Procurou a vida inteira... o emprego certo, a quantia certa, a medida exata, o essencial, um pouco de felicidade...
O último beijo na boca fria... tão bom quanto qualquer outro! O peito mais apertado. O coração queria sair-lhe pela boca! As mão, geladas!
Ontem, ainda, tão cheia de vida, chamava seu nome no quintal. A face rosada, os lábios carmim...
Correm-lhe lágrimas dos olhos apertados, agora que a tampa se fecha sobre o corpo. Dizem-lhe algo, mas nem ouve ou pensa - palavras... já tão confusas quanto os sentimentos.
Carregam o caixão para o carro funerário. A caminho do cemitério, as lembranças tão vivas! Nunca mais a veria... nunca mais seu toque... nunca mais seu cheiro... nunca mais sua voz...
Ainda ontem, antes de dormir, a última palavra, o último abraço...
Lucia se foi como a noite em um sono profundo. A morte súbita. Nunca suspeitaram do sopro em seu coração. O médico da família, duvidava do laudo do legista! Mas nada agora importa... nunca mais... nunca mais... pensava Davi.
Agora, já dentro do túmulo, cerrava-se a campa com cimento e pesar.
Em casa, recebe as últimas considerações dos amigos, despedem-se oferecendo apoio e fecha-se a porta para a solidão.
Só Lucia nos pensamentos... imaginava que a qualquer momento, ainda, ouviria seu chamado.
Havia tempos que sua vida mudara. Há tempos seu coraçãozinho havia eleito Lucia... Lembrava-se do primeiro momento em que a vira, a primeira conversa... Tudo era encanto! Os cabelos longos, lisos, a pele branca, a voz suave... tão suave como embriagante era seu olhar!
E, a cada dia, a amou mais!
Amou seus passos, seus modos, seus defeitos, sua história perfeita!
Há tempos havia decidido viver unicamente para faze-la feliz... Mas a depositária de sua alma se fora, como o orvalho restou-lhe o aroma...
Sentado, próxima a noite, a saudade furtou-lhe a razão. Sem um sinal, ao menos um aviso!... Abomino a este ser que me deu a vida e tirou-me a inspiração... Abomino a minha torpe mãe, farta em ignorância, ao me pôr neste mundo... Abomino-me a mim e toda minha existência impotente, acovardado pela morte... Hoje a desafio!...
Levantou-se e seguiu para o cemitério. Uma ponta de felicidade ressurge, um certo brilho nos olhos.
Já encontravam-se fechados os portões quando chegara. Pulara o muro pela parte mais baixa já flutuava. Só o túmulo... Em sua frente, o cimento ainda fresco nas bordas da campa, sussurra: Lucia? Lucia?... É Davi, meu amor... vem agora... vim te buscar... raspa o cimento com os dedos, encontra uma fenda, crava os dedos, agora ensangüentados e puxa com toda a força. A tampa abre-se. Ávido e quase cego desprega o caixão abrindo-o: Levanta, meu amor... segurando seus braços frios ... é mentira, você não morreu! Minha vida era tua, você se foi e eu não morri... nós não morremos... vem comigo pois eu ando e já sou morto!... Puxa-a para fora e carrega-a nos ombros: Vem, amor. Sei que você vai melhorar!
Com pouca dificuldade, coloca-a sobre o muro, pula para o outro lado e puxa sua amante. As ruas escuras tão movimentadas quanto o cemitério! Dentro do carro, mais juras de amor o mais eterno...
Entra. Preparo-lhe um banho... arrastando-a para dentro. Deita-a na cama, traz uma bacia com água morna, uma esponja, sabão e toalha. Despe-a. A pele opaca, quase rigidez dos membros enquanto passa a esponja: Tão bela quanto da primeira vez em que te vi!
A esponja corre-lhe o rosto inerte, o pescoço e os seios. Beija-lhe com carinho a testa, os olhos cerrados... as orelhas... o pescoço... Lembra da primeira vez, minha vida? decidira que nem toda a morte do mundo os separaria.
Beija-lhe a boca seca com ardor, as mãos tateiam o corpo. Já está sobre ela... o perfume ainda em seu cabelo... beija seus seios... ainda parece haver um resto de calor... um resto de vida em sua pélvis... os lábios percorrem seu quadril inerte... a virilha... as coxas... o perfume do seu sexo, ainda resta...
Lágrimas... afasta aquelas pernas com certa dificuldade o rigor ainda não era total. Te amo, linda... Suga-lhe a vulva, fitando-lhe o rosto e quase sentindo-lhe o sorriso. Enxuga os olhos enquanto se despe. O pênis quase ereto. Inicia a penetração, sentindo um resto de calor naquela vagina... um resto de umidade. Sobre ela, admirando o rosto belo e pálido, beija-lhe o pescoço enquanto continua a cópula fúnebre. O frenesi... imagens vaporosas de sua memória... um gemido. O corpo balança sob o seu. A mais miserável esperança e sente-se próximo do orgasmo. Enterra os quadris entre suas pernas... o gozo súbito. Ouviu-se um urro de prazer.
Deitado sobre o corpo... minutos, maciez, sono... dorme sobre a amada, abraçado... sem culpa.
Semanas após, o cheiro, insuportável, alertara os vizinhos. Havia tempos que os movimentos na casa cessaram. A porta arrombada pela polícia. Na cama, sangue, dois corpos e pulsos abertos. Enfim, a vida fez-se mais justa! Carregou, à força, aquele resto de vida o resto de vida de Lucia.
