Olá. Aqui quem fala é a Vivian. Vocês devem me conhecer pelas histórias que leram sobre mim. Não me cabe falar mais de mim... Acho que o Fernando falou tudo. Tudo mesmo, né... Talvez ele tenha omitido alguns detalhes que são muito importantes. Eu vou tentar por as coisas aqui mas me perdoem se houver falha ou esquecimento. Eu ainda tô muito abalada com o que aconteceu mas vou retomar a história dele. Então vamos lá...
Minha vida como casal começou cedo mas não posso reclamar. Achei o amor da minha vida quando eu era adolescente e tive a sorte de ser recíproco. Eu acho que a sorte mesmo foi que era real. Nando era lindo e não era só beleza física. Sempre teve corpo de atleta por causa da capoeira e mesmo sendo grande e intimidador, sempre escolheu ser gentil. Odiava brigas desde sempre mas não fugia delas.Ele tinha uma síndrome de superherói que não podia ver ninguém apanhando covardemente que ele corria pra defender. Era fácil se apaixonar por ele. Mais ainda amá-lo.
Pode ser difícil de acreditar mas entendi a natureza dos meus sentimentos por ele no primeiro beijo. Ali. Naquele dia. Eu sabia que ele seria só meu e eu com certeza seria só dele. As coisas se encaixavam. Parecia correto estarmos juntos. Ele amava meus pais e eu amava a mãe dele. A relação sempre foi simbiótica. Nunca estive c... Bem... Nando foi o único homem que amei de verdade.tivemos alguma ajuda, é verdade. Alguns meninos do movimento mexiam comigo, me deixando constrangida mas Cirilo tratou de colocá-los no lugar deles bem rápido. Ele dizia que nós 3 éramos o orgulho da comunidade e que um dia faríamos coisas fantásticas. É estranho pensar nisso agora, mas ele sempre foi mais inteligente do que aparentava.
Jorge... Eu o amava. Com todos meus coração. Já entrei em muitas brigas por ele. Jamais deixaria que maltratassem meu irmãozinho. Foi uma surpresa das mais desagradáveis quando ele veio se declarar pra mim pouco depois de Fernando sair daqui. Eu ainda o sentia dentro de mim quando Jorge disse que me amava e que queria ficar comigo. Eu o dispensei delicadamente. Eu nunca nutri ou mesmo incentivei qualquer coisa além desse amor de irmão. Isso causou mais confusão ainda pra entender como as coisas aconteceram desse jeito. Então depois de um tempo... Aquilo começou a acontecer culminando no que vocês já sabem...
Minha maior decepção à época foi ver Nando enquanto... Jorge... Como ele pode pensar que eu faria aquilo com ele? Como ele podê ir embora e não me ajudar? Assim que tive tempo corri pros meus pais. Contei a eles e disse que queria ir embora. Não queria ver mais nenhum dos dois. Meu pai foi tirar satisfação com o pai de Jorge e, quando ele debochou da situação, meu pai bateu nele com um pedaço de madeira. Depois disso, fomos embora pra Minas. E foi a melhor coisa que podíamos fazer naquele momento.eu só chorava. Tinha raiva do Jorge e do Nando também. Mas o pior estava por vir.
Os enjoos começaram logo. A sonolência e a fome ligaram o alerta pra minha mãe que me fez fazer o exame e constatou sua suspeita e me deixou chocada: eu estava grávida. Ambas choramos abraçadas por horas. Meu pai ficou desesperado. Não porque pensava em tirar. Isso não passou pela cabeça de ninguém em nenhum momento mas pensou muito em como criar Uma crianca que era fruto de violência. Eu não mataria aquele serzinho inocente e mesmo me causando problemas, eu fiquei com ele.
Não foi fácil. E... Eu não me orgulho mas tentei... Enfim. Eu tentei. Meus pais conseguiram uma psicóloga que me ajudou muito. Eu tive muitas crises ao longo desse tempo e meu filho é um vencedor por ter sobrevivido a toda essa turbulência. Tadinho do meu pai... Tinha dias que eu não queria olhar pra ele. A lembrança me magoava. Dos dois. Tinha pesadelos recorrentes com Jorge e pensava sempre em Fernando. Por que tinha me abandonado, por que tinha fugido... Demorei muito a entender a ótica dele. Ele amava o Jorge assim como eu. Nunca pensaria que ele faria uma coisa dessas então a única solução viável era que nós estivéssemos tendo um caso. Me culpei por isso. Muito. Se eu tivesse dito desde a primeira vez que Jorge se aproximou, não teríamos sequer nos separado.
O tempo passou, eu melhorei consideravelmente mas não queria voltar pro rio. Não tinha mais nada pra mim aqui. Pensei em dar aulas pra crianças, fazer qualquer coisa. Ia me ajeitar por lá mesmo com a ajuda dos meus pais e minha irmã mas só depois que meu filho estivesse crescido o bastante para que eu alimentá-lo com suplementos e comida. Eu batizei meu filho com o nome do Fernando. Não era só porque eu ainda o amava. Fernando é o melhor homem que já conheci e... A dúvida que me consumia, eu queria que meu filho tivesse o nome de quem eu queria que fosse o pai.
Nandinho cresceu bem. Saudável e sorridente, todos nós apaixonamos. Meu filho realmente é especial. Sempre foi uma criança adorável. Ele me ajudou mais do que sonha ou ficará sabendo mas eu serei sempre muito grata a ele. No pior das minhas crises, foi a visão dele que me esteve. Mas uma delas foi mais forte. Passei o dia aérea e... Ensinando Julia a cuidar do meu filho. Ajudando namãe e me desculpando com papai. No fim da noite fui pra perto do açude. Ninguém veria... E então ele apareceu, como em um sonho.
E como em um sonho, a gente pouco se falou. Nossos corpos sentiam falta um do outro, nossas bocas tinham um sabor de saudade. Aquilo não foi sexo. Foi... Entrega... Comunhão... Retomada... Amor. Eram muitos sentimentos mas nenhum deles era ruim. Aquela noite... Tá gravada na minha memória até o fim da minha vida porque foi o dia em que ele me salvou. Parecia que naquele momento, tudo que me havia acontecido estava pra trás. Que tudo estava e ficaria bem. Nunca existiu ou existirá um lugar como os braços dele, onde eu me sentia infinitamente amada e segura.
Contei tudo a ele. Embaixo daquela árvore ele chorou como criança ao achar que tinha falhado comigo quando na verdade a única falha dele foi acreditar que o amigo não seria capaz de um ato tão hediondo. Achou que ambos o tivessem traído. Logo eu, completamente devotada a ele. É estranho pensar que, no momento que ficamos juntos, minha cabeça e meu coração se acalmaram. Esse é o poder dele sobre mim. Ele é meu lar. Eu nunca pude culpá-lo... Ele nunca duvidou de mim mas ver as duas pessoas que ele mais se importava... Destruiu ele também... Enfim...
Ficamos juntos mas ele ainda não sabia da metade. Ele parecia o mesmo Fernando de sempre. Era como se nosso relacionamento nunca tivesse sido interrompido. Ainda sim, quando ele sumiu depois de conhecer Nandinho, meu coração pesou de novo aquilo parecia um sonho distante. Minha mente brincando com o que poderia ter sido minha vida dormi chorando aquela noite, agarrada a meu filho. No dia seguinte, acordei com a gritaria de minha irmã e o vi. Ele queria conversar. Endureci meu coração o máximo que pude mas aquela confusão com o nome dos meus grandes amores involuntáriamente me arrancou um sorriso. E fomos conversar.
Vocês já se sentiram verdadeiramente amados? Já tiveram a oportunidade de ver o amor que sentem por você materializado? Colocado em palavras? Eu tive. Naquela conversa. Fernando me queria. Ele queria retomar de onde paramos. Ele queria ser pai do meu-do nosso filho. E ele nunca pediu nada em troca além da minha felicidade. E quando me levou pra casa dele e me mostrou tudo, inclusive que a casa era minha também, eu fiquei maravilhada. Meu amor todinho... Inquestionavelmente. Indubitavelmente. Eu nunca amarei outro homem como amei Fernando.
Rever as meninas foi, ao mesmo tempo, uma delícia e uma dor. Tive noção de quanto me faziam falta quando nos abraçanos. Elas me olhavam com olhos inquisidores mas nunca me perguntavam nada. Voltamos a ser um grupo muito unido e elas gostaram de me ver de novo como antes, sorridente, feliz. Coisas que só o Nando podia me dar. Bia é completamente louca pelo Nandinho e ele é por ela. Adoro vê-los juntos! E Adriana acabou ficando muito amiga de Nando. Os dois tinham uma sinergia estranha mas muito boa. Confesso que tive um pouco de ciúmes.
Minha primeira crise com ele foi... Desconcertante. Nando sempre foi um amante que me destruía. Ele era bom. Arrancava meus orgasmos e sabia ler meu corpo. Quando era amor, ele era carinhoso, calmo, gentil. Quando era sexo, ele me dominava, mandava. E eu gozava horrores. Em uma delas ele me pegou com força e senti meus músculos enrijecerem. Naquele momento, um filme de terror começou a passar na minha cabeça. Ele rasgou minha calcinha e apertou minha cabeça contra o encosto. Ele era maior e mais forte e eu tava de novo indefesa... Vocês leram, não leram? Não quero revisitar isso mas viram que ele cuidou de mim. Como sempre.
Depois ele conheceu Felipe e Duda. Eles são um casal... Complicado. Felipe é poderoso, firme. Seus olhos carregam uma força que subjugava quem ele quisesse. Tinha um sorriso torto sedutor e enigmático. Não vou mentir. Ele mexia comigo. Mas de um jeito estranho. Olhar pra ele era ver o Nando em um futuro. Se fossem irmãos não seriam tão parecidos. Ainda sim, ele parecia uma criança perto da Duda. Ela é uma das minhas melhores amigas mas já quis matá-la. Eu vi o que ela fazia com Nando. Tivemos uma das melhores transas por causa dela. Ela parecia querer devorar meu marido mas depois esse foco virou pra mim e eu demorei muito a entender que era o jeito dela de implicar. Ainda sim, ela é uma das melhores pessoas que eu conheço. Aprendi muito com ela.
Muita coisa aconteceu depois disso. E eu só vim aqui pra falar da morte do meu marido.
Eu vi tudo. Eu estava abrindo a porta quando escutei a aceleração crescente da moto. Olhei para trás e Fernando estava nos olhando com uma paz e serenidade nos olhos que há muito eu não o via. Um sorriso tímido dançou nos meus lábios enquanto nós olhávamos. Eram muitas mensagens naquela troca de olhares. Muitas promessas. Finalmente poderíamos criar nosso filho. NOSSO FILHO! Ele nunca quis saber mas isso sempre me corroeu por dentro. E a mãe dele mostrando o sinal de nascença foi uma grande presente. Nandinho brincava com meus cabelos quando escutei os tiros. Dois. Explosões secas, sem eco. Eu me abaixei sobre nosso filho enquanto a moto se afastava rapidamente. E então eu vi.
Nando ainda me olhava de pé mas seu corpo fraquejava. A camisa lavada de sangue no peito e no abdômen. Eu gritei. Gritei tão alto que alguns vizinhos apareceram e logo havia um monte de curiosos. Eu estranhamente, apesar da histeria, consegui ligar pro 190 e mais sorte ainda, a ambulância chegou rápido. Eu estava sentada no chão, com a cabeça do meu marido em meu colo e Nandinho em meus braços. Logo a equipe de remoção chegou. Nós colocaram na ambulância e fomos pra um bom hospital aqui da zona norte. Eu fiquei muito perdida e liguei pra quem podia nos ajudar. Logo Felipe, Duda, Mario, Lívia, Bia e Adriana. Todos estavam lá.
Bia logo pegou Nandinho, que não parava de chorar, e foi embora com ele em seus braços. Felipe foi pra direção do hospital com Mario, ficando somente as meninas ali. Eu não parava de chorar. Queria meu marido de volta. Queria viver com ele finalmente em paz, curtir os problemas do dia a dia. As meninas me afagavam enquanto meu Nando lutava e perdia a luta pela vida dentro daquela sala de cirurgia. Sentia meu peito apertar. Via a movimentação dentro do salão. Um corre corre lá dentro que só me deixou mais angustiada. Eu escutei a voz dele. Um sussurro. Um “eu te amo” e ali eu soube que ele havia morrido. Eu berrava na recepção, as meninas me seguravam pra que eu não entrasse na sala. Comecei a chamar por ele, dizia que ele não podia me deixar, e berrei a notícia que daria a ele naquela noite: eu estava grávida.
Foi assim que Nando morreu.
Por cinco minutos eu fui viúva. Depois eu soube que os médicos já haviam dado o óbito. Disseram que um dos médicos Chorava junto a anestesista por sentir o desespero na minha voz rouca. Pouco antes de desligar as máquinas, houve um batimento. E depois outro. E mais outro. E assim foi os médicos correram e conseguiram salvar meu marido. Enquanto isso, eu me debulhava em lagrimasdo lado de fora, amparada por todos nossos amigos. Até então, a informação da volta de Nando não tinha sido notificada então a assistente social veio nos dar a notícia. Nesse ponto, Duda chorava abraçada comigo enquanto Felipe amparavam as duas. Mario e Lívia choravam baixinho resignados. Adriana alisava os braços totalmente desconfortável.
Todos tentavam me consolar e eu só aguardava que me chamassem para vê-lo uma última vez até que o médico veio a recepção e disse que eu não poderia visitá-lo. Que o estado dele era delicado mas que já não tinha risco de morte. Todos se olharam sem entender nada mas aí o médico explicou tudo que acabei de lhes contar. Eu precisava vê-lo. Implorei ao médico e ele se compadeceu, me dando um breve momento para que eu ao menos pudesse tocá-lo. Eu fui. E o toquei e aquilo não era um sonho. Meu amor, meu amigo, estava vivo. Chorei baixinho enquanto meus dedos tocavam o interior de sua mão.
Daí pra frente nossa vida foi bem louca. Felipe ficou em cima por quase um mês. Eu dormia todo dia no hospital e ainda sim ia pra escola de dança. Duda me obrigava e Adriana ia me buscar sempre. Diziam que eu precisava fazer algo pra desanuviar e enquanto estava com ela eu ria e relaxava um pouco. Meu filho crescia e sentia falta do pai, o procurando sempre. Felipe e Mario o visitavam constantemente no hospital. Foi através deles que soube que quem fez o atentado ao Nando foi o pai de Jorge. Fernando falou que não precisava mais me preocupar com nenhum dos dois e isso me causou um frio na espinha.
Passou-se um mês até que acordei com alguém apertando minha mão. Estava tão cansada que achei que fosse Nandinho, tão fraco era o aperto. Demorei a perceber que era Nando acordando. Nossa! Como eu fui feliz aquele dia eu gritava e chorava dentro do quarto e médicos e enfermeiras vieram ver. Eu não o tocava com medo de machuca-lo mas não tirava os olhos dele até ser posta pra fora do quarto. Liguei pra todo mundo e em pouco tempo todos estavam no hospital. Depois de quase 2 horas foi permitida nossa entrada. E todos ficaram muito felizes ao verem Nando recostado na cama, sem os tudos e sem os aparatos.
Não vou falar como foi a recuperação, bastando voces saberem que foi cansativo, extenuante, sacrificante. Felizmente fizemos ótimos amigos que nos ajudaram em tudo que podiam. Logo Nando voltou ao trabalho e eu também. Apesar de descrever o período de recuperação como algo horrível, nunca estivemos tão sintonizados. E era lindo vê-lo todo quebrado mas preocupado comigo e Amaya. Amaya. Nossa filha. Linda. Que pai babão que Fernando se tornou... E farei um desabafo! Eu acho um absurdo eu carregar essa menina 9 meses pra quando nascer sair a cara do pai! Ela não tem nada meu! Felizmente meu amor é lindo! As coisas se acertaram e finalmente temos paz e vivemos bem.
Essa é nossa história. Isso poderia ter acabado muito mal em vários momentos mas tudo deu certo porque nós amamos, nos respeitamos e nós priorizamos. Mesmo quando senti ciúmes da Duda, nunca duvidei que ele jamais me trairia. Mesmo tendo visto o que viu, ele quis a mim. A nossa vida. A nosso filho mesmo antes de saber que era dele. Não sei se mereço tudo isso mas vou lutar sempre por ele e por nós.
Eu vou me despedir aqui e me desculpem se não fui tão boa em dizer as coisas como meu marido mas acho que vocês mereciam um encerramento. E agora me dêem licença porque estamos indo no meu restaurante favorito porque ele não sabe ainda mas será pai de novo... Beijos! FIM.
