Entre Irmãos - A Festa na Escola

Da série Entre Irmãos
Um conto erótico de Mateus
Categoria: Gay
Contém 2088 palavras
Data: 12/12/2025 21:33:04
Última revisão: 12/12/2025 22:02:50
Assuntos: Beijo, Festa, Gay, Paixão

Júlia não demorou a notar o que ninguém jamais desconfiaria.

Primeiro, foi a atenção: Heitor dava mais olhares a mim do que a qualquer amigo.

Depois, o silêncio: quando eu chegava, Heitor largava tudo e Júlia viu isso.

Depois, a proximidade: nós sentávamos lado a lado no sofá de um jeito… confortável demais.

E o pior: eu parecia… diferente.

Menos receptivo ao jeito meigo e carinhoso com que ela sempre tentava se aproximar de mim. Ela não sentia ciúme maldoso, ela jamais seria cruel com o irmão mais velho, que era seu favorito. Mas sentia algo parecido com perda.

Perda de espaço. Perda de protagonismo. Perda da minha atenção, que ela queria para si, talvez por paixão, talvez por carência, talvez por idealização… talvez por tudo isso junto.

Foi numa festa da escola, uma daquelas noites cheias de barulho e luz, que a situação finalmente estourou. A festa estava mais cheia do que eu esperava. Brilhos coloridos, música alta, adolescentes rindo alto, professores fingindo que não estavam vendo nada, o cenário típico de um evento escolar que fingia ser comportado, mas estava a um passo do caos.

Eu cheguei sozinho. Sabia que Júlia estaria lá. Sabia que provavelmente iria me procurar. E, ainda assim, sentia o coração atravessado por outras preocupações, pelo que tinha vivido com Heitor, pelo laço crescente entre nós, pela sensação que me consumia desde o dia no quarto.

Mas a festa era barulhenta o suficiente para anestesiar meus pensamentos. Júlia me procurou assim que me viu chegar. Estava linda, cabelo preso de um jeito arrumado, vestido leve, sorriso doce, mas havia algo aflito no olhar.

Quando Júlia me viu, foi como se o salão inteiro tivesse se apagado. Ela veio direto até mim, sorrindo com aquela doçura ensaiada que todo mundo elogiava.

— Você demorou — disse ela, segurando o meu braço como se eu já fosse dela.

Eu sorri de volta, meio encabulado, meio tomado pelo ambiente, meio buscando se distrair daquela confusão interna que eu carregava.

— Tava ajudando o meu pai com umas caixas. Mas cheguei.

Ela puxou a minha mão e me levou para o meio da pista. Eu não resisti. Estava leve, talvez por nervosismo, talvez por cansaço emocional.

— Mateus, dança comigo? — pediu, com aquela voz mansinha que nunca pedia nada. Sempre insinuava, sempre esperava que o mundo cedesse a ela.

Eu hesitei. E esse foi o erro. Hesitar.

Júlia entendeu como ameaça. Como presença de outra pessoa. Aperto no peito. Apressou-se.

— Vamos… — ela insistiu, e antes que eu respondesse, me puxou para dançar.

Dançamos perto. Muito perto.

E eu senti um cheiro doce no cabelo dela, a pele quente, um perfume suave, a forma gentil com que ela encostava o rosto no meu peito quando ria.

Eu, que ainda era tão jovem, tão cruzado por desejos contraditórios, não pude evitar sentir algo. Algo tênue. Atração real. Não profunda como com Heitor, não intensa, mas… verdadeira à sua maneira.

Era, acima de tudo, fácil gostar de Júlia. Facílimo.

Doce, bonita, querida, meiga e apaixonada.

— Mateus… — ela murmurou, olhando para cima.

E antes que eu raciocinasse, ela me beijou. Não foi um selinho roubado. Foi um beijo de verdade, de quem quer marcar, afirmar, assegurar. De quem quer dizer: ele é meu. Quente, demorado, cheio da vontade que ela guardava há semanas e cheio da confusão que eu tentava, inutilmente, esconder de mim mesmo.

E eu… eu correspondi. De verdade.

Eu não sabia como reagir. Não queria magoá-la. Não queria causar cena. Não queria ser cruel. Um misto de desejo, medo, carinho e confusão.

Júlia tinha gosto de fruta doce. Tinha cheiro bom. Tinha um toque leve que contrastava completamente com a firmeza elétrica de Heitor.

Por alguns minutos, eu me deixei levar. E isso bastou.

Ela segurou a minha mão com força a noite inteira. Posava comigo. Encostava no meu ombro. Passava a mão no meu cabelo. E todo mundo já tratava nós dois como namorados.

Alguém fotografou a gente junto. E, no dia seguinte, a foto já estava no perfil de Julia, com luz colorida atrás, de mãos dadas, o sorriso dela após o beijo. A legenda da foto uma dedicatória à nossa “amizade”.

As curtidas e os comentários do post só repercutiram. Júlia vibrou. Era o que ela queria. A aprovação pública. A validação. A narrativa perfeita: o casal bonito da escola, a garota adorada e o menino inteligente.

Eu tentava não pensar demais. Tentava não olhar o celular. Porque sabia que a foto estava ganhando curtidas. E que Heitor… Heitor veria. Mas tarde demais.

Quando finalmente olhei o celular em casa, por um segundo, vi as notificações explodirem. Entre elas, uma única mensagem de Heitor.

“Vi a foto.”

Só isso. Frio. Curto. Afiado.

Eu digitei:

“Heitor, deixa eu explicar.”

Mas nem consegui terminar. Porque Heitor respondeu:

“Nada pra explicar. Você tá tirando sarro com a cara da minha irmã.”

A ironia cortou como faca. Mais uma mensagem, segundos depois:

“Se diverte aí com a princesinha. Era óbvio que você ia fazer isso. Bonitinha. Certinha. Do seu mundinho”.

E então:

“Boa noite.”

Quando vi as mensagens secas e curtas no celular, senti o peito apertar e o estômago despencar.

Liguei. A chamada nem chegou a tocar. Heitor tinha colocado o celular no modo silencioso ou desligado, talvez. E, naquele instante, na porta da minha casa vazia, com a sensação da noite anterior ainda ecoando ao longe, eu soube: Heitor estava ferido. Ferido de verdade. Do jeito mais perigoso possível para alguém como ele, que escondia sentimentos profundos sob camadas de ironia e raiva silenciosa.

Heitor estava ferido. E quando Heitor se feria… ele se fechava. Pela primeira vez desde que nos conhecemos, havia uma sombra entre nós.

Nos dias seguintes à festa, o silêncio de Heitor pesou como uma porta trancada por dentro.

Eu acordava, desbloqueava o celular, e nada. Nada de mensagem, nada de áudio, nenhuma curtida discreta, nenhuma provocação, nem sequer uma das reações secas que Heitor às vezes mandava quando queria disfarçar preocupação.

Era um vazio total.

E, logo, veio o segundo golpe: Heitor estava online. Várias vezes. Mas nunca respondia.

Era impossível não perceber a mudança. Antes, Heitor sempre puxava assunto. Sempre.

Com uma foto idiota da cachorrinha do vizinho, com um link de música, com um “tá fazendo o quê?” que, na verdade, queria dizer vem aqui.

Agora, nada. Só visualizações ignoradas.

Eu me sentia como alguém que tinha derrubado algo delicado no chão e estava tentando juntar os pedaços com as mãos tremendo.

Verdade que o beijo com Júlia também não saía da minha cabeça, não porque tivesse sido memorável, mas porque tinha sido… real.

Eu gostei. De um jeito diferente, macio, confortável. Era mais fácil gostar de Julia, era mais fácil assumir um namoro que todos aprovavam, todos curtiam, todos esperavam. Muito mais fácil que namorar um outro homem escondido de tudo e de todos, morrendo de medo de ser descoberto e julgado pela sociedade. Era tentador demais levar uma vida que todos queriam que eu levasse.

E essa sensação nova batia forte contra tudo o que eu sentia por Heitor: escuro, elétrico, proibido, cheio de algo que eu nunca conseguia nomear sem corar, sem ter medo, sem ter vergonha.

A confusão só aumentava.

Júlia, por outro lado, foi rápida e não perdeu tempo: no dia seguinte, enviou uma mensagem enorme dizendo que “tinha adorado tudo”, que “sentiu conexão”, que “sabia que podia dar certo”.

E, claro, no corredor da escola ela veio direto em mim, com o sorriso perfeito de quem já tinha decidido a própria narrativa.

— Bom dia, meu… — ela hesitou apenas um segundo — meu Mateus.

Eu congelei.

Ela não disse namorado, mas ficou implícito. O jeito como ela segurou o meu braço reforçou isso. O brilho nos olhos dela também.

E eu… recuei.

Não muito, não o suficiente para ser rude, mas apenas o suficiente para mostrar que algo estava fora do lugar.

Júlia percebeu. E não gostou.

Três dias, quatro, cinco.

Heitor continuava distante. Não mandava mensagem, não procurava, não perguntava nada. E eu, a cada dia, ficava mais inquieto, como se algo dentro de mim estivesse sendo puxado para trás.

À noite, deitado, lembrava do toque de Heitor na minha cintura, do beijo quente na varanda, da voz rouca dizendo “vem aqui”, do jeito possessivo e quase arrogante com que Heitor tomava a iniciativa.

Um arrepio me percorria todas as vezes. Um arrepio de saudade e culpa.

Sentia falta. Muita falta.

Não era só desejo, era a sensação de estar vivo, visto, desejado por alguém que parecia ler meus pensamentos. E tudo aquilo agora estava opaco e frio.

Na escola, Júlia se aproximava cada vez mais. Eu tentava ser educado, mas me esquivava. E ela percebia.

Começou a fazer perguntas atravessadas, perguntas que nunca tinha feito antes:

— Você tá estranho comigo?

— Tá tudo bem?

— Por que você não quer sair comigo no fim de semana?

Quando eu respondia “é que tô cansado” ou “preciso estudar”, ela sorria… mas o sorriso vacilava.

Ela tinha aquele tipo de personalidade doce demais, mas cheia de espinhos escondidos. Quanto mais eu recuava, mais ela tentava me puxar para perto.

E a ironia dolorosa era que tudo isso me deixava ainda mais preso: eu não queria magoá-la. Não queria parecer covarde. Não queria ser cruel.

Mas também… não queria estar com ela.

Sempre que estava ao lado de Júlia, sentia uma ausência. Uma falta quente, latejante, que parecia chamar pelo nome de Heitor.

No sexto dia, eu não aguentei mais.

Passei a manhã inteira encarando a minha foto com Júlia, viralizando nas redes sociais. Passei a tarde lembrando do silêncio de Heitor. Passei a noite caminhando pela casa sem rumo, até que decidi, quase sem decidir.

Peguei o casaco. Saí.

Quando percebi, já estava virando a esquina da rua de trás.

A casa de Heitor. A casa de Julia.

As luzes estavam acesas. Música baixa vinha da garagem. Provavelmente Miguel praticando no violão ou Rafael vendo TV.

Meu coração batia tão forte que parecia querer sair pelo pescoço. Toquei o interfone. A voz de Rafael atendeu:

— Fala aí, mano.

— Oi, Rafa… o Heitor tá?

— Tá lá em cima. Vou abrir.

O portão destravou. Eu entrei devagar, cada passo mais pesado que o anterior.

Subi a escada lateral que dava direto para a varanda de cima, o lugar onde tudo tinha começado a mudar.

E lá estava ele. Heitor. Encostado na grade da varanda, cabelo bagunçado, camiseta preta, o olhar perdido no nada.

Eu parei na porta. Ele levantou os olhos azuis, cinzentos. A expressão de Heitor era gelo puro, mas queimava.

— Você aqui — ele disse, sem emoção aparente — Veio fazer o quê? A Julia não está. Quer me contar como tá sendo bom namorar a minha irmã?

Eu engoli seco.

— Não é isso. Eu… preciso falar com você.

Heitor riu um riso torto, amargo, ferido.

— Ah, precisa? Agora precisa?

Eu dei um passo à frente. Heitor não recuou. Não avançou. Apenas apertou os dedos com força.

— Ela te beija e você já corre pra cá? — perguntou, a voz baixa, cortante — É isso? Quer ficar com os dois? Ou tá só brincando com ela?

— Não tô brincando — Mateus murmurou — Eu tô… confuso.

— Confuso? — Heitor repetiu, chegando perto demais — Confuso é o caralho, Mateus.

Os nossos olhos se encontraram. E então veio a verdade, crua e sem disfarce:

— Você achou que eu não ligava, né? — sussurrou Heitor, quase encostando o rosto no meu — Achou que eu não ia sentir nada ao ver você beijando outra pessoa. A minha própria irmã.

Eu senti o coração se partir.

— Desculpa. Eu tenho pensado em você o tempo inteiro — confessei — Tava pensando em você agora.

Silêncio. Tenso. Vivo. Elétrico.

Heitor respirou fundo, como se estivesse tentando segurar alguma coisa dentro de si.

— Eu deveria mandar você embora — ele disse, a voz baixa, sombria — Deveria ignorar você pra sempre.

— Então manda —provoquei, quase sem ar.

Heitor apertou a mandíbula.

— Mas eu não consigo.

E então, em um movimento rápido, impulsivo, inevitável, ele segurou o meu rosto com força e encostou a testa na minha.

Respirações misturadas. Tensão palpável. O desejo latejando na pele.

— Você me deixou mal pra caralho essa semana — Heitor murmurou — Não faz isso de novo.

Eu fechei os olhos.

— Desculpa.

E quando abri… Heitor estava olhando para a minha boca.

Um segundo depois, nós dois já estávamos nos beijando com uma fome acumulada de dias. Um beijo quente, urgente, cheio da raiva e da saudade que ambos tentamos enterrar.

Ferida aberta. Ciúme. Desejo.

E uma promessa silenciosa de que aquilo entre nós não ia acabar tão fácil.

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Comentários

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A velha questão: quando não se sabe o que quer, não se valoriza o que tem... Com certeza virão muitos conflitos pela frente...⭐⭐⭐

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