Felipe encontrou a carta na soleira da porta numa noite de verão em que a chuva caía fina e insistente, como se o céu chorasse por pecados antigos. O envelope era simples, papel creme, sem adornos, apenas o nome dele escrito com a caligrafia cuidadosa de Anália, aquela mesma letra que um dia assinava cartões de aniversário e bilhetes deixados na geladeira. Ele hesitou antes de abrir, o coração batendo forte no peito que crescia a cada dia de academia. Levou o envelope para dentro, sentou-se no sofá que ainda cheirava a novo, pois ele trocara quase todos os móveis depois da separação por não querer se lembrar que ali ela e ele haviam se deitado, e, sob a luz fria de um abajur, começou.
A carta era longa. Anália não poupara palavras:
“Felipe,
Não sei se você vai ler isso até o fim. Não sei nem se vai ler o primeiro parágrafo. Mas eu preciso escrever, porque guardar tudo isso dentro de mim está me matando aos poucos. A terapia tem me ensinado que algumas coisas precisam ser ditas em voz alta, ou, no caso, escritas, para que a gente consiga seguir em frente, em paz.
Não sei se sabe, mas eu comecei uma terapia logo depois que tudo desmoronou. No começo, eu queria apenas entender por que eu tinha feito aquilo. Por que eu tinha destruído o que a gente construiu com tanto cuidado. A dra. Marisa me fez voltar no tempo, revisitar momentos, lembranças, cada escolha. E uma das primeiras coisas que descobrimos foi algo que eu nem imaginava: talvez, bem lá no fundo do meu subconsciente, bem lá no fundinho, eu tivesse um interesse pelo Betão que eu mesma não sabia.
Lembra do churrasco do aniversário dele, onde nos conhecemos? Então... Eu aceitei aquele convite sem nem conhecê-lo direito. Por quê? A Marisa me perguntou isso várias vezes. Eu disse que era só curiosidade, que eventos assim servem para conhecer gente nova. Mas a verdade é que, depois que eu parei para pensar melhor, talvez eu quisesse mesmo conhecer o Betão. Ele é imponente, bonito, e lá no evento que eu participei, notei que todo mundo gostava muito dele, ele era um tipo de referência. Talvez eu tenha aceitado o convite com uma pontinha de interesse que nem eu mesma entendia. Mas aí ele me apresentou um tal de Felipe, lembra? Você conversou comigo a noite toda, me fez rir, me ouviu, fazia comentários sobre minhas conversas que fazia eu me sentir inteligente, desejada de um jeito diferente. E aquele interesse pelo Betão ficou enterrado, esquecido em algum canto do meu subconsciente. Até aquele dia na choperia...
Naquele maldito dia, eu saí de casa depois da nossa briga porque estava magoada, cansada, e queria me sentir livre de novo. Bebi demais, muito mesmo e comecei a ser paquerada. Minhas amigas tentaram me segurar, mas eu queria aquilo, queria ser vista, desejada, e queria que você fosse me buscar. Minha amiga ligou para você, no seu celular, foi o número que eu dei, porque eu queria que você visse que eu sou atraente, mesmo que a gente discutisse de novo. O meu plano era te arrastar para um motel e te mostrar que eu queria ser mais do que a mulher que estava murchando em casa, fazendo as pazes do nosso jeito. Só que quando a Cíntia ligou para casa, quem atendeu o seu celular foi o Betão. E tudo deu errado. Eu estava vulnerável, confusa, bêbada, e acabei indo parar num motel com ele. Nem foi para transarmos, o meu plano era tomar um banho de água fria, cochilar um pouco e depois voltar para casa. Só que... deu tudo errado. Aquilo, mesmo que não acredite, não foi planejado. Foi um erro terrível, impulsionado pela bebida, pela raiva, pelos meus desejos reprimidos, pelo tesão do Betão por mim, enfim...
E antes que pergunte, sim! O sexo com ele foi diferente de tudo o que eu vivia com você. Com o Betão era selvagem, sujo, sem limites. Ele me dominava, mandava, e eu me submetia. Eu me senti desejada até o osso, viva de um jeito que eu não sentia há muito tempo. Não que os nossos momentos não fossem bons, pelo contrário. Você sempre foi carinhoso, cuidadoso, preocupado só com o meu prazer. Era diferente. Você fazia amor comigo, Felipe. Já com o Betão era só sexo, cru, selvagem. Eu preferia o que a gente tinha, de coração. Mas aquela novidade, aquela intensidade, mexeu comigo. Foi por isso que continuamos. Não era amor, nunca foi. Era tesão misturado com culpa, com confusão, com a sensação de que eu estava revivendo algo que eu nem sabia que tinha perdido.
E tem uma coisa que eu preciso confessar. Até acredito que você já saiba pelas câmeras do sistema interno da nossa casa. Na edícula, na segunda vez que me entreguei para o Betão, eu entreguei para ele algo que nunca tinha dado para você: a minha virgindade anal. Eu neguei isso para você tantas vezes, por medo, por achar que você me veria como uma vadia, sei lá, por não me sentir pronta. E acabei entregando para ele. Não tem explicação que justifique. Eu mesma não entendo como fiz aquilo. Acabou sendo só mais um erro que eu carregarei para sempre.
Quero que você saiba que eu não te culpo de nada, Felipe. Nada! A terapia tentou analisar a possibilidade de você ter parcela de culpa porque o nosso sexo tinha ficado previsível, rotineiro. Mas eu nunca concordei com isso. O erro foi só meu! Se eu sentia falta de algo, eu devia ter conversado com você, pedido para tentar coisas novas, apimentar, sei lá. Poxa! Hoje é tão fácil comprar artigos em sex shops. Você nunca foi insuficiente. Nunca, nunca, nunca... Você era perfeito do seu jeito. Eu é que fui covarde, fraca e egoísta, entregando-me a desejos que eu devia ter compartilhado com você, nunca com outro.
Hoje eu entendo que o Betão representava uma fantasia, de algo diferente, de uma dominação latente que eu talvez buscasse sem saber, talvez por causa do meu pai autoritário, talvez por inseguranças que eu carregava, talvez por algo que eu ainda nem suspeite. Mas você, Felipe… você era o meu lar. O meu amor de verdade. Ainda é.
Eu te amo. Muito. Mais do que nunca. Mas acho que te perdi.
Se no seu coração não houver paz para voltarmos, se você não conseguir me perdoar de verdade, eu entendo e aceito. Mas não aceito que se apague. Vá ser feliz! Encontre alguém que te mereça de verdade, alguém que nunca te machuque como eu machuquei e viva. Eu só quero que você seja feliz, comigo ou não.
Com amor, para sempre,
Anália”
Felipe leu a carta três vezes. Depois dobrou o papel com cuidado, como se fosse algo frágil que pudesse se desfazer ao menor toque. Sentou-se no chão da sala, encostado no sofá, Pamonha deitou a cabeça em seu colo, sentindo a angústia do dono. A chuva lá fora parecia mais forte agora.
E começou a refletir.
Ele ainda amava Anália. Isso era o pior. O amor não tinha desaparecido com a traição; apenas se escondera atrás de camadas de raiva e decepção. Mas agora, lendo aquelas palavras, ele sentia que a pureza de algo ainda existia dentro dela e talvez dele também, confuso, perdido, pedindo ajuda para ser reencontrado.
Passou a pesar os pontos positivos e negativos de sua caminhada com ela. Os positivos vieram primeiro, vários, trazendo um sorriso sutil em sua face: a cumplicidade intelectual e o apoio mútuo em seus sonhos; as noites de cueca, quando ambos, ele e ela, vestiam apenas cueca e ficavam conversando até altas horas; o jeito como ela ria das piadas ruins dele, pois Felipe nunca fora o carinha legal da sala; o cheiro do cabelo dela depois do banho, quando ela vinha se esfregar em seu rosto, como uma gata manhosa; a bagunça-organizada como ela se referia a casa, tudo meio misturado, mas cada coisa em um devido lugar; e os planos que fizeram juntos, de viagens que nunca aconteceram, de filhos que nunca nasceram. Ela o fazia sentir completo, e seguro. Durante anos, ele achou que tinha encontrado a pessoa certa.
Mas os negativos agora pesavam também, e como chumbo. A traição era a pior. Porque não fora só uma vez, uma curiosidade besta, uma noite regada à bebida. Mas sim repetida, planejada, ocultada, e dentro da casa deles, até na cama deles. Ele imaginava o deboche, as risadas às suas costas. E então lembrou-se do beijo, daquele maldito beijo com gosto de outro homem. E Felipe não sabia se este tinha sido o pior ou se a entrega da virgindade anal para o Betão, algo que Felipe sempre respeitara por medo de machucá-la, ou de ofendê-la.
A confiança estava destruída. Isso era fato. E Felipe não achava espaço para reconstruí-la. Aliás, como reconstruir algo tão despedaçado sobre fundações tão incertas? E se Betão a procurasse? E se ela voltasse a fazer de novo? Betão não era bobo e mais cedo ou mais tarde, ele tentaria se reaproximar. Aliás, Felipe estranhou o sumiço do "amigo" que já há algum tempo não tentava contato.
E se o amor que Felipe sentia fosse só saudade do que existiu, e não desejo pelo que poderia ser?
Felipe passou a noite em claro. Caminhou pela casa, tomou banhos frios, tentou ler, tentou codificar, tentou treinar. Nada ajudava. A única certeza naquele momento era Pamonha, que o seguia como uma sombra preocupada.
Ao amanhecer, com os olhos vermelhos de insônia, olhando para o quintal de casa, Felipe tomou uma decisão. Não daria uma resposta definitiva por carta ou mensagem, não para Anália, nem para si próprio. Ele precisava vê-la. Precisava olhar nos olhos dela e avaliar se o arrependimento era real. Afinal, palavras bonitas eram a área de domínio dela.
Dois dias depois, numa tarde de sábado, ele dirigiu até a casa dos pais de Anália. O bairro era o mesmo de sempre, tranquilo, com árvores altas e jardins bem cuidados. Uma nostalgia gostosa regada a lembranças de tardes e noites de namoro na escada de acesso da casa dela o dominou. Mas quando dobrou a rua, viu o veículo de Betão, aquela caminhonete marrom que ele conhecia desde os tempos de faculdade, uma F-1000 bem antiga e conservada, orgulho do então amigo, estacionada bem em frente ao portão.
O coração de Felipe deu um sobressalto. Ele estacionou um pouco adiante, sob a sombra de uma árvore, e ficou observando. “Será que ela mentiu?”, pensou. “Não pode ser. Ela não faria isso...” A dor foi imediata, física, como um soco no estômago. Ele quase deu partida para ir embora, mas algo o manteve ali. Talvez o desejo de desmascarar e encerrar esse capítulo de vez em sua vida.
Quando decidiu descer e confrontá-los, isso minutos depois, viu a porta da casa dos pais de Anália se abrir. Betão saiu pisando alto, o rosto vermelho, gesticulando com os braços:
— A senhora não pode falar assim comigo! Eu não fiz nada de errado. A gente se envolveu porque se ama.
— Tá louco, Betão!? Quem disse que eu te amo?
— Você é que deve tá louca, Anália? A gente tem química, a gente se entende! Para de fingir que não sente nada por mim, que o que aconteceu não significou nada!
— Eu já disse tudo o que tinha pra dizer, Betão. Sai da minha vida. Para sempre.
— Isso é ridículo! Depois de tudo que a gente…
— Tudo que você destruiu, você quer dizer! Fora daqui antes que eu chame a polícia ou pior, antes que o Geraldo saia com o cabo de machado de novo e termine o que ficou com vontade de fazer! - Agora era a voz de Dona Lúcia, a mãe de Anália.
Betão bufou, girou na frente do portão duas vezes e encarou a direção da porta, certamente olhando para Anália ou para as duas. Então entrou na caminhonete batendo a porta com força e saiu cantando pneu.
Felipe ficou confuso, pois não era bem o que esperava, mas não podia negar que aquilo também o deixou feliz. Esperou alguns minutos, tentando compreender o que havia acontecido, tentando organizar seus próprios pensamentos e respirou fundo. Desceu do carro.
Tocou a campainha e aguardou. Quem abriu a porta foi Seu Geraldo, vermelho de raiva e com um pedaço longo de madeira na mão, xingando alto:
— Agora a conversa é comigo, seu filho da puta, desgraçado e… — Ele se calou ao ver Felipe, o rosto se iluminando imediatamente: — Felipe!? Meu filho! Que saudade, rapaz!
Ele abriu o portão com um sorriso largo, abraçando Felipe como se fosse um filho pródigo.
— Tá bonitão, mais forte... Entra, entra! Vamos sair desse sol.
— Boa tarde, Seu Geraldo. - Felipe olhou para a madeira e brincou: - E eu sou louco de recusar? O senhor me maceta se eu disser não.
Seu Geraldo deu uma gargalhada e jogou a madeira num canto, puxando Felipe:
— A... A Anália está?
— Tá sim, filho. Ela está na cozinha com a Lúcia. Vem, vem comigo.
Colocou o braço sobre os ombros de Felipe e o guiou para dentro. A casa cheirava a café fresco e bolo assando. Enquanto caminhavam pelo corredor, Felipe ouviu as vozes vindas da cozinha. Primeiro, a voz de Anália, baixa, mas decidida:
— Eu não quero o Betão, mãe. Foi tudo um erro. Só isso. -
— E o Felipe, já desistiu então?
— Quero só que ele seja feliz, mesmo que seja com outra...
Felipe sentiu um aperto no peito ao ouvir praticamente as mesmas palavras escritas em sua carta. Seu Geraldo sorriu de canto de boca e empurrou levemente Felipe para a frente:
— Olha quem veio visitar!
Anália e Dona Lúcia viraram-se ao mesmo tempo. Anália ficou pálida, depois vermelha, os olhos arregalados. Dona Lúcia abriu um sorriso enorme e foi abraçar Felipe:
— Felipe! Meu Deus, que alegria!
— Boa tarde, Dona Lúcia.
— Senta, senta! Acabei de passar um cafezinho e tem bolo saindo do forno agora. É aquele de Toddy que a Anália vivia fazendo. Você gostava, se me lembro bem...
Felipe sorriu, sentindo-se estranhamente em casa. Conversaram amenidades por alguns minutos: o tempo, o trabalho dele, a empresa que crescia, o cachorro novo. Dona Lúcia contava histórias do bairro, Seu Geraldo conversava e ria alto. Anália observava tudo e sorria, respondendo quando perguntada. Depois, como se tivessem combinado sem palavras, Dona Lúcia tocou o braço do marido:
— Geraldo, vem me ajudar ali com aquela caixa, por favor?
— Caixa!?
— É. Ali. No quarto...
— Tem caixa nenhuma lá.
— Geraldo! - Deu maior ênfase, apertando de leve o braço do marido.
Ele sorriu, entendendo a deixa:
— Claro, amor. A caixa...
Os dois saíram, deixando Felipe e Anália sozinhos na cozinha. O silêncio caiu pesado, mas não era hostil:
— Como você está? - Felipe perguntou, olhando-a nos olhos pela primeira vez.
— Estou indo, amo… digo, Felipe. Eu tenho que continuar, né?
Ela tentou sorrir, mas a voz tremia. Felipe continuou:
— Eu… li sua carta.
— Ah! E… o que achou?
— Tudo o que você escreveu… é verdade?
Anália confirmou com um movimento lento de cabeça, sem desviar o olhar:
— Inclusive a parte em que você falou que o sexo com o Betão era melhor do que comigo?
— Eu não escrevi isso!
— Mas você escreveu que era bom.
— Isso eu escrevi! E não menti. O Betão sabe… — Ela se calou, constrangida, olhando para as mãos: — Ele sabe fazer, Felipe. Não tenho como negar isso. Mas não era como você, nunca foi.
— Anália... Isso, eu não entendo. Por que você nunca reclamou comigo? Por que nunca pediu para eu fazer diferente, tentar algo novo? Eu não sou tão quadrado assim, sou?
— Felipe… Na terapia, nas conversas que tive com a Marisa, a gente chegou até a cogitar que você tinha parte da culpa do nosso relacionamento ter ficado parado, mas não tem. Fica tranquilo. O erro foi meu, somente meu. E do Betão também, de certa forma. Mas você não! Você é o único inocente nessa história.
— Você não respondeu às minhas perguntas... - Felipe insistiu, tomando um gole de café, também sem desviar o olhar dela.
— Por isso eu disse que o erro foi meu. Eu devia ter conversado mais, tentando mais, ousando um pouco. - Ela o encarou e deu um sorriso maroto: - Você não é quadrado, mas também não é redondinho não. Acho que faltou eu dar um impulso para você rodar melhor...
Felipe deu uma risada da piada, fazendo a face dela se iluminar ainda mais, mas logo ele ficou sério:
— Eu nunca fui suficiente para você na cama, né?
Anália se surpreendeu e se sentou ao lado dele, repousando sua mão sobre a dele. E o encarou no fundo dos olhos antes de falar:
— Por Deus, Felipe, não faça isso com você. Você sempre foi suficiente do seu jeito. Se eu estava sentindo falta de alguma coisa, eu é que deveria ter conversado com você. Ou até mesmo tentado apimentar o nosso sexo de outra forma. Ouça bem: eu errei! Eu traí você, sua confiança, os nossos votos… — Ela se calou, emocionada, lágrimas brotando dos olhos. — Isso eu nunca vou me perdoar.
Felipe a encarou por um instante, enquanto mastigava uma generosa porção do bolo:
— Tem visto o Betão?
Ela mordeu os lábios, tensa:
— Ele saiu daqui há pouco.
— É!? Não sabia que estavam se encontrando... - Felipe jogou verde.
Anália balançou a cabeça negativamente:
— Não estamos. Ele, às vezes, me procura. Vem saber de mim, diz que me ama, pede uma chance. - Ela desviou rapidamente o olhar e novamente balançou a cabeça: - Mas é coisa dele. Não sinto nada por ele além de uma certa pena de tê-lo envolvido nesse problema.
— Você não o culpa de nada?
Anália encarou novamente Felipe e ficou em silêncio. Depois deu de ombros:
— Adianta? Não adianta ficar remoendo quem tem culpa, ou se alguém tem mais culpa. A terapia tem me ensinado que todos somos imperfeitos e que todos podemos errar. A mágica está em aprender a perdoar, a si mesmo e aos outros. É isso que eu venho trabalhando...
Felipe se surpreendeu e olhou para sua xícara. Comeu o restante de seu bolo e sorriu:
— Continua com a mão boa. O bolo está ótimo!
Ela sorriu, um sorriso que não alcançou os olhos:
— Eu queria te agradecer. - Continuou Felipe.
— Pelo que?
— Por desejar minha felicidade, mesmo que não com você...
— Ah… — Anália baixou o olhar e depois de suspirar disse: — Foi de coração.
— Eu sei.
Felipe limpou a boca com o guardanapo e bebeu o restante do café:
— Tem algum compromisso para hoje?
— Compromisso?
— É. Vai entrar em cartaz um filme legal e já tinha decidido ir assisti-lo. Se você quiser vir comigo…
Ela o encarou e sorriu, a primeira vez com os olhos naquele dia, aliás, há tempos:
— Isso... É um encontro, senhor Felipe?
— Para um cineminha. Talvez para um lanche depois… Não te prometo mais nada além disso.
Anália olhou para a mão que ainda segurava a dele e o encarou novamente, os olhos brilhando de uma esperança que já parecia perdida:
— Eu... Eu aceito.
— Passo aqui às 19:30 então, ok?
Eles se despediram com um simples beijo no rosto, algo que Anália já considerava impossível. Assim que ele sumiu de suas vistas e ela fechou a porta, seu peito não aguentou:
— Ele me convidou para sair, mãe!
Seus pais desceram correndo a escada e encontraram Anália dando pulinhos na sala, repetindo como um mantra a mesma frase.
Naquela noite, eles saíram juntos. O filme era uma comédia romântica leve, escolha de Felipe, que queria algo que não exigisse muito emocionalmente. Sentaram-se lado a lado no escuro, compartilhando um baldão de pipoca. Não era a intenção, mas se tocaram algumas vezes, uma eletricidade dominando o ambiente. Riram nas mesmas cenas, comentaram baixinho, como se confidenciassem. Depois foram passear pelo shopping, parando num bar próximo à entrada principal, onde pediram alguns chopes e duas porções, de fritas com bacon e salame com limão. Conversaram sobre vários assuntos, ambos desviando do peso do passado: trabalho, o cachorro Pamonha, os novos contratos dela, a academia dele, séries que estavam vendo.
Quando a noite terminou, Felipe a levou até a porta da casa dos pais:
— Chegamos.
— Obrigada pela noite. Foi… mágica.
— Foi só um cineminha...
— Foi muito mais do que isso para mim.
— Então... tá! — Ele hesitou, depois se inclinou e deu um beijo leve na bochecha dela, sentindo o perfume tão conhecido e um calor saudoso: — Boa noite, Anália.
— Boa noite, Felipe.
Felipe retornou para sua casa já passando das 23:00. Assim que estacionou o carro, um bip em seu celular chamou sua atenção e o fez sorrir. “Nossa! A impressão foi boa mesmo.”, pensou, imaginando ser Anália. Errou. No celular, uma nova surpresa para confundi-lo ainda mais. Uma mensagem de Rafaela:
Rafaela - “E aí, Ursão? Que tal um chopinho?”
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO SÃO FICTÍCIOS E OS FATOS MENCIONADOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL SÃO MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.
