Era uma manhã de outono, uma chuva torrencial tomava conta da visão da janela da cozinha. O jardim estava começando a ficar lamacento e as plantas que conteplavam o quintal estavam pingando de tanto alimento que caia do céu acizentado.
Daniela estava terminando de lavar a louça e já havia colocado a caneca com água para esquentar. As mãos dela passavam com delicadeza por dentro do copo de vidro que outrotora tinha sido um copo de requeijão, a bucha entrava e saia com delicadeza, fazendo uma espuma grossa dentro do vidro. A torneira se abriu e uma água cristalina passou por entre os vãos dos dedos dela, tirando aos poucos o sabão que embebedava aquele copo. Ela o colocou no escorredor, e a torneira foi fechada. Daniela pegou o pano de prato que estava pendurado no fogão e secou as mãos. A água que ela havia colocado no fogão estava fervendo.
— Oi, querida, — disse o rapaz que adentrou o cômodo — você dormiu bem? — Ele ajeitou a gravata, e logo depois deslizou os dedos pelos cabelos.
— Dormi bem por algumas horas, mas depois tive um sonho estranho... — disse Daniela, enquanto sua voz diminuia.
— Que sonho estranho foi esse? — perguntou o rapaz, enquanto puxava a cadeira para sentar-se.
Ela desligou o fogo, porém a caneca estava quente, quente do mesmo modo que suas bochechas estavam. Ela pegou o coador e colocou-o em cima do buraco de abertura da garrafa térmica, ela era vermelha do mesmo modo que as bochechas de Daniela estavam. Colocou um refil dentro do coador e um pouco de café, e logo depois colocou a água quente dentro. — Nada demais. Foi só um sonho bobo.
— Tava sonhando comigo, Daniela? — indagou o rapaz. Ele se levantou e foi em direção à garota. Colocou a mão sobre o ombro dela e depois começou a beijar a pele de seu pescoço. Daniela acabara de colocar a água no café, colocou a caneca na pia, e deixou ser excitada por aquele rapaz viril.
— Para com isso, amor. Se ficar enrolando aqui vai chegar tarde no seu trabalho, e eu também — disse, Daniela enquanto tentava desvencilhar-se do rapaz.
— Não dá para parar de cheirar esse cangote cheiroso. — O rapaz colocou a mão sobre a barriga dela e começou a massageá-la, porém Daniela puxou a mão dele com força e virou-se para ele.
— Não gosto que você toque minha barriga, Samuel... já falei isso. Odeio quando falo algo para você e você nem me ouve — gritou, Daniela. Ela se afastou do Samuel e foi em direção à geladeira.
— Vai começar, Daniela? — indagou, enquanto esfregava o rosto. — Não fiz nada de errado. Só gosto da sua barriga.
— Não... você gosta de me imaginar grávida, e eu já falei que não quero isso. Já falei que não quero ter filhos, sabe. Mas parece que você não entende. Que saco. — Daniela pegou a margarina da geladeira e o leite. Colocou a margarina na mesa e empurrou a garrafa de leite no peito de Samuel. — Coloque o leite para esquentar.
— Tá...
Os dois tomaram o café-da-manhã sem nenhum discurso e sem nenhum chiado. Os dois estavam tensos da mesma forma que as torradas que adentravam suas bocas, e a única coisa umida e quente no ambiente era o café que naquele momento nem tão quente estava.
Samuel levantou-se e levou a xícara e o prato com as migalhas até a pia, e olhou pela janela. — Amor, me desculpa. Eu te amo, você sabe, né?
— Claro que eu sei, né, Samuel. Eu não parei de te amar... só não gosto quando você toca em minha barriga — disse ela, levantando-se e indo em direção a Samuel. — Coloca na pia, por favor. Preciso me arrumar — disse Daniela estendendo o prato com a xícara para ele.
— Claro. Eu já vou indo. Preciso chegar mais cedo no trabalho — disse, enquanto pegava a louça das mãos de Daniela. Ele estendeu o rosto para beijá-la na boca, porém ela virou o rosto para que o beijo fosse depositado em sua bochecha.
— Até mais tarde, querido. — Daniela foi ao outro cômodo e Samuel viu a silhueta de sua garota sumindo aos poucos pela parede. Samuel virou-se e saiu pela porta dos fundos.
— Boa tarde, senhor. Me chamo Daniela estou entrando em contado com o senhor para oferecer um aumento na velocidade de sua internet. Vi que o senhor tem uma internet de setenta megas, e hoje, consigo oferecer para o senhor uma internet de trezentos megas. O senhor terá uma melhor internet para assistir séries e filmes nos seus streamings favoritos, terá whats e face de graça, e o senhor só terá um aumento de trinta e nove e noventa e nove...
****a chamada caiu...****
— Não acredito... mais um que desliga na minha cara hoje... — disse Daniela, enquanto massageava suas têmporas.
— Hoje está dificil mesmo, Daniela. — disse uma mulher que estava na divisória ao lado dela.
— Não consegui uma venda, hoje. E, você, Emily? Conseguiu vender algo? — indagou Daniela, abaixando e colocando o fone na mesa.
— Nada...
O supervisor delas entrou no cômodo com um jovem rapaz ao lado. — Bom dia, pessoal. Como estão as vendas, hoje? Espero que estejam conseguindo muitas vendas. Queria que vocês prestassem uma atenção aqui, por um momento. Esse rapaz aqui é o Lucio, ele fará parte da equipe a partir de hoje. Espero que vocês possam recepcioná-lo bem. Vai lá, Lucio. Pode sentar ao lado esquerdo da Daniela. Daniela, passe para ele tudo o que ele precise saber, está bem?
— Certo... — disse Daniela, com uma voz tímida.
— Olá, me chamo, Lucio. Como vai? — disse ele, tocando no ombro de Daniela. Ele aproveitou e roçou a fina unha do dedo indicador pela pele macia do pescoço de Daniela. Os pelos do corpo dela se enrijeceram e sua mão esbarrou no fone, o derrubando.
— Olá... — disse, enquanto pegava o fone do chão. — Meu nome é... é... Daniela, — ela gaguejou — estou bem, também.
— Então, o que preciso saber? Sou novo por aqui, mas sei me comunicar bem... sou bom em conquistar as pessoas — disse Lucio, ajeitando o cabelo.
— Ah, é? Bem, não é tão fácil o trabalho por aqui. Vendas são difíceis, mas você consegue fazer algumas no mês. E que bom que você se comunica bem, senão você estaria no lugar errado. — Daniela deu um sorriso carcástico a ele.
— Hum, entendo. Agradeço pela ajuda — disse Lucio, com um leve sorriso.
Daniela ensinou tudo o que ele precisava saber sobre o software e o roteiro que ele precisaria seguir durante a conversa com os clientes. Ele parecia aprender rápido ou talvez já soubesse como fazer o trabalho. Ele encarava a tela e também observava o rosto corado de Daniela. Algumas vezes, sua mão roçava a perna direita da garota, porém ela não apresentava descontentamento, talvez ela achasse que foi sem malicia...
Na hora do intervalo, Daniela e Emily caminhavam juntas em uma área aberta do prédio. Daniela comia uma maçã bem vermelha, enquanto Emily comia um pacote de salgadinho.
— Aquele novo rapaz é bonito, não é mesmo? — indagou Emily, cutucando o cotovelo no braço de Daniela.
— Ah, é...? Nem reparei. — Daniela passou a mão pelo seu pescoço.
— Sei... você é casada, mas não é cega, não — comentou Emily, com um sorriso bobo.
— Ele é bonitinho, satisfeita? — disse Daniela, com um leve sorriso. — Mas é só isso. Um rosto bonitinho. — Novamente, Daniela leva a mão para o pescoço.
— O que foi, Daniela? — indagou Emily, enquanto colocava um salgadinho na boca.
— Não sei... estou sentindo uma ardência aqui — indicou o ponto à Emily.
— Tem um arranhão aí. Você lembra onde você se arranhou? — Indagou Emily, com curiosidade.
— Não sei... — gaguejou. Ela sabia bem onde ela conseguiu esse arranhão. O garoto novo a arranhou mais cedo. Mas ela preferiu não comentar nada. Não era nada importante.
— Olha, não é o garoto novo? — Indicou Emily, com seu dedo.
O rapaz estava sentado em um pequeno degrau, assistindo algo em seu celular enquanto fumava. O vento de vez em quando trafegava por entre os fios dourados de seu cabelo. Cada baforada vinha com uma fumaça que criava diversas formas no ar, pena que o ar, rancoroso, dissolvia a fumaça para todos os lados.
— Nossa, ele é gatinho. E ele fumando, é tão charmoso... hummmmm... dá um desejo — disse Emily, mordendo o lábio.
— Afff, Emily. A coisa mais broxante é ver um cara fumando. Aquele cheiro fica impregnado nas roupas — disse Daniela. Ela puxou à amiga para o lado contrário, e foram em direção da porta de entrada do prédio. Lucio observou a cena.
O restante do dia no trabalho foi normal, a não ser, pelas pequenas tossidas dadas por Lucio. Na hora de ir embora, Emily foi até o garoto novo para conversar com ele. Daniela precisou ir até a estação de trem sozinha naquele dia, pois normalmente Emily acompanhava–a até a estação. Enquanto caminhava, mais uma vez, sua mão foi em direção ao pescoço. — Garoto idiota...
Quando ela chegou em casa, seu marido já havia chegado. Ele deu um beijo em sua boca, e logo depois um abraço, porém um odor diferente estava presente... — Nossa, amor, você está com um cheiro de cigarro...