Os segredos de Clara - parte 2

Um conto erótico de Daniel
Categoria: Heterossexual
Contém 4956 palavras
Data: 20/12/2025 17:04:01

Os segredos de Clara. 02

Eu nunca tinha sido cegamente apaixonado por Clara. Sabia que ela tinha defeitos, que não era uma santa, mas amava suas peculiaridades e imperfeições. Elas faziam parte dela e a tornavam única, e por isso eu as amava, assim como eu esperava, não, acreditava, que ela me amava apesar, ou talvez até por causa, das coisas que me tornavam imperfeito.

Se você me perguntasse lá no início, eu diria que nos complementávamos. Ela me ensinou a ser espontâneo. Eu a ensinei a ser organizada. Ela aprendeu a definir metas. Eu aprendi que às vezes não há problema em desviar do caminho. Eu pensava que ela era o yin do meu yang.

Eu a considerava, no fundo, uma boa pessoa. Nunca a tinha visto falar mal de amigos, familiares ou colegas. Aliás, sempre a achei gentil com os outros. Ela podia ser um pouco paqueradora depois de umas taças de vinho, mas nada exagerado. E nunca duvidei da sua fidelidade.

Claro, muitas vezes a achei um pouco volúvel e excessivamente preocupada com coisas superficiais que não importavam de verdade. Coisas como acompanhar a vida de celebridades e as últimas tendências da moda e penteados. Eu não achava que ela precisasse de toda essa bobagem. Ela era tão linda sem maquiagem, de jeans e camiseta, com o cabelo preso em um rabo de cavalo, quanto com um vestido de grife, o cabelo em um penteado elaborado e coberto com tanto laquê que dava para destruir a camada de ozônio, mas ela era uma boba que caía em todas as propagandas de celebridades. Ela tinha maquiagem e cosméticos suficientes para abrir a própria loja. E sapatos! Meu Deus, como ela amava sapatos! Estaríamos muito melhor financeiramente se ela tivesse controlado essa paixão por eles e por bolsas.

Não era que eu tivesse problema em gastar dinheiro, eu não era pão-duro, mas preferia gastá-lo com coisas que tivessem significado. Coisas como criar memórias compartilhadas, jantares especiais, fins de semana fora, viagens para outros países. Coisas como aprender a esquiar ou andar a cavalo juntos. Caramba, eu até teria ido a aulas de culinária ou cerâmica com ela se isso a fizesse feliz. Contanto que fosse algo que pudéssemos fazer ou aprender juntos, eu topava.

Clara gostava das nossas viagens, mas, com a sabedoria da retrospectiva, percebi que, enquanto eu me sentia atraído por visitar alguma maravilha arquitetônica, galeria ou museu, ela preferia passar o tempo em alguma rua comercial sofisticada. Enquanto eu queria mergulhar com tartarugas marinhas, ela queria tomar sol e observar celebridades à beira da piscina. A lista era interminável. Relutantemente, admiti para mim mesmo que, na maior parte do tempo, cada um fazia o que queria durante o dia, com exceção dos momentos em que eu cedia e só nos encontrávamos no hotel a tempo de nos arrumarmos para o jantar.

Acho que ela não era tão diferente da vadia superficial e egoísta das cartas do Zaqueu quanto eu havia imaginado. Tudo o que eu precisava fazer para reconhecê-la era tirar meus óculos cor-de-rosa.

Fechei os olhos, sentindo um profundo desprezo por mim mesmo por minha cegueira diante de sua verdadeira natureza. Estava claro para mim que eu só enxergava o que queria ver. Eu me concentrava nas coisas que ela dizia ou fazia que reforçavam a imagem que eu queria ter dela e ignorava ou descartava aquelas que a contradiziam. Foi uma pílula amarga de engolir saber que minha ingenuidade e idealismo a haviam ajudado e incentivado na minha traição. Como ela e Zaqueu devem ter rido da minha credulidade. Como devem ter dado risadinhas da minha confiança inquestionável na minha esposa.

O desespero me atingiu como um tiro certeiro, bem no meio dos meus olhos. Todo o nosso relacionamento, doze anos... doze malditos anos. Bem debaixo do meu nariz. De novo e de novo e de novo. Como pude ser tão estúpido? Tão cego? Como pude ser tão idiota? Meu Deus, talvez eu merecesse. Talvez, ser burro me tenha dado o que ela me impôs. Por um tempo, me afundei em auto piedade, com o estômago embrulhado, um nó na garganta e lágrimas não derramadas queimando meus olhos. Eu não queria chorar, não queria dar isso a ela. Ela nunca saberia, mas eu saberia, e ela não era digna da minha dor.

E então algo aconteceu, alguma reação química no meu cérebro, e naquele instante eu decidi parar de me culpar. Eu não era quem tinha mentido, enganado e usado. Eu não era quem tinha ludibriado e traído. Eu não era o vilão. Quaisquer que fossem minhas falhas, elas não justificavam a forma como fui tratado.

Então, o amor me fez de tolo e me deixou surdo, mudo e cego para o que acontecia no meu próprio quintal. Era isso que o amor fazia. O amor nos fazia confiar, nos fazia querer agradar, apoiar e cuidar. Nos fazia querer acreditar no melhor do nosso parceiro. Significava que dávamos a ele o benefício da dúvida. Afinal, que pessoa sã e saudável escolheria amar alguém cruel e imoral como Clara ou Zaqueu? Pessoas como eles contavam com a bondade de pessoas como eu, contavam com nossa confiança e fé, com nossa crença inata de que a maioria das pessoas é basicamente decente. Se eu tivesse que escolher entre ser o babaca sem consciência ou o otário ingênuo, eu escolheria ser o otário. Pelo menos o otário pode se olhar no espelho e saber que a pessoa que vê refletida é honrada, talvez estúpida, mas honrada.

A cada minuto que passava, a miríade de emoções conflitantes que percorriam meu corpo lentamente se condensava em apenas duas: tristeza e raiva. A tristeza, fiz um esforço consciente para guardar e arquivar, para lidar com ela mais tarde. Afinal, eu estava de luto por uma mulher, por um relacionamento que nunca existiu. Era algo saído de contos de fadas, algo que só existia na minha mente. A raiva, porém, era justa e merecida. A raiva tinha o direito de mostrar sua face feia. E feia ela era. Feia e corrosiva, exatamente o que eu precisava. Enquanto a dor ameaçava me paralisar, a raiva fortalecia minha espinha dorsal e fortalecia meu estômago.

Seja esperto, Daniel. Seja esperto nessa. Nem Clara, nem Zaqueu, valem a pena ir para a cadeia. Além disso, dar um fim a vida deles seria muito humana. O que eles saberiam sobre dor ou arrependimento se estivessem em seus túmulos?

Pesquisa.

Eu precisava pesquisar para descobrir meus direitos em um divórcio.

Impulsionado pela ação, corri para o quarto de hóspedes, onde meu escritório improvisado estava instalado. Uma hora depois, eu sabia muito mais sobre o divórcio do que no dia anterior. Teríamos que dar entrada no pedido de divórcio e, uma vez protocolado o pedido no cartório, eu teria que esperar de quatro a seis semanas pela data da audiência, período durante o qual eu teria que garantir que ela fosse notificada. Então, desde que o juiz estivesse convencido de que nosso casamento estava irremediavelmente rompido, ele concederia automaticamente um Decreto Absoluto. Clara poderia contestar a partilha de bens se não tivéssemos casados no regime de união parcial de bens.

E a única coisa que tínhamos em comum era a casa.

Dei uma volta pela casa e observei todo o meu trabalho árduo. A casa inacabada não valeria muito, e, na verdade, provavelmente perderíamos dinheiro, mas, uma vez concluídas as reformas, poderíamos obter um bom lucro, principalmente porque não precisaríamos pagar pela minha mão de obra. A casa tinha sido escolha da Clara, mas eu preferia me mudar e entregá-la a ela no divórcio. Aliás, poderia ser mais uma forma de infligir um pouco de dor àquela vadia ardilosa. Eu preferiria incendiar o lugar a vê-la ser recompensada por sua perfídia.

Eu já tinha meu próprio apartamento quando nos casamos, bem, o banco tinha, mas a hipoteca estava no meu nome e as prestações eram pagas com o meu salário. Foi o patrimônio que eu havia acumulado na época da venda que forneceu a maior parte da nossa entrada para a casa de campo, e o restante veio da nossa poupança, na qual eu podia comprovar que depositava três vezes mais do que a Clara. Além disso, era o meu salário que cobria a hipoteca. Aliás, meu salário bancava quase tudo na nossa vida, as contas de luz, água e gás, nossos dois telefones, as prestações do carro dela, nossos vários seguros e até nossas férias. Praticamente as únicas coisas que a Clara pagava eram as roupas, o cabelo e os serviços de beleza, e algumas compras de supermercado.

Se eu entendi corretamente o que li, foi uma dádiva divina não termos começado nossa família. Sem filhos para complicar as coisas, a divisão dos nossos bens não precisava ser exatamente meio a meio. Contanto que eu pudesse comprovar a origem do depósito e das prestações, além de tudo o mais que paguei durante o nosso casamento, ela teria direito a apenas cerca de 30% a 40% dos nossos bens. Então, nada de reformas na casa até que o divórcio e a partilha de bens sejam finalizados. E se eu desfizesse um pouquinho do meu trabalho...

Eu decidi trocar as fechaduras antes que ela chegasse em casa na segunda-feira à noite. Como hoje era sábado, eu tinha bastante tempo. Tempo suficiente para garantir minha vitória e também para desmanchar um pouco do que tinha feito.

Não havia necessidade de separar nossas contas bancárias, já que nunca tínhamos nos dado ao trabalho de abrir uma conta conjunta, seja corrente ou poupança. Sabendo o que eu sabia agora, me perguntei se isso tinha sido intencional da parte dela. Por que ela iria querer isso se eu pagava tudo? Era muito melhor para ela manter o dinheiro dela separado, assim eu não veria quanto dinheiro ela gastava com roupas e coisas do tipo. Ou pior, com hotéis para ficar com o Zaqueu. Uma coisa que eu fiz foi pagar e reduzir drasticamente o limite do nosso único cartão de crédito conjunto. Considerando que a maior parte das transações nele era dela, parecia injusto quitá-lo usando meus ganhos, mas eu queria limitar o acesso dela ao dinheiro sem alertá-la sobre meus planos nebulosos. E eu certamente não queria ser responsabilizado por nenhuma dívida que ela contraísse dali em diante. Agora o limite era de R$ 1000,00. Então nos próximos dias ela poderia abastecer o carro ou pagar uma refeição sem nem perceber o que eu tinha feito.

Com as poucas coisas que consegui pensar para fazer online em relação às nossas finanças resolvidas, fiquei meio perdido, sem saber o que fazer. E agora? Olhei em volta em busca de uma resposta e vi a bagunça do meu vômito no chão da sala. Me preparando para o pior, limpei tudo, o cheiro fétido fazendo minha raiva latente voltar a ferver e me concentrar novamente nas minhas ações. Hora de arrumar as coisas da Clara.

Enquanto trabalhava, fiquei pensando no que fazer com as coisas dela. Podia guardá-las num depósito ou deixá-las na casa dos pais dela. Podia até levá-las para o apartamento do Zaqueu. A princípio, descartei a ideia de levá-las para um depósito, pois teria que pagar o primeiro mês de aluguel adiantado e eu detestava gastar mais um centavo sequer com aquela vaca. Mas, conforme a tarde avançava, a ideia foi me parecendo cada vez mais atraente. Eu poderia trocar as fechaduras e me ausentar por alguns dias sem contar para a Clara. Deixá-la passar alguns dias se perguntando, se preocupando e se frustrando por não saber onde eu estava ou o que estava acontecendo. Talvez valesse a pena investir alguns trocados para poder presenciar isso.

A única coisa da Clara que guardei foram as cartas. Pensei em digitalizá-las, mas decidi que guardar os originais era a melhor opção. Obviamente, elas significavam algo para ela, mesmo que fosse apenas para alimentar seu ego ou fazê-la se sentir atraente e poderosa, ou ela não as teria guardado. Guardá-las seria mais uma pequena pontada de dor e frustração entre as muitas que eu pretendia infligir a ela e ao seu amante idiota. Fiquei pensando em como Zaqueu se sentiria se toda a nossa família lesse suas cartas. Ou a reação da sua amada Clara-Ursinha ao ver sua família lendo sobre como ela caminhou até o altar com o sêmen de um homem que não era seu marido escorrendo pelas coxas?

O ritmo da arrumação das malas organizou meus pensamentos e, assim que terminei, voltei para meu escritório em casa e configurei lembretes no meu calendário do Outlook para registrar formalmente nossa separação em uma semana e cancelar o telefone da Clara. Dar a ela uma semana significava que eu ficaria casado com ela por mais uma semana, mas também me dava tempo para fazer alguns planos e valeria a pena causar um pouco de estresse e incerteza a ela. Além disso, eu apreciaria as mensagens que tinha certeza que ela deixaria no meu telefone. Como o financiamento do carro dela estava em nome dos dois, consegui transferir as parcelas para o nome dela e, já que estava cuidando do carro dela, liguei para a seguradora e cancelei o seguro, com efeito a partir da sexta-feira seguinte. Isso me rendeu um reembolso de quase metade do prêmio que eu havia pago e, com esse pequeno dinheiro extra, tomei uma decisão definitiva sobre o depósito para os pertences da Clara.

Meu estômago finalmente se fez presente, exigindo que eu o alimentasse. Eu estava com fome, e ao mesmo tempo, não. Fisicamente, meu corpo ansiava por alimento, mas mentalmente, a ideia de comida me repugnava. Tentando apaziguar ambos os lados, tomei uma batida de frutas, enquanto definia alguns detalhes dos meus planos a curto prazo.

Virando a cabeça, olhei para o relógio na minha mesa de cabeceira: 3h15. Suspirei. Quarenta e cinco minutos desde a última vez que verifiquei.

Durante a tarde e a noite, fora fácil manter minha fúria fervendo em fogo baixo, mas agora, no meio da noite, minha raiva vacilou, incapaz de se sustentar.

Eu queria ela de volta. O casamento até que foi bom.

A raiva conseguia me manter de pé e focado em fazer justiça quando a ideia da traição do meu amor ameaçava me destruir irremediavelmente.

A dor, porém, não sofria do mesmo problema que a raiva. A dor prosperava na escuridão.

A dor me dominou.

Chorei, lutando contra cada lágrima. Apertei os olhos, tentando estancar o fluxo. Cada uma que escorria pelas minhas têmporas me envergonhava. Ela não as merecia. Assim como o meu amor, eles foram desperdiçados na pessoa mais baixa que já tinha conhecido.

# # #

Acolhi com satisfação os raios de luz que se filtravam pelas persianas. A luz do dia significava atividade, e atividade significava um alívio da dor.

Enquanto eu engolia um pedaço de torrada, olhei em volta, avaliando o que eu poderia desmontar. Eu tinha que seguir uma linha tênue: a casa precisava continuar habitável até a partilha, mas eu queria que ela fosse avaliada pelo menor valor possível.

O dia passou depressa e, quando o sol finalmente perdeu a batalha contra o horizonte, os pertences de Clara já estavam guardados, as fechaduras haviam sido trocadas e alguns cômodos da casa pareciam necessitar de reforma.

Com uma cerveja na mão, digitei o número dos meus pais. Felizmente, meu pai atendeu, minha mãe era intuitiva demais. Eu sabia que ela me desmascararia em menos de dois minutos. Aliás, em menos de um.

— Ei, pai.

— Ei, Dani, você tá bem.

—Pai, esta ligação será rápida. Só queria avisar você e a mãe que estarei fora da cidade por cerca de uma semana, então não poderei jantar com vocês na quarta-feira como de costume. Me pediram para fazer um orçamento para a reforma completa de um novo complexo de hotel e restaurante a algumas horas daqui, ao norte.

— Ah, isso parece ótimo. Deve ser um trabalho e tanto se você precisa ficar fora por uma semana. Não se esqueça de levar algumas fotos daquele pub com temática irlandesa que você fez.

— Sim, é grande, mas pensei que, já que estaria lá, poderia dar uma olhada na região para ver se conseguia mais contatos de trabalho e obter alguns preços de acomodação ou aluguel de apartamentos por temporada para mim e meus colegas.

— Esse é o meu rapaz, sempre pensando positivo e à frente.

— Tal pai, tal filho, né, pai?

Meu pai deu uma risadinha. — Bem, eu não gosto de me gabar...

Agora era a minha vez de rir. — Preciso ir, pai, preciso arrumar minhas coisas porque quero sair cedo amanhã para evitar o trânsito do horário de pico. Diga à mamãe que a amo e que nos vemos quando eu voltar.

— Certo, filho. Boa viagem e boa sorte com o orçamento. Ah, lembrei agora, mostre a eles as fotos daquela sala de jogos que você fez para aquele cara divorciado. Era um bar e uma área de jogos incríveis que você projetou e construiu para ele. Um dia eu convenço sua mãe a deixar você construir uma igualzinho para mim.

A menção dele a um cara divorciado, foi a minha deixa para rir. Pareceu-me forçado, e eu esperava que meu pai não percebesse. Desliguei antes que me entregasse ou que ele pensasse em pedir mais detalhes.

Eu não menti descaradamente, apenas distorci um pouco a verdade. Havia um projeto de reforma no norte para o qual eu faria um orçamento em breve, só que não nesta semana.

Em seguida, liguei para meu irmão e melhor amigo, Saulo, e contei a ele a mesma história que havia contado ao meu pai. Me senti bem com a minha artimanha, pelo menos nem ele nem nossos pais mentiriam para Clara em meu nome. Logo eu teria que contar a verdade e arrastá-los para o meu inferno particular. Eu temia isso. Sabia que eles sentiriam minha dor como se fosse deles. Me perguntei se Clara ou Zaqueu já haviam parado para pensar em coisas assim, em quantas pessoas o caso deles magoaria. Provavelmente não.

Refleti bastante sobre com quem deixaria meu próximo recado. Tinha que ser alguém que provavelmente não conversaria com meu pai ou meu irmão, mas alguém com quem Clara pudesse falar. No fim, não consegui me decidir entre duas das amigas mais próximas de Clara no trabalho: Suze e Tereza. Ambas eram casadas e faziam parte do nosso círculo de amigos, e, se eu organizasse uma festa surpresa, certamente estariam na lista de convidados. Liguei para as duas.

— Oi, Suze. Sou eu, Dani.

— Oi, Dani. Como você está? Como a Clara está aproveitando o fim de semana no spa? Que vaca! Estou morrendo de inveja.

O riso suave de Suze desmentia suas palavras provocativas.

— Ótimo, eu acho. Pelo menos, ela não me ligou reclamando. — Tentei dar um tom mais leve e bem-humorado à minha voz, mas o esforço deixou um gosto amargo na boca. — Vou ser breve, Suze, porque tenho um monte de ligações para fazer, mas estou planejando uma festa surpresa para a Clara para comemorar nosso décimo aniversário de casamento. Pensei em ligar para o máximo de pessoas possível hoje à noite para saber se elas gostariam, porque vou estar no oeste a trabalho na próxima semana e, como você sabe, a Clara volta para casa amanhã e vai ser mais difícil fazer isso sem que ela perceba.

Sem surpresa, Suze concordou em disponibilizar ela e o marido. Dei a ela alguns detalhes vagos, algo informal, duas semanas de antecedência, que ela pudesse convidar outras pessoas e que eu entraria em contato para confirmar o local e a hora. Claro que tudo isso era conversa fiada. Eu não tinha a menor intenção de dar uma festa, de jeito nenhum.

Minha conversa com Tereza foi quase idêntica.

Agora, a decisão mais difícil de todas.

Zaqueu.

Servi-me de um generoso copo de conhaque e virei-o de uma vez. A ardência na garganta provocou um chiado. Enquanto o calor persistia no meu estômago, digitei rapidamente o número de Zaqueu. Claramente, isso era algo que eu teria que mudar. Eu não imaginava um futuro onde estaria trocando ligações com meu primo fura-olho.

— E aí, Zac pestinha. Como está?"

Pela primeira vez, percebi como o apelido do Zaqueu era apropriado. Quando pequeno, ele o ganhou por sempre se meter em encrenca. Quantas vezes eu vi a mãe dele lhe dar umas palmadas leves, exasperada, e chamá-lo de pestinha? Naquela época, era com carinho. Agora, eu dizia com convicção. Zac, o arrogante, não fazia a menor ideia.

— Ei, Dani. O que tá pegando?

Contei praticamente a mesma história que havia contado para Suze e Tereza, com alguns trechos do que eu tinha dito ao meu pai e a Saulo, exceto pela versão dele: eu disse que estaria trabalhando algumas horas ao sul.

— Você mima muito a Clara, Dani.

Talvez tenha sido impressão minha, mas achei que ouvi um toque de arrogância na voz dele. Fechei a boca com força, as narinas dilatando de raiva. Por sorte, Zaqueu estava do outro lado da linha telefônica, e não na minha frente, pois duvido muito que eu conseguiria me controlar se estivéssemos cara a cara.

— É, bem, é isso que você faz quando ama alguém. Você a mima. — O fato de eu não ter me engasgado com as palavras foi um pequeno milagre. — Você deveria tentar isso algum dia com todas aquelas garotas com quem você sai. Talvez alguma delas ficasse por perto se você fizesse isso.

Assim que a indireta saiu da minha boca, me arrependi. Foi uma estupidez. Prendi a respiração, esperando sua resposta, torcendo para não ter revelado meus verdadeiros sentimentos por aquele idiota.

Zaqueu riu. — Você provavelmente tem razão, mas aí você está presumindo que eu quero que elas fiquem por perto. Talvez eu prefira variedade.

— O tempero da vida e tudo mais, né?

— Sim, algo assim.

Com exceção da Clara. Com exceção da minha esposa. Nela, você vem enfiando seu pau invariavelmente há doze anos.

Precisava encerrar a chamada antes que me entregasse.

— Bem, vou deixar você com suas aventuras amorosas. Eu gosto de uma vida sexual garantida. Dá muito menos trabalho levar uma mulher para a cama depois que você coloca um anel no dedo dela. E é mais barato também.

— Não sei não. Alguns jantares parecem muito menos do que alguns homens casados gastam para agradar suas esposas.

—Talvez. — Forcei uma risada, incapaz de resistir a uma última alfinetada. — Mas, por outro lado, Clara sempre foi fácil de agradar. Trago um buquê de flores para ela e ela me chupa do jeito que eu gosto. Mais de uma vez, aliás, e exatamente do jeito que eu a ensinei. Nem vou entrar em detalhes sobre o que ela faz quando ganha uma bolsa nova para sua coleção cada vez maior. Digamos apenas que, quando isso acontece, tenho uma ótima semana. Mais do que ótima, e vale cada centavo.

Houve silêncio do outro lado da linha e eu me perguntei se não teria ido longe demais, eu nunca falei de forma grosseira sobre Clara.

— Droga, é melhor eu parar com o conhaque. Obviamente, bebi demais enquanto fazia essas ligações. Isso me deixou muito falante.

— Não se preocupe, Dani. Seu segredo está a salvo comigo.

Tomara que esteja mais seguro do que a forma como você respeitou nossos laços familiares e os votos de casamento da Clara, seu idiota.

— Sim, obrigado. Falamos em breve.

Meus pensamentos deslizavam pela superfície da minha mente como as pedras que eu tantas vezes atirava na superfície calma do lago quando era pequeno. Pensei em coisas bobas. Coisas em que não pensava há anos. Zaqueu e eu correndo para o mato atrás da casa dele para experimentar os cigarros que ele tinha roubado do pai, nós dois tossindo e engasgando. Saulo, Zaqueu e eu jogando futebol na vizinhança. Festas do pijama em que nós três sussurrávamos até altas horas da noite. Zaqueu e eu num encontro duplo no drive-in. Nós dois virgens e morrendo de medo. Nós três tentando superar um ao outro jogando Pokémon. Pescar. Nadar. Surfar. Acampar. Tantos pensamentos. Tantas lembranças de um tempo onde não havia maldade em nossos corações.

Tudo maculado.

Quando foi que Zaqueu se esqueceu da nossa amizade? Do nosso parentesco? Quando foi que ele decidiu que me trair era um preço que ele estava disposto a pagar para enfiar o pau na minha mulher? Na minha esposa. Como ele conseguia se olhar no espelho sabendo o que tinha feito comigo? Com a nossa família? Como ele conseguiu justificar isso para si mesmo?

Cerrei os dentes, forçando meus pensamentos a parar. Eles não me ajudariam, só me machucariam e me enlouqueceriam com a falta de respostas.

Triste, mas satisfeito por ter alcançado meu objetivo de esconder meu paradeiro durante a próxima semana, dependendo de, com quem ou quantas pessoas Clara falasse, ela pensaria que eu estava ao norte, ao sul ou a oeste de nossa casa, fui para o chuveiro.

Mais uma noite de insônia. Mais uma noite assombrada por perguntas para as quais eu provavelmente nunca teria respostas. Pelo menos, não uma resposta honesta. Não uma que eu pudesse aceitar sem reservas ou dúvidas. Com suas ações, tanto Clara quanto Zaqueu se mostraram enganadores, indignos de confiança e egoístas. Qualquer coisa que dissessem em sua defesa seria suspeita.

Aquilo me incomodava. Eu queria a verdade. Não conseguia parar as perguntas que inundavam minha mente. Queria saber por quê. Queria saber como eles puderam fazer uma coisa tão terrível. Queria que houvesse alguma coisa . Algo que eu pudesse apontar e dizer: "Sim, é por isso que ela me traiu. É por isso que ela não me amava." A situação seria mais fácil de suportar se houvesse algo específico a quem eu pudesse culpar. Alguma explicação simples que desse sentido a tudo e me protegesse da tortura de não saber o porquê.

Se para ela nunca houve faísca, conexão, por que se casar comigo? Se ela queria o Zaqueu, por que não se casou com ele? Se ela queria transar, por que se casar? Por que a traição? A crueldade? Por que tantas mentiras, anos e anos de engano? Por que a indiferença descuidada aos meus sentimentos?

E ele? Eu queria saber como ele conseguia me olhar nos olhos todos esses anos e mentir descaradamente para mim repetidas vezes. Eu queria saber como ele podia negar tão veementemente nossa história em comum. Como ele conseguia ficar ao meu lado na igreja sabendo o que tinha feito? Como ele podia sentir prazer com isso?

Eu queria as mesmas verdades da Clara. Como? Como ela pôde? Por quê? Ela teve uma vida boa. Ela era amada e querida. Então por quê? O que eu fiz de errado? Puta merda, o que eu fiz de errado?

E, no fundo, eu sabia que nada do que eu tinha feito poderia justificar as ações deles, mas mesmo sabendo disso, ainda me dilacerava perceber que eu nunca saberia toda a verdade.

Você vai ter que dar um jeito de aceitar isso, Daniel, meu velho. Você nunca vai saber. Se torturar com isso só dá mais poder a eles, e você já deu poder demais.

Apesar do meu discurso interno motivacional, continuei remoendo tudo o que não entendia. Incapaz de permanecer deitado na cama, levantei-me e acendi a luz. Em dois passos, estava diante do espelho de chão antigo que Clara havia me convencido a comprar apenas uma semana antes. Deixei cair minha cueca e me examinei. Cheguei até a me virar para observar minha bunda e minhas costas.

Eu estava em boa forma. Mesmo que eu não me encontrasse com o Saulo algumas vezes por semana na academia, meu trabalho como carpinteiro garantia isso. Flácido, meu pênis não era lá essas coisas, mas meu pacote sempre foi mais do tipo que cresce do que do tipo que se exibe. Ereto, eu tinha pelo menos 18 centímetros com uma boa grossura, então não era astro pornô, mas também não era fraco. Eu certamente nunca tinha recebido nenhuma reclamação antes de começar a namorar a Clara exclusivamente. Eu até aparava os pelos do meu corpo para ela, embora eu tivesse me recusado a depilar os poucos pelos do meu peito.

Fisicamente, eu não tinha a aparência de uma estrela de cinema, mas Zaqueu também não era do tipo que faria as mulheres suspirarem nos corredores da escola. Tínhamos altura e porte físico semelhantes; se eu fosse muito exigente, diria que Zaqueu tinha uma barriguinha mais saliente, com o início de algumas gordurinhas laterais, mas, no geral, nenhum de nós era visivelmente mais bonito ou estava em melhor forma. Então, se a aparência não foi um fator motivador para a traição de Clara, o que foi então?

Eu era um amante medíocre? Um fracasso na cama? Clara sempre parecera satisfeita, até mesmo entusiasmada, durante o sexo, mas talvez ela estivesse fingindo todos esses anos. Ela me enganou tão completamente sobre tudo o mais que eu já não confiava mais nas minhas próprias crenças sobre nossa vida sexual.

Senti-me à deriva; sem âncora num rio de correnteza forte. Tudo em que eu acreditava sobre Clara e eu era falso. Nada na nossa vida era como eu imaginava. Sem nenhuma verdade à qual me agarrar, senti-me perdido.

Me vi no espelho e amaldiçoei Clara e Zaqueu pela postura curvada dos meus ombros e pela minha cabeça baixa. Observando meu reflexo, lembrei-me da minha promessa da noite anterior de não me culpar pelas ações deles. Eu não era responsável pelo que eles fizeram, a culpa era deles.

Endireitei e alinhei meus ombros deliberadamente, erguendo o queixo. Meu olhar era desafiador. Eles não me derrotariam. Eu me recusava a dar-lhes essa chance. Eles não me quebrariam. Eu não permitiria. Já tinham tirado o suficiente de mim. Não lhes daria mais nada.

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Comentários

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Situação difícil, o sangue frio do protagonista está me soando particularmente angustiante, a conversa com o primo Talarico foi cheia de fortes significados, veremos onde Daniel quer chegar, mas com certeza, ele é capaz de qualquer coisa, tendo em vista a calma que se contrapõe ao todo o processo emotivo negativo no qual ele foi exposto, isso denota uma capacidade de execução de vingança acima da média, veremos. Muito bom, torcida para que ele não perca a mão e acabe prejudicando a si e também a quem não merece.

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Na conversa telefônica, eu achei o talarico mais retraído. Eu esperava ele com zombarias de duplo sentido e cheio de segundas intenções. O amigo teve a mesma percepção?

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"Se para ela nunca houve faísca, conexão, por que se casar comigo? Se ela queria o Zaqueu, por que não se casou com ele? Se ela queria transar, por que se casar? Por que a traição? A crueldade? Por que tantas mentiras, anos e anos de engano? Por que a indiferença descuidada aos meus sentimentos?"

Esses são os questionamentos de um milhão de dólares. No fundo, Clara deve achar que o corno é a segurança, o desejo de uma vida responsável. O talarico jamais entregaria isso. No fim das contas, ela queria o melhor dos dois mundos.

Ou então, isso tudo faz parte de uma trama muito maior, sórdida, de que o talarico e Clara armaram muito antes do casamento. Talvez por alguma herança do corno, não sei...

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Também acho que está faltando algo para decifrar essa situação.

Bom, pelo menos, o Daniel já tomou algumas providências ao invés de ficar somente esperando por respostas. E respostas que podem ser mais falsas que uma nota de 3 reais.

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