Eu acordei com o sol batendo no meu rosto, um sol forte, quente, que não vinha da minha janela com cortinas de linho. Eu estava num quarto que não era meu. Minhas costas doíam. Minha buceta estava inchada, dolorida. Meu cu latejava com a memória da batida dele. E o cheiro... o cheiro era dele. Suor, cachaça, o perfume amadeirado e sexo. Sexo selvagem, rítmico, sem fim.
Abri os olhos. Os lençóis escuros estavam amassados, manchados com nossos fluidos. Eu estava sozinha.
O rei do morro tinha sumido.
O pânico me atingiu como um soco. Eu estava na favela, sozinha, na casa do dono do samba, depois de ter sido fodida de todas as maneiras que eu nem sabia que existiam. Meu jeans estava no chão, perto dos meus tornozelos, onde ele o deixou. Minha blusa de seda... bom, o que sobrou dela.
Eu me levantei, as pernas ainda bambas. A laje estava silenciosa, exceto pelo som do morro acordando: motos ligando, crianças gritando, um funk tocando baixo em algum lugar.
Vi minha bolsa na cadeira. Meu celular estava ao lado, carregando. E ao lado do celular... um molho de chaves. E uma camiseta dobrada. Uma regata preta, limpa, com o logo de um grupo de samba.
Ele não tinha me abandonado. Ele tinha me... liberado. E me dado um uniforme.
Eu me vesti como uma fugitiva. Joguei fora a blusa de seda rasgada. Vesti a regata dele, que ficou enorme em mim, o cheiro de amaciante misturado com o cheiro fraco dele. Puxei meu jeans, a bunda doendo a cada movimento.
Sair daquela casa foi a caminhada da vergonha mais excitante da minha vida.
Eu desci os becos e as escadarias. Era manhã de domingo. O morro estava vivo. E todos... todos... me olhavam.
As mulheres, varrendo suas portas, paravam e me fuzilavam com os olhos. Elas não viam a "Dona Luana". Elas viam a "branca", a "madame", saindo da casa do Carlos, às dez da manhã, mancando e usando a camisa dele. O ódio e a inveja eram palpáveis.
Os homens me olhavam diferente. A cobiça da noite anterior tinha sumido. Agora era... respeito. Um respeito sujo. Eu era a mulher que tinha "aguentado o tranco" do chefe. Eu estava marcada. Eu era propriedade dele.
Ninguém mexeu comigo. Ninguém disse um "a". Eu era intocável.
Cheguei no asfalto, padi um uber, e desabei no banco de trás, fedendo a sexo e a morro.
Já na segunda-feira, Eu estava na minha cozinha, na minha cobertura, no meu mundo de mármore e aço inox. Eu já tinha tomado três banhos, mas o cheiro dele parecia estar nos meus poros. Meu corpo estava coberto de marcas roxas: os dedos dele na minha cintura, a barba no meu pescoço, a bunda ardendo dos tapas. Eu estava moída.
Ouvi a chave dela na porta da área de serviço.
"Bom dia, Dona Luana!"
A voz dela estava diferente. Não era a voz alegre de sempre. Era... contida.
Ela entrou na cozinha, de uniforme limpo, e não olhou diretamente para mim. Começou a arrumar as coisas na pia, de costas. O silêncio era ensurdecedor.
Eu tomei um gole de café, a xícara tremendo na minha mão. "Bom dia, Gi. Dormiu bem?"
Ela parou. Respirou fundo. E se virou para mim.
Os olhos dela estavam arregalados. Ela estava pálida.
"Dona Luana... pelo amor de Deus," ela sussurrou, como se as paredes tivessem ouvidos.
Eu me fiz de desentendida. "O que foi, Gisele? Aconteceu alguma coisa?"
"O que aconteceu? Patroa, a senhora tem noção do que a senhora fez?" A voz dela era uma mistura de pânico e admiração. "Eu te procurei no sábado! A senhora sumiu! Eu achei que a senhora tinha ido embora, ficado puta comigo..."
"Eu... o Carlos me ajudou a achar um táxi, Gi. Eu estava cansada," eu menti, e a mentira soou patética.
Gisele balançou a cabeça, descrente. "Um táxi... Dona Luana, a senhora... a senhora dormiu no morro?"
Eu não respondi. Apenas a encarei.
"MEU DEUS DO CÉU!" ela levou as mãos à boca. "Patroa, a senhora é completamente louca! Louca varrida!"
Ela veio para perto da mesa, baixando a voz ainda mais. "Dona Luana, no morro... só se fala nisso! A favela inteira tá comentando! A 'branca de luxo', a 'madame', a 'patroa da Gisele'!"
Eu senti meu rosto queimar. "O que... o que estão falando?"
"O que tão falando?" ela riu, um riso nervoso. "Tão falando que a senhora subiu pro pagode, secou o Carlos, e foi pra laje dele! Tão falando que as 'mina' que tavam de olho nele tão querendo te matar! E tão falando..." ela olhou para os lados, "...que o baile funk até parou por um tempo, porque o Cadu mandou baixar o som pra não 'atrapalhar' ele lá em cima!"
Eu quase engasguei.
"Tão dizendo que a senhora 'aproveitou muito'. Que a senhora 'aguentou o tranco' a noite inteira. As fofoqueiras lá de cima disseram que ouviram os gritos da senhora! E que viram a senhora saindo ontem de manhã, toda arrebentada, usando a camisa dele!"
A vergonha e o tesão me atingiram como um trem. Eu era a fofoca da favela.
"Gisele... meu Deus... se isso vaza..."
"Não!" ela me cortou, e a expressão dela mudou de pânico para proteção. Ela era do morro. Ela era leal. "Não, patroa. Fica tranquila. O que é do morro, morre no morro. Ninguém é louco de 'atravessar' o Cadu. E ninguém vai descer aqui pra falar pro teu marido. Fofoca de lá não atravessa o asfalto. Pode relaxar."
Ela respirou fundo, me olhando como se me visse pela primeira vez. "A senhora é mais forte do que eu pensava, hein? Caralho. Aguentar o Cadu... aquele homem é uma máquina. As 'ex' dele dizem que ele... enfim." Ela corou.
"A senhora agora... a senhora tem 'passe livre', Dona Luana. A senhora é minha convidada, e agora, 'convidada' do Cadu. Ninguém mexe com a senhora lá em cima. A senhora agora é... quase da família," ela riu.
Ela se virou, voltando para a pia, como se o assunto estivesse encerrado.
"Então... quando a senhora quiser voltar," ela disse, sem me olhar, "pra ver o samba... ou pra ver a 'vista' de novo... é só me falar. Eu te 'dou o papo'. Eu te levo lá na porta."
O silêncio voltou. Eu tomei meu café, o coração batendo no ritmo do tantã.
"Ah," Gisele disse, como se tivesse lembrado de algo. "Eu encontrei o Cadu ontem, na padaria. Ele tava com um sorriso que ia de orelha a orelha."
Eu levantei a cabeça.
"Ele me perguntou da senhora. Perguntou se a 'patroa' tinha chegado bem em casa. Se a senhora tinha gostado da 'hospitalidade' dele."
Eu apenas assenti, incapaz de falar.
"E ele me mandou te dar um recado," ela disse, e agora ela se virou, me olhando com um sorriso cúmplice, de pura maldade.
"Ele disse... que o couro do tantã dele já tá com saudade da mão da senhora. Mas que ele acha que a senhora deixou o dele 'desafinado' de tanto bater. E que ele tá esperando a senhora voltar... pra 'afinar' ele de novo.”
Gisele voltou a esfregar a pia, cantarolando baixo, como se tivesse acabado de me dizer que o tempo ia virar. E eu? Eu estava parada no meio da minha cozinha de luxo, com as bochechas pegando fogo.
Eu não sabia onde enfiar a cara.
A fofoca do morro. A "patroa" que "aguentou o tranco". A "branca" que saiu mancando da casa do Cadu, usando a camisa dele. E o recado... afinar o couro. Aquilo não era um convite, era uma convocação. Uma intimação.
Meu Deus. A vergonha era tão intensa que se transformou imediatamente no tesão mais puro e violento que eu já tinha sentido.
Eu não era só mais uma transa. Eu tinha virado uma lenda na favela. Eu era a fantasia proibida que se tornou realidade. A "madame" que subiu, gostou e voltou. Quer dizer... que ia voltar.
Porque não havia a menor dúvida de que eu ia voltar.
Gisele terminou o serviço dela naquele dia com uma eficiência silenciosa. Mas algo tinha mudado para sempre entre nós. Ela não era mais só a minha empregada honesta e prestativa. Ela era minha cúmplice. Minha "Tia Vadia" do morro. Minha ponte para aquele mundo de batida quente e pegada bruta. E aquele sorriso de canto de boca que ela me dava, quando achava que eu não estava olhando, dizia tudo: "Eu sei o seu segredo, patroa. E eu tô adorando."
A semana se arrastou numa névoa de desejo. Eu estava em abstinência.
Eu tentei voltar à minha rotina. Fui almoçar com o Coronel Roberto. Ele estava impecável, como sempre, falando sobre disciplina, sobre controle. Mas a voz de comando dele, que antes me fazia tremer, agora parecia... limpa demais. Estéril. O cheiro dele era de perfume importado, e eu só conseguia pensar no cheiro de suor, cachaça e pele negra do Carlos.
Os garotos da loja, meus "recrutas", me pareceram... crianças. A selvageria deles era divertida, mas era caótica. Não tinha o ritmo, a cadência do mestre do tantã. Não tinha a pegada que sabia a hora exata de acelerar e a hora de bater fundo e lento.
Meu corpo estava viciado. Eu fechava os olhos e ouvia o TUM... TUM-TUM. Eu estava com o couro doendo de saudade de ser batucada.
E então, na quarta-feira, a providência divina, na forma do meu marido, me deu o que eu precisava.
Ricardo chegou em casa eufórico, balançando a chave do carro.
"Amor!!" ele gritou da sala.
Eu saí do quarto, fingindo curiosidade. "O que foi, meu bem?"
"O Cruzeiro! Vai jogar no Rio! Sábado! Eu e os meninos... a gente conseguiu comprar ingresso!!"
O coração deu um salto no meu peito, mas eu forcei minha melhor cara de esposa compreensiva.
"Nossa, Ricardo!! No Rio?"
"Sim! Eu sei, eu sei... é o fim de semana," ele disse, já se desculpando. "Mas é jogão, contra o Flamengo! É O Cabuloso! Eu não posso perder! Eu saio na sexta depois do almoço, o jogo é sábado à noite, e eu volto domingo, no fim do dia. Prometo!"
Ele me abraçou, inocente, feliz da vida com o futebol dele. O vício dele.
E eu, nos braços dele, fechei os olhos, sentindo o tesão subir pela minha espinha, quente como a cachaça da laje do Carlos.
O fim de semana. Inteiro. De sexta a domingo.
Era a deixa.
O álibi perfeito. Eu não ia precisar mentir, não ia precisar correr. Eu teria a noite inteira. A madrugada. Talvez até o dia seguinte.
Eu me afastei dele, colocando a mão no peito, no meu melhor papel de "esposa solitária".
"Ah, poxa, amor... o fim de semana inteiro? Sozinha?" Eu fiz um biquinho. "Você vai me deixar aqui, abandonada?"
"Ah, meu amor, não fala assim," ele disse, me dando um beijo na testa. "É o último jogo importante do ano! Eu prometo que te compenso. A gente pode viajar no outro fim de semana! Só nós dois!"
"Tudo bem," eu suspirei, fingindo derrota. "Mas você vai me dever. E muito."
"Eu te devo o mundo, meu amor!" ele disse, feliz por eu ter "cedido" tão fácil.
Ele não tinha ideia de que ele estava, naquele exato momento, comprando o meu silêncio e pagando pela minha noite de puta mais intensa da vida.
Na quinta-feira de manhã, Gisele chegou. O clima entre nós já era outro. O ar estava carregado de segredos.
Eu mal esperei ela guardar as coisas. Fui até a cozinha. Ela estava de costas para mim, enchendo o filtro de água.
"Gi," eu disse. Minha voz estava baixa, mas firme.
Ela parou. O som da água parou. Ela se virou lentamente, um pequeno sorriso já se formando no canto da boca.
"Fala, Dona Luana."
Eu não sorri. Eu estava no modo "patroa". A patroa que ia dar uma ordem.
"O Ricardo vai viajar."
O sorriso dela se abriu. Um sorriso de pura cumplicidade. "Sério, patroa? Mas que... pena." A ironia pingava da voz dela.
"Ele sai na sexta. Só volta no domingo."
"Nossa. O fim de semana inteirinho... A senhora vai ficar tão sozinha," ela disse, e eu vi o brilho da maldade nos olhos dela.
"Tem samba, esse sábado?" eu perguntei, direta.
Gisele riu. Uma risada gostosa, solta. "Patroa, lá no Zé tem samba todo sábado. Mas... esse sábado... o papo que tá rolando no morro é que vai ser 'o' evento."
"Evento?"
"É," ela disse, se encostando na pia, cruzando os braços. "O Cadu já mandou avisar. Disse que tá 'inspirado'. Que vai ter repertório novo. E mandou o Zé comprar o dobro de cerveja. Disse que... 'a noite vai ser longa'."
Ele estava me esperando. A fofoca da semana ia culminar nisso. O retorno da "madame".
Eu respirei fundo. O TUM... TUM-TUM já batia nos meus ouvidos.
"Gisele," eu disse. "Sábado. Oito da noite. No posto de gasolina."
Os olhos dela brilharam. "Tá falado, patroa. A senhora quer que eu leve alguma coisa? Uma roupa? Pra... caso a senhora queira dormir por lá de novo?"
A ousadia dela me fez rir. "Eu vou pronta, Gi. E o que acontecer... eu resolvo lá."
"Entendido," ela disse, fazendo uma falsa continência militar. "Vou 'dar o papo' pro Cadu. Avisar que a convidada de honra dele confirmou presença."
Eu me virei para sair da cozinha, meu corpo já vibrando. Eu não ia como uma simples visitante dessa vez. Eu era a atração principal. Eu ia voltar para o meu rei.
Eu ia ter meu couro afinado.