Nova Orleans,
2 de junho de 1768
Meu caro Philip,
Recebi tua última missiva com a satisfação habitual, ainda que nela eu tenha percebido — perdoa-me a franqueza — certo zelo que beira a inquietação. Não te aflijas por mim. Se há algo de novo em meus dias, não é perigo, mas antes um estímulo raro, desses que fazem o espírito abandonar sua languidez costumeira.
Voltei a encontrar-me com Alastor Crowley. Desta vez, não em meio ao ruído dos salões, mas em um ambiente mais reservado, quase íntimo, durante um pequeno encontro promovido por conhecidos comuns. Conversamos como velhos cúmplices, embora mal nos conheçamos; e confesso-te que tal familiaridade me causou simultaneamente conforto e receio. Há nele uma capacidade singular de conduzir o diálogo, não pela imposição, mas pela escuta — como se minhas próprias palavras lhe servissem de degraus para alcançar algo mais fundo dentro de mim.
Falou-me de filosofia, de antigos reinos, de homens que se fizeram grandes não por herança, mas por vontade inflexível. Usava metáforas com tal precisão que por vezes tive a estranha sensação de que falava de mim, ainda que jamais mencionasse meu nome. Ri disso, naturalmente. Não sou afeito a misticismos, e menos ainda a presságios.
Em certo momento, para divertir os presentes, Alastor apresentou o que chamou de pequenos exercícios de ilusão. Nada que não se pudesse atribuir à destreza manual ou a engenhos ocultos; ainda assim, houve algo no modo como os objetos obedeciam a seus gestos — como se o mundo, por instantes, cedesse — que me deixou desconfortável. Quando lhe fiz uma observação espirituosa a respeito, ele respondeu apenas: “Nem tudo o que parece comum o é de fato, senhor Devante.”
Percebo, Philip, que descrevo-te estas cenas com atenção excessiva. Não o faço por fascínio indevido, mas porque me inquieta o modo como tal homem se insinua em meus pensamentos. Desde então, minhas distrações habituais perderam parte do sabor. Estive ontem com uma jovem de rara beleza — negra, como bem sabes ser meu gosto — e, ainda assim, ao tocá-la e ser tocado por ela, senti-me ausente, como se outra presença ocupasse espaço indevido em minha imaginação.
Consumamos o ato, é claro, mas o prazer não foi dos melhores. Envergonha-me admitir que, mais tarde, sozinho em meus aposentos e ainda não saciado, busquei saciar meus instintos, mas novamente a lembrança de Alastor se impôs, contra minha vontade e contra minha razão. Fiquei perturbado com isso e desisti de me satisfazer, o que me levou a ficar ainda certo tempo acordado e daquele jeito que sabes.
Foi então que sonhei. No sonho, encontrava-me de volta a um bordel, deitado a senhorita Marie Claire Guillot com quem estive antes. Não estávamos sós. Ao redor, homens e mulheres formavam um círculo silencioso, observando-nos com curiosidade e desejo mal disfarçado. Não havia escândalo nem pudor; apenas olhares atentos, como se aguardassem algo de mim. Senti-me exposto, e — confesso — estranhamente excitado por isso.
Subitamente, a porta abriu-se com violência, e meu pai entrou no recinto. Sem dirigir-me palavra, arrancou a srta. Guillot de meus braços, puxando-a pelos cabelos com fúria que me paralisou. Ouvi o estalo do chicote, repetidas vezes, e vi seu corpo curvar-se sob os golpes. O mais perturbador, Philip, não foi a cena em si, mas o fato de que ninguém fez nada. Os observadores permaneceram imóveis. E eu — eu também nada fiz. Permaneci onde estava, incapaz de mover-me, como se minha vontade tivesse sido arrancada junto com ela.
Foi então que Alastor surgiu. Não sei de onde veio; apenas estava ali, no meio do salão, avançando com calma que contrastava com o caos. Estranhamente, todos ali, exceto o meu pai, pareciam reverenciá-lo, abaixando suas cabeças. Aproximou-se de mim, pousou a mão sobre meu peito de forma bastante íntima e inclinou-se para murmurar algo em meu ouvido. Não recordo as palavras exatas, apenas a sensação: uma ordem suave, irresistível, como se alguém tivesse finalmente nomeado aquilo que eu sempre temi executar. Entregou-me então algo envolvo em um lenço. Levantei-me. Afastei meu pai da jovem com força inesperada e, num ímpeto que não reconheci como meu, feri-o mortalmente com uma adaga ao coração. Não houve luta prolongada, nem clamor; apenas a certeza imediata de que algo irrevogável fora feito.
Acordei tomado por suor frio e por um mal-estar profundo, que persistiu durante todo o dia seguinte. Ri de mim mesmo, é claro, atribuindo o delírio ao excesso de vinho ou à imaginação excitada. Ainda assim, não consegui afastar a impressão de que o sonho me revelara algo que a vigília insiste em ocultar.
Na noite seguinte, encontrei-me novamente com Alastor quando retornava do bordel após cair nos braços da srta. Marie Claire novamente. Conversamos sobre o nosso último encontro e sobre seus truques de ilusionismo. Em seguida, ele me falou que havia sonhado comigo, e, quando, em tom de gracejo, mencionei a estranheza desse fato por eu ter sonhado também com ele, Alastor sorriu apenas — sorriso breve, indecifrável — e disse que a mente revela primeiro aquilo que a mente ainda teme assumir.
Não te inquietes com tais relatos, Philip. Não os escrevo por acreditar neles como presságio, mas porque sei que aprecias penetrar nesses labirintos comigo, ainda que à distância. Se algo em mim se agita, é apenas o sinal de que ainda estou vivo — e talvez mais próximo do que imaginas de compreender a natureza desse movimento.
Escreve-me logo. Teu silêncio, como sempre, incita-me mais do que qualquer censura.
Com estima constante,
Louis Marshal Devante