[RODRIGO]
Ficamos ali, no meio da sala, a centímetros de distância, Bernardo olhando pra mim. Eu olhando pra ele. Respiração pesada. Coração acelerado. Desejo misturado com culpa misturado com medo, e então eu dei um passo pra trás.
— Isso não pode acontecer — eu disse.
— Por quê?
— Porque você é meu sobrinho, Bernardo.
— E daí?
— E daí que é errado.
— Errado por quê? A gente é adulto. A gente quer.
— Não importa. Continua sendo errado.
Ele deu um passo pra frente. Diminuindo a distância de novo.
— Tio...
— Não — eu o cortei, levantando a mão. — Não faz isso. Por favor.
Bernardo parou. Me olhou com uma mistura de frustração e desejo.
— Você me quer — ele disse. Não era pergunta. Era afirmação.
— Não importa o que eu quero.
— Importa sim.
— Bernardo, você vai embora amanhã. Vai voltar pro interior. E a gente vai esquecer que essa conversa aconteceu.
— Eu não vou esquecer.
— Vai ter que esquecer.
Ele ficou me encarando por mais alguns segundos. E então suspirou. Balançou a cabeça.
— Tá bom — ele disse, voz baixa. — Se é isso que você quer.
— É.
— Então boa noite.
Ele foi pro quarto de hóspedes e fechou a porta, e eu fiquei ali. Sozinho. Com o pau duro e a consciência pesada, domingo de manhã, acordei cedo, mal tinha dormido com sonhos perturbadores com coisas que não deveria estar sonhando, fui pra cozinha fazer café. Bernardo saiu do quarto alguns minutos depois, sem camisa e só de cueca boxer. Aquelas Calvin Klein falsas que marcavam tudo.
— Bom dia, tio — ele disse, se espreguiçando.
Os braços levantados. O abdômen exposto. O volume na cueca.
— Bom dia — respondi, desviando o olhar.
Ele foi até a geladeira. Pegou suco. Bebeu direto da caixa, e eu tentei não olhar. Tentei focar no café. Na xícara. Em qualquer coisa menos no corpo do meu sobrinho, mas era difícil. Porque ele sabia o que estava fazendo, ele estava provocando.
— Que horas a gente sai? — ele perguntou, encostado na pia.
— Umas quatro. Seu ônibus é cinco e meia.
— Beleza.
Ele terminou o suco. Voltou pro quarto, e eu respirei aliviado, o dia foi assim, Bernardo provocando. Eu me esquivando, ele andando de cueca pela casa. Eu evitando olhar, ele sentando perto de mim no sofá. Eu me afastando, ele encostando a mão na minha coxa "sem querer". Eu tirando, era uma tortura. uma tortura porque eu queria. Queria muito, mas não podia e não devia, era meu sobrinho. Meu sangue. Família. E mesmo que não houvesse nada biologicamente errado — afinal, a gente era adulto, consciente — havia algo moralmente errado. Ou pelo menos era o que eu tentava me convencer.
À tarde, enquanto Bernardo tomava banho, eu fui pro quarto, tranquei a porta, peguei o celular. E antes que a parte racional do meu cérebro pudesse me impedir, abri o navegador anônimo, digitei: tio e sobrinho, centenas de resultados. Vídeos. Fotos. Contos eróticos. Cliquei em um vídeo, dois homens. Um mais velho. Outro mais novo…
"Tio, você é tão gostoso..."
"Vem aqui, sobrinho..."
Toquei uma punheta rápida. Gozei em menos de cinco minutos, e depois fiquei ali, deitado, olhando pro teto, me sentindo um lixo. Mas não parei por aí, fui pra aba de contos eróticos. Li um. Depois outro. Depois mais um. Todos seguiam o mesmo padrão:
"Meu sobrinho veio passar o fim de semana comigo. Ele era lindo, corpo escultural, pau enorme. Eu tentei resistir, mas não consegui..."
E todos terminavam da mesma forma:
"Foi a melhor transa da minha vida."
Mentira, tudo aquilo era mentira, fantasia, escape, mas eu continuava lendo. Continuava assistindo. Continuava me masturbando para aquilo, porque era mais fácil. Era mais fácil viver a fantasia do que encarar a realidade, era mais fácil gozar sozinho do que lidar com a culpa de tocar meu sobrinho. Era mais fácil fingir que aquilo era só desejo passageiro do que admitir que talvez fosse algo mais.
Pornografia é uma droga, eu sempre soube disso. Mas nunca tinha parado pra pensar de verdade sobre o quanto ela moldava a gente. A gente começa cedo, doze, treze… Puberdade batendo. Hormônios explodindo, e como nossos pais não têm coragem de conversar sobre sexo — porque é tabu, porque é desconfortável, porque eles também não sabem — a gente aprende sozinho, ou com os amigos. Alguém descobre um site. Alguém baixa um vídeo. Alguém compartilha. E ali, na frente daquela tela, a gente forma nossa ideia de sexo. A gente acha que sexo dura trinta minutos. Porque os vídeos duram trinta minutos. A gente acha que todo mundo tem pau grande. Porque nos vídeos todo mundo tem. A gente acha que todo mundo geme alto, goza litros, aguenta três orgasmos seguidos. Porque é isso que a gente vê. E então, quando a gente finalmente transa de verdade, a gente se frustra. Porque o sexo real dura dez minutos. Às vezes menos. Porque o pau do cara é normal. Não é enorme. Não é perfeitamente simétrico. Porque ele não geme igual ator pornô. Porque ele não tem resistência infinita. Porque ele goza e pronto, acabou. E a gente fica pensando: Será que tem algo de errado comigo? Será que eu não sou bom o suficiente? Mas não. O problema não é a gente. O problema é que a pornografia criou uma expectativa impossível. E pior: ela moldou nosso gosto.
Os contos eróticos? Todos descrevem corpos padrão. Abdômen definido. Peitoral saliente. Pau enorme. Bunda redonda. Todo mundo é bonito. Todo mundo é jovem. Todo mundo é perfeito, e aí, quando a gente vê alguém normal — alguém com barriga, com estrias, com celulite, com pau médio — a gente não sente atração. Porque fomos condicionados a desejar o impossível. E então a gente prefere a fantasia. Prefere trancar a porta. Abrir o notebook. Assistir vídeos. Ler contos. Tocar uma punheta e gozar sozinho. Porque é mais fácil. Porque não exige esforço. Não exige conexão. Não exige vulnerabilidade. fantasia não te julga. Não te rejeita. Não te decepciona. A fantasia sempre está disponível. Sempre te satisfaz. Sempre termina bem. E aos poucos, a gente para de tentar no mundo real. A gente para de sair. Para de flertar. Para de arriscar. A gente se fecha no quarto. Sozinho. Com a tela, e chama isso de suficiente. Mas não é, nunca foi. E eu sabia disso, mas mesmo assim, ali estava eu. Trancado no quarto. Assistindo vídeos de tio e sobrinho. Lendo contos sobre coisas que eu nunca faria na vida real. Porque era mais fácil viver a fantasia com o Bernardo do que viver com a culpa se eu fizesse isso de verdade.
Às onze quatro, saímos de casa, Bernardo já estava arrumado. Mochila nas costas. Celular na mão, fomos de carro até a rodoviária. O caminho foi silencioso. Desconfortável. Quando chegamos, estacionei. Ajudei ele a comprar a passagem. Esperamos o ônibus ser chamado.
— Tio... — ele começou.
— Fala.
— Obrigado. Por tudo. Por me acolher. Por me ouvir. Por... entender.
— Imagina.
— E sobre o emprego... você falou sério?
— Falei. Vou ver o que consigo. Mas vai demorar uns dias, tá? Precisa de tempo pra organizar tudo.
— Tudo bem. Eu espero.
O ônibus foi chamado, Bernardo pegou a mochila. Me olhou.
— Posso te abraçar?
— Claro.
Ele me abraçou. Forte. Demorado. E então, no meio do abraço, ele apertou minha bunda discretamente, não foi acidente. Foi proposital, senti meu pau pulsar na mesma hora, no mesmo instante. Ele se afastou. Sorriu. Aquele sorriso de quem sabe exatamente o que está fazendo.
— Até logo, tio.
— Até, Bernardo.
Ele entrou no ônibus, e eu fiquei ali, parado, com o coração acelerado e o desejo queimando.
***
A semana passou, trabalho. Rotina. Treino, Lucas Maia me colocou pra correr nos dias que eu não tinha personal.
— Corrida é terapia — ele disse. — Você vai ver.
No começo, eu odiava, cinco minutos correndo e eu já estava sem ar. Pernas doendo. Pulmão queimando, mas aos poucos, foi ficando mais fácil. Seis minutos. Sete. Dez. E então eu descobri: ele tinha razão, corrida era terapia. Porque quando você corre, sua mente esvazia. Você para de pensar em merda. Para de remoer. Para de se sabotar. Você só... corre. E respira. E sente o corpo funcionando, e quando você termina, você se sente... bem. Não feliz. Mas bem, como se tivesse feito algo certo, algo por você, comecei a correr todo dia. Mesmo nos dias de folga, um minuto a mais a cada dia. E aos poucos, meu corpo foi mudando. Meu humor foi mudando, eu estava... melhor, não curado. Não resolvido, mas melhor.
Quarta-feira à noite, festa de aniversário da Billy. Eu quase não fui. Porque festa de funcionário é sempre constrangedora quando você é o chefe, mas a Billy tinha insistido. E eu tinha prometido, então fui. A casa dela era simples. Bairro popular. Decoração modesta. Mas tinha calor humano. Tinha vida, música alta, gente rindo. Cerveja gelada. Comida farta. Cheguei e cumprimentei algumas pessoas. Peguei uma cerveja. Fiquei num canto, observando, e então o vi, Lucas Gabriel, ele estava conversando com o Felipe. Rindo. Bebendo. E do outro lado, Diego olhava pra eles com cara fechada, fiquei observando, até que Diego se aproximou de Lucas. Puxou ele pro canto.Não deu pra ouvir direito. Mas deu pra perceber o tom.
Diego falando alto. Lucas revirando os olhos.
— Você tá com ciúme? — Lucas disse, alto o suficiente pra eu ouvir.
— Tô sim! Você só anda com ele agora. Esqueceu que eu existo?
— Diego, a gente é amigo. Só isso.
— Eu sou seu primeiro amigo.
— Eu não posso só ter você como amigo, preciso conhecer mais gente, mais pessoas.
— Você está apaixonado por ele, né? — Diego apontou pro Felipe.
— Não é da sua conta.
— É sim! Eu tô sempre aqui. E você me trata como lixo!
— Ninguém te obriga a nada, Diego.
— Você é um filho da puta, sabia?
Lucas deu de ombros.
— Já me chamaram de coisa pior.
Diego saiu, nervoso, e Lucas voltou pro Felipe como se nada tivesse acontecido. Eu fiquei ali, processando. Lucas e Felipe estavam juntos? Ou só ficando? Ou era só amizade? E por que diabos eu me importava? Algumas horas e várias cervejas depois, eu e Lucas ficamos cara a cara. Ele estava pegando mais cerveja na caixa de isopor. Eu também.
— E aí, chefe — ele disse, sem me olhar.
— E aí.
Silêncio constrangedor, e então, antes que a parte sóbria do meu cérebro pudesse me impedir, eu falei:
— Topa fazer um job hoje?
Ele parou. Me olhou. Surpreso.
— Assim na cara dura? Não tem medo de outras pessoas ouvirem?
— Por você eu me arrisco — disse, e sabia que estava bêbado demais pra estar tendo essa conversa.
— Hoje não posso. Já tenho compromisso.
— Você tá pegando o Felipe?
Lucas riu. Mas era um riso sem humor.
— Você anda querendo me controlar? Não esquece que estou fora da empresa. Estou fora do estoque. Aqui sou livre.
— Estou querendo usufruir dos seus serviços.
— Mas eu não estou disponível pra você — ele disse, olhando direto nos meus olhos. — Não quero você. E não tô precisando da sua grana. Agora dá licença.
Ele passou por mim. Voltou pro Felipe, e eu fiquei ali, paralisado, rejeitado, humilhado.
E então aquela voz voltou, aquela voz que sempre volta quando eu me sinto assim, vai comer. Vai embora. Para num sebosão desses de rua e pede um sanduíche com muita maionese caseira, e foi o que eu fiz. Saí da festa. Peguei o carro. Dirigi até encontrar um trailer na rua, pedi um X-Tudo. Com muita maionese. Muita batata. Muito bacon, e comi ali mesmo, e depois pedi um cachorro-quente. E um litro de Coca-Cola, engoli tudo. Rápido. Desesperado. Como se a comida pudesse preencher o vazio que Lucas tinha acabado de abrir. Mas não preencheu, nunca preenche. A comida só entorpece. Anestesia. Por alguns minutos, e depois volta. Pior. Mais fundo, a vergonha. A culpa, a sensação de fracasso.
Cheguei em casa, barriga cheia, coração vazio, tirei a roupa. Deitei na cama, peguei o celular. Abri o navegador anônimo, e procurei o que sempre procuro quando me sinto assim, vídeos, contos e fantasia, digitei novamente: Tio e sobrinho.
Porque era mais fácil, mais fácil viver no mundo da fantasia do que encarar a realidade. Mais fácil gozar sozinho do que lidar com a rejeição. Mais fácil fingir que eu estava bem do que admitir que eu estava desmoronando. Lucas Gabriel tinha sido rígido. Rispido, ou talvez eu que tinha sido um cretino, tratando ele como garoto de programa. Usando minha posição. Querendo intimidar, me senti um lixo, me senti uma péssima pessoa, mas eu precisava de alívio. Eu estava bêbado. Tinha descontado a raiva na comida, e agora ia gozar assistindo mais um vídeo de tio e sobrinho, porque era isso que eu tinha virado. Um homem de quase quarenta anos. Sozinho. Trancado no quarto. Viciado em pornografia. Viciado em comida. Viciado em autodestruição. E a pior parte? Eu sabia disso. Eu sabia que estava me afundando, mas não conseguia parar. Porque parar exigia esforço. Exigia mudança. Exigia encarar a verdade, e a verdade doía demais. Então eu continuei assistindo. Comendo. Me masturbando. Me odiando em um ciclo infinito. Até quando? Eu não sabia.
