível de milho. Ao lado, dispunha também pequenas almojábanas — pãezinhos de queijo típicos da Colômbia, de massa leve e casquinha dourada, que derretiam na boca.
No fundo da sala, um grupo musical afinava seus instrumentos. Assim que começaram a tocar, a cúmbia ecoou pelo espaço, preenchendo cada canto com um ritmo envolvente. Era impossível não balançar ao som da batida que misturava influências africanas, ameríndias e espanholas. A música nacional da Colômbia se espalhava como um convite à celebração.
— Ei, onde vocês estavam? — perguntou Narciso, ao ver Valentim, Noah, Karla e Breno entrando animados na área decorada com as cores da Colômbia.
— Desculpa, amigo. Tive que ir a Londres e passei no México também. — brincou Karla, abanando a mão como se tivesse acabado de voltar de uma longa viagem.
— O que tem de bom para comer? — perguntou Breno, que trajava um poncho nas cores da bandeira LGBTQIAP+, arrancando risos de quem passava.
— Ven por favor, hay muchas opciones. — disse Narciso com um espanhol perfeito, fazendo um gesto amplo com o braço. — Este es mi colega, Gabriel. — completou, apontando para o rapaz, que usava uma fantasia completa e até uma barba falsa para compor o visual.
Gabriel sorriu e pegou um controle remoto, projetando um mapa da Colômbia na tela ao fundo.
— Entre 1821 e 1831, os atuais territórios da Colômbia, Equador, Venezuela e Panamá formavam um só país, a Grã-Colômbia. — explicou, com um entusiasmo quase professoral. — O país tem uma grande variedade de climas separados por poucas horas de distância: picos nevados, praias caribenhas, florestas tropicais... Mas cada região tem praticamente o mesmo clima o ano todo.
— Tá, tá, o que mais tem aqui. — disse Valentim, já se afastando e arrastando Noah pela mão, enquanto Karla e Breno os seguiam com risos abafados. Ao passar por Gabriel, Valentim apenas deu de ombros antes de sumir entre as mesas.
Narciso balançou a cabeça, divertido, e logo sua atenção foi atraída por um grupo de professores que acabava de se aproximar. Endireitou a postura e abriu um sorriso acolhedor.
— Hola profesores, buenas tardes. — cumprimentou com a mesma confiança que vinha conduzindo todo o dia.
Depois de um dia inteiro de apresentações, os alunos do segundo ano estavam exaustos. Mais uma vez, o nível das mostras havia sido altíssimo. Assim que o último grupo terminou, todos começaram a desmontar as decorações e a limpar as salas usadas. Narciso e Gabriel ficaram encarregados de escrever um relatório para entregar aos professores, então se refugiaram na biblioteca silenciosa para finalizar o trabalho.
— Cara, eu estou acabado. — disse Narciso, espreguiçando-se diante do computador. — Eu já terminei aqui, cara. Só falta imprimir.
— Por que você foi tão legal comigo? — perguntou Gabriel de repente, sem tirar os olhos da tela do notebook.
— Como assim? — Narciso franziu a testa.
— Durante esse projeto, você não deixou eu ficar de fora. Eu sempre fui um babaca contigo. — confessou Gabriel, com a voz baixa.
— Sei lá. — Narciso coçou a nuca. — Na minha carreira, eu já fui muito alvo de inveja e de pessoas escrotas. E, cara, você foi muito babaca. O Noah não merecia passar por tudo o que passou. Porém, ele conseguiu o que queria, né? Você vai deixá-lo em paz?
— Tenho outra escolha? — Gabriel forçou um sorriso amargo.
Narciso respirou fundo e apoiou os cotovelos sobre a mesa.
— Vou te dizer uma coisa, Gabriel... Ter a consciência tranquila é a melhor sensação do mundo. Eu já tive a chance de prejudicar vários atores no meio, sabia? Alguns que queriam me derrubar, outros que diziam que eu não merecia o que conquistei. Mas, no fim, percebi que se eu jogasse sujo, não seria uma competição justa — e eu nunca iria dormir em paz com isso.
Gabriel ficou em silêncio, apenas observando o colega com uma expressão indecifrável.
— Então, se quer seguir em frente, começa por aí. Faz as pazes com a tua própria consciência. — concluiu Narciso, antes de juntar seus materiais e se levantar da cadeira.
— Ei, Narciso. Fui eu. Eu que fiz o post com a tua foto. Eu sinto muito por isso. — Confessou Gabriel.
— Entendi. — Narciso se limitou a dizer.
Ele jogou a mochila no ombro, deu um leve aceno de despedida e saiu da biblioteca, deixando Gabriel sozinho com os próprios pensamentos — e, talvez, com uma nova perspectiva.
***
O sol ainda nem havia alcançado o topo do céu quando Karla, Noah, Valentim e Breno chegaram ao Instituto Discere. O ar da manhã estava carregado de expectativa, e os quatro se entreolharam com um sorriso cúmplice: era o grande dia da Coreia do Sul na Semana Cultural. Assim que pisaram no pátio principal, a equipe contratada para a decoração já os aguardava com caixas, tecidos coloridos e luminárias de papel. Sem perder tempo, eles se dividiram — alguns ajeitavam os estandes, outros verificavam a chegada dos figurinos.
Pouco depois, os trajes coreanos foram entregues. Karla e Breno, encarregados de recepcionar os visitantes, seguiram juntos para uma das salas de preparação. Karla surgiu minutos depois com um hanbok tradicional feminino, composto por uma jeogori (blusa) rosa-choque com detalhes pretos e gola branca, e uma chima (saia longa) em tom pálido de rosa com delicadas flores bordadas. Seus cabelos estavam presos em um coque baixo adornado por uma flor clara, o que conferia um ar de elegância serena e acolhedora.
Breno, ao seu lado, vestia um hanbok masculino igualmente encantador: uma jeogori (blusa interna) lilás clara com gola branca, sobre a qual usava um vestido longo azul vibrante (po vermelho) preso na cintura por um cinto fino com um tassel cinza pendurado. A combinação lhe dava uma postura altiva e ao mesmo tempo refinada, perfeita para a função de anfitrião.
Enquanto os dois recebiam os primeiros visitantes com sorrisos e cumprimentos calorosos, outros alunos circulavam pelo local usando trajes típicos coreanos semelhantes. Alguns optaram por se vestir como ídolos da música pop sul-coreana, exibindo cabelos coloridos, roupas modernas e maquiagens ousadas, criando um contraste divertido e chamativo com os hanboks tradicionais.
Em diferentes pontos do Discere, a Coreia ganhava vida: dois grupos contratados apresentavam coreografias de sucessos do K-POP em um palco iluminado, enquanto, logo adiante, áreas decoradas inspiradas em doramas famosos convidavam os estudantes a tirarem fotos com cenários românticos e cartazes dos personagens.
Foi um dia puxado para o quarteto. Entre orientar equipes, organizar filas, verificar cronogramas e responder dúvidas, eles mal tiveram tempo para respirar. Mas cada detalhe impecável compensava o esforço. O grande destaque, porém, ficou para uma área especial montada como um karaokê no estilo coreano: cabines privativas com iluminação colorida, microfones e uma tela onde os alunos soltavam a voz, cantando baladas e hits animados do K-POP. Risos e aplausos ecoavam no corredor sempre que alguém arriscava notas altas.
Enquanto isso, Narciso e João Paulo exploravam a feira coreana montada no pátio externo, onde degustaram pratos típicos como tteokbokki, kimbap e hotteok. Entre uma garfada e outra, compraram pequenos produtos e lembranças: chaveiros com personagens de doramas, caderninhos com Hangul na capa e doces exóticos que despertavam a curiosidade.
Ao final da tarde, o público se reuniu no pátio central para assistir à última atração: uma banda convidada que encerrou a programação cantando sucessos consagrados da Coreia do Sul, levando os estudantes ao delírio. E, quando as últimas notas ecoaram pelo céu alaranjado, uma queima de fogos silenciosos iluminou o ar, enchendo-o de cores suaves e marcando com beleza e encanto o encerramento oficial da Semana Cultural.
O burburinho no pátio do Instituto Discere era constante, repleto de vozes animadas, músicas, risadas e flashes de câmeras por todos os lados. As turmas dos terceiros anos davam um verdadeiro espetáculo de diversidade cultural, mas, para Valentim e Noah, aquele momento tinha um brilho especial.
— Ei. — Valentim chamou a atenção do namorado, erguendo o celular e sorrindo. — Você está muito lindo.
Noah arqueou uma sobrancelha, divertindo-se com o tom encantado de Valentim.
— Você também, mas eu quero tirar uma foto melhor. — disse, pegando a mão dele e puxando-o com delicadeza.
Valentim deixou-se conduzir até um painel temático montado para fotos, uma estrutura colorida e encantadora que lembrava os cenários de feiras tradicionais da Coreia do Sul: lanternas de papel suspensas, leques pintados à mão, guarda-sóis decorados com cerejeiras e um letreiro iluminado escrito "대한민국" (Coreia do Sul) em Hangul. Tapetes vermelhos e pequenas luzes piscantes davam o toque final.
Os dois estavam impecáveis. Valentim trajava um hanbok tradicional masculino: uma jeogori clara, de tom creme, com uma fita vermelha amarrada na altura do peito, completada por uma longa sobreposição branca e chapéu preto tradicional (gat). Já Noah vestia um hanbok de cores vivas, com uma jeogori rosa suave coberta por um durumagi (sobrecasaco) azul-escuro com estampas discretas, calçando sapatos pretos típicos e usando também um chapéu de aba larga que lhe dava um ar nobre e misterioso.
Noah entregou o celular a um colega da turma e, de repente, uma verdadeira sessão fotográfica começou. Primeiro, os dois lado a lado, sérios como figuras da realeza. Depois, rindo juntos. Em outra, Valentim inclinou a cabeça até tocar a testa de Noah. Houve também uma foto espontânea em que Noah estalou um selinho rápido nos lábios do namorado, arrancando suspiros dos colegas ao redor. A sequência terminou com Valentim, rindo alto, erguendo Noah no colo, enquanto ele fingia susto e agarrava-se ao pescoço dele.
A turma que assistia tudo não resistiu. João Paulo e Narciso assumiram a missão de fotógrafos oficiais, organizando todos para uma grande foto em grupo diante do painel — professores, alunos, todos misturados em meio a hanboks, roupas modernas e sorrisos largos.
Depois da sessão, os alunos começaram a se dispersar para aproveitar o resto da programação. Além da Coreia do Sul, os outros estandes do terceiro ano também exibiam culturas do Vietnã, Tailândia, Noruega e França, cada um com música, comidas e apresentações próprias.
Valentim e Noah, porém, seguiram de mãos dadas pelo evento. Alguns olhares e cochichos os acompanhavam, mas eles não se importavam. Sabiam que o tempo juntos no Discere estava acabando: em dezembro, Valentim partiria para a Irlanda para dar início ao processo de inscrição na universidade, e em fevereiro, se mudaria de vez para Dublin.
— Para onde estamos indo? — perguntou Noah, mantendo o passo junto ao dele.
— Sei lá, queria ir para um lugar tranquilo. — respondeu Valentim, chamando o elevador.
O destino deles era um local que guardava memórias demais para ser ignorado: a biblioteca do Instituto Discere. Quando entraram, o silêncio os envolveu como um velho amigo. As prateleiras altas e abarrotadas, o cheiro suave de papel antigo e o som abafado do ar-condicionado criavam um refúgio do mundo lá fora.
Ali, Valentim havia passado incontáveis horas tentando se concentrar nos estudos, enquanto Noah sempre dava um jeito de se sentar bem ao lado, lançando comentários aleatórios ou provocando risadinhas abafadas. Lembraram-se da tarde em que Noah adormeceu com a cabeça apoiada na mesa e Valentim, ainda confuso sobre seus sentimentos, passou os dedos com cuidado pelos fios macios do cabelo do outro — um gesto que, na época, pareceu o fim do mundo para ele. Também recordaram os beijos roubados entre os corredores silenciosos, quando a tensão e o medo de serem descobertos os faziam rir baixinho.
— A gente enfrentou tanta coisa, e esse lugar meio que se tornou um porto seguro. — disse Noah, observando o entorno com os olhos marejados de nostalgia.
— Eu te amo, você sabe disso, né? — Valentim declarou, com a voz firme, mas doce. — Eu sei que esse um ano e meio não vai ser fácil, mas eu quero que você me espere, Noah. — Aproximou-se e roubou um beijo do namorado.
— E se você encontrar alguém melhor do que eu? E se... — começou Noah, hesitante.
— Desde que te conheci, Noah, não existe um depois com mais ninguém. — Valentim disse, repetindo um trecho da carta que escrevera para ele tempos atrás.
E assim, em plena biblioteca do Instituto Discere, vestidos como a realeza coreana e rodeados pelo silêncio cúmplice dos livros, os dois selaram um acordo que ia além de qualquer distância: eles esperariam.