Venha pra cá, venha comigo
A hora é pra já, não é proibido
Vou te contar, tá divertido
Pode chegar. Desejos têm preço. E esse é colorido demais pra ser ignorado.
O ginásio ecoava com o som de bolas quicando e tênis deslizando pelo piso encerado, mas, para Daniel, tudo parecia acontecer em mudo.
Era sempre assim quando ele aparecia.
Robinson atravessou a quadra correndo, e tudo ao redor desacelerou, como se alguém tivesse apertado o botão de câmera lenta só para ele.
A luz da tarde entrava pelas janelas altas e batia direto na pele dele — uma pele morena quente, com aquele brilho dourado perfeito de quem nasceu para ser observado.
O suor escorria pelas têmporas, descia pelo pescoço e desaparecia na gola da camiseta sem manga, moldada no corpo como se tivesse sido feita para aquilo: para grudar na pele e desenhar cada músculo. Mostrando os mamilos dele, apontados na camisa como se estivessem quase furando aquela porra
Daniel engoliu seco.
Aquele cabelo escuro, ondulado, caía um pouco sobre a testa, rebelado como se o próprio vento tivesse desistido de domá-lo. E a boca… ah, a boca.
Lábios cheios, macios… com aquele formato naturalmente sensual, como se até o silêncio dele tivesse alguma promessa escondida.
Robinson saltou.
O corpo inteiro tensionou — costas largas, bíceps marcados, abdômen firme — e por alguns segundos Daniel esqueceu que precisava respirar.
— Terra chamando Daniel… — sussurrou uma voz ao lado dele.
Era Mateus, seu melhor amigo. O único que sabia — ou fingia que não sabia — da paixão secreta que Daniel tentava esconder desde o primeiro dia de aula.
Daniel piscou rápido, desviando o olhar, mas tarde demais: Mateus já estava sorrindo.
— Você fica assim sempre que ele treina — provocou.
Daniel corou instantaneamente.
Se tivesse um buraco, entrava.
— Não fico nada…
— Não mesmo… — riu Mateus, dando um tapinha no ombro dele. — Você só para de respirar. Coisa boba.
Mas antes que Daniel pudesse responder, um apito ecoou.
O treino acabou.
Robinson passou perto deles, secando o rosto com a camisa. Parte do abdômen apareceu. E Daniel sentiu o estômago dar um nó.
Aquele homem era… inalcançável.
Parecia mesmo um halã de novela mexicana, forte, bonito, popular, cobiçado.
E ele?
Um nerd tímido que gaguejava quando precisava apresentar trabalho na frente da sala.
Só que o destino — ou algo muito mais bagunçado — tinha outros planos.
Quando estavam saindo do ginásio, Mateus lembrou:
— Ah! A gente tem que fazer aquele trabalho de História, lembra? Só que eu não tô na minha casa hoje… tô na casa de um tio meu. Um tio meio… doido. — Ele riu sozinho, como se a descrição fosse elogiosa. — Pera aí que eu te passo o endereço.
Daniel anotou, sem imaginar que aquele endereço ia mudar tudo — absolutamente tudo — na vida dele.
Horas depois — Casa do Tio Lui
O carro de aplicativo mal tinha parado e Daniel já percebeu que havia algo… excêntrico ali.
A casa era enorme, antiga, cheia de estátuas de anjos, gárgulas e símbolos esquisitos na fachada.
Mateus abriu o portão como quem está acostumado.
— Meu tio é meio esotérico — explicou, casual. — Ele tá viajando, então podemos ficar tranquilos.
Tranquilos.
Daniel achou a palavra otimista demais.
Por dentro, a casa era ainda mais estranha: máscaras africanas, frascos com líquidos coloridos, relógios antigos, livros que pareciam amaldiçoados. Uma coleção de quinquilharias mágicas espalhadas como decoração de Halloween permanente.
Eles fizeram o trabalho na sala, mas, quando terminaram, Mateus teve a pior ideia possível:
— Bora fuçar o sótão? Meu tio não precisa saber — disse com aquela expressão de quem estava claramente pedindo pra levar uma bronca futura.
Daniel hesitou.
Mas… curiosidade vence tudo, né?
Subiram as escadas rangendo até o último andar.
O sótão cheirava a poeira, madeira velha e… algo doce. Algo estranho.
E então, no canto, eles viram.
Uma mesa coberta de velas apagadas e símbolos riscados.
E bem no centro dela…
Uma redoma de vidro.
E dentro dela… alguma coisa.
Pequena. Com chifrinhos.
Parecia um monstrinho-demônio — mas fofinho, quase adorável — como um brinquedo esculpido em cerâmica.
— Que diabo é isso? — Perguntou Daniel, riu Mateus, se aproximando sem medo. — Deve ser só uma peça decorativa.
Mas Daniel, por algum motivo, sentiu um arrepio subir pela nuca.
Como se… a criatura estivesse olhando para ele.
Ele piscou.
Não se moveu.
Mateus, incrédulo, cutucou a redoma.
Nada aconteceu.
— Tá vendo? É só uma estátua. — Mateus deu de ombros. — Vou pegar água lá embaixo. Já volto.
Daniel ficou sozinho.
Silêncio.
O ar no sótão mudou. Ficou mais leve, vibrante… quase elétrico.
Então —
Toc-toc.
O som veio de dentro da redoma.
Daniel arregalou os olhos.
E a criaturinha levantou a cabeça, abriu um sorriso cínico e murmurou:
— Oi, humano.
Você demorou pra me encontrar.
A partir dali… a vida de Daniel nunca mais seria a mesma.
Daniel congelou.
Ele não sabia se deveria gritar, correr, rezar ou simplesmente apagar e fingir que nada daquilo estava acontecendo.
Mas a criatura dentro da redoma… abriu um sorrisinho preguiçoso. Como quem acorda de um cochilo delicioso.
Era pequena, vermelha, com chifrinhos tortos e olhos enormes — quase bonitos, de tão brilhantes.
Parecia uma mistura de diabinho de desenho animado com mascote de cereal infantil.
Uma gracinha.
Em teoria.
— Você… — Daniel apontou, gaguejando. — Você… você falou?
O demônio bocejou.
— Uhum. E você… você tremeu igual vara verde. — Ele riu, cruzando os bracinhos minúsculos. — Sério isso? Os humanos ficaram mais medrosos desde a última vez que vim?
Daniel engoliu em seco.
Medo não era exatamente a palavra certa.
Era mais… pânico, misturado com uma curiosidade que ele não queria admitir nem para si mesmo.
— O que… o que você é?
— Educado você não é — murmurou o demônio. — Eu falo primeiro, você pergunta depois. Regra básica da boa convivência interdimensional.
Ele se sentou dentro da redoma como se fosse um sofá confortável.
— Meu nome é Dante — disse, com um aceno teatral. — Mas não esse Dante que você conhece dos livros. O original. O verdadeiro. O que não deveria estar preso numa porcaria de vidro há duzentos anos!
Daniel piscou várias vezes.
— Você é… real?
— Não, eu sou uma alucinação coletiva causada por poeira com cafeína.
É claro que eu sou real! — Dante bateu no vidro com irritação. — E você é o primeiro humano com energia suficiente pra me ouvir em… sei lá, décadas.
Daniel respirou fundo, passo por passo tentando não enlouquecer.
— Mas por que eu?
Dante sorriu de lado.
— Porque você tem desejos fortes.
Daniel corou imediatamente — e o demônio abriu um sorriso malicioso, quase afiado.
— Ahhhh… então é desse tipo de vergonha — disse Dante, cruzando as perninhas. — Eu senti daqui. Como é mesmo o nome do moreno gostos—
— NÃO. — Daniel o interrompeu tão rápido que quase engasgou com o próprio ar. — Não fala disso!
Dante rolou os olhos.
— Você acha que eu precise perguntar o nome? A energia desse crush é tão forte que chega a feder aqui dentro. Se você tivesse um rabo, ele balançaria toda vez que o vê.
Daniel queria se enfiar dentro do assoalho.
Ele abriu a boca para negar, mas Dante o interrompeu:
— E antes que você tente mentir: eu sou um demônio, não um professor de matemática. Eu sinto as coisas.
E menino… você tá doido naquele atleta.
Daniel ficou vermelho do cabelo até a alma.
Dante continuou, animado:
— Inclusive, já que você me libertou…
— Eu te libertei?? — Daniel arregalou os olhos.
— Tecnicamente. Você me ouviu. Isso já rachou a primeira camada da redoma. — Ele bateu de novo no vidro e pequenas rachaduras apareceram. — Só preciso de um pouquinho mais.
— Mais?
— Um pouquinho só — Dante disse com um sorrisinho debochado. — Por isso eu queria te perguntar…
Ele se inclinou para frente.
— O que você mais deseja, Daniel?
O coração dele bateu mais forte.
Como se a pergunta tivesse abrido um portal dentro do peito.
— Eu… não sei.
Dante arqueou a sobrancelha.
— Ah, sabe sim.
— Não sei!!
— Sabe. — Dante deitou o rosto na mãozinha, como quem observa um passarinho tentar fugir da gaiola. — Vou facilitar: começa com R. Tão previsível.
Daniel respirou fundo, tentando manter a dignidade.
Mas Dante tinha razão.
Ele sabia.
E aquilo o assustava mais do que tudo.
Dante então deu um sorriso ainda maior — um sorriso que parecia brilhar.
— Vamos fazer assim: eu te ajudo com o moreno gostoso.
Daniel travou.
— O quê?
— Você ouviu. Eu te ajudo com o Robinson. Você fica com o cara. E eu ganho minha liberdade.
Simples.
Lindo.
E eficiente.
O mundo pareceu girar um pouco.
— Você pode… fazer isso?
— Meu amor — Dante bateu no peito minúsculo — eu sou um demônio dos desejos. Não um mágico de festa infantil.
Eu posso fazer qualquer coisa.
Só que tudo tem um preço.
Daniel sentiu o ar pesar.
E antes que ele pudesse perguntar qual era o preço…
A porta do sótão se abriu.
Mateus apareceu com uma garrafa d’água.
— Mano, que demora! Você tá falando sozinho? — perguntou rindo.
Daniel olhou pra redoma.
Dante estava imóvel.
Completamente estático.
Parecia uma estátua de novo.
Apenas os olhos — sutilmente — brilharam maliciosos.
“Pensa bem, humano”, a voz ecoou dentro da cabeça dele.
Suave. Tentadora.
“Eu posso te dar tudo o que você quer.”
CONTINUA...
