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Era o dente de leite entre os prédios, recorte retangular, garagem subterrânea, dez andares, erguia-se de frente para uma avenida de asfalto. O apartamento ficava no quinto andar, altura com o topo da árvore, as folhas do tamanho de um dedo coalhavam na calçada. Fecho o portão como um leque de ferro atrás de mim. Meus pulmões ardem, meus braços ficaram nos ônibus: estação Ferroviária, Estação Central, Estação Leste. Eu puxava as malas por força do pensamento. Água de chuva pingava dos meus cabelos, empoçava a gola da camisa, tinha mortadelas no lugar de bochechas, estremecia dos pés a cabeça, arrepiando-me em soluços como um pardal na chuva.
- Pelo menos isso... - murmurei. - Vamos...Vamos... Deve ter alguém segurando, não é possível!
Eu afundava o indicador no botão e acionava um brulho de ferros subindo e descendo, nada aconteceu. Um senhor, de cabelos grisalhos crespos coçava o queixo, depois de minutos, ele que observava desde o momento em que entrei no prédio, disse:
- Tá quebrado. Melhor usar as escadas.
A sorte daquele porteiro safado, foi que nunca fui um Huck capaz de arremessar nada com mais de um quilo, caso contrário teria mandado uma daquela malas na testa dele!
Eu trazia um papel na palma da mão com o endereço, conforme o aplicativo informava depois da negociação.
A umidade esmigalhou o papel. A tinta permaneceu na minha pele. Meus braços estavam tão dormentes que não senti quando larguei uma mala para consultá-lo, uma rodinha soltou e quicou pelos degraus, feito sinos pelo espaço que separava um andar do outro. Um caracol integrado ao interior do prédio, da mureta esquerda via-se os degraus do andar anterior.
Venci os lances de escada e atrás da porta 5, dei com o apartamento nove e dez a esquerda, do elevador vinham sons de engrenagens como uma máquina industrial.
"O miserável do porteiro mentiu", pensei com pedras nas mãos como os apedrejadores de Maria Madalena, "ou enguiçou e retornou agora?".
As portas se abriram e o porteiro cara de tacho segurando sacolas para uma mulher com o traseiro do tamanho de pneus de caminhão, saiu.
"Ele devia ajudá-la com os pneus, não as sacolas", reorganizei os meus pensamentos.
Desfiz o apertão nos olhos contra aquele infame. Ele passou por mim com um sorrisinho de idiota nos lábios secos, cheio de pele morta.
- Com licença, - disse a mulher com voz de GPS.
Em três passos, estacionou na frente do nove, abaixou e deixou as sacolas, "juro" que vi nascer caninos de vampiro na dentadura superior do homem, ao vê-la se agachar.
Arrastei minhas malas de propósito para criar o ruído de plástico sobre a cerâmica.
A mulher da bunda de pneus girava a chave na porta e automaticamente se virou para mim.
"Som familiar, minha filha?" pensei, mais uma vez contendo-me para não ser tão perverso. "Mas essa merece!", sacudi a cabeça. Como se tentasse tirar água do ouvido. As minhas primeiras impressões das pessoas, às vezes, perigavam não mudar nunca mais.
Eu conferi o número do apartamento na mão. O porteiro e a mulher conversavam em frente ao nove.
"Nossa senhora dos aplicativos fazei dar certo!", apertei a campainha.
Nem reparei quando a porta a minha frente se abriu porque inclinei para segurar a alça da mala sem a rodinha e, desmontei no chão com os joelhos bambos das escadas. Porque tudo o que está ruim, claro, sempre pode piorar.
Levantei a cabeça encontrando o dono da casa, imediatamente agradeci ao protetor dos homens bonitos, porque aquele com certeza fazia parte dos seus protegidos!
*AGRADEÇO A LEITURA*