Era sempre o mesmo ritual.
As portas do elevador se abriam e lá estava ela — o cabelo solto, o perfume leve, o sorriso que me desmontava.
Morávamos no mesmo andar de um prédio antigo na Atalaia, onde o vento do mar às vezes trazia o cheiro de sal e de noite fresca. Mesmo sem trocarmos mais que algumas palavras educadas, havia algo no ar — um silêncio cheio de possibilidades.
Nas primeiras vezes, eu desviava o olhar.
Ela também fingia olhar o celular, mas o reflexo no painel de inox denunciava: ela me observava.
Havia um jogo ali — discreto, silencioso, mas impossível de ignorar.
Numa madrugada qualquer, voltando do trabalho, encontrei-a outra vez.
O prédio estava quieto, o corredor meio escuro, iluminado apenas pelas luzes de emergência. Entramos juntos no elevador. O silêncio era quase palpável.
Dava pra ouvir a respiração dela, o leve toque do cabelo contra o ombro.
Quando o elevador parou no nosso andar, as portas se abriram e por um segundo ficamos ali, frente a frente, sem saber quem sairia primeiro.
Ela sorriu — um sorriso curto, quase enigmático — e eu entendi que aquele jogo havia chegado ao limite.
Tomei coragem.
— Posso te mandar mensagem? — perguntei, com a voz mais calma do que o coração.
Ela arqueou a sobrancelha, meio surpresa, meio divertida.
Digitou o número no meu celular e saiu andando, como se nada tivesse acontecido.
Em poucos minutos, já em casa, mandei:
“Chegou bem?”
A resposta veio instantânea:
“Cheguei. E você?”
Conversamos por minutos que pareciam segundos. O clima era o mesmo de antes — leve, provocante, cheio de entrelinhas.
Até que ela escreveu:
“Tá acordado mesmo?”
Meu coração acelerou.
Respondi que sim.
Silêncio.
Depois, uma nova mensagem:
“Então abre a porta.”
Fiquei imóvel por um instante. O som do vento lá fora parecia mais forte.
E então, os passos. Lentos. Seguros. O eco do perfume familiar.
Quando abri a porta, ela estava ali — o mesmo sorriso, agora sem disfarces.
O corredor parecia suspenso no tempo, e o mundo reduzia-se àquele olhar.
Ela não disse nada. Eu também não.
O instante era puro suspense — o tipo que não se escreve, apenas se sente.
Mas antes que qualquer palavra escapasse, o elevador voltou a subir, quebrando o feitiço.
O barulho do motor ecoou pelo corredor, e ela deu um passo atrás, como se o som a chamasse de volta para a realidade.
— Boa noite — disse, com um sorriso que misturava despedida e promessa.
Fiquei ali, encostado à parede, observando o elevador fechar outra vez.
O perfume dela ainda pairava no ar, misturado ao cheiro de maresia que vinha de longe. Ela voltou pra casa…continuação