Capítulo XXXII — “A Liberdade que tem o teu Nome”
Narrado por Rafael...
Os dias aqui dentro parecem não ter fim. O tempo não passava, apenas se arrastava, denso, frio, sufocante. As paredes cinzentas da cela eram como uma prisão dentro da prisão: nelas, o silêncio gritava mais alto que qualquer som. Às vezes, eu jurava ouvir a minha própria respiração ecoando entre os tijolos, me lembrando que ainda estava vivo, mesmo sem saber se isso era sorte ou castigo.
Mas o que mais me doía não era o frio do chão, nem a comida sem gosto, nem o cheiro de ferrugem que grudava na pele. O que me matava por dentro era a ausência dele: Caio.
Todos os dias, eu acordava e pensava nele. Imaginava onde estaria, se ainda dormia do meu lado da cama, se ainda guardava minha blusa azul no canto do quarto, se ainda lembrava da minha voz dizendo o nome dele entre risadas e promessas. Era essa lembrança, só essa, que me mantinha respirando.
À noite, quando o sono teimava em não vir, eu fechava os olhos e via o mar. Via Caio sentado na areia, com o vento bagunçando o cabelo e o olhar perdido no horizonte. E me agarrava àquela imagem como quem se agarra à última chama acesa dentro da alma.
Naquela manhã, o barulho da tranca da cela me despertou. Um dos guardas apareceu com um semblante frio, impessoal.
— Montenegro, visita do seu advogado.
Levantei devagar. O corpo doía em todos os lugares, e ao me erguer, senti a dor pulsar nos ombros e nas costelas, marcas de um “aviso” que recebi dois dias antes, por me recusar a abaixar a cabeça para um dos guardas. Eles chamavam de disciplina. Eu chamava de covardia.
Caminhei em silêncio pelo corredor estreito até a sala de visitas. O doutor Henrique me esperava, com aquela calma que disfarçava preocupação. Assim que me sentei, percebi algo diferente no olhar dele. Uma esperança.
— Rafael — começou, abrindo a pasta sobre a mesa, — as coisas estão caminhando bem. Há provas e depoimentos suficientes para comprovar que foi legítima defesa.
Meu peito se apertou. As palavras pareciam irreais.
— Isso quer dizer que eu posso… sair daqui?
Henrique sorriu de leve. — Em alguns dias, sim. O juiz está aguardando apenas o depoimento de Caio. Depois disso, será emitida a liberação provisória.
Caio. Só ouvir o nome dele já bastava pra fazer meu coração bater mais rápido.
— Ele… ele tá bem?
— Está. E, na verdade, ele está aqui. — o advogado respondeu. — Pediu pra te ver. Está numa sala reservada.
Por um instante, esqueci de respirar. Tantos dias sem o ver, sem ouvir sua voz… Era como se todo o mundo se resumisse àquele instante.
O guarda fez sinal, e eu fui conduzido até a sala. O corredor parecia mais longo do que nunca. A luz fria dos refletores tornava tudo impessoal, quase onírico. Mas, quando a porta se abriu… lá estava ele: Caio. De pé, perto da janela, com o olhar aflito e o coração escancarado no rosto. Quando me viu, não disse nada. Correu.
O impacto do abraço quase me tirou o ar. As mãos dele me seguravam como se quisessem provar que eu era real. Senti o corpo dele tremendo, o choro quente escorrendo pelo meu ombro.
— Rafa… — a voz saiu fraca, partida. — Meu Deus, Rafa…
Fechei os olhos e respirei fundo, tentando não desabar. O perfume dele, o calor, o toque. Tudo o que o tempo roubou, agora voltava em forma de alívio. Mas quando ele se afastou só um pouco pra me olhar, vi o espanto em seu rosto. O olhar dele parou nas marcas do meu corpo, um roxo no maxilar, cortes discretos nos braços, o olho ainda um pouco inchado. Tentei disfarçar, mas não havia como esconder.
— Rafa… o que é isso? — a voz dele saiu trêmula. — Quem fez isso com você?
Olhei pra baixo.
— Nada. — menti. — Foi uma confusão entre presos… já passou.
Mas Caio nunca foi bom em aceitar mentiras minhas.
— Nada? — ele repetiu, revoltado. — Isso não é nada! — E antes que eu pudesse detê-lo, ele pegou o celular do bolso.
— Caio, não faz isso… — pedi, mas ele já discava.
— Dona Eloísa? — disse ele, a voz embargada. — Dona Eloísa, o Rafa tá todo machucado. Ele tá sendo maltratado aqui dentro. Faz alguma coisa, por favor!
Do outro lado, o som abafado da voz dela respondeu algo que eu não consegui ouvir. Mas o olhar de Caio mudou. Ele respirou fundo e me disse, decidido:
— Ela tá vindo pra cá agora com os advogados.
Senti um nó se formar na garganta. Minha mãe… sempre firme, sempre justa. Se ela estava vindo, era porque não deixaria isso impune.
Caio voltou a me abraçar, e dessa vez, o abraço foi diferente. Não era só saudade. Era medo. Era desespero. Era o tipo de amor que luta até o fim, mesmo quando o mundo parece decidido a destruir o que é puro.
— Eu tô com você, Rafa. — ele sussurrou, com os lábios quase colados no meu ouvido. — Até o fim, você me ouviu? Até o fim.
E eu chorei. Pela dor, pela ternura, pela coragem que sempre encontrei nele. Pela primeira vez em muito tempo, chorei sem vergonha.
As horas seguintes foram uma confusão de vozes e papéis. Mamãe chegou acompanhada de dois advogados, e a delegacia inteira pareceu tremer. Ela discutiu, exigiu relatórios, ameaçou processos e, pela primeira vez desde que fui preso, eu senti que o mundo podia voltar a ser justo.
Assinei mais papéis, fui examinado, e ao final da tarde, um dos oficiais veio até mim e disse:
— Montenegro, arrume suas coisas. Liberação sob custódia.
Demorei pra acreditar. As mãos tremiam quando peguei a sacola com minhas roupas. A respiração travava entre o medo e o alívio. Mas quando saí pela porta da delegacia e o sol bateu no meu rosto… eu chorei.
Lá fora, Caio me esperava. Os olhos dele marejados, o peito arfando. E, quando nossos olhares se encontraram, ele correu até mim.
O abraço foi tão forte que parecia querer juntar as partes de mim que ficaram espalhadas lá dentro. Senti o coração dele batendo contra o meu, como se dissesse: “Você sobreviveu.”
— Você tá livre… — ele chorava. — Meu Deus, Rafa, você tá livre.
— Ainda não por completo — respondi, sorrindo entre lágrimas. — Mas agora eu posso respirar de novo. E respirar com você por perto já é liberdade suficiente.
Caio encostou a testa na minha e fechou os olhos. Ficamos ali, sem dizer mais nada. E em muito tempo, o mundo pareceu silencioso de um jeito bonito.
Mamãe nos observava a poucos passos, com um semblante emocionado e sereno. Aquela mulher… ela não era só quem me trouxe ao mundo. Era também o escudo que me protegia mesmo quando eu achava que não merecia mais ser salvo.
Enquanto o vento da tarde tocava meu rosto, eu entendi. Tudo o que eu precisava estava ali, no abraço de Caio, na força de mamãe, na certeza de que o amor, por mais que sofra, nunca deixa de vencer.
E percebi que, no fundo, a liberdade sempre teve o nome dele. Caio. Meu amor, meu lar, meu equilíbrio.
A primeira manhã em casa depois de tudo foi... estranha. Não havia grades, nem câmeras, nem o eco pesado das botas dos guardas no corredor.
Havia apenas o som leve das ondas batendo de longe, e o cheiro do café que Caio preparava na cozinha.
Era curioso como o corpo se acostuma com o medo, e quando ele vai embora, o silêncio assusta mais que o barulho.
A liberdade, percebi, também podia ser um tipo de vertigem.
Sentei na beira da cama e fiquei olhando para o quarto, o mesmo quarto que parecia um refúgio de luz antes de tudo acontecer.
A blusa azul que Caio tanto falava ainda estava pendurada na cadeira, o travesseiro do lado dele tinha o formato do rosto que eu tanto sonhava ver de novo.
E por um instante, senti vontade de chorar, mas não chorei.
Dessa vez, respirei fundo.
Ouvi passos se aproximando. Caio apareceu na porta, com uma caneca nas mãos e aquele olhar cansado, mas cheio de ternura. Ele sorriu, e aquele sorriso me desmontou.
— Bom dia, meu amor! — a voz dele saiu num tom calmo, quase um sussurro. — Conseguiu dormir um pouco?
— Tentei. — respondi, passando a mão pelos cabelo. — Ainda acordo achando que tô lá dentro…
Ele se aproximou devagar, sentou ao meu lado e me entregou a caneca.
O cheiro do café quente me trouxe uma lembrança antiga, das manhãs de domingo, quando a gente ainda se conhecia pouco, e ele insistia em fazer o café “do jeito certo”, enquanto eu só queria estar ali, vendo ele sorrir.
— As coisas vão se ajeitar, Rafa. — ele disse, como se quisesse me convencer e se convencer também. — O doutor Henrique disse que agora é só questão de tempo.
Assenti, mas fiquei em silêncio. Tempo: essa palavra, dentro da prisão, era o que mais me doía. Lá, o tempo não andava, ele arranhava.
Caio encostou a cabeça no meu ombro e ficou ali.
Sem pressa. Sem tentar preencher o silêncio com frases de consolo. Só respirando junto!
Era isso que sempre me salvava nele, a capacidade de estar comigo até no que não se dizia.
Mais tarde, mamãe apareceu. Entrou em casa devagar, trazendo flores e aquele olhar firme de quem carrega o mundo e, ainda assim, encontra espaço pra ternura.
— Meu filho… — ela disse, se aproximando e tocando meu rosto com cuidado. — Você precisa descansar.
— Eu tô bem, mamãe. — tentei sorrir, mas ela balançou a cabeça, como quem enxerga a verdade antes das palavras.
— “Bem” é o que você diz pra não me preocupar. — ela respondeu. — Mas o que eu vejo é um menino cansado, que precisa se lembrar de quem é.
Aquelas palavras me acertaram em cheio. Mamãe nunca falava em tom de ordem. Falava com o tipo de doçura que atravessa a alma.
Ela se virou pra Caio e sorriu.
— Cuida dele por mim, tá? — pediu. — E cuida de você também, meu querido.
— Sempre, dona Eloísa… — ele respondeu, e por um instante, vi nos olhos dela um carinho genuíno, como se já o visse como parte da família.
Ela ficou por um tempo, conversando, ajustando as cortinas, ajeitando flores, como se pudesse curar o ambiente com gestos pequenos. E quando foi embora, a casa ficou quieta de novo.
Os dias seguintes se misturaram entre advogados, papéis e silêncios. O caso ainda seguia em investigação, mas todos sabiam que a verdade estava clara. Eu apenas… não sabia o que fazer com o peso que ainda carregava.
Às vezes, no meio da tarde, eu sentava na varanda e ficava olhando o mar. O mesmo mar que viu nascer o nosso amor, agora parecia me observar de volta, como se guardasse tudo o que vivemos.
Caio vinha até mim, sentava no chão, encostava a cabeça no meu joelho e ficava ali, em silêncio.
Esses momentos, mesmo sem palavras, eram tudo.
Era o que me lembrava que o amor verdadeiro não precisa de promessas, ele se prova no gesto de ficar.
Uma noite, acordei sobressaltado. Sonhei com o disparo. Com o som seco. Com o corpo do meu pai caindo. Me levantei em pânico, suando, ofegante.
Caio acordou junto, assustado.
— Ei, calma… — ele se sentou na cama, me puxando pra perto. — Foi só um sonho, Rafa. Só um sonho.
— Eu… eu não consigo apagar isso da cabeça… — sussurrei, com a voz embargada. — O barulho… o olhar dele…
Caio me abraçou forte, me envolvendo nos braços, como quem protege o que mais ama.
— Você não é o que aconteceu naquele dia. — ele disse, encostando a testa na minha. — Você é o que fez depois. O que sobreviveu. O que escolheu o amor no meio da dor.
As lágrimas vieram antes que eu pudesse evitar. E ali, naquele abraço, entre o cheiro da pele dele e o som do vento batendo na janela, eu percebi que talvez o perdão, o verdadeiro perdão, começasse ali.
Dois dias depois, Caio me acordou cedo.
— Vamos sair um pouco — ele disse. — Eu sei o que vai te fazer bem.
Não perguntei pra onde íamos. Apenas confiei. Coloquei a blusa azul que ele sempre amava em mim, aquela que ele dizia que “tinha cheiro de verão”.
Pegamos o carro e seguimos pela estrada litorânea. O céu estava limpo, o vento salgado, e por um instante, eu senti a vida pulsar de novo. Quando chegamos ao mirante, entendi.
Aquele mesmo mirante onde tudo começou. Onde ele me levou numa tarde quente e o mundo parecia ter parado pra nos assistir. Foi ali que nos beijamos pela primeira vez. Ali que entendi o que era ser livre.
Caio me olhou e sorriu.
— Lembra daqui?
— Como poderia esquecer? — respondi, emocionado — Foi aqui que eu entendi que o amor podia ser casa.
Ele se aproximou e segurou minha mão.
O vento soprou forte, e naquele instante, senti que o tempo, finalmente, tinha voltado a nos pertencer.
Fechei os olhos e respirei. Deixei que o sol tocasse meu rosto, e, pela primeira vez em meses, sorri de verdade.
— Eu tô começando a me sentir inteiro outra vez, Caio. — murmurei. — Graças a você.
Ele apertou minha mão e respondeu com ternura:
— Não… graças a nós.
Ficamos ali, por horas, apenas olhando o mar, deixando que o passado fosse levado pelas ondas e o futuro começasse a nascer no silêncio.
E naquele momento, eu soube: A liberdade verdadeira não era apenas sair de uma cela. Era poder olhar pro homem que eu amava — e me reconhecer de novo nos olhos dele.
Rafa narrando...
O caminho de volta do mirante foi silencioso, mas não vazio.
Caio dirigia com atenção, uma das mãos firmes no volante, a outra repousando entre nós no câmbio, os dedos entrelaçados nos meus como se aquele contato fosse um fio invisível que nos mantinha no mesmo plano de realidade. O som baixo do motor se misturava ao vento que entrava pela fresta da janela, trazendo consigo o cheiro salgado do mar que ainda insistia em nos acompanhar.
As luzes da estrada passavam ritmadas, quase hipnóticas. Cada poste iluminava um pedaço do caminho e depois desaparecia, como se o mundo nos concedesse apenas fragmentos de clareza de cada vez. Eu observava o perfil de Caio refletido no vidro, o maxilar tenso, o olhar atento, e pensei em quantas vezes aquele mesmo rosto foi minha âncora quando tudo ameaçava desmoronar.
O silêncio começou a pesar dentro de mim.
Não era desconfortável, mas exigente. Um tipo de silêncio que pede resposta, que cobra presença. Senti aquele aperto conhecido no peito — não de dor, mas de urgência. Uma necessidade quase física de ficar sozinho com o que ainda não tinha nome.
— Caio… — minha voz saiu baixa, cuidadosa. — Para o carro ali na frente.
Ele me olhou de lado, surpreso, mas sem desviar completamente os olhos da estrada.
— Agora?
Assenti devagar.
— Dirige até o apartamento depois. Eu vou descer para a praia.
Ele diminuiu a velocidade quase imediatamente, como se cada palavra minha tivesse puxado o freio do tempo. Parou o carro próximo à entrada de areia e desligou o motor, ficando alguns segundos em silêncio antes de se virar completamente pra mim.
— Rafa… já tá tarde. — disse, com aquela mistura de preocupação e contenção que ele só usava comigo. — E você ainda tá frágil. Não gosto dessa ideia.
Olhei pra fora, pro mar escuro, depois voltei o olhar pra ele.
— Eu sei. — respondi com honestidade. — Mas eu preciso disso. Preciso ficar um pouco comigo. Prometo que volto logo.
Ele respirou fundo, passou a mão pelos cabelos, gesto que denunciava conflito.
— Perigoso não é só o lugar. — disse por fim. — É você ficar sozinho com esses pensamentos.
Sorri de leve, tentando tranquilizá-lo sem mentir.
— Eu não vou me perder. — levei a mão até o rosto dele, sentindo o calor da pele. — Eu só… preciso me encontrar.
Ele fechou os olhos por um instante, vencido pelo mesmo sentimento que sempre nos conduzia: amor antes do medo.
— Me manda mensagem quando estiver vindo. — pediu. — Qualquer coisa, eu venho te buscar. Não importa a hora.
— Tá bom, amor. — respondi, e beijei sua testa antes de sair do carro.
O vento frio me envolveu assim que meus pés tocaram a areia. O som das ondas era mais grave à noite, mais intenso, como se o mar respirasse fundo junto comigo. Observei o carro se afastar devagar, até virar apenas dois pontos vermelhos na curva da estrada… e então desaparecer.
Fiquei ali.
Caminhei sem pressa, deixando os pés afundarem na areia úmida. Cada passo parecia arrancar um pouco do peso que eu carregava nos ombros. O céu estava limpo, salpicado de estrelas que pareciam indiferentes à minha confusão interna.
Pensei em tudo. Na cela fria. No cheiro de ferrugem.
No som seco do disparo que ainda ecoava nos meus sonhos.
Pensei na culpa que me visitava sem pedir licença. No medo de nunca mais ser inteiro. No receio de que Caio estivesse amando alguém quebrado demais.
E então pensei nele.
No jeito como ele nunca tentou me consertar.
Na forma como ficava, simplesmente ficava, mesmo quando eu não tinha forças pra ser nada além de silêncio.
No cuidado quase invisível de cobrir meus ombros quando eu dormia no sofá.
Ali, sentado na areia, entendi algo que me atravessou inteiro: o amor não tinha me salvado da dor. Mas tinha me ensinado a não me afogar nela.
Quando voltei, já passava da meia-noite.
Abri a porta do apartamento com cuidado, tentando não fazer barulho. A sala estava envolta numa luz suave vinda do abajur do canto. Caio dormia no sofá, encolhido de lado, o rosto relaxado, os cílios projetando sombras delicadas sobre a pele.
Na mão dele, meio frouxo, estava o caderno azul.
Aquele caderno sempre foi nosso território secreto.
Aproximei-me devagar, tirei o caderno dos dedos dele e cobri seu corpo com a manta. Ele se mexeu um pouco, murmurou algo inaudível, mas não acordou. Observei seu rosto por longos segundos. Aquela tranquilidade… doía bonito no peito.
Sentei no chão, encostado no sofá, abri o caderno e peguei a caneta.
As palavras não vieram apressadas. Vieram verdadeiras.
Escrevi devagar, sentindo cada frase antes de colocá-la no papel.
Escrevi sobre cuidado.
Sobre permanecer.
Sobre amar alguém mesmo quando não se sabe exatamente como se salvar.
“Cuidar é ficar quando o outro treme,
é vigiar o sono alheio como quem
protege o próprio coração.
Amor não é ausência de medo,
é presença constante apesar dele.
Se um dia eu esquecer quem sou,
que seja nos teus braços que eu reaprenda.
Porque amar você
é o jeito mais calmo que encontrei
de existir.”
Fechei o caderno com cuidado e o coloquei na mesinha de canto.
Não tive coragem de acordá-lo.
Estendi o colchão no chão, ao lado do sofá, e me deitei ali. Olhei pra ele uma última vez, como quem grava um retrato no coração.
Adormeci em paz.
Protegido.
Inteiro, mesmo nas cicatrizes.
Caio narrando...
Acordei antes do sol.
Por alguns segundos, fiquei imóvel, tentando entender aquele silêncio diferente — não vazio, mas cheio de algo que parecia respirar comigo. Virei o rosto e vi Rafa dormindo no colchão no chão, o corpo relaxado, o semblante sereno.
Meu coração apertou.
Foi então que vi o caderno azul sobre a mesinha de canto.
Peguei com cuidado, como se segurasse algo frágil demais pra pressa. Olhei pra ele mais uma vez antes de abrir, e quando li… tudo desabou.
Cada verso me atravessou. Cada palavra parecia dita olhando nos meus olhos.
As lágrimas caíram sem controle, quentes, sinceras. Levei a mão à boca, mas não adiantou. Aquilo não era tristeza. Era amor em estado bruto.
Me aproximei devagar, deitei ao lado dele e me aninhei em seus braços, como se aquele fosse o único lugar possível no mundo. Encostei os lábios perto do ouvido dele e sussurrei, com a voz quebrada:
— Eu te amo com todo meu coração… pra sempre.
Rafa se mexeu levemente, ainda dormindo, e me apertou contra o peito.
E naquele abraço, soube: enquanto existisse esse amor, nenhum de nós estaria perdido.
