Os segredos de Clara. 01
Meu Deus, como eu gostaria de nunca ter construído a estante que minha esposa, Clara, tanto me pedia desde que nos mudamos para casa antiga. A casa pela qual ela se apaixonou e que simplesmente precisava ter quando finalmente tivemos dinheiro suficiente para sair do apartamento e comprar uma casa.
Eu precisava passar praticamente todos os fins de semana, e algumas noites, fazendo reparos e manutenção, sou carpinteiro de profissão e, por mais que isso possa ter frustrado Clara, achei que uma cozinha funcional e a substituição das tábuas podres do piso eram mais importantes do que construir uma estante, não importando o quanto ela gostasse de ler e quantos livros ela quisesse poder desembalar das caixas guardadas no velho galpão.
Pois é, que idiota eu fui por ficar todo romântico e querer fazer algo especial para minha esposa no nosso décimo aniversário de casamento. Como se comprar uma casa antiga e passar cada minuto livre a deixando linda para ela não fosse prova suficiente do meu amor e compromisso. Prova suficiente do meu desejo de agradá-la e fazê-la feliz. Enquanto ela plantava um jardim de flores no quintal e lindas roseiras para enfeitar o caminho até a porta da frente, eu tive que praticamente demolir o interior e reconstruir tudo. Mas isso, aparentemente, não demonstra devoção da mesma forma que presenteá-la com um fim de semana prolongado em um spa de beleza.
Resumindo, enquanto ela se preparava para a comemoração do nosso aniversário marcante fazendo tratamentos faciais, massagens e sendo mimada em geral, eu me matava de trabalhar em uma estante feita sob medida para ocupar uma parede inteira da nossa sala de estar.
Eu estava radiante com a surpresa que havia planejado, até que tropecei ao trazer a quinta caixa do galpão, arremessando-a a quase dois metros de altura. A caixa estava cheia de romances; a fraqueza da Clara. Os livros voaram para todos os lados; um deles chegou a atingir o lustre, fazendo-o balançar. O mesmo aconteceu com os lindos papéis de seda em tons pastel.
O lugar ideal para guardar cartas de amor, descobri logo, é entre as páginas de livros sobre o amor que tudo vence. Faz sentido, eu acho.
Como eu desejei ter resistido à tentação de ler os parágrafos iniciais do primeiro livro que peguei. Mas não resisti. Como poderia? Página após página caía no chão como pétalas lançadas ao ar, como confete. De fato, me lembrou o dia do nosso casamento. Doce, inocente e romântico. Tão promissor de um "felizes para sempre". E convidativo. Que enganoso.
Achei que fossem da juventude da Clara, de um ou dos vários namorados dela do ensino médio. Algo que ela guardava por motivos sentimentais, e lembrando de uma ou duas cartas de amor melosas que eu mesmo escrevi quando eu ainda estava no ensino medio e estava apaixonado, li uma delas.
Grande erro. Enorme.
Havia um problema. Um problema enorme: as cartas de amor não eram de um amor de infância.
Esse não era o único problema.
Mais duas me vieram à mente imediatamente.
A carta que tenho em mãos foi escrita pelo meu primo Zaqueu.
O outro problema... a que eu tinha escolhido era de apenas algumas semanas antes da nossa mudança para a casa de campo, há um ano.
Essa informação levantou uma série de perguntas. Há quanto tempo eles estavam tendo um caso? Eles ainda estavam se vendo? Ela estava com ele agora? Clara estava escondendo mais cartas? Não. Não. Não. Certamente que não. Não enquanto eu estava me matando de trabalhar para dar a ela a casa dos seus sonhos. Meu trabalho feito com amor por ela. Meu coração se contraiu em absoluto horror diante das perguntas, diante das possibilidades. Meu cérebro, meu cérebro sempre lógico, me dizia que tudo era muito provável e que, em algum momento, eu precisaria de respostas para as perguntas, por mais repugnantes que fossem.
Assim que a primeira carta escorregou dos meus dedos trêmulos, tudo o que eu desejei foi voltar no tempo para nunca a ter lido. Aquilo me devastou. Me deixou sem ar, como um soco no peito. Tentei respirar, mas parecia que minhas costelas estavam quebradas. A dor me deixou sem forças nas pernas e cambaleei para trás, caindo no chão. Sentei-me encostado na parede, com a cabeça entre os joelhos, desejando que o conteúdo do meu estômago permanecesse dentro do meu corpo.
Perdi essa batalha.
Por um triz, consegui rolar e cair de joelhos. O cheiro azedo que me atingiu provocou enjoo e mais ânsias de vômito, até que não restou nada dentro de mim.
Rastejei para longe da bagunça, sem confiar que minhas pernas aguentariam meu peso, e sentei-me com as costas encostadas na estante que agora odiava. Observei as outras cartas espalhadas pelo chão, como uma linda colcha de retalhos em tons pastel de rosa, azul e creme. Pareciam até bonitas contra o piso escuro de madeira. Outra mentira. Outro engano. Eu sabia que o conteúdo delas seria tudo, menos bonito.
Hesitei em lê-las. A parte covarde de mim, a parte que estava em agonia, não queria, não achava que eu pudesse suportar mais dor. Queria rastejar para longe e se esconder. Queria cavar um buraco para eu enfiar a cabeça. Dizia que as ler seria como enfiar ferros em brasa nos meus olhos e no meu coração.
O meu lado mais corajoso e racional me disse para arrancar o esparadrapo de uma vez por todas. Disse-me para superar logo aquela parte dolorosa da jornada em que eu havia sido lançado. Disse-me que não havia sentido em prolongar a agonia. Sussurrou-me a lógica de reunir o máximo de informações possível para a batalha que se aproximava, pois uma batalha, um confronto, era inevitável.
Eu ouvi meu lado corajoso.
De quatro, juntei todas as cartas e as organizei por data. Zaqueu, aquele desgraçado sempre tão prestativo, teve a gentileza de datá-las. Terei que me lembrar de agradecê-lo mais tarde... talvez com um soco. Pelo visto, ele só escrevia duas ou três por ano, para coincidir com datas como o Dia dos Namorados ou o aniversário dela. Engoli em seco ao ver uma datada poucos dias antes do meu aniversário de 36 anos.
Mais um problema se fez presente: A maioria dos textos foi escrita depois da data do meu casamento com a Clara.
Mudei-me para minha poltrona favorita. O cheiro amargo do meu vômito que emanava de mim parecia apropriado. Combinava com meus sentimentos. Fechei os olhos e, apesar do odor, respirei fundo algumas vezes para me fortalecer. Comecei pela mais antiga, escrita quando Clara e eu ainda namorávamos há doze anos atrás, e li.
Palavras e frases saltavam da página, gravando-se em meu coração, preenchendo minha mente com imagens indesejadas. Imagens que me faziam morder o lábio para conter os sons da minha dor.
"Pensei que era o aniversariante quando você conseguiu escapar do velho Daniel na festa. Acho que a rapidinha que tivemos no beco foi o sexo mais quente que já fiz. Obrigado, minha linda e safada garota. Pela data, eu sabia que ele estava falando do aniversário de 21 anos da Clara. Estávamos namorando há um ano. Ela estava tão linda naquela noite. Eu me lembrava claramente do vestido branco que ela usava e de como ele flutuava ao seu redor enquanto ela dançava. Foi a noite em que decidi pedi-la em casamento.
Você estava tão sexy naquele sutiã e calcinha vermelhos. E você se depilou para mim! Toda vez que penso em você, fico excitado."
Isso foi no Dia dos Namorados, onze anos atrás, tínhamos acabado de ficar noivos. E a lingerie? Ela só tinha tido um conjunto de lingerie vermelha, um conjunto que eu comprei para ela. Um conjunto que ela teve a audácia hipócrita de me dizer que era um pouco vulgar demais para ela e que só usou para mim uma vez. VADIA.
E então me dei conta de outra coisa.
"E você se depilou para mim!"
Aquele Dia dos Namorados tinha sido a primeira vez que ela depilou a buceta completamente. Ela disse que era para mim. Outra mentira. Ela não gostava de depilação porque doía muito, más naquele dia ela depilou completamente.
Lembrei-me de como fiquei surpreso na época, porque quando lhe pedi em casamento em uma ocasião anterior, durante um fim de semana romântico, ela recusou. Em vez de questionar sua mudança de ideia, fiquei entusiasmado com a ideia. Olhei para ela com admiração, como se fosse um mistério.
Escolha de palavras interessante. Mistério; significando algo incompreendido ou incompreensível.
Certamente, essas observações se aplicavam à forma como eu tinha visto Clara naquela noite, mas, para minha ingenuidade, em vez de ficar curioso com sua mudança repentina, eu fiquei excitado. Suas ações mostraram que eu não a conhecia tão bem quanto pensava, que ela era, na verdade, ainda, de certa forma, uma estranha para mim.
Em vez de me alarmar com a ideia de que claramente havia muito que eu precisava aprender sobre minha noiva, minha futura esposa, achei isso fascinante. Encarei como mais uma camada a ser desvendada, mais uma faceta a conhecer e amar. Descobrir que ela tinha pensamentos e motivações que eu desconhecia não me causou nenhum alarme, pelo contrário, só me encantei ainda mais por ela.
Eu tinha sido um tolo tão ingênuo.
Os primeiros dedos da raiva arranharam meu estômago, lutando com a dor pela posse do meu corpo.
"Ficar ao lado do Daniel, vendo você caminhar até o altar, sabendo que você estava cheia do meu esperma, é a coisa mais pervertida e excitante que já vivi. Tive que relembrar o funeral do meu pai para não ficar excitado e rindo atoa. Você é uma garota tão safada e pervertida, Clara. Eu adoro isso!"
Depois de ler aquelas linhas, precisei parar por um instante enquanto meu estômago tentava encontrar algo mais para vomitar. Uma dor intensa me invadiu, até meus dedos das mãos e dos pés doíam. Não. Por favor, Deus, não! Nosso dia de casamento? Ela tinha transado com ele no nosso dia de casamento? E ele? Meu primo? Da família? Meu Deus, nós crescemos juntos. Eu o considerava um dos meus melhores amigos, éramos como irmãos. Ele tinha sido um dos meus padrinhos.
Precisei respirar fundo naquele momento. Cambaleando, fui até o banheiro e joguei água fria no meu rosto avermelhado. Mal reconheci o homem que me encarava. Não conseguia olhar para aquele homem. Ver a dor dele era demais para mim. Concentrei-me em escovar os dentes na esperança de me livrar do gosto amargo que cobria minha língua. A pasta de dente não resolveu. Nem o enxaguante bucal.
Se eles não dessem conta do recado, talvez o conhaque que eu guardava para o meu pai, desse. Normalmente, eu preferia cerveja, mas quando meu pai vinha me visitar, eu dividia um cálice com ele. Ele sempre dizia que conhaque tinha propriedades medicinais. Eu esperava que ele estivesse certo; eu certamente precisava de um remédio para o meu coração partido e sangrando.
Recostei-me na poltrona e continuei a ler, e cada vez que lia algo particularmente doloroso, tomava um gole de conhaque. Tomei muitos goles. Saboreava a ardência. Meu pai tinha razão, era medicinal. Cauterizava minhas feridas de dentro para fora.
O tom das cartas de Zaqueu contrastava diretamente com o papel pastel de cores suaves em que eram escritas. Deveriam ter sido escritas em folhas vermelhas. Vermelho-sangue, pela perversidade, pelas feridas que infligiam, pelo sangue emocional que derramavam. Eram mais conversa de sexo do que românticas. Ele não era poeta. Isso me fez pensar por que ela as guardava. Ele nunca se extasiou com a beleza dela, nunca a comparou à lua e às estrelas, nunca disse que ela era seu alfa e ômega, nem os comparou a amantes famosos como Romeu e Julieta. Ele nunca declarou seu amor por ela. Houve muitas vezes em que ele escreveu que amava algo que ela havia dito, feito ou vestido, mas nunca disse que a amava.
Estranhamente, isso me fez sentir pena dela. Ela jogou fora nosso casamento, jogou fora o amor de um bom homem e eu era um bom homem, por uma transa qualquer. Por uma emoção rápida e ilícita. Nem era como se ele tivesse um pênis enorme. Eu tinha visto o que ele tinha algumas vezes ao longo dos anos e não era nada de especial. Além disso, ele nunca parecia conseguir manter uma namorada. Na verdade, na maioria das vezes, eram elas que o largavam, e não o contrário. Se ele era um garanhão, um amante tão fantástico, um partido tão bom, por que sempre era trocado por outra?
A última carta era muito parecida com as outras, e ou o conhaque me anestesiara, ou a quantidade absurda de porcaria repugnante que eu já tinha lido havia insensibilizado minha capacidade de me chocar. Não havia nada no tom ou na linguagem que sugerisse que o caso deles tivesse terminado ou sequer diminuído. Na verdade, era o oposto. Zaqueu se despediu dizendo que estava ansioso para inaugurar cada cômodo da casa de campo com sua sexy Clara-Ursinha. Mentalmente, troquei a palavra "sexy" por "vadia", porque era isso que ela era. Uma vadia. A vadia do Zaqueu. A despedida dele sugeria que havia mais cartas escondidas em algum lugar da casa.
Baseado no antigo sistema de arquivamento da minha esposa, que não demonstrava muito carinho, fui até o nosso quarto e me dirigi à estante barata e improvisada que ela havia colocado encostada na parede do lado dela da cama.
Em cinco minutos, encontrei mais três cartas. Nem sequer consegui sentir horror por ela as ter guardado no nosso quarto. Por ter feito tão pouco esforço para as esconder. Será que as lia enquanto eu tomava banho na nossa suíte? Será que as usava para se excitar antes de fazermos amor? Ela tinha-se revelado uma vadia tão descarada e desprezível que nada do que ela fizesse me surpreenderia mais. Percebi que na verdade não a conhecia. A rapariga com quem pensava ter casado nunca teria feito as coisas que fez. Essa constatação rompeu a dor que já me envolvia, abrindo uma nova ferida no meu coração. A minha esposa era uma estranha para mim.
A última carta, datada de apenas uma semana atrás, me despertou do meu estado de torpor. Precisei de várias tentativas para lê-la por completo, pois minha visão continuava embaçando. Eu não conseguia acreditar que realmente havia lido seu conteúdo corretamente. Era perversa demais, cruel demais. E enquanto o sangue pulsava em meus ouvidos, eu a reli mais uma vez, precisando confirmar se minha mente não havia conjurado aquelas palavras de algum lugar obscuro e indizível.
"Meu Deus, querida, você me deixa tão louco por você! Você está falando sério? Você realmente quer que eu te engravide? Cara, a ideia de você ter um filho meu e o velho Daniel criá-lo me deixa com o pau duro como pedra. Você é a mulher mais safada e sexy que eu já conheci, Clara. Ninguém me excita como você."
Meu Deus! Ela queria que o Zaqueu fosse o pai dos nossos filhos. Eu vinha perguntando a ela quando poderíamos começar nossa família desde o nosso quinto aniversário de casamento. Eu ansiava por ser pai. A cada ano eu perguntava e a cada ano ela me enrolava, dizendo que nós (o que na verdade significava que ela) não estávamos prontos. Ela me dava todas as desculpas de sempre: precisávamos de mais tempo para nos estabilizarmos em nossas respectivas carreiras, precisávamos de mais estabilidade financeira, precisávamos morar em uma casa em vez de um apartamento. Eu refutei cada obstáculo que ela colocava e, finalmente, depois do nosso nono aniversário, ela se comprometeu a tentarmos depois do décimo, uma semana depois.
Era algo que eu planejava lembrá-la no nosso jantar de comemoração. Isso não pode ser verdade. Meu Deus, não pode ser verdade. Mas era. Estava lá, preto no branco. A carta dele confirmando as palavras dela, os planos dela, os desejos dela.
Fiquei tão atônito que nem senti dor com a revelação. Ou talvez, mais precisamente, eu já estivesse com tanta dor que esse golpe final foi sentido apenas como um aprofundamento da minha agonia.
Como um intervalo comercial indesejado, visualizei a cena se desenrolando na minha cabeça. Imaginei-a compartilhando a notícia com ele de que a transa deles tinha dado frutos. Que ela estava grávida e que ele seria pai.
Ele a beijaria, disso eu tinha certeza. E a abraçaria também, mas seu rosto seria a própria imagem da alegria ou ele apenas pareceria triunfante por ter conquistado mais uma vitória sobre mim? Se ele parecesse triunfante, esconderia isso dela? Ou ela compartilharia de sua arrogância vitoriosa?
Eu sempre me imaginei, no momento em que ela me desse uma notícia tão importante, como os caras de uma comédia romântica melosa, emocionado, orgulhoso, feliz. Mas eu não fazia parte do filme. Não de verdade. Eu era o coadjuvante. O bobo da corte.
Zaqueu tinha roubado minhas falas, meu papel, meu futuro. As notícias, os abraços, os beijos, girá-la nos meus braços, nós dois transbordando de felicidade. Era para ser meu papel. Minha parte. Tudo. Eu esperei anos para que ela estivesse pronta. O que Zaqueu esperou? Quem ele amou, cuidou e apoiou? Por quem ele se sacrificou e fez concessões? Ninguém. Nenhuma alma sequer.
Talvez ela nunca tivesse estado pronta comigo porque nunca quis que eu fosse o pai de seus filhos. Essa possibilidade dissipou a névoa da dor e abriu uma nova ferida.
Por que escolhi ler a primeira carta? Por que sucumbi à minha curiosidade? Se eu tivesse resistido, poderia ter permanecido em ignorância feliz. Deus, como eu desejava a ignorância. Fechei os olhos com força, como se quisesse bloquear minha nova realidade. Eu queria minha antiga realidade. Aquela em que eu acreditava que minha esposa me amava e somente a mim. Aquela em que eu era feliz.
Agora, eu carregava uma consciência excruciante, afogando-me em uma dor insuportável. Agora, eu tinha que tomar decisões. Decisões difíceis. Agora, eu me deparava com a constatação de que todo o meu casamento tinha sido uma grande mentira. Uma enorme farsa. Uma fraude. Agora, eu sabia que os últimos doze anos da minha vida tinham sido desperdiçados. Fui feito de bobo dia após dia durante todo o nosso relacionamento. Meu amor foi desperdiçado com alguém que não o apreciava nem o respeitava, e que definitivamente não o merecia. Agora, eu sabia que tinha sido usado e enganado por razões que só Deus sabe. Nenhum voto, nenhuma promessa, nenhuma palavra de amor foi verdadeira. Nada. Tudo mentira e engano.
Imagem após imagem, como um filme de momentos favoritos passando rapidamente pela minha mente. Clara rindo para mim. Clara sorrindo. Suas lágrimas no dia em que me ajoelhei e a pedi em casamento. Clara dormindo, com o rosto de um anjo. A mão dela na minha, seu rosto enquanto fazíamos amor. Mentiras. Tudo mentira.
Quem era essa mulher? O que eu lhe tinha feito para que me odiasse tanto? Pois ela tinha que me odiar. Ninguém conseguiria fazer o que ela fez sem sentir um ódio absoluto pela sua vítima.
Por que conviver comigo numa mentira por tanto tempo?
Recostei-me na poltrona, saboreando o conhaque, tentando conciliar a mulher retratada nas cartas de Zaqueu com a mulher que eu conhecera e amara. Meu coração dilacerado não queria que eu examinasse as coisas mais a fundo, mas meu cérebro, desafiadoramente, começou a tentar desvendar o enigma. Eu não conseguia desligá-lo. Estava determinado a encontrar uma explicação. Não conseguia conviver com as perguntas sem resposta. O porquê, o como e onde. Principalmente, o porquê.