O silêncio da casa na manhã de terça-feira não era vazio; era pesado. Tinha massa, tinha textura. Era como se as paredes tivessem absorvido os gemidos, os cheiros e a violência silenciosa da noite anterior e agora estivessem devolvendo tudo isso em uma pressão estática que fazia meus ouvidos zumbirem.
Eu estava sentado na beirada da minha cama, os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos entrelaçadas na nuca. O quarto estava na penumbra, as cortinas cerradas contra o sol insolente que tentava entrar. Eu podia ouvir o som do meu próprio sangue bombeando nas têmporas — um ritmo acelerado, residual, o eco da adrenalina de ter rompido o último tabu. O sexo anal não era apenas sexo. Era a conquista de um território proibido. E agora, no "day after", a realidade não era de culpa, mas de uma vertigem de poder.
Mas havia o medo. Um medo frio, racional, localizado na base da minha espinha. Não medo do ato, mas medo Dele.
Eu tinha desafiado Ricardo na cozinha. Tinha demarcado território na frente do macho alfa. Em qualquer outra alcateia, eu seria estraçalhado. Mas ele tinha sorrido. E aquele sorriso era um enigma que meu cérebro de vinte e poucos anos ainda tentava decifrar.
Foi então que ouvi. Passos no corredor.
Não eram os passos arrastados e doloridos da minha mãe. Eram passos de metrônomo. Ritmicamente perfeitos. O couro de sapatos italianos contra o piso de madeira nobre.
Toc-toc-toc.
Três batidas secas. Não era um pedido. Era um aviso de embarque.
— Entra — minha voz saiu mais rouca do que eu pretendia, carregada de uma testosterona que parecia não me pertencer.
A porta se abriu. Ricardo entrou. A primeira coisa que notei não foi seu rosto, mas o cheiro. Ele cheirava a sândalo, tabaco de cachimbo e uma nota metálica, fria, que eu associava a dinheiro velho e armas limpas. Ele usava uma camisa de linho branco, as mangas dobradas com precisão militar até os cotovelos, revelando antebraços que, mesmo na meia-idade, eram cordas de aço.
Ele não fechou a porta. Deixou-a escancarada, conectando meu santuário privado ao resto do domínio dele. Ele caminhou até a minha estante de livros, passando o dedo indicador sobre a lombada de um manual de anatomia, como se estivesse auditando minha vida.
— Você dormiu pouco, Fernando — ele disse. Não foi uma pergunta. Ele estava de costas para mim, mas eu sentia seus olhos.
— O suficiente — respondi, tentando manter a postura ereta. Meus músculos estavam tensos, prontos para lutar ou fugir.
Ele se virou devagar. Nas mãos, ele segurava seus óculos de leitura e um pequeno pano de microfibra aveludado. Ele começou a limpar as lentes. Movimentos circulares. Hipnóticos. Lentos.
— Você foi ousado lá embaixo — a voz dele preencheu o quarto, grave e controlada. — A forma como você a tocou na cozinha... possessiva. Territorial.
Eu engoli em seco. — Eu só estava...
— Não se justifique — ele cortou, o tom descendo uma oitava, tornando-se perigosamente suave. — Justificativas são para os fracos. Eu não estou te acusando. Estou observando a evolução da espécie.
Ele deu um passo em minha direção, invadindo meu espaço pessoal. A atmosfera no quarto mudou. O ar ficou denso. Eu podia ver os poros da pele dele, a calma absoluta em seus olhos escuros. Ele não estava com raiva. Ele estava... orgulhoso? Ou estava apenas afiando a faca antes do abate?
— Proteger a fêmea é o instinto básico — continuou ele, levantando as lentes contra a luz fraca da janela para verificar a transparência. — Mas há uma linha tênue, Fernando, entre ser o guardião e achar que é o dono. Eu emprestei a coleira para você. Eu permiti que você sentisse o peso dela nas mãos. Mas não confunda o empréstimo com a propriedade da matilha.
— Eu sei quem manda aqui, pai — falei, sustentando o olhar dele. Era difícil. Era como olhar para o sol.
Ricardo parou de limpar os óculos. Ele os colocou no rosto devagar, as hastes se ajustando atrás das orelhas. Agora, com as lentes limpas, o olhar dele era cirúrgico. Ele via através da minha bravata. Ele via o menino assustado e o homem faminto brigando dentro de mim.
— Sabe? — ele sorriu, mas o sorriso não chegou aos olhos. — Eu gosto de ver o que eu criei. Gosto de ver você quebrando as barreiras morais que a sociedade impõe aos medíocres. Você a tomou ontem à noite de uma forma que eu não fazia há anos. Anal. Visceral. Sem lubrificantes emocionais.
Senti meu rosto esquentar. Ele sabia. É claro que ele sabia.
— Ela precisava disso — murmurei, uma confissão que escapou sem filtro.
— Ela precisava ser lembrada de que é carne — Ricardo corrigiu, brutal e poético. — Sua mãe é uma mulher complexa, Fernando. Ela se alimenta de submissão, mas a mente dela é um labirinto de inseguranças e rivalidades. Ela precisa de uma mão firme para não se perder. Às vezes a minha. Às vezes a sua.
Ele colocou a mão no meu ombro. O aperto foi firme, quase doloroso. Um toque de pai, um toque de rei.
— Mas escute bem: no dia em que você achar que pode me desafiar de verdade, no dia em que você esquecer que tudo isso — ele gesticulou para a casa, para o quarto, para a vida que tínhamos — existe porque eu permito... nesse dia, o jogo acaba. E não vai ser bonito. Entendido?
— Entendido — respondi. A palavra saiu como um juramento de fidelidade feudal.
Ele soltou meu ombro e a tensão se dissipou instantaneamente, como se ele tivesse desligado um interruptor.
— Ótimo. — Ele consultou o relógio de pulso. — Ela está na lavanderia. O corpo dela está... ressentido. O que você fez ontem deixou sequelas físicas. Ela está lenta. Quase inválida. Vá lá. Ajude-a. Considere isso parte do seu treinamento: quem quebra, conserta. Ou pelo menos, aprende a conviver com os cacos.
Ele se dirigiu à porta, mas parou no batente.
— Ah, e Fernando? — ele não olhou para trás. — Não tenha pressa. Eu vou estar no escritório, cuidando dos negócios. A casa é sua... por enquanto.
Ele saiu. O som de seus passos desapareceu no corredor.
Fiquei sozinho por um momento, respirando fundo, tentando estabilizar a tremedeira nas minhas mãos. Ele tinha me dado a chave. Ele tinha validado minha monstruosidade. Eu não era mais apenas o filho; eu era o Sucessor. E minha mãe... minha mãe estava lá embaixo, quebrada por mim, esperando.
Levantei-me. A sensação de poder voltou, agora misturada com uma urgência sombria.
Desci as escadas. A casa parecia diferente agora. As sombras pareciam cúmplices. Atravessei a cozinha, onde a luz do sol batia nas bancadas limpas, um contraste irônico com a sujeira moral que impregnava nossas vidas.
Ao me aproximar da área de serviço, o cenário mudou. O ar ficou quente, úmido, sufocante. O cheiro de alvejante, cloro e amaciante de lavanda sintética invadiu minhas narinas — um cheiro químico, hospitalar, doméstico.
E havia o som.
A máquina de lavar estava no ciclo de centrifugação máxima. Um zumbido grave, mecânico, industrial. Vrum-vrum-vrum. O chão de cerâmica vibrava sob a sola dos meus tênis.
Entrei na lavanderia.
Minha mãe estava de pé diante da bancada de granito. A cena era patética e erótica em medidas iguais. Ela usava o mesmo roupão de seda bege do café da manhã, mas agora ele estava úmido em alguns pontos, manchado de água e suor. O cabelo estava preso num coque frouxo que ameaçava desabar a qualquer segundo.
Mas o que me prendeu foi a postura dela.
Ela estava tentando dobrar um lençol king size sozinha. Mas as pernas... as pernas dela não obedeciam. Ela estava com os pés afastados, buscando equilíbrio, os joelhos trêmulos. Cada vez que ela se esticava para alisar o tecido, um esgar de dor cruzava seu rosto, e ela soltava um gemido abafado, mordendo o lábio inferior.
A invasão da noite anterior tinha deixado o corpo dela em estado de choque. A musculatura pélvica, o esfíncter, as coxas internas... tudo estava inflamado, dolorido, marcado pela minha posse.
Aproximei-me por trás, silencioso como uma sombra. O barulho da máquina mascarava meus passos. Parei a milímetros dela. Podia sentir o calor febril que emanava de sua pele, misturado ao cheiro ácido de medo e esforço.
— O pai disse que você precisava de ajuda — sussurrei, minha boca roçando a curva sensível da orelha dela.
Ela deu um pulo, soltando o lençol. O corpo dela enrijeceu, travando numa defesa inútil.
— Nando... — ela exalou, e o nome saiu quebrado. Ela não se virou. Talvez por vergonha, talvez porque girar o corpo doesse demais. — Eu... eu não ouvi você entrar. A máquina...
— A máquina está barulhenta — concordei, colocando minhas mãos na cintura dela. A seda era fria, escorregadia, mas a carne por baixo estava fervendo. — Você está tremendo, mãe. Suas pernas mal te sustentam.
— Eu consigo — ela mentiu, a voz frágil. — É só... um desconforto. Passa logo.
— Não é desconforto. É dor. — Puxei-a para trás com firmeza, colando as nádegas dela contra a minha virilha. — É a lembrança de ontem à noite.
Ela soltou um gemido agudo quando a pressionei. Foi um som involuntário, animal. A cabeça dela caiu para trás, apoiando-se no meu ombro. A vibração da máquina de lavar passava para a bancada, da bancada para ela, e dela para mim, conectando-nos numa corrente elétrica de zumbido e culpa.
— Por que você está se punindo assim? — perguntei, deslizando a mão para a frente do roupão, sentindo o ventre dela contrair. — O pai disse para você descansar. Mas você está aqui, se arrastando. Por quê?
Ela girou a cabeça, o rosto úmido de suor e lágrimas. Os olhos estavam vermelhos, injetados de uma angústia que ia muito além da dor física.
— Marina ligou de novo — ela cuspiu o nome como se fosse veneno. — Enquanto você estava lá em cima com ele. O Matheus mandou mensagem também. Eles confirmaram. A chácara. Sexta-feira.
Senti o corpo dela ficar rígido nos meus braços.
— E daí? — perguntei, roçando o nariz no pescoço dela, inebriado pelo cheiro dela. — Deixa eles irem.
— Você não entende! — Ela se virou de frente para mim, num movimento brusco que a fez sibilou de dor, as unhas cravando nos meus antebraços para não cair. — Ela disse que vai ser o "reagrupamento da família". Ela quer que a gente vá. Ela exige. Ela não aceita ter perdido o controle sobre nós, Fernando. Ela quer me ver manca. Ela quer ver as olheiras no meu rosto. Ela quer sentir o cheiro da minha derrota.
Havia uma histeria na voz dela, um pânico antigo que transformava a mãe amorosa numa mulher encurralada.
— Me explica isso direito — exigi, segurando o rosto dela entre minhas mãos, forçando-a a me olhar. O barulho da máquina parecia aumentar, isolando-nos do resto do mundo. — O pai me deu dicas, mas eu quero ouvir da sua boca. Por que esse ódio? Por que você age como se ela fosse te devorar?
Ela riu. Foi um som seco, quebrado, terrível.
— Porque ela já me devorou antes, Nando. — Ela fechou os olhos, e as lágrimas escorreram, quentes. — Você acha que isso é rivalidade de irmãs? De quem tem o cabelo mais bonito? Não. É sobre aniquilação.
Ela respirou fundo, trêmula, como se estivesse prestes a vomitar uma pedra que carregava no estômago há vinte anos.
— Eu tinha dezoito anos. Eu era... eu era doce, Fernando. Eu acreditava no amor. Eu tinha um namorado, o Lucas. Ele era poeta, gentil, tudo o que a nossa família bruta não era. Eu o amava. Planejávamos fugir juntos.
A máquina entrou num ciclo novo, mais agressivo, batendo contra a parede.
— No meu aniversário... a festa estava linda. Marina sumiu. Lucas sumiu. Eu fui procurá-los. Achei que ele estivesse preparando uma surpresa. E estava. — A voz dela caiu para um sussurro horrorizado. — Eu os encontrei na estufa de orquídeas do papai. Marina estava de joelhos na frente dele. Ela não estava apenas fazendo sexo oral nele, Nando. Ela estava... performando.
Senti um nó frio no estômago.
— E quando ela me viu parada na porta, com o meu vestido branco ridículo... ela não parou. — Minha mãe abriu os olhos, e o ódio neles era tão puro que quase me queimou. — Ela olhou para mim. E ela sorriu. Com a boca cheia dele. Ela riu, Nando. Ela riu com os olhos, enquanto destruía a única coisa pura que eu tinha. Ela queria me mostrar que nada era meu. Que qualquer felicidade que eu tivesse, ela podia tomar, sujar e devolver quebrada.
A imagem era brutal. A crueldade calculada da Tia Marina, aquela mulher que sempre sorria nos almoços de domingo, revelava-se agora em sua verdadeira forma monstruosa.
— Lucas tentou se desculpar depois, disse que ela o enfeitiçou, que ela era uma bruxa... mas o mal estava feito. Eu nunca mais fui a mesma. Eu aprendi naquele dia que o amor é uma fraqueza. Que a posse é a única verdade.
— E o Ricardo? — perguntei, a peça final do quebra-cabeça.
— Ricardo foi a minha vingança. — Um brilho predatório surgiu no meio das lágrimas dela. — Quando ele apareceu, Marina tentou. Oh, como ela tentou. Usou os mesmos truques. Os decotes, os esbarrões, a sedução barata. Mas seu pai... seu pai é um predador maior que ela. Ele olhou para ela com nojo. Ele viu a vadia vazia que ela era. E ele me escolheu. Ele me tomou. Pela primeira vez na vida, eu ganhei. Eu tirei dela o prêmio máximo.
Ela agarrou minha camisa, puxando-me para baixo.
— Ela nunca perdoou isso, Nando. Nunca. Ela passou vinte anos rondando, esperando uma brecha, uma rachadura no meu casamento, na minha vida perfeita. E agora... agora ela acha que achou a brecha.
— Eu? — perguntei.
— Você. — Ela tocou meus lábios com os dedos trêmulos. — Você é o meu tesouro. A minha obra-prima. O filho perfeito que ela nunca teve, porque o Matheus é fraco, quebrado pela dominância dela. Ela olha para você e vê a chance final de me destruir. Ela quer te seduzir, Fernando. Ela quer te levar para a cama na chácara, quer te corromper, só para poder olhar na minha cara e rir de novo. Para provar que nem o meu próprio sangue é leal a mim.
A fúria explodiu dentro de mim. Não era ciúmes infantil. Era ódio tribal. A ideia daquela mulher tocando em mim, usando meu corpo para ferir a minha mãe...
Prensei minha mãe contra a bancada. A máquina de lavar atrás dela vibrava violentamente, e eu usei essa vibração a meu favor. Apertei meu corpo contra o dela, sentindo cada curva, cada ponto de dor.
— Ela não vai me ter — rosnei, e a voz que saiu não era minha, era a do Ricardo. Eram gerações de dominância falando. — Eu não sou o Lucas. Eu não sou um poeta fraco. Eu sou o filho do meu pai.
— Ela é perigosa... ela vai usar o Matheus...
— Foda-se o Matheus. Foda-se a Marina. — Segurei a nuca dela, forçando-a a inclinar a cabeça para trás. — Escuta o que eu vou dizer, mãe. Nós vamos para essa chácara. Nós vamos entrar no carro e vamos para o território dela. Mas nós não vamos como vítimas.
Deslizei minha mão para trás, apertando com força a nádega dela, pressionando exatamente onde ela estava machucada pelo nosso ato anterior.
Ela gritou. Foi um som abafado, rouco, de dor absoluta misturada com um prazer submisso que a fez arquear as costas. As pernas dela cederam, e eu tive que sustentá-la com meu corpo.
— Dói? — perguntei, cruel.
— Sim... Deus, sim... — ela choramingou, os olhos revirando.
— É bom que doa. Essa dor é a sua armadura. É a prova de que você é minha. — Beijei o pescoço dela, mordendo a pele, marcando-a. — Quando a Marina olhar para você mancando, ela vai achar que você está fraca. Mas nós sabemos a verdade. Você está mancando porque foi fodida pelo Rei e pelo Sucessor. Você carrega a nossa marca.
— Eu sou sua... — ela soluçou, entregue, derrotada e exaltada ao mesmo tempo. — Eu sou de vocês. Só não deixa ela me humilhar. Por favor, Nando. Me usa, me quebra, faz o que quiser comigo... mas me protege dela.
— Eu vou cuidar de você. — A promessa saiu pesada, definitiva. — Na chácara, eu vou mostrar para a Tia Marina que o tempo dela acabou. Eu vou mostrar quem é o novo dono desta família.
Soltei-a devagar. Ela escorregou até ficar apoiada na máquina, ofegante, o roupão desfeito, a pele marcada pelos meus dedos, o rosto banhado em lágrimas e suor. Ela parecia uma ruína gloriosa.
Afastei-me um passo.
— Agora sobe — ordenei. — Deixa essa roupa aí. Sobe, toma um banho, e deita na minha cama. Eu vou subir em dez minutos. E nós vamos começar a planejar o que você vai vestir nesse fim de semana. Se vamos para a guerra, você vai vestida para matar.
Ela assentiu, muda, obediente. Ela se desencostou da máquina e começou a caminhar em direção à porta. O mancar era acentuado, doloroso de assistir, mas havia uma dignidade nova ali. Ela não era mais a vítima do passado; ela era a propriedade protegida do presente.
Eu a observei subir as escadas, degrau por degrau.
Quando ela sumiu na curva do corredor, olhei para cima, para a porta do escritório que ficava no mezanino. Estava entreaberta. E na sombra, eu sabia que Ricardo estava lá. Talvez com um copo de uísque, talvez apenas ouvindo o silêncio que se seguiu à tempestade.
O Rei no trono. O Sucessor no campo de batalha. E a Rainha... a Rainha finalmente estava segura, presa nas nossas garras.
A chácara nos esperava. E as feridas antigas estavam prestes a sangrar de novo.