Acordei devagar, como se estivesse subindo de um sonho morno para a superfície lenta da manhã. Antes mesmo de abrir os olhos, senti o calor. Aquele calor confortável, quase pesado, que só existe quando alguém está colado na gente. Era uma sensação tão boa que, por um segundo inteiro, eu nem quis me mover. Só queria ficar ali, preso naquele intervalo perfeito entre o sono e a consciência.
Quando finalmente abri os olhos, dei de cara com o olhar dele.
Samuel estava deitado ao meu lado, apoiado no cotovelo, me observando com um sorriso malicioso que parecia nascer direto do canto da boca. Seus olhos tinham aquele brilho travesso que sempre aparecia quando ele estava prestes a dizer algo que ia me desmontar.
Ele se aproximou devagar, como se estivesse saboreando o momento, e me beijou. Um beijo quente, macio, que me despertou por completo. Senti meu corpo responder na hora, minhas mãos subindo por reflexo até o cabelo dele, puxando de leve, aproximando-o ainda mais. Era impossível não corresponder — meu peito já vibrava só com o toque da boca dele.
— Bom dia, meu amor — murmurou contra meu pescoço, enquanto depositava beijos lentos ali.
Um arrepio subiu pela minha coluna inteira.
— Bom dia — respondi baixo, quase sem voz.
Os beijos dele começaram suaves, mas em poucos segundos já tinham ganhado aquela intensidade que só ele tinha. Beijava como quem conhece cada ponto fraco meu. E conhecia mesmo. Sua língua encontrou a minha com precisão, urgência, como se me desejasse desde antes de eu abrir os olhos.
A mão dele deslizou pela lateral do meu corpo, quente, firme, explorando, apertando, acordando meus sentidos um por um. Senti meu corpo reagir tão rápido que mal reconheci a mim mesmo. O quarto ainda estava com a luz fraca da manhã — aquela claridade pálida que entra pelas frestas da cortina — mas mesmo assim parecia quente, íntimo, abafado de desejo.
Quando dei por mim, Samuel já tinha me puxado pelos braços com aquele jeito decidido dele e me virado devagar, até me colocar sobre ele. Meu peito em contato com o dele, a respiração quente subindo pelo meu rosto, o cheiro da pele dele me cercando. Ele beijou meu pescoço, depois meu peito, e cada toque era como uma onda quente correndo por dentro de mim.
E mesmo sem que nenhuma palavra explícita fosse dita, a tensão entre nós falava tudo.
Não era só desejo físico. Era a maneira como ele me segurava. Como me tocava com calma e fome ao mesmo tempo. Como se o corpo dele soubesse exatamente onde o meu pedia mais.
Eu desci lentamente, guiado pela própria vontade e pelo instinto que a presença dele despertava. Quando cheguei à cintura dele, pude sentir sua respiração travar, aquela pequena pausa que sempre entregava o quanto eu tinha poder sobre ele.
Automaticamente, desço minha boca até chegar em seu pau, que está tão duro que está quase rasgando a cueca.
"Samuel," sussurrei, minha voz carregada de desejo. Ele levantou a cabeça, um brilho travesso nos olhos, e assim eu comecei a chupar. Minha boca quente e úmida o levando à loucura. Minhas mãos agarram os lençóis, enquanto seu corpo se contorcia com cada movimento da minha língua.
Mas eu queria mais, eu queria sentir seu gosto, sua textura. Ele entendeu minha intenção.
Eu ia continuar, deixá-lo ainda mais à minha mercê, mas ele me segurou pelo braço e me puxou de volta, invertendo nossas posições com uma facilidade irritante — e viciante. Em um movimento único, suave, ele me deitou de costas na cama. Seus dedos percorreram a curva da minha cintura, depois descendo para minha coxa, abrindo espaço para ele entre minhas pernas.
Ele era fogo. Fogo que sabia que queimava.
— Sam... — murmurei, minha voz rouca de desejo — Eu quero você.
Samuel levantou a cabeça, um sorriso malicioso nos lábios.
— Você é tão gostoso, Yuri. Não aguento mais esperar. — Ele se moveu rapidamente, pegando o lubrificante e se preparando. Sinto seu dedo deslizar dentro de mim, me preparando, me deixando louco de desejo.
Ele se posicionou entre minhas pernas, seu pau duro e pulsante pressionando contra mim. Sinto-o empurrar devagar, entrando pouco a pouco, me deixando me ajustar. É uma sensação intensa, quase dolorosa, mas ao mesmo tempo, incrivelmente prazerosa.
— Relaxa, amor — ele sussurrou, beijando meu pescoço. — Deixa eu cuidar de você.
Ele começou a se mover, devagar no início, mas logo acelerando.
Cada estocada mais profunda e intensa.
Senti suas mãos em meus quadris me puxando para ele, cada movimento mais selvagem que o anterior.
— Ah, Samuel — gemi alto — fode com força!
Ele aumentou o ritmo, seus movimentos mais rápidos, mais profundos.
Sinto-me à beira do abismo, cada nervo do meu corpo em chamas.
— Mais forte, Samuel — implorei, minha voz rouca de desejo, meus olhos lacrimejando. — Eu quero mais.
Ele obedeceu, suas estocadas se tornaram mais intensas, mais selvagens. Sinto-o batendo em um ponto dentro de mim que me faz ver estrelas.
— Caralho, Yuri — ele gemeu, seu corpo se tensionando. — rebola pro teu macho.
Nossos corpos se encontram em um ritmo frenético, nossos gemidos preenchendo o quarto. Sinto suas mãos em meus quadris me puxando para ele, cada movimento mais selvagem que o anterior.
— Samuel! — grito, meu corpo se tensionando. - Eu vou...
Ele acelera seus movimentos.
Agora mais rápidos, mais profundos, e eu sinto-me explodir em um orgasmo intenso.
Meu corpo tremendo, cada músculo se contraindo.
Samuel segue logo atrás, seu corpo se tensionando, um gemido profundo escapando de seus lábios.
— Caralho, Yuri — ele diz ofegante com seu corpo ainda tremendo. — Isso foi incrível.
Quando finalmente relaxamos, ainda ofegantes, ficamos alguns segundos em silêncio, apenas ouvindo o ritmo dos nossos corações — o dele batendo rápido, quase grudado no meu peito.
Ele me olhou com aquele sorriso terno, inesperado, que só aparecia quando eu menos esperava.
— Eu te amo, Yuri. Mais do que tudo.
O ar pareceu mudar de densidade.
Eu fiquei quieto. Quieto demais. As palavras dele sempre vinham carregadas de algo que mexia comigo de um jeito que eu ainda não sabia nomear. E, ao invés de responder, eu o beijei. Um beijo curto, quase tímido, mas sincero.
— Acho melhor a gente levantar — murmurei, desviando o olhar logo depois. — Tô com medo de ter feito barulho demais.
Samuel riu baixinho, arqueando uma sobrancelha.
— Barulho demais? Amor… se alguém ouviu, pelo menos sabe que a gente se ama com intensidade.
Joguei o travesseiro nele. Ele fingiu levar o impacto, caiu pra trás rindo alto e depois me puxou de volta pelos braços, me sufocando num abraço exagerado.
— Levanta — disse ele entre risadas. — Se não, seu irmão vai bater na porta com a chinela.
Fomos pro banheiro. O vapor quente preencheu o espaço rápido, embaçando o espelho e abafando o mundo lá fora. Samuel lavava meu cabelo com uma delicadeza engraçada pra alguém tão impulsivo. Às vezes ele apertava minha cabeça demais só pra me provocar e ria quando eu reclamava.
Parecíamos dois moleques. Dois moleques perigosamente apaixonados, mas sem coragem de admitir a metade disso em voz alta.
Quando saímos, cada um só com uma toalha enrolada na cintura, a sensação era de que o dia ia ser leve. Colocamos uma roupa confortável entre beijos e risadas, tudo parecia leve.
Descemos as escadas e, assim que entramos na cozinha, a atmosfera pacífica evaporou.
Amanda estava sentada à mesa com sua xícara de café, mordendo os lábios numa tentativa fracassada de esconder um sorriso.
Erick… Erick encarava o celular como se aquilo fosse o último resquício de sanidade emocional dele.
— Bom dia — falei, fingindo normalidade.
Amanda ergueu os olhos, rindo antes mesmo de responder:
— Bom dia, Yuri… Samuel. Dormiram bem?
Samuel serviu café como se estivesse num comercial de margarina.
— Dormimos ótimo. E vocês?
Erick bateu a xícara na mesa, irritado.
— A casa inteira dormiu… ou tentou.
Eu senti minha alma sair do corpo.
— A gente… deixou a TV ligada — falei, mentindo mal.
Amanda gargalhou.
— Aham. E agora a TV geme, é?
Eu escondi o rosto nas mãos.
Samuel apertou meu ombro, divertidíssimo.
— A culpa é do Yuri. Ele é muito bom no que faz.
Erick tossiu o café.
Amanda segurou a mesa pra não cair de tanto rir.
Eu queria desaparecer.
E foi exatamente ali, naquele caos matinal, que a campainha tocou.
A campainha tocou no momento exato em que eu estava prestes a pedir que o chão me engolisse.
Erick, que era o mais próximo da porta, levantou com uma expressão de puro cansaço, como se cada acontecimento daquela manhã drenasse anos de vida dele.
— Yuri, teu amigo chegou! — ele gritou da sala.
Meu coração deu um salto imediato no peito. “Amigo”? Qual amigo a essa hora da manhã?
Mas assim que Robinho apareceu no vão da porta da cozinha, sorrindo daquele jeito largo e luminoso que sempre iluminava o ambiente inteiro, tudo fez sentido. Ele segurava uma garrafa de refrigerante numa mão e a mochila na outra, como se fosse um ritual já ensaiado entre nós dois.
— Achei que tivesse esquecido que hoje é sábado, doutor — disse ele, me olhando com aquele brilho divertido no olhar. — Vim cedo pra gente revisar a matéria e comer besteira como sempre.
Eu sorri meio torto, coçando a nuca.
— É… eu meio que esqueci mesmo.
Era impossível disfarçar. Eu estava nervoso. Muito. Meu corpo estava denunciando tudo — e Robinho era bom em perceber coisas.
Samuel, que até então parecia relaxado, retificou a postura. A mudança foi sutil, mas notável: ombros mais tensos, olhar fixo, mãos entrelaçadas de forma nada espontânea. O sorriso dele desapareceu como se tivesse sido desligado com um interruptor.
— E aí, Robinho — disse Samuel, cruzando os braços.
O cumprimento tinha um peso. Não era um oi qualquer. Era quase um aviso.
Robinho ergueu as sobrancelhas, dando aquele sorriso meio enviesado, meio debochado, que sempre denunciava que ele tinha mais perguntas do que respostas.
— Samuel. Que surpresa te ver aqui, hein.
— Dormi aqui. — Samuel respondeu direto, sem floreios.
Robinho abriu um sorriso que não chegou aos olhos.
— Dormiu? — repetiu, como quem experimenta a palavra. — Interessante… não sabia que você e o Yuri estavam tão próximos assim.
Samuel deu de ombros, como se estivesse apenas comentando o clima.
— Estamos. A gente tá junto agora.
A frase caiu na cozinha como uma janela quebrando.
O sorriso de Robinho evaporou. Ele piscou uma, duas, três vezes, como se estivesse tentando processar e não conseguisse.
— “Junto”? Tipo… namorando?
— Exatamente.
Samuel não hesitou nem por meio segundo. Ele falou com orgulho. Orgulho de verdade. Como se tivesse esperado pra dizer isso em voz alta.
Eu senti meu estômago virar.
Amanda congelou com a colher no ar.
Erick fez um “hum” descrente e cruzou os braços.
Robinho… Robinho parecia que tinha levado um soco no peito.
— Você tá brincando — ele soltou, rindo fraco. — Não, sério… vocês tão de sacanagem comigo, né?
— Robinho... — respondi, firme. — É verdade, a gente dormiu juntos pois saímos ontem e...
A expressão dele mudou de um susto contido para um incômodo profundo, quase doloroso. Ele encarou Samuel, depois me encarou de volta, e cada segundo dessa troca parecia aumentar a tensão no ar.
— Ah, ótimo. O galanteador da família agora resolveu brincar com o meu melhor amigo.
O clima, que já estava ruim, desceu mais um degrau.
Samuel mexeu o maxilar. Robinho cruzou os braços. Amanda olhou para a porta como se planejasse fugir.
— Brincar? — Samuel perguntou, voz baixa.
— É, brincar! — Robinho rebateu. — Porque eu te conheço, Samuel. Tu promete o céu, usa umas frases bonitas, mas você é um grande filho de uma puta que só brinca com os sentimentos dos outros.
— Caramba, Robinho… — murmurei, sentindo a tensão apertar o meu peito. — Que exagero é esse?
Ele riu, mas foi um riso quebrado.
— Exagero? Tu sabe o quanto eu me preocupo contigo, Yuri. E agora tu vai e se envolve com ele, justo com ele…
Amanda suspirou. Erick encarou a situação sério, como se tivesse avaliando tudo e quisesse se meter. Eu já sabia que a qualquer momento ele viria conversar comigo, seu espírito de proteção falava alto demais.
O clima estava pesando tanto que parecia que a cozinha estava ficando pequena.
Samuel manteve um tom surpreendentemente calmo.
— Eu entendo a tua preocupação, primo. Mas o Yuri sabe o que quer.
Robinho estreitou os olhos, estudando cada detalhe do meu rosto.
— Será? — ele disparou. — Ou será que ele tá só sendo enganado?
— Ei, chega — falei, firme. — O Samuel não tá me enganando.
Robinho riu, cansado.
— Claro. É sempre assim no começo.
Samuel respirou fundo, encarando-o.
— De onde eu tô, parece que tu não quer ver ele feliz com ninguém.
E aí rompeu.
— Porque eu gosto dele, porra! — Robinho explodiu.
O mundo congelou.
Amanda soltou um “meu Deus”.
Erick tossiu o café.
Eu perdi o ar.
Robinho parecia chocado com as próprias palavras, como se não tivesse planejado dizer aquilo. Seus olhos estavam úmidos, sua garganta apertada.
Quanto tempo eu quis escutar aquela frase? Eu já nem lembrava mais. Porque agora ele disse aquilo? Porque apenas quando eu achei alguém que gostava de mim de volta?
Durante anos da minha vida eu guardei meus sentimentos por meu melhor amigo e ele nada de retribuir. Eu me contentava com migalhas, com abraços.
— Eu gosto dele. Ele é meu melhor amigo, porra… — ele compeltou
Então era isso. Amigos. De novo a palavra amigos. Era só assim que ele me via.
Eu senti um peso nas costelas, uma sensação estranha. Mas afinal, o que eu esperava? A verdade é que sempre seríamos amigos. Apenas amigos. E quanto antes eu aceitasse isso, mais rápido eu seguiria minha vida.
Samuel estava completamente imóvel.
E eu, sem pensar, respondi:
— Já que você é meu amigo, deveria deixar eu ser feliz.
Foi cruel.
Foi sincero.
Foi desprotegido.
Robinho piscou, como se tivesse sido atingido. Abriu a boca, fechou, abriu de novo, mas nenhuma palavra saía.
— Feliz? — ele murmurou. — Tá… tá bom, Yuri.
Ele limpou as mãos na calça, tentando disfarçar o tremor.
Tentou sorrir, mas o sorriso saiu torto, triste, vencido.
— Tá beleza então. Desculpa aí o chilique. Foi feio.
Samuel cruzou os braços, mas não disse nada.
— Eu só… não queria que tu se machucasse, Yuri — continuou Robinho. — Eu tô tentando ser teu amigo.
Ele enfatizou amigo de um jeito que doeu.
Eu dei um passo em direção a ele.
— Robinho...
Ele levantou a mão rapidamente.
— De boa. Eu tô falando demais. Vim só pra gente estudar. Lembra?
A dor que ele tava segurando era tão grande que eu consegui sentir daqui.
Amanda respirou fundo, cansada.
Erick resmungou algo sobre “novela”.
E então Robinho disse:
— Sabe… pensando bem, acho que eu vou ter que ir agora.
— Mas... tu acabou de chegar. A gente ia estudar — respondi, porque foi a coisa mais automática que encontrei para dizer. A voz saiu trêmula.
Ele sorriu, mas era um sorriso de outra vida, curto, sem brilho. Não me olhou de frente.
— É, então... eu lembrei que tenho outro compromisso. Coisa besta, nada demais. Mas eu não posso mais ficar. — A frase parecia passada de mão em mão entre os dedos quando ele disse.
A sensação conhecida de alguém se afastando me apertou o peito. Eu me levantei quase sem pensar, os pés arrastando no piso frio, e estendi a mão como se pudesse segurar mais do que um braço.
—Robinho, tu não precisa ir — falei, tentando controlar o tremor. — Sério, fica. A gente conversa, resolve isso...
Ele balançou a cabeça, um movimento rápido que negava mais do que aceitava.
— Não, Yuri. Melhor assim. Depois a gente se fala, tá? De verdade.
Olhei pra Samuel por reflexo, esperando por alguma reação que me desse força — uma palavra a mais dele, um gesto que desmontasse o silêncio. Mas Samuel estava imóvel, o rosto fechado numa calma que não era alívio, era contenção. Pessoas acumulam tudo e a expressão se transforma em pedra; era isso que eu via nele.
— Robinho... — insisti, e pela primeira vez senti a urgência de implorar.
Ele me olhou então. O olhar dele cortou todo o ar da cozinha: era ao mesmo tempo pedido e desculpa.
— Eu prometo que a gente conversa depois — disse ele, e a promessa tremia na boca. — Só não agora. Agora eu... eu preciso ir.
A mochila parecia pesar mais que as coisas dentro. Ele ajeitou a alça num movimento nervoso, a mão fechando e abrindo antes de finalmente caminhar para a porta.
Samuel falou baixo, com um tom que tentava não ser mais cortante do que o necessário:
— Se é o melhor pra ti, vai lá então, primo.
A neutralidade forçada soou como um sinal verde para a partida, e Robinho nem respondeu. Deu um aceno curtíssimo, quase involuntário, e saiu. A porta fechou com um som que não foi violento, mas ecoou como se tivesse batido forte só dentro de mim.
Fiquei parado, olhando para a madeira, esperando um som, uma volta, qualquer coisa que dissesse que ele voltaria atrás. A cozinha continuava: o café esfriando em cima da mesa, a colher ainda apoiada no pires de Amanda, o rádio tocando baixinho uma notícia de rádio qualquer; tudo seguia, imune ao aperto que me roubou o ar.
Amanda colocou a mão na boca, tentando achar o tom que fosse consertar o que se rompera.
Erick exalou, um som que parecia segurar um sermão, mas ninguém pediu por sermão naquele momento. Samuel deixou escapar um suspiro que mais parecia fratura do que ar.
—Depois a gente se fala, Yuri — soprei para o vazio, mas mais pra mim do que pra qualquer um ali. A frase soou infantil, frágil, e eu percebi que a voz sumiu em algo que não tive coragem de nomear: medo.
Samuel se aproximou e pousou a mão no meu ombro. Não era um gesto grandioso. Era firme, pequeno, como se tentasse colar as coisas no lugar.
—Não deixa isso ficar maior do que já é — murmurou ele. — Respira.
Tentei fazer o que ele disse. Inspirei, expirei. O ar entrou raso demais, mas entrou. Robinho realmente tinha ido. A porta fechada era uma linha que agora eu precisava atravessar, sem mapa, sem sinal.
Sentei de volta à mesa como quem desarma e ao mesmo tempo aumenta o estrago: tocar na xícara, sentir o líquido ainda morno, tentar sorrir quando Amanda voltou a falar de coisas aleatórias, tipo bolo, que de repente pareciam a tentativa mais frágil do mundo de colar as coisas no riso.
Eu precisava ir. Levantei em automático. A ideia bateu tão clara quanto tola: Corri em direção a rua e agarrei a mochila dele. Eu precisava dizer tudo o que eu pensava. Seria dramático? Sim. Necessário? Talvez.
—Eu te acompanho — falei, antes mesmo de entender de onde vinha a coragem.
— Não precisa — respondeu ele, sem virar o rosto. — Deixa. Eu acho que... é melhor eu ir sozinho mesmo.
Aquelas palavras foram um soco em cheio na minha necessidade de ser visto. Ele continuou andando sem seque me olhar.
Fiquei parado olhando ele se afastar.
Quando ele estava longe, ele virou uma última vez, e os olhos dele encontraram os meus. Era um olhar cheio de coisas não ditas: culpa, ternura, vergonha, uma necessidade de distância que eu não pude remendar.
— Depois a gente se fala — falei baixo para mim mesmo.
E ele foi embora.
Entrei em casa.
A porta fechou devagar. O estalo foi pequeno, mas o som reverberou por um tempo que parecia o dia inteiro.
Pus a cabeça nas mãos e perdi o chão por uns segundos; a ausência do Robinho doía como uma ferida que eu soube abrir. Não era só meu coração ferido: era a percepção de que minhas escolhas — todas elas — tinham consequência, e que, por vezes, o preço vinha silencioso.
— Senta aqui comigo — disse Samuel, num tom manso que me arrancou do vulto do desespero.
Ele estava sentado no sofá da sala observando meu desespero e eu nem sequer tinha reparado nele ali.
Levantei e fui em direção ao sofá.
Sentei. Ele ficou em pé por um instante como quem toma coragem para dizer algo, mas depois de alguns segundos se sentou novamente.
Tão perto que senti o calor dele colado ao meu. Não era um gesto de posse. Era reparo. Era tentativa.
— Eu não queria ele saindo assim — confessei, porque era a única verdade que coube do meu peito naquele momento.
Samuel colocou o rosto perto do meu, tão próximo que pude ver as pequenas linhas que as manhãs deixam em volta dos olhos dele.
— Eu sei — murmurou ele. — Mas agora o que importa é você. A gente conserta depois.
A promessa era simples, até infantil de tão direta. Ainda assim, afundou em mim como tábua de salvação. Eu não sabia ao certo como consertar o que tinha quebrado com Robinho. Eu só sabia que, por alguns instantes, precisava do calor de quem tinha escolhido estar ali, de quem tinha me escolhido naquela cama e naquele riso matinal.
Eu fiquei sentado ali, imóvel, encarando o nada como se o nada pudesse devolver alguma coisa. Sentia a respiração curta, desconfortável, presa logo no começo do peito. Um nó apertado subia pela garganta, mas eu recusava deixá-lo sair. Não ali, não na frente de todo mundo.
Fiquei tanto tempo perdido em meus pensamentos que nem reparei que Amanda e Erick estavam na sala sentados em silêncio.
Amanda me observava com preocupação aberta no rosto. Ela sempre teve esse jeito protetor, o olhar doce que se enche de culpa mesmo quando ela não tem culpa nenhuma. O pano de prato estava parado nas mãos dela, enquanto ela mordia o canto do lábio — aquele gesto dela de quando quer falar algo, mas tem medo de falar demais.
Erick, por outro lado, mantinha uma expressão neutra. Mexia no celular com a atenção de quem não queria se meter, mas a forma como ele respirava fundo de vez em quando denunciava que ele estava ouvindo, sentindo, medindo tudo também.
Eu esfreguei o rosto com as duas mãos, tentando organizar alguma sensação que não doesse tanto. Não adiantou. A dor estava ali, inteira, teimosa, viva.
— Fica aqui comigo — disse Samuel, a voz baixa, quase rugindo de cuidado. — Só por um instante.
Assenti, mesmo sem acreditar muito que ficar ali fosse me ajudar. Mas a mão dele pousou novamente no meu ombro, como se me puxasse de volta à terra. Era quente, firme, e eu me dei conta de que tudo naquele momento estava quente demais — a pele, o ar, o peito, até a xícara de café que já devia estar fria parecia arder na mesa.
— Tu tá tremendo — ele sussurrou.
— Não tô — respondi rápido demais, o que só fez ele levantar uma sobrancelha.
Amanda largou o pano.
— Yuri… — começou ela, gentil, cuidadosa. — Não fica assim. Você e o Robinho sempre foram muito próximos. É normal ficarem desajustados quando as coisas mudam um pouco.
Eu respirei fundo, tentando absorver aquilo, mas doeu ainda mais. Eu queria que fosse simples assim. Queria que fosse só um “desajuste”. Mas conhecia o Robinho. Conhecia os silêncios dele. Quando ele se afastava assim, não era por nada pequeno. Era porque tinha coisa demais acumulada dentro. E isso me corroía.
— Ele não ficou chateado contigo — insistiu Amanda. — Ele só precisa de um tempo. Vocês conversam depois.
Quase ri — aquele riso curto, quebrado, que só aparece quando você está à beira de despencar.
Samuel percebeu. Ele caminhou até onde eu estava e se abaixou um pouco, tentando ficar na altura dos meus olhos.
— Olha pra mim.
Eu levantei devagar. O rosto dele estava perto, quase colado ao meu, e havia um calor ali que me puxava para dentro, mesmo quando eu tentava ficar de pé sem apoio.
— Tu quer ir atrás dele? — perguntou Samuel, direto.
A pergunta veio como uma fisgada. Eu abri a boca, mas não respondi.
Queria? Sim.
Devia? Não sei.
Podia? Menos ainda.
O coração dizia que sim, que eu devia correr atrás dele e explicar tudo, que eu devia segurar no braço dele antes de ele virar a esquina e dizer que eu nunca quis machucar ele.
Mas a razão, essa parte fria que insiste em existir mesmo quando ninguém pediu,dizia outra coisa:
O Robinho precisava de espaço.
De verdade, não só de palavras bonitas.
E, pior, uma parte de mim nem sabia o motivo dele fugir assim, e a dor dele agora estava estampada no meu peito.
Samuel aguardou. Ele sempre esperava, nunca pressionava. E isso me dava vontade de chorar ainda mais.
— Eu não sei — murmurei. — Eu só… eu só não queria que ele tivesse ido assim.
Samuel aproximou o rosto, devagar, procurando meu olhar como quem procura uma fresta de luz em janela fechada.
— A gente resolve — disse ele. — Mas não agora. Tu tá no meio da tempestade. E no olho da tempestade não se corre pra lugar nenhum.
A forma como ele colocou a mão na minha nuca foi suave demais, quase um carinho escondido, algo que só ele fazia daquele jeito. Eu fechei os olhos por um segundo e deixei a respiração encostar na pele dele.
Amanda pigarreou, mas não de um jeito desconfortável. Era só ela tentando aliviar o clima pesado que pairava.
— Alguém quer bolo? — ela disse, erguendo o prato como se aquilo fosse a solução mágica para todos os problemas da vida.
Erick finalmente largou o celular.
—Eu quero — respondeu, só para quebrar o silêncio.
Aquilo arrancou um sorriso mínimo de mim, daqueles que duram só meio segundo. Mas era algo.
Amanda foi até a cozinha, cortou um pedaço grande, colocou no prato e empurrou para perto de mim.
— Come um pouco, Yuri. Tu vai desmaiar só com esse café no estômago.
Eu olhei para o bolo. O cheiro doce subiu pelo ar, mas a minha fome não voltou. Ainda assim, peguei o garfo. Não porque eu quisesse comer, mas porque eu sabia que, se não comesse, ela ia continuar olhando para mim como se eu fosse quebrar no meio.
—Obrigado — falei baixo.
Ela sorriu, aliviada.
Enquanto eu tentava engolir a primeira garfada, Samuel continuou sentado ao meu lado, sem me deixar sozinho nem por um segundo. A mão dele ainda estava na minha nuca, descendo pelo ombro, um toque gentil que servia como âncora.
Olhei pro meu irmão que observava todos os movimentos de Erick como quem analisasse um Serial Killer no interrogatório.
—Eu vou mandar mensagem pra ele mais tarde — falei, mais para mim mesmo do que para eles.
— Faz isso — disse Erick cortando algo que Samuel ameaçou dizer.
Fiquei olhando a mesa, o bolo pela metade, a xícara pela metade, as coisas pela metade. E eu, no meio disso tudo, também me sentia pela metade.
A verdade era uma só:
Por mais que Samuel estivesse ali, sólido, presente, caloroso…
Por mais que o toque dele aquecesse tudo…
Por mais que eu quisesse manter os pés firmes…
…uma parte de mim ainda sangrava pela porta que tinha se fechado.
E eu não fazia ideia de como esse corte iria cicatrizar.