Quando à Tempestade Passa - Capítulo I

Um conto erótico de Magnus
Categoria: Homossexual
Contém 779 palavras
Data: 19/10/2025 12:02:08
Assuntos: Amor, Gay, Homossexual, Romance

Matteo

A brisa quente atravessava a avenida de paralelepípedos com cheiro de pão, madeira e manga madura. O calor lhe pareceu diferente. Não era sufocante, nem úmido demais. Era um calor… antigo. Como se pudesse acolher. Como se a terra tivesse guardado memórias ali.

Matteo fechou os olhos por um segundo e se permitiu respirar fundo. O sol tocava sua pele com uma gentileza quase impessoal, como se dissesse “você não é o primeiro a chegar, tampouco será o último a tentar recomeçar”.

A cidade o envolvia sem pressa. Algumas pessoas passavam apressadas, outras empurravam carrinhos de feira improvisados. Um homem assoviava do outro lado da rua. Aquele pedaço do bairro parecia pertencer a um tempo anterior ao seu. Como um retrato antigo em que ele havia sido incluído sem querer.

O apartamento que alugara ficava no segundo andar de um prédio antigo com fachada verde-clara descascando nas bordas. A janela de veneziana de madeira tinha vista para uma árvore imensa. O nome da árvore, ele não sabia — e aquilo o incomodou mais do que deveria. Talvez porque na Itália ele sabia o nome de todas as árvores do jardim de sua mãe. Mas aqui, a natureza parecia falar outra língua.

Matteo era um homem bonito — mas não sabia disso. Ou fingia não saber. Seu reflexo no espelho sempre mostrava algo mais do que simetria ou charme. Mostrava alguém em eterna fuga. Os cabelos castanhos estavam bagunçados e os olhos, escuros, pareciam sempre carregar um segundo pensamento não dito. Era magro, alto, usava roupas leves e simples. Tinha um jeito de caminhar que misturava disciplina e silêncio, como se os passos fossem contidos por hábito.

Ao entrar no apartamento, deixou a mala perto do sofá gasto e olhou ao redor. Quatro cômodos, um ventilador de teto que rangia quando ligado, e uma cozinha com azulejos brancos cobertos de decalques florais. Era modesto, mas era seu. Pela primeira vez em anos, não havia câmeras, seguranças, alarmes. Nenhuma proteção além de si mesmo.

“Proteção. Que palavra pesada,” pensou, enquanto pegava o medalhão no bolso. Abriu-o com cuidado. Dentro, os nomes dos pais estavam gravados em latim, lado a lado. O metal era frio contra a pele, mas ainda assim lhe trazia conforto. Sua mãe odera aquele medalhão antes de morrer, quando Matteo ainda vivia cercado por sombras maiores do que entendia.

Ela havia dito, com voz firme: “Quando não souber onde está, lembre-se de onde veio.” Ele nunca esqueceu.

Ele se jogou no sofá, cansado. A viagem fora longa, mas o cansaço vinha de mais longe. Do tempo em que fingia que sua vida podia ser normal. Em que acreditava que podia ser apenas um médico. Um homem comum.

Mas Matteo não era comum. E o Brasil, com toda sua promessa de recomeço, também não o seria.

Do outro lado do oceano, ele havia deixado uma família que não se despedia. E quando famílias como a dele não se despedem, significa que a porta nunca está realmente fechada.

Matteo chegava ao Brasil com o peso de uma bagagem que não estava apenas em sua mala. Ele carregava memórias da Itália, um lugar que ele deixava para trás, mas que ainda estava muito presente em sua mente. A sensação de estar longe de casa era agridoce, mas ele sabia que não podia voltar atrás. O aeroporto parecia ser o primeiro passo para sua nova vida, mas as sombras do passado se estendiam por cada esquina. Ele olhou pela janela enquanto o avião tocava o solo brasileiro, seu coração apertando no peito. A saudade da mãe, que falecera alguns meses antes, era ainda mais forte ali, longe de sua terra. O cheiro da comida italiana, as ruas estreitas, o som das conversas em dialeto… tudo parecia tão distante agora, mas tão presente em sua alma.

A mãe, que o havia ensinado a ser forte e a encontrar seu caminho em um mundo onde as escolhas nem sempre eram claras. Ela sempre acreditava que, apesar dos perigos e do peso da máfia, Matteo tinha o poder de se reinventar. Mas a dor de perder aquela figura central em sua vida ainda o dilacerava, e ele sabia que aquela dor o seguiria, onde quer que fosse. O Brasil, por mais que fosse uma oportunidade, era também um refúgio.

Quando o carro o deixou na porta do hospital, Matteo respirou fundo. Era um novo começo. Ele sabia que a cada passo que dava, deixava mais para trás o legado de sua família e abraçava, mesmo que relutante, o seu novo caminho. Mas o peso do medalhão com os nomes dos pais, pendurado em seu pescoço, ainda o lembrava das raízes que ele não podia simplesmente apagar

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Comentários

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??? NAADA DE EXCEPCIONAL, APENAS A DESCRIÇÃO DO MATTEO.

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