5
Com a rescisão de cinco anos de serviços prestados ao Shopping Center de minha cidade natal, eu compraria uma cama e um guarda-roupas. Mas por hora me viraria com o colchonete que Diogo trouxe debaixo do braço. Meu colega de residência e senhorio (que palavra antiga), jogou o colchão no chão.
- Esse cheiro... - falei.
Ele ouviu e coçou a cabeça como um chimpanzé. Diogo apontou para o colchão como para um amigo de longa data.
- Velho de guerra, se é que me entende? - sorriu. - Mas de dormir mesmo, ele foi pouco usado, garanto.
"Nossa que alívio!" pensei irônico "miserável! devia usar esse colchonete como motel", ele lutou com o nó do cordão que amarrava o colchão num rolinho, agradeci a mim mesmo por ter trazido alguns lençóis de estimação, cheirando a amaciante.
Diogo ficou em pé, e mais uma vez atacou uma mãozada no meu ombro. "Mão de ponteiro de vólei é pesada!", eu nunca havia sentido, "agora sei o que a bola passa!". Em todos os cantos da casa havia alguma informação sobre a vida de atleta, medalhas, quadros, havia uma arte na parede da sala envolvendo vólei.
- Nossa Diogo, coitada das meninas - lamentei olhando para o colchão.
Eu agachei ao lado do colchão aproximei meu rosto. Cheirava a suor depois de secar na poeira, uma mistura lamentável que pedia sol!
- Esse apê, era um abatedouro, - ele riu, pavão. - Esse aí, é do tempo das onças!
Diogo esfregou as mão com um barulho de lixas. Ele olhava minhas malas abertas.
- Bom mesmo seria colocar no sol – murmurei.
Eu estiquei os lençóis com cheiro de amaciante, amenizando o cheiro de macho impregnado a espuma.
Diogo se apoiava no calcanhar com um dos cotovelos na coxa, ele sorria olhando para meu urso de pelúcia.
- Ei, não mexa nisso...!
Avancei em direção ao urso, ele ergueu os braços na altura dos ombros. Só então notei que eu engatinhava de quatro e ele na minha frente de cocoras. O cheiro do colchão era seu, com certeza, minhas bochechas ardiam.
- Cara, você dorme com isso? - ele brincou. - Espera, isso é um pokemon?
Eu sacudi a cabeça espantando pensamentos iguais a mosquitos. Ele soltou o urso na minha mão.
- Ah, que idade você tem? - Eu disse ofendido. - Isso é um Digimon, há uma diferença enorme - esbravejei.
Fui me sentar no colchão mas o cheiro acendeu um calor no meu pescoço e peito. Eu levantei abraçando meu dragão com a camurça mais para laranja que amarela. Um dos infernos de gostar de homem é que até a voz grossa arrastada, excita a gay dentro de nós, ainda mais depois de um período de seca.
- Nunca fui muito ligado nessas paradas, - ele sacudiu-se.
- Que calor... - reclamei.
Eu precisava sair um pouco daquele quarto, pensei, me abanando com o urso.
Fomos em direção a sala eu ainda segurava o Digimon entre os braços sentindo o cheirinho doce do meu perfume na cabecinha dele. Ouvi os estalos dos ossos de Diogo erguendo-se, alongando-se, num arfar de relaxamento, "ou tédio, logo atrás de mim.
6
Enfim, desci pelo elevador a primeira vez.
Elio dormia sobre um jornal no balcão de mármore da recepção, um cachorro dormindo faz menos barulho. Uma brisa saudou-me assim que pisei no passeio.
"Desconfiança", só isso explicava Diogo não me passar a chave. Mas compreendia. Eu estava há apenas um dia na casa dele. Respirei fundo ao ver a fila de gente no ponto de ônibus.
- Ei! Ei! - ouvi.
Não reconhecia a voz, " não deve ser comigo".
Eu girei feito peru apertando os olhos para localizar quem chamava. A visão, confesso, recompensou a labirintite. Diogo vinha correndo em minha direção, peito nu, calçava tênis, short e uma mochila nas costas.
Assim, pigando suor, cheirava mais ao colchão, no qual demorei a pegar no sono na noite anterior. Diogo apoiou as mãos na cintura.
- Olá atleta, - falei sorrindo.
- Vai onde? - Diogo perguntou.
Eu apontei para o ônibus partindo naquele exato instante.
- Ao campus - mostrei o envelope. - Preciso entregar a documentação. Precisam dos originais...
Diogo pousou a pá que tinha no lugar da mão em cima do meu ombro.
- Eu desço num minuto e te levo, - ofereceu. - Aproveitamos e fazemos a sua chave.
“Ele ler os pensamentos…”, sorri olhando de canto, o ônibus que eu pegaria, passou por nós logo em seguida.
- Puxa não quero incomodar... - falei.
Coisas óbvias mas as vezes realmente achava que Diogo possuía algum tipo de vidência. Ou minhas caretas, revelavam mais do que eu supunha?
- Bobagem, - ele puxou a garrafa de água do lado direito da mochila e esguichou no rosto. - Vou sentir falta disso...
A água desceu pelo peitoral molhando um pouco o short.
Eu passei a língua pelos lábios numa atitude de reflexo. Ele esfregou a cabeça e o rosto com a camisa que puxou do cós do short. Diogo sorriu com a camisa no ombro e caminhou atravessando a rua.
- Te espero aqui então, - falei.
Usei a mão para me abanar "que prova de fogo!", pensei. Ele não fez para provocar. "Diogo é hetero, e comprometido...", voltei a olhar em sua direção e ainda vi parte das costas "mas um hetero gostoso... inferno!"