Agora, compreenderás de uma vez por todas

Um conto erótico de Leandro Gomes
Categoria: Homossexual
Contém 1029 palavras
Data: 09/12/2025 23:29:29

07 de abril, A.D. XLVI

Foi numa noite comum, ou tão comum quanto podiam ser aquelas que passávamos entre desejo e vigilância silenciosa. Fizemos amor lentamente e apaixonadamente, como se naquela união morasse algum tipo de trégua — uma pausa breve para tudo o que nos rondava. Meu quarto estava quente, nossos corpos ainda entrelaçados e suados, a respiração se acalmando, mas os nossos membros ainda se erguiam.

Então a presença veio.

Não como nos outros dias. Não como uma sombra quieta ou um olhar invisível. Veio como uma onda densa, esmagadora, que me fez prender o ar. O nevoeiro não estava lá, mas parecia que o mundo inteiro se condensava ao nosso redor. Caius ergueu o rosto, percebendo minha súbita tensão.

“Varro… o que é isso?” — Sua voz era baixa, mas firme; a voz de um homem que encara batalhas sem hesitar.

Eu não respondi. Porque eu sabia. Eu sabia antes mesmo que a lamparina tremesse. Antes mesmo que o vento — que não deveria existir dentro dos meus aposentos — soprasse uma única brisa gelada sobre nossa pele quente.

O vampiro estava ali. Não como presença. Mas em corpo. O canto do quarto escureceu. Não como sombra projetada, mas como se a própria escuridão tivesse decidido tomar forma. E então ele surgiu. Não andou. Não moveu coisa alguma. Não abriu caminho. Ele simplesmente estava, como se tivesse sido moldado pelo próprio tecido da noite. Sua aparência estava diferente, com a pele demasiadamente enrugada, ressequida e acinzentada, sem aquela beleza que me encantou no início. E o cheiro que tomou conta do ambiente, e vinha dele, era de podridão e morte.

Caius se levantou, instintivamente movendo-se para me proteger, mesmo nu, mesmo despreparado. Eu quis detê-lo — por medo, por amor — mas era tarde. O vampiro observou a cena com olhos insondáveis, frios como metal. E então, sem palavra, sem hesitação, avançou. O movimento foi rápido demais para que eu pudesse compreender, mas lento o bastante para que eu jamais o esqueça. A mão dele atingiu o peito de Caius com um impacto seco, profundo — um som que pareceu ecoar em todo o meu corpo. A lamparina apagou no mesmo instante, como se o ar se retirasse dela em pânico. O resto do ataque ocorreu no escuro.

Não vi o que ele fez. Mas ouvi a voz abafada de Caius, e depois um som horrível de algo se partindo, seguido de um silêncio pesado, final. O corpo dele foi jogado sobre o meu, ainda quente, ainda vivo por um breve instante. A mão dele tentou agarrar meu braço… mas falhou. Eu o segurei nos braços, apavorado, incapaz de entender como tudo tinha acontecido tão rápido. Sua cabeça recaiu sobre meu peito. Nossos olhares se encontraram pela última vez. Havia desespero em seus olhos, um sentimento de impotência em não poder me proteger. Eu o beijei e apenas movi os lábios dizendo que o amava. Então, ele deu um sorriso tímido e desfaleceu. O peso dele aumentando a cada segundo, até tornar-se insustentável.

Quando ergui os olhos, Valek estava diante de mim. Quieto. Imóvel. Como se aguardasse meu olhar. Não havia raiva em sua expressão. Havia outra coisa, bem pior: posse.

“Varro.” - Meu nome soou como sentença.

Ele deu um passo à frente. Eu saí da cama e recuei sem perceber — mas minhas costas encontraram a parede do quarto. Não havia para onde fugir.

“Pensaste que podias entregar teu corpo… tua paixão… teu fogo… a outro?” - Sua voz não era alta. Mas ressoava forte em mim e me rasgava por dentro.

Eu queria gritar com ele. Queria atacá-lo. Queria implorar que trouxesse Caius de volta. Mas nada saiu da minha boca. O vampiro ajoelhou-se diante de mim — gesto estranho, íntimo, terrível. Depois, levantou-se e tocou o meu queixo com o mesmo cuidado com que tocaria uma coisa frágil.

“Eu te observei.”

Seu toque percorreu meu rosto, descendo até meu pescoço, onde a pele ainda carregava as marcas dele.

“Por dois meses. Todas as noites.”

Engoli em seco. Ele aproximou o rosto, a respiração fria tocando minha pele quente, marcada pelo amor recém-interrompido.

“Assisti a cada instante que te entregaste a esse homem.”

Fechou os olhos por um segundo — não em dor, mas como se saboreasse uma imagem.

“E cada uma dessas noites… ainda eras meu.”

Algo dentro de mim se rompeu. Não apenas pelo horror da morte de Caius, mas pela verdade da qual não podia escapar — aquela que eu evitara durante todo aquele tempo: eu nunca estivera livre dele. Nunca.

O vampiro tomou meu rosto entre as mãos, firme demais para que eu escapasse, suave demais para que eu não cedesse.

“Agora não haverá mais interrupções.”

E então seus lábios encontraram os meus — quentes, profundos, inevitáveis. O choque, a dor, o pânico, o desejo reprimido durante noites inteiras… tudo se misturou. Meu corpo reagiu antes que minha mente pudesse compreender. E ele me envolveu, guiando, dominando, como se quisesse apagar a memória de Caius antes mesmo que ela se formasse completamente. Ele me tomou e me penetrou com voracidade e paixão avassaladora que culminaram em um prazer intenso. E, então ofereci meu pescoço a ele como se isso fosse intrínseco ao ato sexual. Segundos antes de perder os sentidos, eu pude ver sua forma retornar como antes com toda a beleza, jovialidade e sensualidade que possuía.

A escuridão, o frio da presença dele, o calor da minha pele — tudo se confundiu. E eu cedi. Não por vontade. Não por escolha. Mas porque naquele instante, cercado por morte, luto e a força esmagadora daquele ser, não havia mais parte de mim capaz de resistir.

Quando a noite terminou, eu estava deitado, exausto, com o corpo ainda trêmulo e o espírito quebrado — dividido entre a dor pela perda de Caius e a febre ardente que o vampiro deixara em mim. Ele permaneceu ali, observando-me com calma cruel.

“Agora, Varro… compreenderás de uma vez por todas.”

E então ele se levantou e foi até a porta, a qual se lhe abriu sozinha, e se foi, deixando-me entre a morte e o desejo, entre o horror e a entrega — entre o homem que amei e o ser que me possuía.

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