Voltar da roça me deixou... inquieta. Aquele fim de semana com Bento, o peão, tinha destravado um nível de perversão que eu não conhecia. A força bruta, o cheiro de mato, a pegada sem cerimônia.
Eu voltei para a minha rotina em BH. A loja, a "Mamãe Puta" e a "Tia Vadia" com os garotos, as noites de disciplina com o Coronel Roberto. Tudo estava no lugar. Os garotos me davam a selvageria jovem, e o Coronel me dava a dominação madura. Mas meu corpo... meu corpo agora pedia outra coisa.
Eu estava viciada naquela pegada rústica, na mão grossa, no homem que não vinha de academia, mas do trabalho pesado.
E foi assim que eu comecei a reparar nele.
O caminho para o restaurante a quilo, o mesmo onde eu conheci o Coronel, passava em frente a uma obra. Um prédio novo subindo, grande. O barulho de britadeira, o cheiro de cimento molhado e a poeira fina eram constantes. Eu sempre passava rápido, de nariz empinado, ignorando os "fiu-fiu" e as cantadas baratas dos trabalhadores. Eu era "Dona Luana", e não dava bola para peão de obra.
Até que eu vi aquele peão.
Eu o notei porque ele era o oposto dos outros. Ele não gritava. Ele não assobiava. Ele trabalhava.
Ele era um gigante. Um negão que fazia os outros parecerem pequenos. A pele escura brilhava de suor, coberta por uma fina camada de poeira de cimento, o que o deixava com um tom acinzentado e brutal. Ele devia ter seus 30 e poucos anos, uma barba cheia, cerrada, que o suor fazia grudar no rosto.
E os músculos... Ah, os músculos.
Ele estava sem camisa, usando apenas a calça de brim suja e as botas de segurança. Eu o vi carregar dois sacos de cimento de 50kg, um em cada ombro, como se não fossem nada. Os braços dele eram enormes, grossos, mas não eram definidos como os dos garotos de academia. Eram músculos de verdade, densos, naturais, feitos de puro esforço. As veias saltavam como cordas. O peito era largo, e as costas, um paredão.
Eu passei por ele por uma semana inteira, sem dar ideia. Eu ia almoçar, às vezes com o próprio Coronel, e a ironia me matava. Eu estava sentada à mesa com a "disciplina" de camisa social, enquanto meu tesão estava todo na calçada, na "força bruta" coberta de poeira.
Eu fingia que não olhava, mas eu olhava. Eu via o suor escorrer pelo peito dele, pingar da barba. Eu imaginava o cheiro. Não o cheiro de mato de Bento, mas um cheiro urbano: cimento, ferro, suor e óleo diesel.
Um dia, eu passei e um dos trabalhadores soltou uma cantada bem baixa: "Nossa, patroa, com todo respeito, mas essa sua bunda aí merecia um concreto armado."
Eu corei de raiva, pronta para acelerar o passo. Foi quando ouvi a voz dele pela primeira vez. Uma voz grave, um trovão.
"Ô, Carlinhos! Respeita a moça, caralho! Não tá vendo que ela é dama? Vai trabalhar, porra!"
O silêncio foi imediato. O garoto murmurou um "foi mal, chefe".
Eu parei. Virei. Ele estava me olhando. O gigante. Ele limpou o suor da testa com o antebraço grosso, deixando um rastro de pele limpa.
Ele não sorriu. Apenas assentiu com a cabeça. "Desculpa aí, patroa. O moleque é novo."
Patroa.
Aquela palavra. A mesma que Bento usava. Meu corpo inteiro se arrepiou.
Eu recompus minha fachada de "Dona Luana". "Não... não tem problema. Obrigada."
Ele me mediu de cima a baixo. Um olhar lento, sem vergonha, que não era lascivo, era... avaliador. Como se estivesse medindo uma viga. Ele olhou minhas pernas, minha cintura, meus seios. E então voltou para os meus olhos.
"Pode passar tranquila. Ninguém vai mexer com a senhora mais, não."
Eu assenti e continuei meu caminho, mas minhas pernas estavam bambas. "Chefe", o garoto tinha dito. Ele mandava ali. Ele era o dono da obra, o macho alfa daquele bando.
No dia seguinte, eu passei. Ele estava lá, perto do tapume, bebendo água de uma garrafa PET amassada. O suor escorria pela barba.
"Calor hoje, hein, Dona Luana?"
Ele sabia meu nome. Claro a loja, todos por perto sabiam meu nome, era só perguntar a qualquer lojista do quarteirão que qualquer um me conhecia.
"Quase insuportável," eu respondi, parando. Eu estava jogando. "E vocês aí, nesse sol."
"O corpo acostuma," ele disse, e deu um sorriso. O primeiro que eu vi. Os dentes eram brancos e contrastavam com a pele escura e a barba. "O corpo é uma máquina. Tem que botar pra ralar."
"E você rala muito, pelo visto," eu disse, olhando descaradamente para os braços dele.
Ele riu, um som baixo, gutural. "É o que tem pra hoje. Meu nome é Damião."
"Luana."
"Eu sei."
Essa pequena conversa se tornou nossa rotina. Todo dia, eu parava por um minuto. Ele me contava do progresso da obra. Eu falava do movimento da loja. A tensão entre nós era palpável. Era a tensão da "patroa" e do "peão". A mulher fina, cheirosa, de vestido, e o homem bruto, suado, sujo de cimento. E nós dois sabíamos. Nós dois sentíamos.
Eu me pegava pensando nele enquanto transava com o Coronel. A dominação de Roberto era excitante, mas era limpa, controlada. Eu queria a sujeira. Eu queria ser pega por aquelas mãos que misturavam concreto.
Até que, numa sexta-feira, eu passei. A obra estava mais calma, o pessoal já guardando as ferramentas. Damião estava me esperando perto do portão, como eu sabia que estaria. Mas hoje ele estava diferente. Ele tinha lavado o rosto, e os braços. O cheiro dele era de sabonete barato e suor.
"Dona Luana," ele disse, a voz mais baixa que o normal. "Espera um minuto."
Eu parei, o coração batendo na garganta.
"A senhora me desculpa o atrevimento," ele começou, e eu vi que ele estava sério. "Eu sou homem direto. Não sou de ficar de joguinho."
Eu apenas o encarei, esperando.
"Eu vejo o jeito que a senhora me olha. Todo dia."
Meu rosto queimou.
"A senhora não olha pra mim como os outros olham. Com nojo da minha sujeira, ou com medo do meu tamanho. A senhora olha... diferente. A senhora olha... com fome."
Ele acertou. Em cheio.
"E eu olho de volta, Dona Luana. Esse seu cheiro de mulher rica, esse seu jeito de andar, de quem manda... isso me deixa com um tesão do caralho. Me perdoe a palavra."
Eu engoli em seco. "Damião..."
"Deixa eu terminar," ele me cortou, mas sem grosseria, com firmeza. "O pessoal aqui da obra... a gente alugou uma casinha aqui na rua de trás. É o nosso 'alojamento'. É simples. O cheiro é de homem, de bota suja. O chuveiro é frio."
Ele deu um passo mais perto. Eu podia sentir o calor que emanava do corpo dele.
"O pessoal todo já foi embora pro fim de semana. A casa tá vazia. Só eu. Eu tô indo pra lá agora, tomar um banho e descansar."
Ele me olhou nos olhos, e o desejo ali era tão brutal quanto os músculos dele.
"Eu não tenho luxo pra te oferecer, patroa. A cama é um colchão no chão. A parede tá no tijolo. Mas se a senhora quiser ver como um peão de obra de verdade trata uma mulher..."
Ele enfiou a mão no bolso da calça de brim e tirou uma chave. Não era um convite para o futuro. Era para agora.
"Rua das Flores, 22-B. É um portãozinho azul, nos fundos. Tá aberto. Eu vou estar lá. Te esperando."
Ele não me deu chance de responder. Apenas se virou e saiu andando, com aquela passada de quem é dono do chão que pisa. Eu fiquei parada na calçada, tremendo, com o barulho da britadeira ao fundo, segurando minha bolsa com força....