DISCERE 2 - TEMPO DE AMAR - CAPÍTULO 15: HALLOWEEN

Um conto erótico de Escritor Sincero
Categoria: Gay
Contém 3751 palavras
Data: 18/10/2025 06:01:50

A biblioteca do Instituto Discere estava tomada por uma atmosfera de concentração que contrastava fortemente com o agito da Semana Cultural. Se dias atrás o espaço havia sido palco da promessa romântica de Valentim e Noah, agora ele era apenas cenário de jovens mergulhados em livros, cadernos e anotações, tentando recuperar o fôlego acadêmico antes das provas finais.

O silêncio era tão profundo que parecia gritar. Entre estalos de canetas, o virar de páginas e ocasionais cochichos abafados, todos se dedicavam ao estudo. Até a turma de Narciso e João Paulo, que havia conquistado a primeira colocação na competição, parecia mais interessada em decifrar fórmulas matemáticas do que em comemorar a vitória. Valentim e seus amigos, que ficaram em terceiro, não pareciam incomodados. Ainda estavam no pódio, e, no fundo, sabiam que nada se comparava à expectativa pela Gincana das Estações — embora rumores corressem de que a direção pretendia aposentar a disputa em busca de novos formatos de integração.

Naquela noite, Noah havia tomado uma decisão drástica: confiscou o celular de Valentim para que o namorado pudesse se concentrar. A princípio, o rapaz resmungou, mas logo percebeu que, pela primeira vez, realmente estava por dentro de cada matéria. O esforço estava valendo a pena. O grupo ainda comemorava o sucesso do podcast sobre Direitos Humanos — Valentim, Noah, Breno e Karla haviam recebido nota máxima, algo que parecia reforçar a confiança de todos.

Mas havia uma pedra no caminho: matemática. Valentim conseguia boas notas em quase tudo, mas números nunca foram seu forte. A sorte era contar com João Paulo, sempre paciente e brilhante no assunto, disposto a explicar cada detalhe como se fosse um professor particular.

O ambiente, no entanto, perdeu a concentração quando Narciso chegou esbanjando energia. Sem cerimônia, jogou sobre a mesa uma pilha de envelopes coloridos. A curiosidade se espalhou entre o grupo: eram convites exclusivos para uma festa de Halloween no Hotel Sky Vision, um dos mais badalados da cidade, famoso por receber apenas a elite. O evento seria à fantasia.

Decidiram então comprar as roupas juntos, em uma loja especializada. Ao chegarem, foram recebidos com espumante não alcoólico e o humor contagiante de Gertrudes, a vendedora, que prometeu ajudá-los a encontrar trajes inesquecíveis.

Breno e Karla logo bateram o martelo: iriam de Cosmo e Wanda, de Os Padrinhos Mágicos. Noah, por sua vez, encontrou uma fantasia de Coringa perfeita para Valentim — a ponto de imaginá-lo de cabelos verdes.

— E você, vai de quê? — perguntou Valentim, segurando a fantasia.

— Batman — respondeu Noah, seguro de si.

— Negativo! O Batman é o inimigo número um do Coringa. Não quero. — Valentim fingiu indignação, cruzando os braços. — Você vai ter que ir de Arlequina.

— Mas é uma fantasia feminina... — retrucou Noah, confuso.

— Roupa não tem gênero. — rebateu Valentim.

— Essas têm. — Noah ergueu a fantasia, composta por um top escrito "Daddy's Lil Monster" e um short curtíssimo.

— Podemos adaptar! — interveio Gertrudes, sempre atenta às oportunidades. — Faço uma versão mais confortável para você, querido.

Enquanto o casal debatia com a vendedora, João Paulo não conseguia acreditar nos preços. Uma fantasia da Elsa custava R$ 300, enquanto a de Jason saía por R$ 280. Era caro demais para quem já tinha gastado quase toda a mesada no projeto da Semana Cultural.

— Narciso — chamou, puxando o namorado para um canto. — Está tudo muito caro. Melhor eu ir embora.

— Não, eu pago. — Narciso segurou firme a mão dele. — Por favor, vai ser a nossa primeira festa de Halloween juntos. Eu nunca te pedi nada, João Paulinho.

— João Paulinho? Sério isso? — o garoto arqueou a sobrancelha.

— Por favorzinho. — Narciso quase implorava.

João Paulo suspirou, vencido pelo apelo.

— Tudo bem. Mas nada muito caro.

Com um sorriso travesso, Narciso já sabia exatamente o que escolher. Levou o namorado até uma arara de roupas de época e retirou duas fantasias: uma de grego e outra de fauno. João Paulo logo percebeu a intenção.

— Narciso e Eco... — murmurou, sem graça.

— Só que, no nosso caso, o sentimento é recíproco. — completou Narciso, deixando João Paulo corado.

***

A casa de Valentim, a menos de um quilômetro do hotel, se tornou o ponto de encontro para os preparativos da festa de Halloween. As janelas abertas deixavam entrar a brisa fresca da noite, enquanto risadas e conversas preenchiam os corredores.

Narciso havia contratado uma amiga maquiadora, que não veio sozinha: trouxe uma pequena equipe para dar conta da produção de todos. Um a um, os jovens passavam pelas mãos habilidosas, que aplicavam camadas de tinta, delineados e detalhes sombrios. Valentim foi, sem dúvida, quem mais deu trabalho — exigiu paciência para receber as tatuagens temporárias que cobriam o peito e os braços, o transformando em uma versão perturbadoramente sedutora do Coringa.

As tintas para cabelo — verde, rosa e azul — estavam espalhadas sobre a mesa, usadas em cada detalhe que compunha os personagens. Enquanto isso, Narciso e João Paulo se retiraram para o quarto de hóspedes. Queriam deixar seus pertences, trocar de roupa e ter um momento só deles.

Ali, longe do burburinho da sala, o silêncio se tornou cúmplice. Narciso, já meio vestido com a túnica branca, ajeitava a faixa vermelha sobre o ombro quando sentiu o olhar de João Paulo. O fauno ainda estava apenas com a parte inferior da fantasia, mas a coroa de flores repousava em cima da cama, esperando ser usada.

— Você está lindo... — murmurou João Paulo, a voz baixa, quase tímida.

Narciso sorriu de lado, se aproximando devagar. Seus olhos tinham um brilho orgulhoso, mas também vulnerável; ele não se acostumava com os elogios vindos do rapaz que agora mexia tanto com seus pensamentos.

Os dois se encontraram no meio do quarto. Narciso passou a mão pela nuca de João Paulo, o puxando para perto. O primeiro beijo foi lento, como se ambos quisessem prolongar o instante. Logo, a intensidade aumentou. João Paulo entreabriu os lábios, permitindo que a carícia se tornasse mais profunda.

As mãos exploravam com ternura: Narciso deslizava pelos ombros do outro, sentindo o calor da pele; João Paulo percorria o peitoral definido do rapaz, descobrindo cada músculo revelado pela dedicação recente à academia. Era um toque tímido, mas carregado de desejo adolescente.

Entre beijos e suspiros, João Paulo deixou escapar um riso nervoso, interrompendo por um segundo a atmosfera.

— Eu disse que queria ir devagar... — confessou, ofegante.

— Eu sei. — Narciso acariciou o rosto de João Paulo, o olhando nos olhos. — Mas nada disso precisa ser pressa. É só... a gente.

O clima voltou a se aquecer. Narciso se ajoelhou diante de João Paulo, os dedos deslizando pelas pernas cobertas do traje de fauno. Os olhares se cruzaram uma última vez, como um pedido silencioso de permissão. João Paulo assentiu, o coração disparado.

O que se seguiu foi íntimo e delicado. Entre carícias e beijos mais ousados, eles se descobriram em um ritmo novo, intenso, mas terno. Não havia pressa, apenas o prazer de se conhecerem e de confiarem um no outro. Para João Paulo, era um passo adiante — e para Narciso, uma entrega carregada de cuidado.

Quando terminaram, permaneceram abraçados sobre a cama, respirando juntos, as mãos entrelaçadas. Não precisaram dizer nada. O silêncio falava por eles, doce e cúmplice.

Enquanto isso, do lado de fora, a transformação dos amigos continuava. Valentim, diante do espelho, era a própria encarnação do Coringa: cabelo verde gritante, pele pálida e tatuagens que contavam histórias de caos. Noah, em contrapartida, surgia deslumbrante de Arlequina, carregando no olhar uma mistura de inocência e malícia que o fazia parecer ainda mais fascinante.

Breno e Karla, em suas versões sombrias dos Padrinhos Mágicos, traziam o contraste perfeito entre inocência colorida e horror.

E, por fim, quando Narciso e João Paulo retornaram à sala, estavam irreconhecíveis: um semideus grego e um fauno místico, prontos para se juntar ao grupo.

No jardim, sob a luz dourada do pôr do sol que pintava o horizonte de São Paulo, os casais posaram para fotos. Risadas, poses improvisadas e olhares apaixonados se misturavam ao cenário, como se todos fossem personagens arrancados de mitos e lendas, reunidos naquela noite mágica que prometia muito mais do que apenas uma festa.

Valentim estava diante do espelho, ainda admirando sua transformação em Coringa. O cabelo verde gritante contrastava com a pele pálida, os olhos carregados de um brilho insano e os lábios manchados de vermelho. O peito nu exibia tatuagens negras e sombrias, enquanto a camisa vinho aberta deixava transparecer sua atitude provocativa. As luvas azuis e o olhar torto completavam a figura que exalava perigo e desejo. Valentim não parecia apenas fantasiado: ele havia se tornado o personagem, uma mistura de loucura e charme quase irresistível.

Ao lado dele, Noah estava estonteante na pele de Arlequina. Os cabelos tingidos de azul e rosa caiam rebeldes, a jaqueta bicolor cintilava sob a luz e a calça vermelha e azul, cheia de correntes, moldava seu corpo com perfeição. O sorriso pintado em seu rosto misturava inocência e malícia, e o taco que segurava era apenas um detalhe diante da energia elétrica que ele transmitia. Ao se olhar no reflexo, Noah ficou em choque: estava lindo, ousado... gostoso.

Mas, por mais que tivesse se surpreendido consigo mesmo, nada superava o impacto de Valentim. Noah mordeu o lábio, encarando aquele Coringa de corpo inteiro, e sem conseguir se segurar, soltou a confissão entre um riso nervoso e uma pontada de desejo:

— Eu quero namorar com você assim, Valentim... fantasiado desse jeito.

Valentim ergueu uma sobrancelha, deixando o cigarro de mentira pender nos lábios borrados de vermelho. O sorriso que ele lançou para Noah era ao mesmo tempo debochado e perigoso, como se tivesse acabado de ouvir a melhor piada do mundo.

— Quer namorar comigo... assim? — perguntou, arrastando a voz, teatral, entrando ainda mais no personagem.

Noah riu, meio sem graça, mas não desviou os olhos. O coração batia rápido, e quanto mais olhava para Valentim, mais certeza tinha do que sentia. — Estou falando sério. Você está... perfeito. Assustador, mas perfeito.

Valentim deu alguns passos lentos na direção dele, a camisa vinho aberta balançando levemente com o movimento. Quando parou diante de Noah, o segurou pelo queixo com delicadeza, embora a intensidade do olhar fosse quase insuportável.

— Cuidado com o que deseja, Arlequina — sussurrou, a voz grave e carregada de provocação. — Porque o Coringa sempre atende aos pedidos mais insanos.

Noah estremeceu, arrepiado da cabeça aos pés. Entre a fantasia e a realidade, não havia mais nenhuma linha.

***

A fachada iluminada do Hotel Sky Vision parecia saída de um cenário cinematográfico. As luzes refletiam na fonte em frente à entrada, criando uma atmosfera luxuosa que impressionava a todos. Uma fila longa de pessoas fantasiadas se estendia pela escadaria, cada qual com roupas elaboradas, máscaras detalhadas e maquiagem de cair o queixo. No entanto, o grupo de Narciso não precisou esperar — eram convidados VIP e passaram direto, sob os olhares curiosos de quem aguardava.

João Paulo caminhava alguns passos atrás, deslumbrado com o nível das fantasias. Algumas eram tão realistas que ele não conseguia distinguir maquiagem de prótese. Celebridades desfilavam pelo tapete vermelho improvisado, posando para fotógrafos que capturavam cada detalhe. Ele não pôde evitar o pensamento: será que Narciso estava pagando um mico por causa dele? Afinal, tudo parecia luxuoso demais, requintado demais.

Foi então que um pequeno acidente desviou as atenções. Um rapaz gordinho, pintado de azul e com um boné branco na cabeça — claramente um Smurf — tropeçou e caiu de barriga no chão. A maioria apenas riu ou fingiu não notar, mas Narciso e João Paulo correram para ajudá-lo. Valentim e Noah, que vinham logo atrás de mãos dadas, também se aproximaram.

— Você está bem? — perguntou Narciso, apoiando a mão no ombro do rapaz.

— Precisa que a gente chame alguém? Podemos chamar ajuda médica. — ofereceu Valentim com preocupação.

— Sim, sim, estou ótimo. — respondeu o rapaz, tentando disfarçar a vergonha. Mas, ao erguer os olhos, arregalou-os. — Narciso Figueiredo?

— Sim. — Narciso sorriu, já preparado para o pedido de foto de um fã.

— Sou eu.

— Você...? — Narciso franziu a testa, confuso.

João Paulo observou a cena com atenção. O modo como o rapaz olhava para Narciso o incomodou. Ciúmes? Talvez. Respirou fundo, lembrando a si mesmo que Narciso era famoso, com milhares de fãs espalhados por todo lugar.

— Sou Maximilliam Ermírio de Moraes. Lembra? O comercial dos animais... eu era o bebê chorão.

Naquele instante, flashes de memória invadiram a mente de Narciso. Tinha apenas cinco anos quando participou daquele comercial: um grupo de crianças fantasiadas de bichinhos tomava iogurte enquanto brincava. Maximilliam, vestido de coelhinho, chorou inconsolável por causa da fantasia incômoda, e foi Narciso quem o acalmou. Durante um tempo, se encontraram em vários testes, até que a família de Maximilliam se mudou para o exterior e perderam o contato. Ele até seguia Narciso nas redes sociais, mas nunca havia tido coragem de se aproximar.

— Cara, que incrível! — Narciso o abraçou animado. — Quanto tempo!

— Pois é. Estudei nos Estados Unidos, mas agora voltei. Papai resolveu investir no setor hoteleiro e... cá estamos. — Maximilliam abriu os braços, mostrando o hotel em volta.

— Espera... o hotel é do teu pai?

— Sim.

— Que legal. — comentou João Paulo, forçando um sorriso para não parecer emburrado.

— Eu mesmo pedi para a assessoria enviar o convite. Você trouxe seus amigos?

— Sim. — Narciso respondeu, ainda entusiasmado. — Esse é o meu... — e se virou para João Paulo.

— Oi, sou João Paulo. Estudo com o Narciso. — João Paulo estendeu a mão e cumprimentou Maximilliam.

— Isso, estudo com ele. — Narciso completou, visivelmente nervoso. — Todos estudam comigo. Esse é o Valentim, o Noah, a Karla e o Breno.

— Caramba, vocês arrasaram nas fantasias! Ficaram incríveis. Vamos entrar?

O grupo então seguiu em direção à entrada principal, onde os holofotes e flashes os aguardavam, mas agora com uma nova figura ao lado — Maximilliam, trazendo lembranças do passado de Narciso e, talvez, um tempero inesperado para aquela noite.

A decoração interna da festa parecia saída de um cenário cinematográfico de Halloween. Do teto, pendiam lanternas iluminadas em formato de abóboras sorridentes, que lançavam um brilho amarelo-alaranjado sobre o ambiente. Chapéus de bruxa flutuavam suspensos por fios quase invisíveis, enquanto teias de aranha artificiais se espalhavam pelas paredes, refletindo a luz roxa e azul que criava um ar sobrenatural. No centro, uma mesa repleta de abóboras iluminadas e velas reforçava o clima místico, quase como um altar em homenagem à noite das bruxas.

João Paulo, nervoso, observava cada detalhe enquanto perguntava baixinho a Narciso o que podia ou não fazer, temendo cometer algum deslize em meio a tantas celebridades. Para ele, tudo aquilo era novidade. Diferente de Narciso, Valentim, Noah, Karla e Breno, que já transitavam com naturalidade em eventos luxuosos, João Paulo se sentia deslocado, como um intruso em um mundo que não lhe pertencia.

Ainda assim, sua fantasia roubou a cena: várias pessoas paravam para elogiá-lo, e ele mal sabia como reagir. Valentim também não passava despercebido, sendo chamado a todo instante para tirar fotos. O ápice para João Paulo veio quando a atriz Verônica Carvalho, com mais de 30 milhões de seguidores nas redes, não apenas posou com ele, como também pediu seu arroba. Chocado, ele congelou, e quem acabou respondendo foi Narciso.

O clima ganhou ainda mais intensidade quando a cantora Larissa subiu ao palco, atraindo todos para perto. João Paulo mal acreditava estar vivendo aquilo, consciente de que muitos dariam tudo para assistir a um show tão exclusivo. Garçons circulavam a todo instante, oferecendo taças de espumante e bandejas com petiscos requintados. Em meio ao encantamento, sentiu um toque firme em sua cintura: era Narciso, que acompanhava a apresentação de Larissa dançando suavemente ao ritmo da música, como se a festa fosse apenas deles dois.

Por causa da influência do pai, César Ermírio de Moraes, Maximilliam precisava interagir. Prometeu voltar para conversar com Narciso, mas, por dentro, só queria encontrar um canto silencioso. Conhecia a maioria das pessoas, mas sentia que ninguém o conhecia de verdade. Aos dezesseis anos, vivia à sombra dos irmãos Luan e Laís, que já estagiavam em setores importantes do hotel da família. Ele, por sua vez, era apenas um estudante do ensino médio, acima do peso, e não queria ser um empecilho para ninguém.

A fantasia de Smurf fora ideia de Laís, que adorava pregar peças no irmão caçula. Enquanto Maximilliam se ajeitava dentro do macacão azul, ela desfilava pelo salão com um traje de bruxa sangrenta, de onde uma mão cenográfica saía de dentro do peito.

— Aquele que você estava falando era o Narciso Figueiredo? Pensei que ele ia ousar mais na fantasia — comentou Laís, tomando um drink e analisando o irmão de cima a baixo.

— Eu já falei com todos os convidados da minha lista. Posso aproveitar a festa agora? — perguntou Maximilliam, ajustando o chapéu branco na cabeça.

— Claro. E o Luís?

— Deve estar se agarrando com alguma garota inocente. — Maximilliam suspirou.

— Você também deveria. Já está passando da hora de perder esse cabaço.

— Laís! — gritou Maximilliam. Se o rosto não estivesse coberto de tinta azul, estaria vermelho.

— Calma, puritano. Tem, literalmente, uma cantora dizendo que a pepeca dela é poderosa. Relaxa, é Halloween, milagres podem acontecer... até você encontrar um boy bonito — brincou ela, antes de avistar um fotógrafo. — Preciso tirar uma foto para postar no meu perfil. Até depois!

Maximilliam ficou sozinho por alguns instantes, observando o salão decorado com teias falsas, velas artificiais e luzes pulsantes. Foi então que percebeu um rapaz fantasiado de Zorro atravessar uma porta lateral que levava a uma área restrita aos funcionários. A curiosidade falou mais alto.

Ele seguiu o mascarado por um corredor estreito, onde o som da festa ia ficando distante, abafado pelas paredes pintadas de branco. Uma porta permanecia semiaberta, deixando escapar uma luz avermelhada do outro lado. Maximilliam esticou o pescoço, hesitante, e a empurrou com cuidado.

De repente, Luís surgiu do escuro, abraçado a uma moça vestida de enfermeira sensual.

— O que está fazendo aqui, tetinha? — provocou o irmão mais velho, usando uma fantasia de conde Drácula.

— Você viu alguém vestido de Zorro? — perguntou Maximilliam, tentando parecer firme.

— Não, só a Nicole aqui... mas essa fantasia de enfermeira vai já sair — respondeu Luís, rindo antes de beijar calorosamente a garota.

— Meu nome é Estela — corrigiu a moça, ainda rindo, e voltou a beijá-lo.

Um barulho metálico ecoou da sala ao lado, chamando a atenção de Maximilliam. Ele deixou o casal para trás e entrou. Luís, aproveitando a chance de zombar do irmão, pegou uma vassoura encostada na parede e travou a porta por fora.

— Que maldade! — comentou Estela, rindo.

— Eu adoro. Quer saber? Vamos voltar para a sala que estávamos — disse Luís, a puxando pela mão.

A sala estava quase totalmente às escuras, iluminada apenas por pontos de luz vermelha espalhados pelo teto e pelas paredes. O ar cheirava a óleo e poeira. Maximilliam ligou a lanterna do celular e varreu o espaço com o facho amarelado.

Era a casa de máquinas do hotel: cabos e dutos cruzavam o ambiente, enquanto um grande gerador repousava sobre uma base de concreto. Próximo a ele, caixas metálicas protegiam sistemas de eletricidade e água. Ao fundo, um painel indicava: "Sistema de Água – Combate a Incêndio."

Ali, ajoelhado perto do painel, o Zorro manuseava um frasco, despejando um pó claro na tubulação.

— Ei, o que está fazendo aqui? — perguntou Maximilliam, a voz trêmula, mas tentando parecer corajoso.

O mascarado se virou bruscamente. No susto, empurrou Maximilliam, que caiu de costas no chão frio. Na pressa para fugir, deixou cair uma mochila preta perto do gerador, mas não voltou para pegá-la.

O rapaz correu em direção à porta, mas parou bruscamente ao perceber que estava preso dentro da sala. Tentou empurrá-la com força, mas a vassoura travava a saída. Maximilliam sentiu o coração disparar, o eco das batidas se misturando ao cheiro denso de poeira e óleo. Seus olhos varreram o ambiente em busca de outra saída.

De repente, uma mão o puxou com violência. Reflexos despertados por anos de bullying tomaram conta dele: lembranças de quando treinava judô para aprender a se defender surgiram instintivamente. Maximilliam agarrou o braço do mascarado e aplicou um golpe rápido, o derrubando. Num movimento fluido, montou sobre o corpo do rapaz, prendendo-lhe o braço, exatamente como aprendera nos tatames — a mesma posição que costumava treinar com o professor, sentado sobre o tronco do adversário, o mantendo imobilizado.

— Meu... meu inalador... — arfou o Zorro, respirando com dificuldade.

— O quê? Seu inalador? — Maximilliam piscou, confuso. O rapaz apontou com a mão trêmula para trás.

Com um gesto nervoso, ele retirou a máscara e o chapéu de Zorro, deixando o rosto suado à mostra. Abriu a camisa social preta, desesperado por ar. Sem saber o que fazer e temendo gerar confusão — ou publicidade negativa para o hotel —, Maximilliam se levantou e correu até a mochila caída perto do gerador. Vasculhando seu interior, encontrou um inalador azul, repleto de figurinhas de Pokémon coladas.

— Aqui! — disse, entregando o objeto.

O rapaz balançou o inalador, o encaixou nos lábios e inspirou profundamente. Aos poucos, a respiração começou a se estabilizar.

— Por que diabos esse lugar é cheio de poeira? Vocês não limpam? — reclamou ele, se erguendo e pegando a mochila das mãos de Maximilliam.

— Espera, você tá bravo? Isso só pode ser pegadinha. Eu acabei de te flagrar adulterando o sistema de água do salão.

— "Adulterar" é uma palavra muito forte — retrucou o rapaz, desviando o olhar. — Você pode abrir a porta?

— Como assim abrir a porta? — Maximilliam puxou a maçaneta, mas nada aconteceu. — Que merda! — tentou mais uma vez, sem sucesso, se voltando para o outro com um olhar indignado.

— Só pode ser brincadeira... — murmurou o Zorro, balançando a cabeça, exasperado.

Do lado de fora, a música e as risadas preenchiam o salão, onde os convidados bebiam e dançavam sem imaginar o que se passava na sala de máquinas do Hotel Sky Vision. Ali, uma nova história estava prestes a nascer — mas isso ficaria para outro momento, porque no salão de festas uma melodia romântica começou a tocar.

Valentim se aproximou de Noah, que repousou o bastão sobre uma mesa. Entre luzes suaves e sombras cintilantes, os dois começaram a dançar, os corpos se movendo em harmonia. Por um instante, não havia mais ninguém ao redor: apenas eles, o coração batendo como se fosse um só.

Narciso, inspirado, tentou puxar João Paulo para a pista. Mas o rapaz, nervoso, desconversou e se afastou. O encanto daquele instante foi abruptamente interrompido quando o sistema de água do salão disparou, despejando um líquido vermelho sobre todos. Surpresos, os convidados gritaram e correram, enquanto a música continuava, agora acompanhada pelo som da água caindo como chuva sobre a festa.

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